"De repente, chegou um rapaz dizendo que era compositor, tocava violão e gostaria muito de poder 'mostrar seu trabalho' para Raul. Mas ele não tinha o braço direito. Ficamos meio sem jeito, olhando para o cara - até que Raul lhe perguntou:
'Ah, é? E o que o senhor quer que eu faça?'.
Com muita humildade, o garoto respondeu: 'Seu Raul, o senhor faz o ritmo e eu as posições'.
Não dá para explicar o carinho com que Raul ajudou o rapaz. Ele ficou abraçado, quase pendurado por trás do cara, fazendo o ritmo com a mão direita, enquanto o cara mudava os acordes com a mão esquerda.
Foi uma cena linda".
"Dividimos muitos pratos-feitos, durante os primeiros tempos de nossa vida profissional. Período em que comprovei o grande caráter de Raul, o qual era muito apegado às pessoas simples. Uma demonstração disso aconteceu em Guabimirim, Rio de Janeiro.
Ficamos bebendo, até às 2 da horas madrugada, depois fomos dormir. Mas, por volta das 5 horas da manhã, acordei e reparei que Raulzito havia sumido. Olhei por toda a casa, pelo quintal - e nada. Decidi, então, sair com o carro para procurá-lo.
Comecei a ouvir um som de longe. Vi um cara magro de calça jeans, sem camisa, descalço e com um chapéu de São João, cheio de fitas coloridas e um violão, cantando Elvis Presley no meio dum monte de pinguços.
Os caras nem sequer imaginavam que aquele era o Raul Seixas. Raulzito estava na maior alegria, feliz da vida. Na hora em que me viu, falou: 'Tratanius (o jeito como chamávamos um ao outro), vem cá tomar uma cachacinha comigo'.
Raul cantou pra galera até o dia amanhecer".
*Historinhas contadas por Mauro Motta, um dos melhores amigos de Raul Seixas. Vizinhos de quitinete e produtores na linha de montagem do iê-iê-iê romântico da CBS. Motta e Raul produziram o álbum Sessão das Dez.
POR CRISTIANO BASTOS Edy Star (ou "Edy Bofélia", como Raul Seixas lhe chamava), 71 anos, começou sua carreira artística em Salvador, no início da década de 1960. Foi um dos elementos que atuou no extraordinário álbum-levante Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (CBS Discos/1971), juntamente com Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada - o quarteto da foto (Edy à esquerda).
Star ganhou notoriedade, ao ser descoberto pela "contracultura", que notou suas performances em boates do Rio de Janeiro e de São Paulo. Em 1975, estrelou a primeira montagem brasileira do musical Rocky Horror Show, produzida por Guilherme Araújo.
No ano seguinte, gravou o LP Sweet Edy (Som Livre/1974), com músicas compostas - especialmente para ele - por compositores do calibre de Roberto & Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Jorge Mautner. Além de Raulzito.
Edy Star considera-se "o primeiro artista glitter (ou glam) do Brasil". Segundo ele, no meio artístico, também foi o primeiro a assumir sua homossexualidade em público. E, para quem não sabe, Edy é artista plástico de renome, com mais de 30 exposições no curriculum.
Há 15 anos, Edy vive na Espanha. É mestre de cerimônias de um cabaré no centro de Madrid, onde - usando de suas próprias palavras - dirige "35 mulheres internacionais". Com Gilberto Gil, divide parceria na música "Procissão".
Como "artista plástico", é verbete na Enciclopédia de Artes Plásticas Brasileiras, de Roberto Pontual. Como "cantor de rock glam", consta na Enciclopédia do Rock Brasileiro – A a Z, de Marcelo Dolabela.
Como é a sua vida em Madri?
Eu adoro Madrid, como todas as pessoas que vêm a conhecê-la. Gosto de andar pelas ruas antigas e velhos bairros. Visitar o Museu do Prado e os pueblos vizinhos. Amo o flamenco e as Tardes de Toro que, no Brasil, são chamadas de touradas.
Em 1975, você estrelou a primeira montagem brasileira da peça Rocky Horror Show. Dá para rememorar esses tempos?
Em 1974, fui chamado por Guilherme Araújo, para protagonizar o projeto. Inicialmente, seria com Wanderléa, Jorge Mautner, Jerry Adriani e outros. Mas, abandonei as reuniões do grupo porque não concordava com a direção. Daí o projeto michou. Tempos depois, estreou com elenco completamente diferente.
