quarta-feira, 30 de setembro de 2009

mATA-mE pOR fAVOR

Ao vestir a famosa t-shirt com os dizeres "I Hate Pink Floyd!", Johnny Rotten deu pontapé inaugural no plano que o falsário Malcom McLaren vinha mirabolando com sua esposa e sócia, a estilista Vivienne Westwood:
Armar-se de moda e niilismo para destronar o rock de sua grandeza monolítica. E encher os bolsos de dinheiro.
O casal era dono da Sex, loja que produzia modelitos em série para abastecer o visual extravagante das primeiras levas da juvenília punk que, em 1977, proliferava-se nas ruas inglesas.
McLaren sempre foi obsessivo pelo binômio moda & rock. Para ele, uma coisa completava outra.
A moda foi das uma razões para as quais ter se oferecido para empresariar os New York Dolls na fase da decadência plena.
Sujeito tão espertalhão que convenceu os Dolls (primeira banda de travestis heterossexuais da história) a fantasiarem-se de comunas embalados em vinil vermelho-glitter - em plena Guerra Fria.
É a indumentária que exibem na capa do álbum ao vivo Red Patent Leather, de 1975.
No colégio, Vivienne Westwood customizava radicalmente os uniformes de suas colegas. Cortava-os para dar mais movimento às saias e, além de esvoaçantes, deixá-las o mais fashion possível.
Quando Westwood "inventou" o vestuário punk tinha na cabeça, basicamente, duas palavras de ordem: política e erotismo trash. Determinou que o punk era bicolor e elegeu preto e vermelho suas cores oficiais.
Vivienne tirou as correntes do anonimato sadô-maso, decretou que rasgos são cool e que tachas e alfinetes de segurança eram acessórios obrigatórios. Por certo tempo, esse foi "o grito" em moda rock.
Grito que reverberou quando o gênero subdividiu-se em pós-punk, new wave e, finalmente, em hardcore. Possivelmente, o old fashioned Billy Idol (ex-Generation X) - o qual, ainda hoje, enfeita-se como em 1977 - é ícone derradeiro do período.
Em Nova York, jardim das vaidades no qual o vírus punk foi inoculado, no anoitecer dos anos 60, a moda obedecia parâmetros mais cartesianos:
Ou as bandas eram elegantes (Blondie); fetichistas & luxuriosas (Velvet Underground); ou calculadamente desleixadas (Voidoids).
Westwood e Katharine Hamnett (nos anos 80) - as duas grandes damas do estilismo punk - são inglesas. Todavia, quem lançou a moda foi o norte-americano Richard Hell.
Blank Generation - Richard Hell (ex-Televison/Heartbrekers) picotava o próprio cabelo, detonava suas calças, sujava seus tênis e adaptava suas t-shirts no melhor estilo faça-você-mesmo.
Uma de suas criações exibia o slogan-súplica "Please Kill Me", que intitulou o livro (Mate-me Por Favor, no Brasil) apurado por Legs McNeil e Gillian McCain, que entrega toda história e toda lama revolvidas em quase quatro décadas de punk.
Em formato pocket book, a edição brasileira, cuja tradução é de Lúcia Brito, encontra-se em qualquer "livraria de supermercado". A diversão é garantida.
O pink floyd David Gilmour afirmou que nunca sentiu-se um "fashion victim". Segundo confessou posteriormente, na época, até considerou charmoso o provocativo "I hate Pink Floyd" grafado na camiseta de Johnny Rotten.
Sabia que tratava-se, no fundo, de esperta tacada de marketing:
"Para mim, sempre tivemos (O Pink Floyd) um apelo underground. Menos, suponho, na mídia. Quando Johnny Rotten usou a charmosa t-shirt estampada com 'Eu odeio Pink Floyd', ele até me falou que era fã. Tinha a ver com a imagem dele e nada a ver com a nossa música", Gilmor contemporizou.
Nos anos 80, Katharine Hamnett levou título de "a primeira guerrilheira da moda", ao apresentar sua coleção de folgadas t-shirts com slogans de protesto político - sempre grafados em negrito e em letras maiúsculas.
Sua última esquisitice foi o lançamento de uma linha de camisetas para homens, as quais vinham com frases criadas sobre fatos ocorridos no ano de 1983.
Algumas delas: "Education Not Missiles", "Stay Alive In 83" e "Worldwide Nuclear Bang Now".
Hamnett também criou slogans para a banda Frankie Goes To Hollywood. Uma dessas peças, "Frankie Say Relax", foi alçada ao hype e vendeu incrível numerário de 150 mil (!) unidades.
Malcom Mclaren, porém, foi imbatível: o mais sacana dos plagiadores parido um dia pelo rock. Até hoje, ninguém desbanca-o nos quesitos malandragem, visão comercial e revolução estética.
Frases tortas e sujas vomitadas pelos Sex Pistols, de suas músicas, como "Get Pissed Destroy" e "No Future", boa parte foi descaradamente encampada das cartilhas especto-situacionistas.
Truque que residia em efeitos meramente semânticos, na fúria sonora sinceramente agressiva e nos alvos que tinham sob mira de suas pistolas sexuais.
No decálago "Como Fabricar seu Grupo", do filme The Great Rock'n'Roll Swindle, de Julian Temple, o sexto mandamento de MacLaren é: "Roube o máximo de dinheiro da gravadora de sua escolha".
O nono: "Leve a Civilização aos Bárbaros - os EUA". E, o décimo, a nonsense indagação: "Quem Matou Bambi?".
Se McLaren é filho bastardo do filósofo Guy Debord, por sua vez, a paternidade do situacionista pertence ao romeno Tristan Tzara. Do poeta dadaísta, Debord saqueou a sentença que poupa séculos da discussão sobre propriedade artística:

