sexta-feira, 30 de abril de 2010
gAUCHISMO fREAK*
domingo, 25 de abril de 2010
jIMI hENDRIX: uM mESTRE sEM dISCÍPULOS
Hendrix não deixou "pedra sobre pedra". Aliás, deixou o britânico "comendo poeira".
Engendrada nos três poderosos acordes de "Wild Thing", a performance de Hendrix é icônica. Talvez a mais grandiosa da história do rock e, com certeza, a mais majestosa.
Em seguida, quebrou a guitarra em pedaços. Depois os distribui à pasma audiência.
Apesar de ter guitarristas de mãos cheias celebrando vida longa a Hendrix, os solos de guitarra não têm mais tanta importância.
Voltemos a Monterey. Se alguma vez na história houve um "duelo mundial de guitarristas", decididamente, a magna batalha foi travada na noite de 18 de junho de 1967, no palco do Monterey Pop Festival.
Colossal era habilidade de Hendrix, que, em meio ao caos sônico de "Wild Thing" (projétil proto-punk dos The Troggs), seus dedos ainda encontraram fresta para solar "Strangers in the Night", do old blue eyes Frank Sinatra.
Apesar de ter técnica de sobra e atacar a guitarra com ferocidade, não dá a mínima a viagens hendrixianas.
"Nosso pai tinha uma imensa coleção de álbuns de artistas de blues. Jimi ficava ouvindo e estudando dia e noite. Em cada uma das audições, ele alimentava sua inspiração", conta Janie Hendrix, irmã de Jimi.
Ela lembra que, nos tempos de garoto, o irmão queria mesmo era se formar em publicidade e propaganda. "Ele adorava desenhar enquanto escutava os velhos bluesmen na vitrola."
Nativo de Seattle, cidade natal de Jimi Hendrix, nos Estados Unidos, o produtor Jack Endino (Mudhoney, Nirvana, Titãs) é um nome associado ao grunge – "salvação" do rock, nos anos 1990, tal qual o punk em 1977.
Endino sublinha que a genialidade de seu conterrâneo transcende o mise-en-scéne do solo.
Os predicados musicais de bandas do mainstream, como Franz Ferdinand e os The Strokes -para ficar em dois exemplos nem tão contemporâneos assim - resumem-se a timbres, batidas e riffs. E na canção em si, também.
O solo está fora de moda, Jack?
Ele é reticente, mas deixa pistas boas:
Estranhamente, o canhoto e autodidata Jimi Hendrix aprendeu manejar sua guitarra Fender Stratocaster (para destros) invertendo as cordas do instrumento.
Em 60 anos de rock'n'roll (levando-se em conta "Rocket 88", primeiro registro do gênero, gravado pelos The Kings of Rhythm, em 1951), as guitarras cansaram de sair e entrar em voga.
Turbinadas pelos excruciantes não-solos de Kurt Cobain, mártir grunge do Nirvana, nos anos 90 as guitarras voltaram a cena potentes.
Do outro lado do Atlântico, no cerrado do planalto central do Brasil, o guitarrista do duo electro rock brasiliense Lucy and The Popsonics, Pil Popsonic, aposta que, se estivesse vivo, o inventivo Jimi estaria fazendo música no computador – ao invés da guitarra.
De acordo com o diretor da estação de rádio, Marcos Pinheiro, Hendrix é nome fundamental na programação, que desfila no dial canções como "Hey Joe", "Purple Haze" e "Fire", além da nova "Valleys of Neptune".
Pinheiro não tem dúvida: "Os solos de guitarras fazem muito a felicidade dos ouvintes".
"O rock revisita-se o tempo todo. Chegará o dia em que os guitarristas haverão de ressurgir como solistas outra vez", prediz o ex-Ira! Edgard Scandurra, instrumentista canhoto tal como o ídolo Jimi Hendrix.
No século 21, representando a velha escola, Scandurra menciona o múltiplo Jack White, dos White Stripes, cujo "tímbrico" estilo de tocar mostra, também, vocação para solos e improvisos.
O fato de Jimi Hendrix, em 1966, ter se mudado para a Inglaterra (país em que, ironicamente, veio a morrer, aos 27 anos), onde finalmente foi descoberto pelo ex-The Animals Chas Chandler, tem como viés o extremo conservadorismo dos EUA.
