quarta-feira, 27 de maio de 2009

eVALDO gOUVEIA: cANTOR dE gABARITO*


CRISTIANO BASTOS

Em 1957, o compostor cearense Evaldo Gouveia compôs "Deixe que ela se vá" (parceria com Jair Amorim), sua primeira música e um dos sucessos mais populares de Nelson Gonçalves. A canção está no álbum Escultura (1959), que traz os big hits "Destino" e "És tudo pra mim."

Gouvea tocou seu violão no especial Eternamente Nelson. Nelson refere-se a Gouveia como um "cantor de muito gabarito".

Na década de 50, Gouvea frequentava um restaurante no Leme, no Rio, chamado Cabeça Chata. Por lá, comia bebia; na hora de pagar, recebia um violão para cantar. Mário Lago, ocasionalmente, ia ao lugar.

Evaldo tentava-lhe mostrar algumas de suas composições – mas ele sempre desconversava...

Um dia, no bar da Rádio Nacional, Mário Lago chamou Evaldo: "Vem cá menino. Mostra aqui pro Nelson aquela música que você cantou no Cabeça Chata. Após ele cantar, o Metralha disse: "Pode parar. Leva lá na Victor (RCA) que vou gravar essa música".

Se passaram sete meses e nada. Evaldo já tinha até esquecido. Nelson cruzava por ele, e nem cumprimentava. "Um dia, eu estava tomando cerveja e escutei no rádio aquele vozeirão do Nelson a cantar:

'Deixe que ela se vá, não lhe diga que não, que não'... P... que o pariu! Foi a maior emoção de minha vida!".

Evaldo elucida que Nelson gravou a canção, mas não lhe avisou. Por sua vez, ele admite que era muito acanhado. Portanto, tinha vergonha de chegar em Nelson e perguntar.

Soube pelo rádio. "Deixa que ela se vá' é uma grande dor-de cotovelo. Eu só faço canções de
amor", confessa o letrista, incurável romântico. Grande emoção, para Evaldo, foi ter a primeira composição de sua vida gravada por Nelson Gonçalves:

"Se não houvesse esse encontro, jamais eu teria ficado na música. Depois, quando fui receber pelos direitos da canção, veio uma bolada alta. Coisa que, normalmente, demorava um ano para eu ganhar", revela.

Nelson pode ter esquecido de Gouvea, ao gravar sua música. Mais tarde do que nunca, porém, agradeceu o parceiro em Eternamente Nelson: "Um cantor de gabarito", elogiou.

*Extra da matéria da matéiria sobre o DVD Eternamente Nelson. "Deixe que ela se vá" é umas das que estão no meu top românticas de Nelson:

Camisola do Dia

A Deusa da Minha Rua

Maria Bethânia

Fantoche

Castigo

Pensando Em Ti

Deixe Que Ela Se Vá

Três Apitos

Segredo

Destino

Dos Meus Braços Tu Não Sairá

oS fEVERS & o SIMONAL

Em cartaz dos cinemas de todo o Brasil, em 2009, o público foi brindado com o documentário que joga um facho de luz sobre um dos personagens mais obscurecidos da MPB: Wilson Simonal (1939-2000). Ninguém Sabe o Duro que Dei trouxe à tona, novamente, a memória do cantor - enxotado pela "intelectuália" brasileira, após suspeita de que servia ao Dops, à época do regime militar.

O baixista dos inofensivos The Fevers, Liebert Ferreira, lamenta o triste episódio. Na sua avaliação, Simonal nunca teve envolvimento político:

"Acompanhamos toda sua carreira, após termos sido contratados pela TV Record. Acredito que seu grande sucesso, na verdade, foi o que lhe derrubou", aposta.

Para Liebert, Simonal, acima de tudo, foi um cara que inovou a música. "Nos anos 60, ele chegou no Maracanazinho, sozinho, e comandou uma multidão inteira. Até começou seu show com a 'Turma da Pilantragem', música feita para o povo cantar".

Os The Fevers, faz justiça, são eternamente agradecidos a Simonal:

"Quando tocamos para o Simonal, em "Mamãe passou açúcar ni mim", éramos apenas garotos. Maestro Peruzzi, arranjador do degregado Simonal, nessa canção, sugeriu que ele não usasse apenas arranjos de orquestra. Mas, sim, que o juntasse com uma guitar band, para que saísse algo diferente. Veio daí a ideia de misturar sopros e côro", retrata Liebert.

Trata-se, na verdade, da primeira gravação que Os The Fevers realizaram no estúdio da antiga Odeon. Logo de saída, a composição (autoria de Carlos Imperial,) explodiu no país inteiro. "A gravação rolou em dois canais, como era naquele tempo. Foi uma vitória maravilhosa".

sábado, 23 de maio de 2009

bURTISMO bEM pEGADO!*


Burt Bacharach – Porto Alegre, Teatro do Sesi – 13/04/2009

Eu apertei a mão do Burt Bacharach! Bota isso na capa da revista! Liga pro além e avisa o meu coroa que rolou essa preza – ele vai abrir um sorrisão orgulhoso e levantar o polegar da mão direita como quem diz "Agora sim!", enquanto pede mais uma rodada de scotch pra ele, pro Frank, pro Dean e pro tio Russo.

Depois disso, sinceramente, fico apenas no aguardo de um bate papo com o Sean Connery e o Francisco Cuoco, uma churrascada com o Beck e os caras do Flaming Lips (de repente alguém do Wilco de bicão), uma beberragenzinha qualquer com o Adam Sandler e o Steve Buscemi e uma pajelança com Woody Harrelson, Willie Nelson e Snoopy Dogg...

Depois de apertar a mão do Burt Bacharach, na boa, fiquei bem menos exigente com meus sonhos absurdos (exceto os que envolvem a Eva Mendes, claro!).

Mas não foi só isso não, jóvens! Teve o show - e é isso que me trás à escriba dessas linhas. Showzão! Empolgante, romântico, finíssimo e, claro, em se tratando de um dos maiores compositores da música moderna, repleto de hits.

Tão repleto de hits que logo no começo, depois de uma introdução com "What the world needs now is love", ele cometeu o que cheguei a pensar ser o disparate de "gastar" alguns de seus maiores sucessos em um medley – nele, "This guy is in love with you", "I say a little prayer", entre outras, praticamente reduzidas a breves citações.

Mas não, eu estava enganado, não foi disparate, foi a melhor forma encontrada para incluir num show de cerca de duas horas o grosso de sua excelente produção nestes mais de 50 anos de carreira.

Antes de chegar ao Teatro do Sesi, onde aconteceu o espetáculo, ou até antes de ler as matérias que rolaram sobre o show na imprensa, na semana que o antecedeu, eu estava também curioso com o formato da banda com a qual ele se apresentaria – e sonhando com os fabulosos arranjos orquestrados dos discos do mestre.

E ele se veio com um pianão de cauda no centro do palco, de onde regia cheio da energia e empolgação com que carrega seus 80 anos no corpo, um grupo de 10 integrantes: uma violinista gatinha; dois bróders encarregados dos sopros (um variava entre tipos de sax e outro ficava entre o trompete e o flugelhorn); um baixista e um batera que cumpriram com as expectativas e mantiveram as sempre bem engrenadas traquitanas da típica cozinha bacharachiana; três vocalistas (duas cantoras com vozeirões lindos e um magrão que cantava legal, mas era meio balaqueiro demais pro meu gosto); e outros dois tecladistas (que às vezes abusavam dos timbres de strings e meio que quase chineleavam a coisa toda - mas, beleza, faz parte!).

A primeira música que o próprio Burt cantou no show só apareceu lá pela metade, e foi "The Look of Love", no meio de um outro medley, dedicado às canções que ele compôs para trilhas de filmes, onde também estavam "Raindrops Keep Falling on My Head", "What’s New, Pussycat", "Alfie" e mais outras várias – talvez o momento mais emocionante!

Foram uns cinco ou seis medleys na noite toda, reunindo em uma estrutura só, clássicos do maestro alternando-se com canções que eram executadas separadamente, sempre apresentadas com muita simpatia por Bacharach (por exemplo, antes de "That’s what friends are for" ele a dedicou aos presidentes Lula e Barack Obama, como "novos amigos", e antes de um medley com as primeiras composições suas a serem gravadas ele disse que até para ele, elas pareciam ser de outro compositor).