"Criar é divino; reproduzir é humano".

terça-feira, 29 de setembro de 2009

nELSON nO pRESÍDIO*

No domingo à tarde, as internas do Presídio de Mulheres de Piraquara tiveram o melhor presente do ano: um show exclusivo com Nelson Gonçalves.
A própria diretora do presídio, advogada Eny Carbonar, chegou às lágrimas pela satisfação de receber naquela casa de detenção o cantor brasileiro de maior prestígio junto às faixas humildes.
Nelson Gonçalves, 58 anos, 40 de vida artística, havia feito no sábado um show no Guairão, com excelente público (apesar da tempestade que caiu sobre a cidade), viajou em seguida à Itajaí, onde apresentou-se num clube, retornou a Curitiba e, apesar do compromisso de novo show no teatro, à noite, aceitou o convite que Eny lhe fez.
Artista que, há pouco mais de 10 anos, atravessou um terrível período em sua vida, chegando à prisão devido ao uso de tóxicos, Nelson jamais se nega a, em suas horas de folga - e sacrificando mesmo o seu repouso (como ocorreu no domingo a tarde) a alegrar os dias cinzentos das pessoas que o destino levou às penitenciárias.
Durante mais de 30 minutos, conversou com as humildes sentenciadas, cantou seus maiores sucessos e distribuiu autógrafos. Ao sair, recebeu o cachê que o emocionou: o beijo de uma criança de 5 anos, filha de uma das presidiárias e a promessa de uma tapeçaria, executada pelas internas.
O Último Boêmio - Nelson Gonçalves vai assinar um milionário contrato com a Warner Communications, para atuar num filme baseado em sua vida, com o título de O Último Boêmio.
Receberá um "advanced" de Cr$ 1.600.000,00 e terá mais 20% sobre a bilheteria, o que deverá ampliar sua fortuna, já que seu público em todo o Brasil é imenso, traduzido no fato de já ter vendido 28 milhões de cópias de seus discos e ter, atualmente, em catálogo, na RCA - gravadora na qual se encontrou desde que começou sua carreira - nada menos que 31 elepês, fato único da história da fonografia brasileira.
Seu 84º elepê (já gravou 272 em 78 rpm e 268 compactos) sairá dia 29 e tem o título de "Reserva de Domínio". Traz quatro músicas de seu eterno compositor (e agora também empresário) Adelino Moreira e quatro regravações de músicas românticas:
"Ninguém Me Ama" "Dá-me Tuas Mãos", "Saia do Meu Caminho" e "Olhos Nos Olhos".
Fazendo shows no mínimo de Cr$ 30 mil - e chegando até a Cr$ 400 mil (como a Souza Cruz lhe pagará, para 4 apresentações, ao lado de Pedro Vargas, no Anhembi e Canecão, em setembro), gravando de 2 a 5 elepê por ano - cada um com uma média de 200 mil cópias (mesmo um álbum triplo, a Cr$ 340,00, como foi o "Nelson de 3 Gerações", já vendeu 130 mil cópias).
Nelson é hoje já dono de um apreciável patrimônio: 22 apartamentos e casas em São Paulo e Rio de Janeiro (atualmente mora e Niterói), uma fazenda de criação de gado em Caxambu, MG, e depósitos imensos em cadernetas de poupanças.
Com 2 filhos legítimos e 8 adotivos, pouco tempo tem para a família: normalmente viaja 5 dias por semana, e além de temporadas mais prolongadas, como a que fez agora, pelo Paraná e Santa Catarina, empresada por Avelar Amorim.
Pretende trabalhar no atual ritmo por mais dois anos, quando então espaçará suas gravações para apenas um elepê por ano e um show por mês. Por enquanto, vai mantendo uma agenda estafante mas altamente compensadora.
Afinal, os compromissos são tantos que só com os 20% que dava ao seu antigo empresário, Antonio Touro, ele faturava Cr$4 120 mil por mês. Mas como não se satisfez com isso, acabou perdendo o emprego.
Agora é o próprio parceiro e amigo Adelino Moreira quem está administrando a vida profissional de Nelson tendo inclusive o acompanhado à Curitiba.
*Publicado no O Estado do Paraná em 16 de agosto de 1977.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"uMA rELAÇÃO cOMPLICADA"


Assim, o escritor e parceiro de Raul Seixas em alguns de seus maiores sucessos,
define a amizade que os unia


POR PAULO COELHO

Em 1989, eu estava fazendo o caminho de Roma quando soube da morte de Raul Seixas, em uma cabine telefônica, quando liguei para o Brasil (como fazia uma vez por semana) para ver se minha mulher estava bem.