Jimi foi parar em Londres, situa o baterista dos Shadow Riots, Gaylord Knott, porque, naquela época, a cidade era considerada a "mais cool do planeta" com a swinging london e as loucuras de Carnaby Street.
"Hendrix era um jovem negro, chocante e desafiador. Seu estilo de tocar e de solar era extravagante demais para a caretice norte-americana", critica Knott.
Porém, segundo ele, estão lá:
O som da Loomer tem vocação para o "barulho", portanto, a baixista reconhece que, graças a Jimi, guitarristas "nonsense" como J. Mascis, do Dinossaur Jr., também tiveram sua vez na história do rock.
"Não temos cacife pra solar. Pensamos em elaborar mais as bases mesmo e os riffs que conversam entre si", diz o jovem Andrio Maquenzi, guitarrista da banda gaúcha Superguidis, que acaba de lançar seu terceiro CD.
Fernando Catatau, cabeça da banda Cidadão Instigado, guitarrista e produtor ícone da nova geração de cantores e compositores que surgem em São Paulo, vai no mesmo tom.
Se a guitarra vive dias de ressaca, o que explicaria então o sucesso mundial de um jogo como o Guitar Hero, em que a graça é fazer o solo dos grandes mestres o mais fiel possível ao original, usando uma guitarrinha de plástico?
O músico Gustavo Martins, do Ecos Falsos, faz a associação.
"O solo clássico, aquele momento em que a banda para e o guitarrista tem seu momento de glória, caiu mesmo em desuso com o fim dos rock stars. Na maioria dos casos também, convenhamos, não era nada que servisse à música: era mais um negócio de 'eu consigo, você não'. Daí o sucesso do Guitar Hero e do Rock Band, que permitem às pessoas experimentar essa egotrip."
sábado, 24 de abril de 2010
"fOI cOMO 'aLICE nO pAÍS dAS mARAVILHAS'"*
lONG pURPLE dICK
Valleys of Neptune
quarta-feira, 21 de abril de 2010
vIVE lE fLESH nOUVEAU! (vLFN!)
anos! Tenha a experiência mais mística da sua vida, depois da morte! Nós garantiremos a sua vida! Atestaremos a sua felicidade!". VLFN! aceita contribuições em grana. Contate-nos que te passamos o número da conta.
fIVE mINUTES, pOR fAVOR*
*5 Minutos é a primeira aventura videodromológica da VLFN! Filmes, produtora que também finaliza o road doc Nas Paredes da Pedra Encantada, sobre o disco Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol, de Lula Côrtes e Zé Ramalho (1974).
sábado, 17 de abril de 2010
pAULO, jOÃO, jORGE e rINGO: tHE bITOLS
Nesses tecnocráticos tempos - nos quais editar um álbum de rock tornou-se relativamente fácil -, a ficção pop, contudo, segue praticamente ignorada pelos cineastas brasileiros.
As filmagens custaram em torno R$ 200 mil e começaram em 2004. Evidente troça com o nome do quarteto de Liverpool, Bitols enquadra uma noite dos anos 90 na vida dessa fictícia banda gaúcha, que tem em sua formação Paulo (Leo Felipe), João (Bruno Bazzo), Jorge (Leonardo Machado) e Ringo (Carlinhos Carneiro).
Os atores são bem conhecidos no circuito cultural da cidade: Leo Felipe foi proprietário do mitológico bar Garagem Hermética (palco no qual a Graforréia Xilarmônica fez seu show de estreia); Bruno Bazzeo toca na banda Destilantes; Leonardo Machado é ator da novela Viver a Vida. E Carlinhos Carneiro é mais popular como o frontman da banda Bidê ou Balde.
"Os Bitols fazem um som tipo art-noise-punk, só que eles são muito ruins. Facilmente poderiam ser chamados de "A pior banda do mundo"", ironiza Carneiro, que promete gravação do novo disco para junho.
O diretor André Arieta conta que escolheu retratar a década por tê-la vivenciado de perto, história que, segundo ele, estava se perdendo na memória audiovisual. Bitols, explica Arieta, recupera um período riquíssimo da cultura underground de Porto Alegre.