Às vezes a introdução era para destacar a canção ou medley que estavam por vir, ou algum músico ou vocalista que eram destaque na faixa, às vezes era só um gracejo ou charminho, afinal o cara é pura catêga!

E a importância de se ter um manancial de catêga desses na nossa cidade, a Porto Alegre que sempre foi vista como usina de boas idéias, principalmente musicais, será que foi valorizada?

Bom, aí podemos correr pruma discussão semântica, pois valorizada foi sim, e pacas – os ingressos mais baratos, no 'distante mezanino', custavam 250 reais e os de platéia baixa, bem pertinho do Cara, eram 450 reais (que, na boa, há de ser salgado até pra quem tem muuuita grana!).

Mas infelizmente essa valorização toda afastou o público das gostosas cadeiras do teatro e do espetáculo de música e finésse que se assistiu. Afastou um público mais jovem de ter contato com um dos maiores compositores ainda vivos do mundo, e o afastou um pouco mais de sua excelente música.

Assim como a crise financeira (que existe sim!) afastou gente que teria condições, de dar-se o luxo de ir assistir Burt Bacharach em um evento elegante... E o resultado foi um teatro com apenas metade de sua capacidade recebendo um dos maiores verbetes da música moderna. Pena!

Mas o showman não deu bola pra isso, pois de vários "issos" é feita a estrada de um mestre do seu porte! Fez um showzão! E ainda recebeu com carinho a cidade e foi atrás de Porto Alegre oferecendo amor e cumplicidade como suas canções falam.

Segundo a produção local, logo após o café da manhã do dia do show, Burt foi correr no Parcão (parque próximo ao hotel que o hospedou), e mais tarde caminhou no Parque da Redenção e pela orla do Rio Guaíba, pontos turísticos obrigatórios da capital gaúcha.

E depois de toda essa andança e mais de uma hora e meia de show, ele e seus 80 anos ainda voltaram ao palco sorridentes para fazer dois bis. Pois a cada vez que saía, ele ganhava um mimo de algum fã, um arranjo de flores, uma palavra de carinho, um aperto de mão...

Ah sim, eu já contei? Eu apertei a mão do Burt Bacharach! Acho que já, né?! Mas, enfim... Sim, é verdade! Juro! Foi bem no finalzinho do show, no último bis, ele e sua banda repetiram "Raindrops Keep Falling on My Head" e antes de encerrar tudo de vez com a música que haviam aberto o show, "What the world needs now is love", ele se aproximou da beira do palco e abaixou-se para cumprimentar os fãs que já não mais aguentavam aquela austeridade toda de show de 450 reais e foram para a frente do palco demonstrar o carinho, respeito e amor pelo grande maestro que haviam assistido.

Foi demais! Inesquecível!

*Carlinhos "Bidê ou Balde" de Mascarenhas Carneiro apertou a mão do Burt. Acho que ele já disse isso, né? Como diria o Chicão, parceiro nosso: "Préééééééééza!". Fotos: Diego Marques. Leia o original na edição de maio da revista Noize.

uMA cASA nO cÉU

POR CRISTIANO BASTOS

Músico do campo e criador do rock rural, Zé Rodrix não gostava de médicos

À meia-noite de ontem (quinta-feira), o destino carregou outro brasileiro ilustre. Seu nome: Zé Rodrix. O cantor e compositor, fundador do grupo Sá, Rodrix & Guarabyra, morreu em casa, em São Paulo, aos 61 anos,vítima de parada cardiorrespiratória.

Rodrix deixa mulher, seis filhos e dois netos.

A filha Bárbara Rodrix, 18, prestou ao pai o primeiro atendimento: "O que me tranquiliza, é que ele não sofreu. Estava muito bem, gozando o melhor momento de sua saúde. Aparentemente, não havia nada de errado", contou a filha ao Jornal de Brasília. Segundo Bárbara, Zé Rodrix chegou em casa sentindo-se mal", conta.

A irmã, Mariana, médica,foi chamada para atendê-lo como fazia habitualmente. "Papai não gostava de médicos. Ele não queria ir para o hospital. Sentiu que ia desmaiar, teve convulsões e uma parada respiratória." Zé Rodrix faleceu a caminho do Hospital de Clínicas, em São Paulo:

"Tentaram reanimá-lo mais ou menos à meia-noite. Recentemente, ele tinha feito exames, sua saúde estava perfeita", lamentou Bárbara, que toca violão e, recentemente, finalizou a gravação de seu primeiro disco, produzido pelo pai: "Como sempre, ele não parava".

O multiartista recifense, Lula Côrtes (que, nos anos 70, foi expoente do chamado "udigrudi nordestino"), diz que o som de Sá, Rodrix & Guararabira embalou boa parte de sua juventude. O rock rural, observa Lula, era a demonstração verdadeira da vontade de toda uma geração que descobriu em "ir morar no campo", uma forma toda particular de liberdade e de integração com a natureza, bem característico das experiências lisérgicas hippies daquela época:

"É uma perda irreparável. A música brasileira fica, mais uma vez, privada de um grande talento."

A co-autora do livro Psicodelia Brasileira - Um Mergulho na Geração Bendita (que narra as histórias da contracultura brasileira, nas décadas de 60 e 70), Tatiana Melo, situa mais importantes do que se convencionou chamar de contracultura brasileira".

Na década de 1970, Rodrix morou no famoso Solar da Fossa – espécie de pensão-pulgueiro, lar
dos desbundados cariocas – e fundou o Som Imaginário, big band dos sonhos e uma das mais importantes representantes da psicodelia nacional.

"Depois, caiu na estrada como Sá e Guarabyra e, em suas letras, conseguiu traduzir o ideário hippie americano para a juventude brasileira."

Rodrix cantava a liberdade, a natureza e a vida simples. Quando a música lhe impediu de criar, no início dos anos 80, voltou-se à publicidade: "Além de seu trabalho, Zé foi um cara que vivia e
transpirava, liberdade e criatividade. Não é a toa que seus filhos são artistas", diz Tatiana, ao rememorar que, na época em que escrevia o livro, seus autores eram apenas estudantes.

Zé Rodrix, porém, nem se importou com isso, e abriu-lhes o coração e suas histórias da juventude. "O Brasil perdeu um de seus grandes compositores".

Music: non-stop - Multi- instrumentista (piano, acordeom, flauta,bateria, saxofone e trompete), compositor de jingles e publicitário, Zé Rodrix não "parava". Em 1967, participou do Festival de Música Brasileira da TV Record,acompanhado de Marília Medalha, Edu Lobo e o Quarteto Novo, com a canção Ponteio Nos anos 70, integrou o progressivo Som Imaginário,mas continuou compondo.

"Casa no Campo", composição sua e do músico Tavito, ganhou o Festival de Juiz de Fora, em 1971, e fez muito sucesso na voz de Elis Regina. Outro sucesso seu foi "Soy Latino Americano" Ao lado de Sá e Guarabyra,Rodrix se consagrou como um dos ícones do chamado "rock rural".

Também atuou no grupo Joelho de Porco No início dos anos 2000, o músico causou polêmica ao revelar, em uma entrevista,que era maçom. Zé Rodrix chegou a lançar uma trilogia de livros sobre a maçonaria.


sexta-feira, 22 de maio de 2009

a bRASÍLIA dOS fEVERS

The Fevers fala de sua relação com a capital federal e lembra início de carreira, como banda de apoio de Roberto e Erasmo
POR CRISTIANO BASTOS
No distante ano de 1966, a caravana Hoje é Dia de Rock (na verdade, um show televisivo, outrora comandado pelo apresentador Jair de Taumaturgo, na TV Rio) aportou numa Brasília ainda bebê.
No bagageiro, vinha junto uma turma de ídolos da nova música brasileira: a Jovem Guarda. Entre os quais, os The Fevers, conjunto que apresenta amanhã, na capital federal, seu Show Baile Anos 60&70.

"Levei um susto ao chegarmos em Brasília. Os hotéis eram edificados em madeira", lembra o baixista e vocalista Liebert Ferreira, 44 anos de banda. "Ficamos impressionados com o descampado, a terra roxa, que dava cor ao solo".

Depois disso, Liebert perdeu as contas de quantas vezes retornou à cidade: "Muita gente, que era fã no Rio de Janeiro, migrou para Brasília. Os brasilienses nos curtem muito", reconhece.

Por volta de 1965, a banda, ainda instrumental – na onda surf de grupos como Ventures e dos Surfaris –, usava o "ilegal" nome The Fenders, o qual tomaram emprestado da famosa marca de instrumentos.