O Eduardo Conde fazia o personagem Vampirão. Porém, com 20 dias de estreia, Conde contraiu hepatite; Guilherme foi me buscar em Salvador, para substituí-lo. Consegui introduzir algumas coisas no espetáculo. Fiquei até o final da temporada no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro.
Sua apresentação no Palco Toca Raul! foi considerada a melhor da Virada Cultural de São Paulo. Rolou a "presença" de seu velho e conterrâneo Raul Seixas?
Me dediquei a fazer um show diferente, divertido e muito dentro do espírito do disco Sessão das Dez. Só sei dizer que o público raulseixista entregou-se em todas as músicas. A força e o espírito e a força de Raul dominou todas as 24 horas de apresentações. Foi lindo e emocionante!
O que você estava ouvindo nos tempos do álbum Sweet Edy?
Eu atuava na Boite Number One, em Ipanema, levado por Maria Alcina para substituí-la. Ouvia o de sempre: muita música velha brasileira. Mas tinha sintonia com alguns "novos", como Zé Rodrix, Gonzaguinha, Caetano, Novos Baianos e o velho e bom rock'n'roll. Adorava Humble Pie.
Porque você saiu do Brasil?
Eu estava praticamente sem mercado de trabalho. As boites não tinham conjuntos musicais. Eu trabalhava em cinco boites ao mesmo tempo - de Mauá à Copacabana. Durante oito anos, recebi o troféu Melhor Atração da Noite, todavia, o mercado estava cada vez pior.
Antes que começasse a passar fome, resolvi conhecer o país que eu mais queria, a Espanha. Mas, logo fui contratado; fui ficando. Voltei ao Brasil em 1999, atuei em várias peças de teatro e retornei às boites, só que era tudo muito difícil. Chamaram-me para voltar à Espanha e, assim, voltei à Madrid.
É verdade que você sobreviveu no Rio graças à uma maracutaia de Raul, que lhe arrumava grana mensal como prestador de serviços para a CBS?
Sim. Graças a Raul e a "seu" Evandro Ribeiro, que era o diretor da CBS. Desde que Raul me apresentou a ele, ficamos muito amigos. Era um gentlemen, muito culto e de bom papo. Ele tinha certeza que, um dia, eu iria estourar. Ele chegou planejar para que eu cantasse salsa.
Evandro me trazia discos dos states. Como eu não tinha emprego, e o compacto gravado sob a direção de Raul não me rendia nada, inventaram-me uma série de direitos conexos. Eu recebia meu tutu e a vida seguia correndo.
Quando Raul o chamou para gravar Sweet Edy, você disse que se surpreendeu muito: "Eu fui o único dos seus amigos da Bahia convidado para trabalhar com ele". Raul estava em início de carreira. Percebia nele o potencial artístico que viria a desenvolver futuramente?
O Sweet Edy não! Para esse LP, o convite veio de João Araújo (pai do Cazuza e diretor da Som Livre), ao me ver atuando no Number One, em 1973. Quando Raul me contratou para gravar na CBS, cheguei a pensar que seria uma brincadeira, justamente por isso.
Havia gente mais importante e mais amiga, como o Thildo Gama e o Waldir Serrão. Eu nunca fui um bom cantor. Sou um cara que canta razoavelmente. Sentia o potencial do Raul vendo compor e produzir seus pupilos. Frequentei sua casa e sabia que ele tinha outras músicas que jamais poderia gravar na CBS.
Principalmente, como cantor. Para explodir, tinha de sair de lá. Foi o que ele fez.
"Edy Star" é verbete no Dicionário de Artes Plásticas do Brasil, de Roberto Pontual. Fale sobre essa sua vertente artística.
Eu desenhava desde pequeno e sempre tive bom traço. Depois, enveredei pela pintura, mas sempre como auto-didata. Fiz minha primeira exposição em 1961. Tempos depois, entrei para a equipe da Galeria Bazarte.
Tenho 32 exposições; 16 delas foram individuais. Estive presente em três bienais. Parei de pintar por falta de tempo e espaço. Mas estou voltando aos pincéis.
É verdade que Raul enciumou-se com a sua histriônica versão de "La Bamba", na Rádio Sociedade da Bahia, nos anos 60?