"Faltava um filme sobre rock feito de dentro para fora, sem frescuras e sem cinebiografia, embora de um jeito bizarro."
O bizarro está a cargo da montagem, ou melhor, da retorcida desmontagem proposta na edição do filme, que trilha a cartilha do Cinema Desconstrução encampada pelo coletivo: "É operar o avesso do cinema", resume o diretor, que cita como influência o marginal Meteorango Kid - O Herói Intergaláctico, do baiano André Luiz Oliveira.
A ficção conta também com aparições do músico Frank Jorge e do legendário Plato Divoraki, além de valer-se do tom documental ao desencavar imagens raras de bandas como Lovecraft, Tarcísio Meira"s Band e Colarinhos Caóticos.
Uma dessas preciosidades é o registro em VHS do primeiro show de Júpiter Maçã (Flavio Basso) quando ainda se chamava Júpiter Maçã Combo, em 1994. Em outra cena de Bitols, o produtor Gordo Miranda - Carlos Eduardo Miranda - enxovalha o cenário roqueiro daqueles dias.
A atriz e roteirista Bia Werther, que no filme faz a misteriosa Rita, revela que o mote de exibição do filme será nas salas alternativas e nos cineclubes. "Numa estratégia de guerrilha pretendemos chegar até o Acre."
O coletivo Cinema8ito possui também conexões com cineclubes de Paris e Tóquio. Ela explica: "Exibimos seus filmes e eles exibem os nossos. Assim, vamos tomando de assalto espaços que, para muitos, podem parecer inalcançáveis."
quinta-feira, 15 de abril de 2010
dEAD bOYS: aTROPELADOS pELO tEMPO*
sábado, 10 de abril de 2010
rETRATOS dO bOÊMIO
2 - Família Gonçalves Sobral (Nelson na bicicleta)
3 - Ídolo do rádio nos anos 1940
4 - Conferindo a loteria esportiva
5 - Com os filhos adotivos após sua prisão em 1961
6 - Fichado
7 - Casamento da filha Marilene Gonçalves na década de 1960
8 - Primórdios da TV
9 - No ringue: seu habitat fora dos palcos
10 - Abraçando o amigo Eder Jofre
11 - Na parceria com Chico Buarque
12 - O fã Silvio Santos
13 - Traje de gala
14 - De olho na Chacrete
15 - Malandragem
quinta-feira, 8 de abril de 2010
quarta-feira, 7 de abril de 2010
sUPERfUZZbLUESgLITTERrOCK'n'rOLL
E o que há lá dentro? Tiger Rock, álbum do power-heavy-trio Tiger B. Smith. São de Frankfurt, na Alemanha. Gravado em 1972, o disco foi editado pelo selo Vertigo em 1974. No Brasil, Paêbirú; na Alemanha, Tiger Rock!
Tiger Rock (1972)
segunda-feira, 5 de abril de 2010
aRE tEENAGE dREAMS sO hARD tO bEAT
*O radialista John Peel, criador das célebres "Pell Sessions" (na Radio1 da BBC de Londres), dizia que "Teenage Kicks", dos Undertones, era sua canção predileta de todos os tempos. E foi a música que tocou em seu funeral, em 2004. Mais de 30 anos depois, uma coisa é certa: seus dois minutos e meio de pop perfeito são para sempre.
domingo, 4 de abril de 2010
cHICO xAVIER: dETETIVE dO aLÉM*
- "Não fui eu. Alguém me empurrava a mão".
Desde esse dia ou essa noite, Chico Xavier perdeu o sossego e também o de sua cidade. Turistas chegavam, atraídos pela fama do moço-profeta. Pedro Leopoldo ia crescendo e Chico Xavier ia ficando importante. Nunca mais teve paz. Nunca mais pode sair pela rua, sem ouvir um pedido de saúde ou uma prece de gratidão. Se ao menos fôsse só isto. Era mais, muito mais. Eram os curiosos do Rio, de São Paulo e de Belo Horizonte, pedindo consultas ou detalhes pelo telefone interurbano. Era a legião de repórteres em busca de novas mensagens. O representante da editôra insistindo por outros livros. Os centros espíritas de todo o país solicitando pormenores. Uma vida infernal, agitada, barulhenta sacudia o pobre rapaz.