Com a popularidade, entretanto, alguém alertou que não poderiam usá-lo por mais tempo. Ouvindo The Fever, incendiária canção de Elvis Presley, resolveram mudar para o atual. O nome colou.

"Naqueles dias, para para fazer sucesso precisava uma nomenclatura em inglês." O ponto de ebulição da banda, aconteceu quando estrelaram o televisivo Hoje é Dia de Rock – da mesma franquia que trouxera os Fervers à Brasília.

O programa abocanhava incrível audiência aos domingos, entre todas as faixa-etárias. Terminado o teste que tiveram de prestar, ganharam uma apilha de discos, para que tirassem as bases das músicas:

"Gostaram e, daí para frente, acompanhamos grandes artistas, como Erasmo Carlos, Wandeléa e Roberto Carlos. Na época, a turma era dura de grana. Todo mundo estava apenas começando", retrata.

Carlos Imperial, lendário produtor musical, foi quem aconselhou os The Fevers a tentarem suas primeiras canções vocalizadas: "'Tem que cantar!' – o Imperial nos dizia sempre".

Como todos os garotos dos sixties, eles também adoravam Beatles e Rolling Stones. A sorte grande, contudo, veio quando a banda se mudou do Rio para São Paulo – momento culminante, no qual a Jovem Guarda invadia o território nacional.

Foi quando o trio de ouro Erasmo-Wanderléa-Roberto, fez o convite para que os companhassem. Na escada rolante do sucesso vieram Golden Boys, Wandeley Cardoso e Jerry Adriani.

Parodiando o hit Mar de Rosas, um dos mais ganchudos da banda, seguiu-se um verdadeiro "mar de sucessos": "Já Cansei", "Cândida", "Sou Feliz", "Nathalie", "Hey Girl", "Trem da Alegria". Sem falar nas trilhas sonoras de novelas globais campeãs de audiência, como "Elas Por Elas" e "Guerra dos Sexos". Ambas alcançaram popularidade internacional.

Importante capítulo dessa história – que é parte da gênese da música jovem brasileira –, os The Fevers vão contar tim-tim por tim-tim, do jeito que melhor sabem fazer: cantando.

THE FEVERS SOBRE...

Erasmo Carlos "Gravamos dois LP's acompanhando o Tremendão. Erasmo nos ajudou muito em São Paulo, quando fomos pra lá. A gente ia na casa dele filar bóia. Das maiores pessoas que
cruzaram o caminho dos Fevers"

Roberto Carlos – "Também nos ajudou muito. Gravamos com ele, "Eu te Darei o Céu" e "Estou Apaixonado". Era muito exigente no estúdio. Perfeccionista"

Jorge Ben – "Jorge Ben morava com Erasmo, na época da Jovem Guarda. Ele, aliás, participou dela. Rejeitado pelos bossanovistas, foi acolhido pelos jovemguardistas. Juntos, estouramos a
canção Se Manda, no LP O Bidú"

Trio Esperança/Golden Boys – "Os dois grupos eram da mesma praia. Ambos foram muito importantes em nossa trajetória"

Chacrinha – "Integramos a Orquestra do Chacrinha. Tenho a felicidade de ter produzido todos os discos de Carnaval dele"

Carlos Imperial – "Profissionalmente, nos deu muitos conselhos no início da nossa carreira. Do Imperial, tocamos na composição 'A Praça'"

Rossini Pinto – "Rossini foi tudo para os The Fevers. Os grandes sucesso da jovem guarda passaram pela sua mão"

Wilson Simonal – " Acompanhamos toda a carreira dele. Acredito que seu grande sucesso, na verdade, foi o que lhe derrubou. Quando tocamos para o Simonal, em 'Mamãe Passou Açúcar ni Mim', éramos apenas garotos"

terça-feira, 19 de maio de 2009

fREE cLASSICS




jOHNNY mCCARTNEY - pARTE 1*

*Matéria sobre o álbum Vida & Obra de Johnny McCartney, de Gileno Azevedo (o Leno da dupla Leno & Lilian!), gravado em 1970. Disco que dormiu 25 anos numa gaveta da ditadura. Johnny ganhou reedição nos Estados Unidos, recentemente. Tem pra comprar no site da Record Collector. Clique no printscreen pra ampliar a leitura do jornal. Essa é a terceira edição do do novo projeto gráfico/editorial do Jornal de Brasília. O caderno agora se chama Cultura.

jOHNNY mCCARTNEY - pARTE 2


Johnny McCartney

Sentado no arco-íris

Sr. Imposto de Renda

segunda-feira, 18 de maio de 2009

fORÇA eSTRANHA

Caetano Veloso cai do palco enquanto reagia coro de três mil fãs, mas não perde a compostura

POR CRISTIANO BASTOS

A misteriosa da asa-delta que compunha, imóvel e portentosa, a gestalt do palco, no show de estreia do álbum Zii Zie, de Caetano Veloso, na noite de sábado no Centro de Convenções, em Brasília, ganhou metáfora não-planejada na última canção do bis: braços abertos - estendidos para a plateia de mais três mil pessoas -, Caetano entoava com entrega absoluta "Força Estranha" (canção sua em homenagem a Roberto Carlos).

Ao aproximar-se da beirada do palco, o baiano precipitou-se do alto de mais de um metro do chão. O cantor caiu empunhando sua guitarra acústica. Intacta, a asa-delta não sofreu danos.

Na hora da queda, o show - a praticamente uma frase de seu final - foi interrompido, músicos e roadies abandonaram o palco para socorrer o Caetano, que não perdeu o rebolado. Sem acompanhamento musical, ainda no chão, o cantor retomou "Força Estranha" da estrofe na qual parara:

"Por isso uma força me leva a cantar/Por isso esta força entranha no ar/Por isso é que eu canto, não posso parar". Foi ovacionado.

"O Caetano andava como se estivesse no ar", testemunhou ao Jornal de Brasília, a médica Aparecida Adréas, que, no inesperado momento, estava sentada na primeira fila, e assistiu a tudo de uma posição privilegiada.

Porém, para aqueles que estavam nas últimas fileiras, a impressão é que uma "força estranha", de fato, o sugara para o fosso que separa o palco da platéia. Segundo Aparecida, Caetano aparou todo o peso de seu corpo no joelho esquerdo, ao cair: "Na hora da queda, ele tinha um olhar 'beatífico' em seu rosto. Parecia um anjo", descreveu.

O guitarrista da bandaCê, Pedro Sá, estava tocando concentrado na hora do tombo. Viu, no entanto, que o front leader teve sagacidade ao cair: "Ele soube cair e soube se levantar", falou ao Jbr. Espirituoso, nos camarins, depois do show, Caetano ainda recebeu dezenas de fãs. Ansiosos, eles aglomeravam-se em busca de notícias e de uma oportunidade de demostrar algum carinho.

Confortava a todos: "Levei um baita susto!". E ainda deu uma brincadinha: "Cai bem. Só ralei o joelho", comentava com o ministro da Cultura, Juca Ferreira, já inteiramente refeito do incidente. À produção, Caetano pediu gelo para aplicar nas partes do corpo que ficaram mais doloridas.

Queda e ascenção - O baque, todavia, nem de longe maculou o esplendor do show. Tanto a voz, afinação e interpretação de Caetano quanto os atributos técnicos do som estavam impecáveis - perfeitamente equalizados. O que muito impressiona é que os tempos mudam; a voz de Caetano, contudo, é imutável.

"Sem cais", primeira canção de Zii Zie a ser tocada, ganhou projeção de gaivotas acizentadas no telão. Em "Trem das Cores", as cores assumem tonalidadades entre vermelho e azul.

Os riffs metálicos de guitarra em "Perdeu", acompanhados pelo "aquático" piano Fender Rhodes, remetem a rispidez pós-punk dos ingleses do Gang of Four. Nos momentos barulhentos, como nessa música, Caetano fica num segundo plano. A banda Cê, então, dá seu "show de noise":

"Sou chegado num rock barulhento, sim", comentou Pedro Sá, no backstage, ao fim da apresentação.

"Lobão tem razão", uma das mais cerebrais de Zii Zie, tem a engraçada frase: "O homem é o próprio Lobão do homem". Na verdade, uma alfinetada daquelas no colega polemista. A música é a resposta de Veloso a Lobão, que fez para ele, anos atrás, "Mano Caetano".