Sim, fui cantor dos programas de auditórios nas rádios de Salvador. Porém, conhecia Raul desde o Elvis Rock Club, ao qual tambem pertenci. Na Rádio Cultura, Raul e os Panteras encerravam o programa.
Não creio que fosse ciúmes: ele estava era puto da vida por ter que acompanhar uma bicha louca, como eu, enlouquecendo o auditório. Depois, fomos nos aproximando por meio dos papos de ensaios. Ficamos grandes amigos. Fizemos, inclusive, alguns shows juntos.
Qual era a melhor qualidade do Raul?
O bom-humor e o profissionalismo. Como era a relação artística de vocês?
A melhor possível. Às vezes, discordávamos do valor de uma música ou outra. Mas isso nunca nos afetou, aliás, muito pelo contrário. Raul sempre me pedia para cantar o bolero mexicano "Suicídio".
Ano passado, lendo o livro Baú do Raul Revirado, li que esse bolero era a segunda canção preferida de Raul.
40 anos depois, como definiria o álbum Sessão das 10?
É um disco atualíssimo. Muito inventivo e divertido. Não fica a dever nada ao de outros movimentos. Dos álbuns de Raul, para mim, os dois mais importantes são: Sessão das 10 - é nele que Raulzito dá a virada em sua carreira e, também, porque assina, pela primeira vez, Raul Seixas; depois, Krig-Há- Bandolo!, pois é o primeiro no qual assume seu lado cantor e assina todas as composições.
Como era integrar o quarteto kavernista?
Nunca nos consideramos fantásticos ou grandes artistas. Éramos só um pessoal na batalha para estourar um disco diferente. O único elemento que destoava era a Miriam, que vinha de São Paulo. Tinha outra cultura e outra procura pelo sucesso.
Eu, Sérgio e Raul éramos, praticamente, nordestinos unidos nos deboches, nas piadas, nas críticas e no humor. Curtíamos um bom baseado para abrir a cuca, podes crer!
Há planos de voltar ao Brasil e gravar um álbum?
Não tenho gravadora e nem estou na mídia!
Comos seria se gravasse um disco novo?
Cheguei a fazer um projeto celebrando Raul Seixas. Contudo - de repente - tinha muita gente fazendo o mesmo. Também pensei num novo Sweet Edy, mas com o nome de O Último Kavernista. Ou, então, um disco com músicas do folclore nordestino.
Ou, quem sabe, faço um álbum independente de salsa e merengue: junto-me à uma banda decente com duas piranhudas indecentes mostrando a bunda. Pode não primar pela moral e pelos bons costumes, mas é o que o povão brasileiro gosta no momento. É a nossa cultura, né?
*Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua é dos mais belos - e estranhos - discos da música brasileira. Autoria do capixaba (de Cachoeiro de Itapemirim) Sérgio Sampaio, que morreu de pancreatite - mesma doença que Raul. Também por causa do fortíssimo trago.
Raulzito Seixas (ao qual Sampaio dedica a última faixa do LP) regeu essa obra-prima, fecundada nos estúdios da Phillips/Phonogram, em 1973. Direção do boss André Midani; produção artística de Roberto Menescal.
A histórica gravação da marcha-rancho "Eu quero é botar meu bloco na rua", inscrita no VII Festival Internacional da Canção, o FIC, contou com os músicos Piau (violão), Ivan Machado (baixo) e os "crocantes'" Cream Crackers (percussão).
Leia o que Erasmo Carlos, amigo de Sampaio, disse.
Os coros da música "Eu quero é botar meu bloco na rua" têm a condução de Raul. O apoio vocal é dos Golden Boys. Há 36 anos, o compacto virou febre nas rádios brasileiras. Hoje, o que mais surpreende são os números: 300 mil cópias vendidas em três meses.
A Universal Music pretende lançar em edição dupla Krig-há, Bandolo! (1973) e 30 Anos de Rock (1985). Ambos virão com raridades e versões alternativas. A MZA Music está soltando 20 Anos sem Raul - composto por um DVD documental, cujo bônus é o clipe de "Morning Train" ("Trem das Sete") e um CD só com músicas da parceria Raul Seixas/Paulo Coelho vertidas para o inglês.
A raridade do álbum é "Gospel", canção inédita de Raul censurada em 1974 e agora resgatada por Marco Mazzola. Devem sair dois álbuns de gravações raras, idealizados por Sylvio Passos: um show gravado em Patrocínio, Minas Gerais, em 1974, e uma compilação de raridades acústicas registradas entre 1963 e 1989.