As luzes dos lampiões da cidadezinha nunca mais dormiram sem a presença de um estrangeiro, rondando pelas ruas dantes tão sossegadas.
Fixaremos, precisamente, a violenta mudança de vida de Chico Xavier e da cidade de Pedro Leopoldo. Não nos interessa, embora pareça estranho, o medium Chico Xavier, mas a sua vida. Os seus trabalhos psicografados - ou não psicografados - já foram assunto de milhares de histórias, divulgadas desde 1935. Se são reais ou forjadas, decidam os cientistas. Se ele é inocente ou culpado dirão os juízes. Se êle é casto, instruído, bondoso, calmo, diremos nós. Porque não somos detetives do além.
Se os espíritos nos ouvem, eles sabem que não acreditamos em suas mensagens, nem desacreditamos de suas virtudes literárias. A verdade é que não temos a bravura indispensável para avançar sobre o terreno pantanoso do outro mundo e analisar suas reais ou irreais comunicações utilizando aparelhos de escuta com êste pálido e sensitivo Chico Cândido Xavier.
Desde que saímos daqui, levávamos a inabalável determinação de fazer uma reportagem sem complicações, apesar do assunto em sua natureza extra-terrena mostrar-se absolutamente complicado. Assim é que o senhor, amigo, chegará ao fim destas linhas sem obter a certeza que há tanto tempo procura:
"É Chico Xavier um impostor ou não é?" E dirá: - "Não conseguiram desvendar o mistério!" Sim, o mistério continuará por muito tempo. Eternamente. E Chico Xavier morrerá, sem revelar o segredo de sua extraordinária habilidade ao escrever de olhos fechados, se é mágico, ou de seu fantástico virtuosismo, ao chamar, além das fronteiras da vida, as almas dos imortais, fazendo-os recordar os velhos tempos da Academia. Nossa intenção é mostrar o homem. Sem o espírito dentro de si, nos momentos vulgares, Chico Xavier é adorável, cândido, maneiroso, humilde, um anjo de criatura.
A frase de uma vizinha define melhor: - "Sabe, moço? O Chico é um amor". Justamente dêsse tipo desconhecido, da parte anônima de sua devassada vida, é que tratamos, na hora e meia que permanecemos em Pedro Leopoldo. Para começar, diremos que Chico nunca teve uma namorada.
O tempo de viagem de Belo Horizonte a Pedro Leopoldo não vai além de hora e meia. A meio caminho, encontramos a fazenda federal onde Chico Xavier é dactilógrafo. O motorista não quer entrar. - "Aí, não. Até os zebus são atuados". O diretor, Rômulo, está na horta, sòzinho. Ele nos dará, talvez, esclarecimentos sôbre a vida de Chico e, quem sabe, facilitará o encontro com o sensitivo. Ouve o pedido. Depois, lentamente, abana a cabeça e o seu "não" é inflexível, desde o primeiro minuto. Alega um milhão de coisas. Que Chico anda cansado e precisa repousar. Um de nós lembra a possibilidade dele, diretor, dar umas férias a Chico. - "O Chico funcionário nada tem a ver com o outro Chico". Apresentadas as despedidas, êle adverte: - "Não creio que será possível aos senhores um encontro com êle. Creio que vão esperar até sexta-feira".
Voltamos a deslizar pela estrada, neste sábado negro. A cidade aparece depois de uma curva. - "Onde fica a casa do Chico Xavier?" O menino aponta a igreja. - "Ali, na rua da matriz. Ele mora com a família". Encontraríamos, em várias oportunidades, a mesma designação do pessoal do município: êle. Todos apontavam Chico, sem recorrer ao nome. Êle só podia ser êle. - "Minha irmã foi curada por êle".
Ei-lo aqui, diante de nós. Veio a pé da fazenda e em sua companhia um senhor do Rio, que algumas vêzes vem passar semanas com o medium. - "Gosto de falar com êle. É um rapaz de cultura. Discute vários assuntos, lê um pouco de inglês e de francês. Devora os livros com fúria. Trouxe-lhe, há dias, "O homem, êsse desconhecido" e êle não gastou mais de quatro horas e meia para ler o volume gordo. É um prazer para êle. Seu único amor é o espiritismo".