Caetano Veloso dedicou o show ao dramaturgo Augusto Boal, falecido este mês. "Boal foi o primeiro a dirigir minha 'maninha' Bethânia", disse. Depois emendou “Irene” - canção de 1970, tema da personagem homônima, interpretada por Regina Duarte, na novela Véu de Noiva -, em cuja versão original o lendário Lanny Gordin esmerilha sua Gianinni Sonic.

"Volver", definiu Caetano, é um "transtango: um 'tanguito'", complementou. Contemporâneo, aproveitou, também, para dedicar a estreia ao seus "amigos blogueiros brasilienses" - uma das turmas co-participantes do novo disco.

Em "Tarado ni você", Pedro Sá desfere as guitarradas mais pesadas do recente álbum. Quando, atualmente, nenhuma banda nacional (ao menos no mainstream) aposta no velho conceito de barullho, é como se Caetano tivesse ao seu dispor um power trio privado.

É assim - e muito por conta disso, aliás - que a coisa funciona tão bem. Não há choque de gerações.

"Menina da ria" é a canção solar do disco, com sua batida tropicaliente e letra pop. Junto com "A cor amarela", na qual Caetano exortou o público a bater palmas - sem dúvida - é o número "mais Brasil" de Zii Zie.

"Base de Guantanamo" remete aos Titãs em "O camelo e o dromedário". Isoladamente, no final de sua execução, aqui e ali umas quantas pessoas manifestaram-se quanto a letra.

Que diz:

"O fato dos americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano/ É por demais forte simbolicamente para eu não me abalar/ A Base de Guantánamo/A Base da Baía de Guantánamo/A Base de Guantánamo/Guantánamo".

"Coll e popular", assim Caetano define o bairro carioca da Lapa (reduto de personagens como Madame Satã, Nelson Gonçalves, Orlando Silva e Ataulfo Alves) na letra da canção, uma das que fecham a atribulada passagem pela capital federal.

É uma de suas prediletas, contou em entrevista ao Jbr. Até agora, Caetano apresentou o melhor show de rock em Brasília, no ano de 2009. Na mesma noite, foi ao céu da glória ao constrangimento (pequenino) da queda. Bateu até nos metaleiros do Heaven and Hell.

Lobão tem razão
Tarado ni você

Lapa

domingo, 17 de maio de 2009

o dESPENCAR dE cAETANO*

*Fotos do show inaugural da turnê do álbum Zii Zie, que começou por Brasília, noite de ontem (16). Essa última foto (assista, no post abaixo, o vídeo feito por um fã) mostra Caetano Veloso, já reposto, logo após - literalmente - ter despencado do palco do Centro de Convenções. Note a metafórica asa-delta que fazia a "gestalt" do palco... Não serviu para nada. Show impecável, fora isso. Eu vi tudinho: em breve, cobertura completa sobre show & queda. Fotos do fotógrafo brasiliense Fabiano Neves.

a qUEDA

sábado, 16 de maio de 2009

cAETANO tEM rAZÃO?


POR CRISTIANO BASTOS

Cantor e compositor inicia em Brasília sua nova turnê, Obra em Progresso, com disposição para questionar os velhos cânones da música popular brasileira

Caetano Veloso é um apaixonado pela capital do Brasil. Para o baiano, que escolheu a cidade para estrear a temporada nacional de shows do álbum Zii e Zie, Brasília é "a imagem por trás da emblemática "Tropicália" – "Eu inauguro o monumento no planalto central do País", como diz a canção.

"Sou apaixonado pela força de sonho que há aí", confessa o baiano, em entrevista ao Jornal de Brasília.

Em outra canção, "Flor do Cerrado" – essa explicitamente sobre Brasília –, ele canta: "Mas da próxima vez que eu for a Brasília/Eu trago uma flor do cerrado pra você". "Adoraria entrar mais fundo na sensibilidade candanga", filosofa.

A formação que toca hoje à noite é a mesma do disco Cê: Pedro Sá nas guitarras, Ricardo Dias Gomes nos teclados e contrabaixo, Marcello Callado na bateria. À frente desse grupo jovem e explosivo, paira o próprio Caetano – em voz e violão.

O crossover "samba'n'roll" soa bem nos dois últimos álbuns. Em certas canções, dá até para fazer um air guitar...Gesto revelador da aderência da música. E, por ser aderente, pop. Você concorda com isso: houve também a busca pelo "pop adesivo" em Zii e Zie?

Sou pop. Mas nunca esperaria que Zii e Zie fosse aderente. Até o David Byrne me disse ter tido dificuldades de atravessar a primeira faixa.O(diretor) Estevão Chiavatta, ao ouvir o disco, me disse: "É muito bom, mas por que você não volta a ser doce?".

Qual a sua canção predileta desse disco?

"Lapa". Gosto muito também de "Tarado Ni Você". Mas estou perto demais para não gostar de todas. Por quem é uma linda canção. E muito original.

O que você estava ouvindo enquanto o álbum era produzido?

Ouvi Animal Collective, Mariana Aydar, Rodrigo de Campos e Moreno – cantando How deep is the ocean (Irving Berlin) em versão brasileira de Carlos Rennó. Ouvi também coisas antigas de que gosto: João Gilberto, Francisco Alves, Mário Reis. Ouvi algumas vezes a ópera Moses and Aron, de Schoenberg, autor que acho genial. É uma peça muito forte.

Acha que, volta e meia, a MPB carece de boas camadas de guitarras para chacoalhá-la da pasmaceira que a acomete?

Nunca pensei nesses termos. Na explosão do tropicalismo, notamos que guitarras – entre outras coisas – podiam servir para quebrar a pasmaceira crítica e criativa que nos ameaçava. Mas essa pasmaceira nunca foi maior do que a vitalidade natural da música brasileira. Adoro nossas guitarradas da banda Cê. Mas detesto a reação costumeira contra tudo o que o Brasil consegue encorpar. Décio Pignatari diz que não fala brasileirês. Eu acho justamente que o brasileirês é essencial.

Você disse que São Paulo não saía da sua cabeça durante a concepção de Zii e Zie, embora a gravação tenha sido no Rio. E compor pensando em Brasília, é uma possibilidade?

Adoraria entrar mais fundo na sensibilidade candanga. Só fiz, que eu lembre, uma música explicitamente sobre Brasília: "Flor do Cerrado". Mas Brasília é a imagem por trás de "Tropicália" ("eu inauguro o monumento no planalto central do País"). Sou apaixonado pela força de sonho que há aí. Odeio "mordomias" e vida chapa-branca. Mas adoro o sonho de futuro, a elegância das linhas e a enormidade do céu. Gostaria de dedicar mais tempo a decifrar Brasília.

O que Brasília tem de legal?

Posso acrescentar que adoro a intimidade de grupos de jovens (não de gangues) nas superquadras. Adolescentes e crianças amam Brasília. Não gosto do aspecto Los Angeles: a impressão de que se tem de andar sempre de carro, a sensação de estar na estrada e não dentro de uma cidade. Mas adoro as conversas, o lago à tarde, as bandas que surgiram aí nos anos 80, o rap zangado das cidades-satélites.

E qual sonoridade teria um disco seu gravado na cidade?

Acho que teria som de guitarra. Mas se eu fosse passar um tempo em Brasília, creio que faria um disco eletrônico. Com sons de guitarra sampleados. Seria um disco mais espacial do que temporal.

Seu gosto pela crítica escrita é bem conhecido. Você até mesmo redigiu o release de seu disco. Redigir é um prazer tão grande quanto escrever canções?

Escrevo meus próprios releases desde os anos 70. Não todos, mas a maioria. Gosto de redigir. Gosto mais de ler do que de ouvir música. O livro Verdade Tropical é longo por causa do meu prazer de escrever. No blog tive uma oportunidade especial de escrever com frequência. Mas não preciso rebater críticas. Gosto disso também, mas não é uma necessidade. Antigamente, eu respondia do palco do show, de viva voz. Mas prefiro me comunicar por escrito. Responder a entrevistas por e-mail, por exemplo, é uma delícia.

Após o lançamento desse álbum "muito claro e denso, nascido num ano de chuvas no Rio, um ano de nuvens pesadas e escuras", pensa em lançar, agora, um disco "leve e solar"?

O show já é mais leve e solar do que o disco. Mas ainda não tenho ideia de que disco poderei fazer daqui a um ano.