Também está prevista a publicação de uma biografia que está sendo preparada há cinco anos pelo jornalista Edmundo Leite. Só que a mais esperada novidade é o documentário O Início, o Fim e o Meio, dirigido por Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel, com estreia prevista para dezembro.
O filme desencava joias inéditas, como a apresentação de Raul no Festival de Surf de Saquarema, em 1976. Capturadas em película, as imagens, guardadas há 33 anos, foram cedidas por Nelson Motta.
"Uma vez, estávamos passeando em São Conrado, no Rio de Janeiro. De repente, Raulzito sentou-se na calçada e começou a bater papo com um mendigo que não falava coisa com coisa. O papo nunca terminava.
Eu dizia que tínhamos de ir embora, mas ele não queria sair dali. Continuou a conversar com o sujeito como se fosse a coisa mais séria do mundo. Eu me aproximei para tentar ouvir sobre o que eles conversavam, só que não dava para entender nada. Ficaram uns quarenta minutos nesse papo doido".
"Noutra época, Raul inventou um personagem chamado Queixada. Ao ficar nervoso, o Queixada trazia o queixo para a frente e falava baixinho. Aquele jeito de falar virou mania entre nós. Na época em que ele foi perseguido pelos militares, Raul passou, aproximadamente, uma semana em minha casa. Num belo dia, sumiu.
Saí procurando ele por tudo quanto é lado. Fiquei muito preocupado, pensando que Raul poderia ter sido preso. Quando já não sabia mais onde procurá-lo, sem querer, olhei para o lado e lá estava o Raul escondendo-se de mim, ao mesmo tempo em que fazia o Queixada. Perguntei: 'Que diabos é isso, Raul?' Ele respondeu: 'É que lá na sua casa tava muito tranquilo pra mim'".
"Para a cerimônia de meu casamento, convidei apenas os mais chegadas. Tinha uma lista de convidados na qual, por descuido, o nome de Raul acabou não entrando. Quando ele chegou, o porteiro quis empedir sua entrada.
Raul não marcou bobeira: disse ser o padre que celebraria a união do casal. Como estava todo vestido de preto, o porteiro acreditou. De repente, começou um tumulto. Era o padre de verdade reclamando. Ele dizia ser um absurdo contratar dois sacerdotes para uma mesma celebração.
Desfeito o equívoco, apresentei Raul ao sacerdote, o qual chamou -lhe para ser o coroinha da cerimônia. O padre deu um sino a Raul. O casamento rolando e o Raul tocando aquele sino sem parar.
O homem não aguentava mais, e começou a dizer que aquele menino precisava ser exorcizado. Para 'salvá-lo', começou a jogar água benta nele. Raulzitio não perdeu a pose e continuou a fazer graça no altar".
*Causos que estão reunidos no site Krig-há, bandolo!, mantido pelo guitarrista norte-americano - que tocou no homônimo disco, Jay Vaquer (um dia Gay Vaquer). A imagem é do segundo álbum de Jerry Adriani, produzido por Raulzito na CBS. Não tem letras suas. Em compensação, Raul editou a composição "Ainda gosto dela", de autoria dividida entre seu irmão, Plínio, e o amigo de infância Waldir "Big Ben" Serrão.
*Estréia em estúdio d'Os Panteras. Na foto acima, o primeiro conjunto de Raulzito: Os Relâmpagos do Rock, trio formado em 1961, com os irmãos Thildo (à direita) e Décio Gama. Abaixo, Raulzito & Os Panteras acompanhando Roberto Carlos (que aponta para Thildo, meu guia por Salvador na reportagem da Rolling Stone). No backstage do lendário Cinema Roma.
Em 1979, atendendo um pedido de Dona Maria Eugenia, mãe de Raul, o cineasta Beto Sodré (vizinho da família Varella Seixas, em Salvador) aceitou receber o astro na fazenda do pai, em Piritiba, interior da Bahia. Recém operado do pâncreas, Raul precisava recobrar a saúde.
Vendo que, frequentemente, o pai de Sodré chegava do interior carregado de produtos naturais, Dona Eugenia pediu um canto para que o filho viesse descansar serenamente.
O idéia do disco Abre-Te-Sésamo – da emblemática "Aluga-se" (que passou batida pela censura) e da vetada "Rock das Aranhas" – nasceu nesse ambiente rural. Mas, o bucolismo não foi fonte de inspiração.