Chico, perto de nós, não está ouvindo a palestra. Conversa com Jean Manzon. Devemos esclarecer que não dissemos qual a organização jornalística em que trabalhávamos. Queríamos ver se o espírito adivinhava. Não houve oportunidade.
Chico parecer ser um bom sujeito. Suas ações, mesmo fora do terreno religioso pròpriamente dito, são ações que o recomendam como alma pura e de nobres sentimentos. Vão dizer, os espíritas, que é natural: todo o espírita dever ser assim. Sei de um que não teve dúvida em abandonar a espôsa, o lar, sete filhos, um dos quais doente do pulmão.
- "Na rua, entre seus irmãos de seita, - disse-me um dos filhos - êle se mostrava esplêndido, generoso, cordial. Em casa, por pouco não botava fogo nas camas, à noite. Parecia um verdadeiro demônio. Guardava até alface no cofre-forte”.
Já o Chico não é assim. Sua nobreza de caráter principia em casa. Todos os seus irmãos e irmãs louvam a sua generosa e invariável linha de conduta, protegendo-os, hora a hora, dia a dia, através dos anos, trabalhando como um mouro. Um de seus sobrinhos sofre de paralisia infantil. Atirado a um berço, chora eternamente. Sòmente o Chico vai lá, fazer companhia ao garôto, às vêzes uma noite inteira.
- Chico!
- Que é, meu senhor?
- Você lê muito?
- Não. Só revistas e jornais.
- O outro disse...
-Disse o quê.
- Nada.
Ele nos olha, surpreso, quando a pergunta, como um busca-pé, sai correndo pela sala:
- Você, não pensa em se casar, Chico?
- Eu, casar? (Dá uma gargalhada) - Claro que não.
- Não namora?
- Nunca.
- Por que?
- Não há razões. Não gosto. Tenho outras preocupações. Ora, eu namorando... Tinha graça...
- Chico...
- Que é?
- É verdade que o padre desafiou você para um duelo verbal?
- Ele disse pra eu ir à igreja discutir. Não é lugar próprio.
- Você gosta do padre, Chico?
E ele, o ingênuo e feliz Chico, respondeu:
- Ué, eu gosto do padre, mas ele não gosta de mim.
- Chico...
- Que é?
- Onde estão suas mensagens?
- Um irmão levou tudo, em vista de tantas complicações.
- Você vai ao Rio?
- Até agora, nada resolvemos. Possìvelmente, mandarei uma procuração.
Numa estante, os livros de Chico. Versos de Guerra Junqueiro, Tolstoi e uma porção de autores mortos. Na sala do lado está a mesa onde êle recebe as mensagens. Uma papelada branca, pronta para ser coberta pelas mensagens do outro mundo. Sexta-feira houve mais uma sessão, desta vez presidida pelo chefe do executivo municipal. Humberto de Campos não compareceu mas o Emanuel, guia de Chico, lá estava. Quem é Emanuel? Um romano que existiu na mesma época de Jesus e conta um mundo de coisas interessantes sôbre a terra, naqueles tampos de há dois mil anos.
- Ele dita?
- Vou psicografando as mensagens. Há outros mediuns, como um norte-americano, que ouve as vozes dos espíritos tão alto que os presentes também escutam. Eu ouço. Os outros, que estão perto, não.
- Chico...
- Que é?
- Já teve oportunidade de falar com espírito de homens célebres?
- Homens célebres?
- Napoleão, para um exemplo, já falou consigo?
- Que eu saiba, não. Os assuntos bélicos não são freqüentes, nas mensagens que recebo do além. Há seis anos, entretanto, meu guia Emanuel previu os principais acontecimentos que hoje revolucionam a terra. Ele disse: - "A vitória da fôrça é fictícia".
O cavalheiro do Rio acode:
- E o próprio Chico, meses antes, previu a queda da Itália. Ele disse, categòricamente, que a Itália seria a primeira a cair. E a Itália foi a primeira a cair.
Pedro Leopoldo é a cidadezinha de uma rua grande e uma porção de ruas pequenas, convergindo para ela como servos humildes do rio principal. A casa de Chico é uma das melhores do lugar. Três quartos, sala e cozinha. O banheiro é lá fora, no fundo do quintal, ao lado do galinheiro.