O Lobão vive tocando na tecla da "monomania da bossa nova". Em dezembro, fez 10 anos da morte de Nelson Gonçalves e ninguém lembrou. A coisa que ele mais temia era morrer esquecido... A "monomania da bossa" causou um lapso na memória musical brasileira?

Nelson Gonçalves merece muito. Ele não será esquecido. Chico Alves não foi esquecido (aliás, ele é citado numa letra do Zii e Zie). A bossa nova deu mais força à tradição da música brasileira. João Gilberto não só diz que Orlando Silva é o maior cantor do mundo: ele nos pôs todos para ouvi-lo. Sem a bossa nova não teríamos o selo Revivendo. Sei por que a bossa nova teve papel de bússola: João Gilberto é um dos maiores artistas da canção em qualquer tempo e lugar e Tom Jobim é o maior compositor brasileiro e um dos grandes do mundo desde sempre. Mas tanto Nelson Cavaquinho quanto Mário Reis saíram ganhando com isso. Tanto Lupicínio quanto Ciro Monteiro. E mesmo Paulinho da Viola e toda revitalização do samba exclusivamente carioca se beneficiaram das conquistas da bossa. Não sei do que o Lobão se queixava. Talvez de falta de espaço para o rock? Bem, não há nada no mundo que mais se pareça com uma monomania crítica do que a aristocracia do rock'n'roll. Nada jamais vendeu tanto por tanto tempo quanto o rap. Mas o rock é mais nobre – e o rap é um dos seus derivativos.

Como flui a comunicação tocando com músicos tão jovens?

Minha comunicação musical com Pedro, Ricardo e Marcelo é a mais direta e rápida que já experimentei em toda a minha vida musical. Nada demora a ser entendido. E, uma vez entendido, nada tarda a ser realizado melhor do que a encomenda. Eles conhecem tudo a que me refiro – inclusive Nelson Gonçalves.

O que promete seu show em Brasília?

Clareza e inspiração. Nossas apresentações têm sido muito límpidas, calmas e profundas. Estamos muito orgulhosos do nosso trabalho. Mais ainda do que no Cê.

O que você tem a dizer sobre a farra das passagens aéreas?

Odeio a tradição das "mordomias". Tem a ver com o modo como Juscelino conduziu a mudança para Brasília e com a tradição grotesca dos privilégios presumidos que os brasileiros que escapam à miséria se arrogam. É uma desgraça. Não tanto o escândalo das passagens – que é sintoma da inadequação desses hábitos à vida política a que aspiramos – mas a tradição em si mesma. Precisamos mudar muito para chegar perto de ser o que verdadeiramente somos: um país grande, original, generoso, transformador do mundo.

Fora Lobão, quem mais nesse país também tem razão?

Lobão tem razão ao me dizer "chega de verdade". Ele também tem muita graça quando não tem razão – o que já justifica parte de suas falas. Ele tem também razão estética ao fazer certas escolhas. É um artista curioso com quem precisei ter um diálogo no nível da criação. Mas quem de fato tem razão no Brasil é Antonio Cicero (que citei extensamente em enrevista à revista Cult, que, uspiana que é, extirpou toda minha observação sobre a importância da razão dele)".

quarta-feira, 13 de maio de 2009

eLES nÃO sÃO aNJOS*


POR CRISTIANO BASTOS

Quantas vezes se tem a chance de ficar cara-a-cara com quatro divindades do olimpo do heavy metal? Mesmo que a oportunidade seja o (geralmente frio) ambiente de uma coletiva de imprensa, a oportunidade é rara. Ainda mais, quando dois "deuses" são fundadores do mítico Black Sabbath.

Melhor, porém, é que os "monstros do rock pesado" – Ronnie James Dio, TonyIommi, Geezer Butler e Vinny Appice, a banda Heaven and Hell – estão num ótimo dia: bem-humorados e, sobretudo, dispostos a encarar seus velhos conhecidos, os jornalistas. "Eu odeio prédios!", brincou, logo numa das primeiras perguntas, o baixista Geezer Butler, ao ser questionado sobre "o que achava da arquitetura brasiliense".

Foi nesse espírito "soft", esbanjando humor e polidez tipicamente britânicos, que os integrantes da Heaven and Hell concederam, ontem, sua única entrevista antes do show que apresentam hoje, no Ginásio Nilson Nelson. O Heaven and Hell aterrissou na cidade para lançar o álbum The Devil You Know, sucessor de Dehumanizer, trabalho de 1992 que encerrou oficialmente a marca Black Sabbath.

Os metaleiros seguem, depois, para São Paulo e Rio de Janeiro. O nome do novo rebento foi dado pelo baixista Geezer Butler: "Ainda que nos intitulemos Heaven and Hell, na verdade, somos o Black Sabbath por detrás do nome", desvendou.

Durante a coletiva, o vocalista Ronni James Dio (ex-Rainbow) desmentiu boatos sobre a banda não ter apreciado a passagem por países latino-americanos, como a Colômbia: "Não, isso não é verdade. Vivemos momentos muitos especiais ao lado dos fãs e demos um grande show por lá", desmente Dio.

Profissão de fé - Qual a emoção de, novamente, pegar a estrada e de escrever canções? "É só o que sabemos fazer. Enquanto eu tocar com competência, não pretendo fazer mais nada da vida. Vivo para isso", confessa Tony Iommi, guitarrista que criou os riffs imortais de "Paranoid" e "Iron Man", ainda nos tempos em que Ozzy Osbourne comandava os vocais.

Em vez de desmistificar, o grupo, pelo contrário, aceita etiquetas como "pais do rock pesado". "Foi o que ajudou a construir nossa reputação. Sem o Black Sabbath, nada disso teria existido na história do rock", explica Iommi, referindo-se às gerações subsequentes do metal.

Entre seus "discípulos" mais destacados, Dio aponta Chris Cornell, cantor que já emprestou o vozeirão para o Soundgarden e o Audioslave. Dio elogia a técnica de Cornell e enfatiza: não gosta dos vocais guturais praticados pelo chamado death heavy metal.

"Existem muitos novos artistas que mantém acesa a chama no mundo inteiro. Para as pessoas que gostam dessa musicalidade, o gênero não morrerá", teoriza.

Uma curiosidade sobre a trajetória do Black Sabbath teve seu mistério elucidado no transcorrer da entrevista. No filme Quase Famosos (Almost Famous, 2002), o diretor Cameron Crowe narra um episódio em que a banda é surpreendida por um repórter da revista Rolling Stone ao descer de um ônibus – encontro que teria rendido uma entrevista memorável. Verdade ou ficção?

"Tomei conhecimento disso quando assisti ao filme", conta Butler.

Numa entrevista com os deuses do rock, uma questão não poderia passar batida: as groupies? Elas continuam a correr atrás do sexagenários roqueiros? "Obvio que sim", responde Dio, em meio a gargalhadas. Estão lá cima nos esperando..."

*Capa do segundo caderno do Jornal de Brasília, desta quarta-feira: divertida missão de ficar frente-a-frente com os titãs do heavy metal. Leia o restante abaixo.

mESTRES dO dARK sIDE dA fORÇA

A atual formação do Heaven And Hell coincide com a segunda, e não menos importante, fase do Black Sabbath, na qual o vocalista (e devorador de morcegos) Ozzy Osbourne cede seu trono de deus maior do heavy para Ronnie James Dio, egresso do grupo de hard rock Rainbow. Heaven and Hell, na verdade, é o nome do álbum, gravado em 1980, que tornou clássica essa formação.

Projeto que tinha tudo para dar errado, por conta do vácuo deixado por Ozzy, tornou-se um dos discos mais adorados do gênero. Lançou, também, bases para o nascimento da new wave of britsh heavy metal, considerada a renovação do estilo na década de 1980.

Para muitos fãs, Neon Nights, petardo que abre Heaven and Hell mostra, de cara, que Dio, tecnicamente, é um cantor superior a Ozzy. Da clássica obra, a introdução de "Children Of The Sea" (com um dedilhado de Tony Iommi acompanhado da voz melódica de Dio), configurou-se como um tipo de balada exaustivamente copiada por outras bandas nos anos seguintes.

Enquanto Lady Evil possui um andamento mais sacana, voltado ao hard rock, a faixa-título, por outro lado, é um daquelas pedradas no estilo dark do Black Sabbath – lenta, soturna e pesada. Nesse disco, as letras continuam fantasiosas, mas, desta vez, ficaram a cargo de Dio.