A fonte foi a edição do jornal O Pasquim, que Sodré levara para Raul ler. A reportagem era sobre os ministros do presidente João Baptista Figueiredo, o "Ali Babá" e seus 40 ladrões.
Sodré diz que Raulzito foi recuperar-se no recanto, contudo, voltou a beber no dia seguinte: "Raul não parava. Era uma criança muito ativa que não deixava ninguém quieto. Não podíamos deixá-lo só, pois estava diabético".
O cineasta foi responsável, novamente, por colocar Raul de volta na televisão, lançando a faixa-título "Abre-Te-Sésamo" no televisivo A Discoteca do Chacrinha. Raul entrou no ar fantasiado de sheik, carregado por musculosos alterofilistas e rodeado por um grupo de messalinas.
"Por causa de seu comportamento, Raul tinha sido execrado da Rede Globo. Mas, por meio de Ary Nogueira e Maurício Sherman, conseguimos o programa do Abelardo Barbosa". Ary também arrumou para o baiano o infantil Plunct-Plact-Zun, que foi o maior sucesso. Na gravadora Som Livre, Raul Seixas gravou Metrô Linha 743.
*Nas fotos: Beto Sodré, Raul Seixas e sua esposa Kika Seixas.
Ao ser convidado para integrar a banda de Raul Seixas, em 1973, o pianista Wagner Tiso, que também tinha o grupo Som Imaginário, rodava a Grécia tocando bossa com o quarteto de Paulo Moura. Tiso pilotou o piano elétrico Fender Roads, na histórica temporada de shows de Raul no teatro Teresa Raquel, no Rio de Janeiro.
Os dois desentenderam-se logo de saída. Raul queria que o pianista tocasse ao seu estilo 50's. Noutra situação, a caminho de Belo Horizonte, onde apresentariam-se num festival, discutiram a bordo do trem de ferro Vera Cruz.
Raul foi à cabine de Wagner e puxou papo: "Wagner: você tem que ser menos rebelde e tocar à minha maneira". "Disse-lhe que eu vinha do jazz; não era roqueiro". Segundo Tiso, chegaram a se agredir verbalmente "só um pouquinho".
Tempos depois, Raul disse numa reportagem: "Wagner Tiso é um excelente músico. Mas é uma pessoa muito estranha". "Nosso desentendimento foi puramente musical", afirma Wagner.
No dia 22 de agosto de 1989, Tiso estava numa localidade no interior da Espanha, para tocar num festival de jazz. Entrou num café – no qual jamais esperaria encontrar alguém –, sentou à mesa e alguém lhe bateu às costas. Era Paulo Coelho, que, há 20 anos, cumpria o Caminho de Santiago.
Coelho deu a notícia: 'Raul Seixas morreu ontem'. "Fiquei branco".
*Curta Let Me Sing My Rock'n'Roll (1985), raridade essencial de Raulzito Seixas.
Erasmo Carlos fala de internet para tecer uma analogia com Raul Seixas. Transcorridos mais de 40 anos, hoje Erasmo diz que enxerga a falta que, em 1958, o baiano fazia. Momento em que a tríade formada por ele, Roberto Carlos e Tim Maia despontava:
"Ele morava na Bahia, que, na época, não era centro gerador de mídia. No tempo entre Raul ir de Salvador para o Rio, e solidificar-se no meio, contaram seis anos. Nesse período, a gente se projetou".
Divertido capítulo, que deverá ser editado no livro de memórias que o Tremendão vem escrevendo, envolve seu "camaradinha" Raul - e uma bebedeira daquelas. Ele conta: "Fui a um aniversário de Raul em sua casa. Na época, ele estava casado com Gloria Varquer. O presenteei com um litro de uísque, que secamos naquela noite".
No final da festa, Raul deu-lhe um LP de sua coleção (uma sessão de Elvis ao vivo), no qual deixou grafada uma dedicatória. Erasmo foi embora para casa. No dia seguinte, de ressaca, foi ler:
"Não entendi nada. Eram incríveis garranchos. Minha mulher leu e também não entendeu". Ela sugeriu: "Vamos levar para um farmacêutico, que saca letra de médico. O cara não decifrou". Passam-se os anos, afirma Erasmo, e ninguém decifra a mensagem.
*Um dos muitos extras da reportagem "Moleque Maravilhoso", Rolling Stone 35.