Chico se levanta de madrugada e vai dar milho às galinhas. Depois, sua irmã solteira faz o café, que êle toma com pão dormido, porque o padeiro ainda não chegou. Apanha a pasta de documentos da fazenda federal, e vai andando pela estrada, ainda coberta pela neblina. Volta para almoçar às onze horas. O expediente se encerra às dezoito horas, mas Chico, nestes dias de maior trabalho, faz serão.
Sua vida é frugal. - "Quero que compreendam o seguinte: não vivo das mensagens de além-túmulo. Tenho necessidade de trabalhar para sustentar minha família. Se quase me dedico inteiramente a receber as comunicações, ainda se entende. O pior, entretanto, é a onda de gente que vem do Rio, de São Paulo e de todos os Estados".
- Peregrinos?
- Mais ou menos. Não posso deixar de recebê-los, pois fico pensando que vieram de longe e necessitam de consôlo. Isto leva tempo, toma tempo. Como se não bastassem essas preocupações, o telefone interurbano não pára dia e noite. - "Chico, Rio está chamando... Chico, Belo Horizonte está chamando... Chico, São Paulo está chamando... Chico, Cachoeira está chamando..." Evito atender, mesmo constrangido. Meu Deus! Eu não quero nada, senão a paz dos tempos antigos, o silêncio de outrora. Quero ser de novo aquêle Chico sossegado e tranqüilo que apenas se preocupava com as coisas simples...
- Impossível a viagem de volta...
- Impossível? Não, não é impossível. Eu voltarei a ser aquêle sossegado Chico. Não tenha dúvida.
O repórter imagina, a essa altura, que ele acredita na possibilidade de suas comunicações, com o além serem repentinamente suspensas. Vai perguntar ao Chico, mas uma senhora de cor negra entra na sala, carregando um benjamim de olhos assustados.
- "Trago para o senhor, Seu Chico..."
Ele segura com trinta mãos, cheio de cuidados, o bebê e o bebê faz um berreiro dos diabos, agita as pernas, sacode as pernas dentro da prisão dos braços de Chico. Ele sorri e devolve o menino à mãe.
- Meu sobrinho - explica o profeta Chico - é nervoso e fica dêste jeito. Sabe por que? Ele sofre de paralisia infantil.
- Não tratam dele?
- Não temos recursos. Já deixei claro que não recebo um centavo pelas edições dos livros que me chegam do além. Assino um documento autorizando a livraria da Federação Espírita Brasileira a editá-los e, sòmente após ficarem impressos, recebo uns cinco ou dez exemplares, para dar aos amigos.
Vamos atravessando a sala e entramos num dos quartos. Na parede, prateleiras repletas de livros. Remédios à base de homeopatia, que Chico recomenda. Não sei porque os espíritos manifestam estranha aversão pela alopatia e suas drogas, receitando sempre combinações homeopáticas. Perto dos vidros, um armário cheio de livros. As obras de guerra conta a Santa Sé, assinadas por Guerra Junqueiro, ainda em vida. Os livros de Flammarion e de Alan Kardec, mas não os psicografados, misturados com volumes de propaganda anticlerical. Na parede, dependurado, um velho pandeiro.
- Quem toca pandeiro nesta casa?
Chico sorri o sorriso beatífico e diz que não é ele.
- Alguns espíritos?
O sorriso beatífico desaparece.
- Os espíritos não tocam pandeiro.
Saímos para a rua, hoje, sábado movimentado. O povo de Pedro Leopoldo passeia diante da Igreja que domina de forma esquisita a casa do humilde psicógrafo que Clementino de Alencar, certo dia, foi roubar de sua vida serena há dez anos. Hoje, Pedro Leopoldo é a Jerusalém do credo de Kardec. Já tem hotel e telefone. O povo de lá, por estranho que possa parecer a quem não conhece pessoalmente o nosso amigo Chico, revela invariável amizade. Será orgulho pela celebridade que ele deu ao município? Sim, porque antes de Chico, Pedro Leopoldo nem existia nos mapas de Minas Gerais. Gostam dele, de seus modos, de sua cara asiática, onde um dos olhos empalideceu sùbitamente, como um farol apagado em pleno caminho da luz.