Ozzy preguiça - A alquimia entre os caras se manteve ao longo dos anos, inclusive no disco novo. Geezer Butler, numa entrevista publicada na revista Decibel Magazine, comentou que trabalhar com Ronnie James Dio era muito mais fácil do que com o antigo vocalista: "Se estaríamos gravando a primeira canção do álbum", alfinetou.

De acordo com o baixista, The Devil You Know, teve um processo de gravação dinâmico. "Finalizamos as composições do álbum em doze semanas". O baixista também revelou que algumas músicas do novo álbum serão tocadas nessa turnê, tais como "Follow the Tears" e "Eating the Cannibals".

A faixa "Time Machine", do álbum Dehumanizer, para a felicidade dos velhos fãs, é outra que poderá ser apresentada ao vivo.

O sucesso da banda mundo afora é grande. Depois do Brasil, as próximas escalas da banda serão do outro lado do Atlântico, com shows na Rússia, Finlândia e Noruega. Clássicos como "Mob Rules", "Die Young" e a canção-título "Heaven & Hell", não faltarão no repertório.


pESADO cOMO cHUMBO

Logo na juventude, a carreira do guitarrista Tony Iommi – muitos poucos sabem – poderia ter sido encerrada. Após sofrer a amputação de partes de alguns dedos da mão direita (Iommi écanhoto) ficava óbvio que o herói de guitarra heavy teria sérias dificuldade para continuar tocando o instrumento.

Contudo, foi convencido por um amigo a continuar tocando. Ele mostrou a Tony um disco de Django Reinhardt, o músico cigano que tocava soberbamente usando apenas os dedos indicador e o médio. Iommi, então, passou a usar nas extremidades de seus dedos próteses plásticas, com as quais pode tocar novamente.

Na coletiva de imprensa do Heaven and Hell, perguntado sobre a influência que a seminal canção "You Really Got me", do Kinks, teria tido sobre a sonoridade do Black Sabath, o instrumentista despistou. Adoramos os Kinks, mas eles não foram tão seminais quanto outras bandas que nos influenciaram profundamente, como os Yardbirds e o Cream.

Coisas do demo - Os jornalistas presentes também quiserem saber, como de praxe, se o guitarrista conhecia "algo de música brasileira": "Sepultura e Tom Jobim", respondeu laconicamente Iommi. "E Mutantes?", alguém acrescentou: "Se o Geezer não os conhece, nenhum de nós, certamente, não conhece", encerrou o assunto.

A respeito do temível assunto "satanismo", tantas vezes associado à música do Sabbath, o guitarrista explica que tudo é apenas uma questão de identidade: "O que importa é a música. Não fazemos sacrifícos de animais ou imolamos crianças. Não penso no diabo na hora de ouvir música e nem de gravá-la. A música é puramente subjetiva. É atrás dessa subjetividade que as pessoas vão atrás da gente. A música é sempre maior", ensina.

Durante a conversa, porém, Iommi fez questão de botar em um pedestal o mítico guitarrista de blues Robert Johnson. O autor de "Crossroads", esse sim, vendeu a alma ao diabo para tocar melhor. Como já dizia Raulzito, o diabo é pai do rock'n'roll.

domingo, 10 de maio de 2009

sAMBA aCABA eM mILONGA*


POR CRISTIANO BASTOS

Tributo à Dona Ivone Lara foi suspenso por falta de organização

A programação estava feita. O Dia das Mães, na Torre de TV, em Brasília, seria festejado amanhã, com tributo à longeva carreira de uma das matriarcas do samba carioca: Dona Ivone Lara, 88 anos. Na última hora, porém, o compasso, literalmente, desandou. Com antecedência de apenas três dias, na quinta-feira, a empresa proponente do espetáculo, Cenário Digital Eventos, sediada em Curitiba (PR), cancelou o espetáculo.

A Cenário Digital, na verdade, fiou-se numa proposta de patrocínio firmada apenas em caráter verbal durante a gestão anterior da empresa Brasiliatur, responsável pela promoção de festividades como Carnaval e o aniversário da cidade. Demais patrocinadores, conforme a proposta, eram instituições como Banco do Brasil, Ministério da Cultura (MinC) e Companhia de Bebidas das Américas (Ambeve).

Nenhuma delas, porém, chegou a confirmar seu apoio por intermédio da assinatura de um contrato. De acordo com a proposta,dos R$ 1,3 milhão previstos para a realização do evento, R$ 420 mil seriam bancados pela Brasiliatur. Destes, R$ 270 mil cobririam gastos com infra-estrutura. A assessoria de comunicação da Brasiliatur informou que não patrocinaria o projeto devido à falta de recursos, já que envolveria contratação de vários artistas.

Na tomada de decisão, os gastos realizados com o aniversário de 49 anos de Brasília,no dia 21 de abril, também somaram. A comissão de avaliação de patrocínio da empresa concluiu que, além do esgotamento orçamentário, pelo qual a Brasiliatur passa, também não teria como pedir recursos suplementares. Especialmente, para financiar um evento que não diz respeito ao turismo brasiliense.

Recursos - De acordo com a assessoria da empresa, em 2009 não há mais recursos para patrocinar espetáculos desse porte: "Daqui para frente, os próximos pedidos de patrocínio deverão serão avaliados levando-se em conta o retorno, do ponto de vista turístico, que trarão à capital."

De fato, na gestão anterior, a Brasiliatur sinalizou como possível patrocinadora deste Tributo a Dona Ivone Lara. Muito mais ligado à cultura do que ao turismo (seu foco de atuação), a Brasiliatur diz não possuir mais orçamento; e ressalta que patrocinar eventos nunca foi sua atividade principal: "A Brasiliatur não contrata artistas. Limita-se, somente, a investir em eventos que atraiam turistas à capital federal."

Para o produtor local do tributo, Elder Cunha, o que mais aflige é a homenagem que não será feita a Dona Ivone: "Contratei uma orquestra de vários músicos para acompanhá-la. O sonho acabou", lamenta.

Indignação - A programação do espetáculo chegou a ser anunciada na mídia local e previa, também, participações especiais de medalhões como Beth Carvalho, Grupo Fundo de Quintal e Lecy Brandão. Além de nomes da nova geração, como Diogo Nogueira, filho do mestre João Nogueira. Muitos deles fariam ainda shows em diversas regiões administrativas, como parte da programação.

Afonso Carvalho, empresário de Diogo Nogueira e Beth Carvalho, protesta dizendo que valeram-se do prestígio de Ivone Lara para fazer um "grande papelão": "Os prejuízos, nesse caso, não foram somente de ordem material. Foi um grande desrespeito à grande dama do samba", registra.

Clara Nunes, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto estão entre os intérpretes que gravaram composições da sambista. Sua empresária, Miriam Souza, afirmou ao Jornal de Brasília que Dona Ivone Lara ficou muito triste com o acontecido. Agradece, entretanto,a todos os artistas que se prontificaram a participar do show em sua homenagem.

*Minha matéria de estréia no Jornal de Brasília (que passa por séria reformulação editorial), na edição deste sábado (10). Quanto à reportagem, sem comentários...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

pAPAIS&mAMÃES


O tempo dos Mamas and the Papas sobre a terra foi meteórico. Mas vai durar até o fim do mundo. O hits "Californian Dreamin" e "Monday Monday" (para ficar solamente no cânone) garantem a inscrição ad eternum do quarteto na távola redonda do pop.

Após 40 anos, as melodias criadas pela banda resistem às sublevações estéticas sofridas pela música jovem nos séculos 20/21.

Fosse pelo punk, por exemplo, os Mamas and the Papas eram para ter falecido junto com o bando de outros "imprestáveis-inúteis" daquela época.

Seria uma bruta mancada.

Sons do porte de "Californian Dreamin" e "Monday Monday" nunca vão correr risco de morte. Nem envelhecerão; eles têm a estatura de "Yesterday", "My Way", "Always on my Mind": perenes como o Paul Newmann e a Catherine Deneuve.

De vez em quando, chegam (um tantinho) a enjoar. Uma coisa é certa: nunca vão encher o saco. Já ouvi "Californian Dreamin" um milhão de vezes. E continuarei a ouvir, não importa a tendência que se sobreponha no rock.

Tem vezes que ponho a repetí-la várias vezes.

Música pop com pedigree adere ao cérebro, coração, tímpanos. Atiça a curiosidade: seja para decifrá-la ou por ela ser devorado:

"20th Century Boy", "Time of the Season", "Dancing Queen", "Wave of Mutilation". Tanto faz...

Numa grande obra pop sempre há novas experiências estéticas para se curtir mil vezes. As canções mamasandthepapianas possuem esse predicado.

Uma delas, para mim, é especial. Principalmente, porque passa desapercebida entre os escassos álbuns gravados pela banda. Chama-se "Go Where You Wanna Go", do disco de estréia If You Can Believe Your Eyes and Ears, de 1966.

É o primeiro single dos californianos.



Gravada em 1965, seu lançamento passou desapercebido. As atenções do mundo voltaram-se para eles quando o single sucessor, "Californian Dreamin", escalou as paradas de sucesso.

Galgou primeiras posições nos Estados Unidos e no Reino Unido. Depois, o mundo. Os Mamas (ou as Mamas) foram os únicos em condições de rivalizar com os Beatles.

Segundo a militante feminista Camille Paglia, o curso The Art of Song Lyrics, ministrado por ela aos estudantes de música da Universidade da Filadélfia, foi inspirado em "California Dreamin".

Num texto, no qual disserta sobre a morte do compositor John Phillips, aos 65 anos, Paglia volta aos leitores o mesmo questionamento que dirige aos seus alunos, no início do ano letivo:

"Passadas tantas décadas, o que explica "Californian Dreamin" conservar-se incrivelmente fresca?"

Nem a Camille sabe a resposta. O segredo foi levado com Phillips às profundezas da terra.

Nenhuma explicação, conclui ela, soluciona o mistério. Letra, melodia, harmonia e ritmo de "Californian Dreamin" têm sido dissecados, há mais de vinte anos, pelos estudos de Camille.

Paglia admite que - além da inegável expertise dos jogos instrumentais e vocais da música -, até hoje, muito pouco foi decodificado:

"Depois de décadas, o velho som não perdeu a vitalidade de sempre. Prova maior de que os segredos da grande arte não podem ser desvendados", observou - com felicidade - a professora.

Fora a música, Camille considera a encantadora Michelle Phillips (a única sobrevivente do grupo) "modelo cardinal" - seja lá o que isso signifique - da "Nova Mulher dos Anos 60". Junto, claro, da diva Grace Slick, do Jefferson Airplaine.

A doçura de Michelle, contudo, não sustentava sozinha as vocalizações poderosas dos Mamas and the Papas. O trabalho pesado, a bem da verdade, era feito por Mama Cass - literalmente, uma fofura.

Michelle cuidava dos gracejos mais saborosos...

Foi casada com John Phillips, cérebro letrista e arranjador da banda. Não era santa: a tentadora Michelle traía o marido com o parceiro de banda Denny Doherty. Mesmo com toda a liberdade do período, sobre ela dizem que foi bem "rodadinha".

"Go Where You Wanna Go" não desvenda os Mamas and the Papas. Mas, denuncia que o muro sonoro levantado pelo hitmaker de mão cheia, John Phillips, chegou ao Abba, por exemplo. Os suecos adaptaram o açucarado espírito da banda aos lúbricos anos 70.

A música é descendente direta do doo-woop, estilo vocal com o qual Phillips iniciara-se na carreira de músico, nos seminais The Journeyman.

No estúdio, para chegar a consistência de suas peças sonoras, a quem recorria Phillips?

Phill Spector, o engenheiro-chefe do wall of sound.

O hino flower power "San Francisco (Be Sure to Wear Flowers in Your Hair)" foi feito segundo lições de Spector. A famosa interpretação da música pertence a Scott McKenzie, amigo de John e parceiro de "viagens".

"San Francisco" abre o ensolarado concerto-filme Monterey Pop - cuja idealização foi de Phillips, filmado por D.A Pennenbacke -, que tem participações históricas de Hendrix, Byrds, Jefferson Airplaine e da estreante Janis Joplin.

Pela primeira vez, ao sacar "Go Where You Wanna Go", é meio complicado saber em qual detalhe sonoro concentrar-se. Não perca a sensibilidade de vista.

Boa opção é desconstruí-la prestando atenção na introdução orquestrada - um grave 'dum-dum-dum-dum-dum' que se repete duas vezes. Sublime acorde que antecede as vocalizações doo-woop que vêm depois.

Também dá pra escantear todo o resto pro lado; daí, ficar apenas com a marcação reta e econômica da bateria repercurtindo macia na música. Ou, ainda, esquecer a batera e se concentrar nos vocais que se entrelaçam entre uma estrofe e outra.

Os versos introdutórios.

2x:

You gotta go where you wanna go
Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with

You gotta go where you wanna go
Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with

Estendendo um cobertor formado por cordas, violões e piano, John Phillips arruma a cama para Mama Cass deitar seu vozeirão. Michelle ronrona como uma felina no cio.

Entra a segunda parte vocal. Cass (com todo o seu peso) vai tão alto que, em órbita, parece flutuar.

Seu vigoroso alcance vocal impressiona.

No trecho "Three thousand miles, that's how far you'll go", a dúvida:

"Daí ela não pode passar. Impossível avançar sem que, antes, ela faça uma pausa para recobrar o ar...", você pensa.

Mas Cass tem a capacidade pulmonar do Michael Phelps. A fofinha canta "And you said to me/Please don't follow!" com altitude e entrega de uma negra.

Se liga nessa parte: "And you said to me/Please don't follow!"

A íntegra:

You don't understand
That a girl like me can love just one man
Three thousand miles, that's how far you'll go
And you said to me
Please don't follow, cause you gotta go where you wanna go

Depois tudo retorna ao circular doo-woop branquelo:

Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with
You gotta go where you wanna go
Do what you wanna do
With whoever you wanna do it with
You don't understand

Na estrofe seguinte, a letra muda. O alcance vocal, porém, é o mesmo.

Uma maravilha.

That a girl like me can love just one man
You've been gone a week, and I tried so hard
Not to be the cryin' kind
Not to be the girl you left behind
You gotta go where you wanna go

Enjoy it.


sábado, 2 de maio de 2009

nOTÍCIAS dE jÚPITER*


POR LEONARDO BOMFIM

Quem esbarra hoje com Júpiter Maçã, sereno, completamente careca, mal reconhece a figura errante que se aventurava pelas alamedas de Porto Alegre nos últimos anos. Respirando novamente os ares de São Paulo, Júpiter vive outra fase. Depois de uma temporada na casa de campo da irmã, o compositor gaúcho volta à cena prometendo um disco, possivelmente duplo, para 2009.

Agora você está morando novamente em São Paulo, já foi pra Europa duas vezes, vive em um eterno vai e volta por Porto Alegre. Você se considera um "nowhere man"?

Se for analisar do ponto de vista da canção, muito bela por sinal, na verdade é um "nowhere man", mas ele tem "nowhere plans", é um modo de vida existencial, retrato de impotência perante várias circunstâncias que o John Lennon vinha passando no período.

Sobre essa associação ao território, eu me considero. Mas a minha paixão maior, a cidade que sou louco, é Porto Alegre. É impressionante a força que esse lugar exerce em mim.

Sou um cara que se encontra viajando, sem estar fixado em algum lugar, na verdade é quase uma exigência da minha existência, parece que não tenho o que se poderia chamar de ponto de referência.

Às vezes sou carente disso, do cantinho único, daquilo que as pessoas chamam de porto seguro. A aventura transcende o que se entende por limites estabelecidos.


Você está morando em uma chácara?

Eu tive uns tempos de reflexão, uma espécie de auto-retiro na casinha de campo da minha irmã no interior de São Paulo. Pode se entender como um retiro mesmo. E acabei compondo, foi bastante lucrativo a nível criativo.

Isso eu não esperava, quando vi começaram a fluir as canções e comecei a organizar um álbum praticamente pronto pra começar a ser gravado.


Qual é a orientação sonora desse novo disco?

Com exceção do Bitter, que é uma visita total as minhas raízes, as minhas influências, eu sempre acho que o álbum que prossegue vem completando o anterior. Isso acontece com o que está sendo feito.

É bastante forte a presença do Uma Tarde na Fruteira, mas vai encontrar elementos do Plastic Soda e, por que não, da Sétima Efervescência. Ele segue completando o que vinha sendo feito. É uma seqüência, cantando em inglês e português.