A cidade tem uns treze mil habitantes, contadas as aldeias próximas, mas, espíritas, uns quatro ou cinco. Todos apreciam Chico, gregos e troianos. Gostam, mas preferem não rezar o seu catecismo. Ele não se importa. Não procura convencer ninguém à força de seu estranho e discutido poder. Quando a carta precatória, intimando-o a depor, chegou a Pedro Leopoldo, Chico leu devagarinho e abanou a cabeça. - "Eu não posso mandar uma intimação judicial às almas!" E não deu mais importância ao caso.
Até à volta, sereno Chico. De todas as pavorosas complicações, você é o menos culpado. Parece uma caixa de fósforo num mar bravio. Uma velha beata de Pedro Leopoldo me disse que isto é castigo: - "Castigo, sim, nhô moço... Antão, êle telefona pro inferno e manda chamar os espíritos e depois num quer se aborrecer?"
Já o trombonista de Pedro Leopoldo deve pensar diferente: - "Por que será que o Chico só sabe receber mensagens escritas? Por que não recebe músicas de Beethoven, de Chopin, de Carlos Gomes?"
Ele, o moço amável de Pedro Leopoldo, não dá maior atenção aos comentários e vai levando como pode a sua vida. É pena, entretanto, que êle não tenha as qualidades artísticas que vão além do terreno literário. Se fôsse assim, Pedro Leopoldo teria, senhores, não apenas o psicógrafo Chico, mas também o músico Chico, o pintor Chico, o profeta Chico. Isto mesmo: o profeta Chico.
*Revista O Cruzeiro, 12 de agosto de 1944.
A história contada pelo jornalista, como tudo o que escrevia, é controversa. Mas, do ponto de vista jornalístico, não existe contraponto: é dos maiores textos do jornalismo brasileiro.
Personalidade malandra, David Nasser - além de águia da grande reportagem - foi co-autor, ao lado de Herivelto Martins, de músicas de sucesso na voz de Nelson Gonçalves (e de uma porção de cantores da Era do Rádio): "Hoje quem Paga sou Eu", "Camisola do Dia", "Francisco Alves", "Vermelho 27", "Carlos Gardel", "Serpentina".
Recordista absoluto dos estúdios, o Metralha cantou uma letra "além-túmulo" psicografada por Chico Xavier. A canção é "Maria e Mais Nada" (ouça), do álbum Quando a Lapa era Lapa, de 1970.
"Barreto Pinto Sem Máscaras", outra reportagem de David Nasser, deu muita polêmica. Nela, o deputado federal Barreto Pinto deixava-se fotografar numa banheira em seu gabinete vestindo fraque, cartola e sem calças (de cuecas samba-canção). Barreto foi cassado; Nasser ficou popular.
Em 1963, foi agredido pelo então deputado federal Leonel Brizola no Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro. Irritado com um artigo publicado em O Cruzeiro, no qual lhe fazia pesadas ofensas, o velho Brizola partiu aos socos para cima do jornalista.
Arquivo do blog
-
▼
2010
(128)
-
▼
abril
(22)
- gAUCHISMO fREAK*
- jIMI hENDRIX: uM mESTRE sEM dISCÍPULOS
- sHAKE iT: wILD tHING x mY gENERATION
- yOU mAKE mE eVERYTHING...gROOOVE
- "fOI cOMO 'aLICE nO pAÍS dAS mARAVILHAS'"*
- lONG pURPLE dICK
- vIVE lE fLESH nOUVEAU! (vLFN!)
- lONG lIVE tO nEW fLESH
- fIVE mINUTES, pOR fAVOR*
- pAULO, jOÃO, jORGE e rINGO: tHE bITOLS
- dEU pRA tI aNOS 70
- dEAD bOYS: aTROPELADOS pELO tEMPO*
- sONIC rEDUCER
- rETRATOS dO bOÊMIO
- fREE aMP
- sUPERfUZZbLUESgLITTERrOCK'n'rOLL
- aRE tEENAGE dREAMS sO hARD tO bEAT
- cHICO xAVIER: dETETIVE dO aLÉM*
- gUITARRAS (e bAIXOS) eM pEDAÇOS
- sTROLL oN!
- pENSANDO o iMPENSÁVEL sOBRE jOHN lENNON*
- fREE dUCHAMP
-
▼
abril
(22)