Eu sempre separava em conceitos, ou em inglês ou em português, dessa vez fecho o conceito na mistura das duas línguas que supostamente domino. Ele talvez seja duplo pra que eu organize o meu relógio, o timing, quero captar o mesmo momento para todas as canções.

E sobre as letras do próximo disco? Uma coisa que poucas pessoas percebem é que o Uma Tarde na Fruteira é incrivelmente erótico, músicas como "Mademoiselle Marchand", "Plataforma 6"... Você canta sobre muitas coisas que já cantava na época dos Cascavelletes, mas com uma sofisticação, um refinamento poético.

Eu acho que o meu estilo poético já vem sendo moldado ao longo da minha carreira. Acredito que esteja havendo uma espécie de aprimoramento, acho que as letras do próximo disco seguem essa linha do Uma Tarde na Fruteira. E também do Plastic Soda, que acho bastante poético.

O disco segue o caminho dessa sofisticação que você falou, desse refinamento.


Uma pergunta inevitável. Um dos seus maiores sucessos é o vídeo dos Cascavelletes tocando "Eu Quis Comer Você" no programa Clube da Criança da Angélica. Como foi isso? Alguém foi demitido depois?

Não que eu saiba. O clima foi festivo, pra banda foi natural. A gente estava no camarim, como qualquer show de televisão, nós entramos, tocamos, todo mundo dançou, cantou, acabou o show, agradecemos e fomos embora.

Do camarim para o palco, do palco para o camarim. Foi completamente natural na época, uma vez que a gente havia sido convidado pra participar e as pessoas conheciam o repertório. Acharam um pouco engraçado, acham até hoje (risos)!


E como foi começar a carreira tão novo? Você era um adolescente quando estourou com TNT e, logo depois, Os Cascavelletes.

Isso foi uma faca de dois gumes. Foi muito legal por um lado, porque você começa muito cedo e isso te incentiva a continuar, você fica completamente voltado pra essa coisa das artes.

Isso pode te deixar um pouco inconseqüente na medida em que você é muito jovem ainda e não tem todos os parâmetros pra saber, de fato, qual é a sua obra. Felizmente os trabalhos que fiz, TNT, Cascavelletes e até o Woody Apple, são coisas bastante coerentes.

Eu olho pra trás e acho super bacanas, mas por outro lado esse espírito que pode ser considerado um passo além do aventureiro, um aventureiro nato, também fica à flor da pele, é preciso saber lidar com isso para obter resultados precisos, lúcidos.


Essa fase Woody Apple, como foi? Você estava chegando em São Paulo...

Eu comecei a vir pra São Paulo, era uma obsessão por ser Bob Dylan. Agora é um cara que está de na moda, as pessoas querem usar os óculos do Dylan, "Don't Look Back" é um filme hypado, mas eu estava nessa fissura naquele período.

Eram poemas épicos que eu escrevia e não esquecia uma vírgula. Tocava todas aquelas letras de ponta a ponta, sem refrão, bem ao estilo do Dylan. Woddy Apple não aconteceu, hoje é cultuado, mas não aconteceu.

Desse período, o que tirei de muito proveitoso é que meu exercício da escrita foi bastante desenvolvido. O ato de escrever. Por exemplo, você detecta Woody Apple em "Pictures and Paintings", conexões surrealistas, embora seja uma canção bastante eletrificada e vestida a la mod.

E os Pereiraz Azuiz? Muita gente confunde com os irmãos Caruso, que gravaram "A Sétima Efervescência". Que banda era essa?

Os Pereiraz Azuiz eram uma banda na noite do Bixiga, quando o bairro já vivia uma certa decadência. Eles tocavam muito bem num bar chamado Persona. E eu, solteiro, sozinho e solitário, vagava por ali, tomando umas cervejas à luz de velas.

Então vi esses caras tocando e cheguei pra eles: "Olha, estou completamente sozinho, sou compositor e tenho essas músicas aqui", que viriam a ser A Sétima Efervescência.

Os caras chaparam no som e toparam ser minha banda de apoio. Uma das poucas coisas que a gente fez foi aquele programa de rádio que acabou se tornando antológico, de certa forma é um ensaio da Sétima. São músicos muito talentosos.


Quando você estava gravando o A Sétima Efervescência, já imaginava o sucesso que seria?

Nenhuma noção mesmo. Eu adorava ouvi-lo do jeito que as músicas soavam. Mas tudo que me importava era agradar aquele nicho de mods ortodoxos.

Eu era um cantor que queria ser folk-rock, mas queria agradar aquelas pessoas, eu estava muito entusiasmado e contagiado pelo clima do early Garagem Hermética e pelas garotas, pela simpatia dos rapazes. Acabei me tornando uma espécie de ícone pra aquela turma.

Posso dizer que praticamente fiz o disco para aquela turma.


A turnê do disco, já com Júlio Cascaes no baixo e Marcelo Gross na bateria, acabou virando um evento. Há registros de shows memoráveis, já ouvi você dizer os três tomavam um ácido antes de entrar no palco e sempre batia durante "Novo Namorado", por isso ela ficava tão longa...

Era maravilhoso. A gente entrava em transe no palco e era fantástico obter o retorno, quando a gente percebia que o público estava sintonizado, que aquilo estava acontecendo de verdade.

Todo mundo estava levando muito a sério, então isso tudo aumentava a energia das nossas performances. Bem nesses moldes que você colocou.

A gente não estava brincando de psicodelia, estava vivendo intensamente, não era um período que ficaria se repetindo, estava acontecendo naquele momento.

E logo depois você surpreendeu todo mundo com o Plastic Soda. Como foi essa mudança?

Foi um grande mergulho no meu intimismo. A sonoridade softly da bossa junto com aqueles poemas acabou traduzindo toda a situação que eu me encontrava, de leveza e delicadeza. Eu acho o Plastic Soda um álbum extremamente delicado.

Uma Tarde na Fruteira é sempre elogiado, mas não repetiu o sucesso da Sétima Efervescência. Parece aquele tipo de disco que vai virar cult daqui a trinta, quarenta anos.

Uma Tarde na Fruteira é um mistério, se for pensar bem, ele nunca foi lançado oficialmente. Na verdade ele vazou, então era um sucesso da internet. Eu ia tocar as canções novas, achando que elas eram novas e as pessoas sabiam a letra toda.

O disco começou de um modo todo peculiar, mas eu estava lendo uns comentários da imprensa alemã, que foi conhecer quando ele foi lançado na Europa, e existe uma simpatia, como A Sétima Efervescência foi recebida pela imprensa nacional.

Os alemães realmente foram bastante atenciosos e mimaram, acariciaram o disco. Na Europa eu era uma novidade, as pessoas não sabiam exatamente o que procurar, como se fosse meu disco de estréia. Aqui foi como um presente que veio antes do pacote fechado.


Você parece aquele tipo de artista - como John Lennon, Godard, Bob Dylan - que sofre uma influência direta das mulheres que estão ao seu lado. Qual é a importância das mulheres da sua vida no seu processo criativo?


É intensa. Realmente não é uma coisa que eu divida. As pessoas andam juntas, na Sétima Efervescência eu cantei e escrevi para uma boa gama dessas mulheres.

Acho que em outros trabalhos pode-se detectar que escrevi diretamente para uma ou outra, ou até mesmo montei um personagem em cima de duas ou três mulheres. De fato é uma presença bastante notória, eu mesmo reconheço que sim, é decisivo.


Hoje você está mais para "Lugar do Caralho", com cerveja barata e pessoas chapadas ou para "Beatle George", com mantras e krishnas?

Eu estou numa certa crise de revisitação... Crise não, só um processo de auto-análise, de autocrítica bem severa, então às vezes quero ser um pouco mais "Um Lugar do Caralho", mas sinto até um pouco de medo.

Às vezes quero ser "Beatle George", mas não me sinto completamente preparado. Eu estou começando a achar que realmente devo encontrar um meio termo entre os dois.

*Entrevista com o sóbrio Júpiter Maçã (aka Apple, Basso, Woody) feita por Leonardo Bomfim para o último número da revista Noize. Na foto, com seu cabelo "original de fábrica".

Para o autor da entrevista, Maçã
é o grande compositor brasileiro dos últimos 20 anos:

"Ele
pareceu muito bem, motivado, criativo como eu nunca tinha visto antes. Só acho que ele precisa voltar a tocar baixo. É um dos melhores baixistas que já vi tocar", observa Bomfim.


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