Tinha três moedas de cinco francos no bolso, um minuto e meio de conversa. Eu disse: "Oi, Cris, tudo bem?" E ela: "Não sei se eu te conto". Caiu a primeira moeda, depois a segunda e daí ela disse: "O Raul morreu". Caiu a terceira moeda.

Ao contrário do que manda o figurino, eu senti uma profunda alegria. Parecia que, naquele momento, Raul estava livre, bem, contente. Lembro que passei o resto desse dia cantando nossas músicas.

Eu tinha publicado O Alquimista, mas não era o escritor que sou hoje – mesmo no Brasil. E continuei com aquela sensação de que Raul, de alguma maneira, tinha cumprido a missão a qual ele havia se proposto. Raul tinha vivido a lenda da vida dele, feito tudo o que achava que tinha de fazer.

E não deixou absolutamente nada: foi uma escolha dele. Nunca o vejo como uma vítima do sistema ou um cara que entrou num processo de autodestruição – nada disso. Foi uma escolha consciente, muitas vezes, conversamos a respeito.

Eu sempre demonstrei certo receio, contudo ele dizia que eu não me preocupasse: ele estava fazendo exatamente o que queria. No dia de sua morte entendi perfeitamente. A nossa relação sempre foi muito complicada desde o começo.

Quando começamos a trabalhar juntos, nos víamos todo dia. Ou ele vinha para minha casa ou eu ia para a casa dele. Era uma relação muito intensa, e uma competição acirrada. Raul sempre achava que eu queria mostrar que era melhor que ele, e vice-versa.

Eu era o intelectual que sonhava morrer incompreendido, e Raul tinha esse poder de comunicação muito grande – muito grande. Pouco a pouco, nós começamos a desenvolver toda a ideologia da Sociedade Alternativa, unindo o ideário hippie.

No disco Krig-Há, Bandolo!, a música-chave é "Ouro de Tolo", que é dele, e tem "Rockixe", quase uma declaração de princípios. Pouco a pouco começamos a nos entender. Apresentei as drogas a Raul, as sociedades secretas e essas coisas todas.

Será que fiz bem? Raul entrou de cabeça nisso tudo. Em dado momento, eu disse: "Chega, parei". Mas Raul continuou, uma escolha absolutamente consciente, e ninguém pode julgá-lo por isso. A única coisa que me desagrada hoje é uma certa manipulação da lembrança dele.

E o que me surpreende muito é a atualidade das coisas que fizemos e, também, a atualidade da presença do Raulzito. Raul Seixas é mais atual que nunca. Vemos, nesse caso, a tragédia como força que consolida a carreira de alguém.

Ele não precisaria ter morrido da maneira que morreu, mas repito que foi sua escolha. A tragédia consagra – infelizmente. Assistimos ao Jim Morrison no passado, e assistimos ao Michael Jackson agora. A imprensa fez tudo para destruir Michael Jackson e, quando ele morreu, a comoção popular foi gigantesca.

O mesmo aconteceu com o Raul. No final de sua vida, era convidado para programas de TV, visto como uma raridade. A tragédia faz com que a pessoa ganhe uma dimensão completamente diferente. Ou seja: ele se sacrificou por isso.

Desde os mitos mais ancestrais, das mortes dos deuses, até hoje. John Lennon é mais importante que Paul McCartney porque foi assassinado. Na verdade, ambos têm o mesmo peso. Você enfrenta a tragédia e se transforma.

Nossa relação era pessoal e, claro, foi se desgastando. Duas personalidades muito fortes. Daí nosso trabalho ser muito criticado. Porque não era aquela coisa: "Me mande um cassete que vou botar uma letrinha".

Rolavam discussões e momentos de agressão. Nunca chegávamos às vias de fato, entretanto eu lembro que algumas vezes chegamos muito próximos a isso. Em Brasília, ele chutou uma mesa e eu chutei um abajur. A gente ia se engalfinhar, mas Gloria, que estava com ele, botou panos quentes.

Lembro de pensar: "Agora vai sair porrada". Vinte minutos depois, estávamos sentados compondo. Não ficava resquício de ódio. A coisa que eu mais agradeço dessa relação foi ele ter me ensinado que cultura popular não é, necessariamente, uma coisa negativa.

Ao contrário, a capacidade de se comunicar com todos é muito positiva. No fundo, é o objetivo do ser humano, a comunicação com seu próximo. A segunda coisa que ele me ensinou é a linguagem e de como fazer uso dela.

Eu me lembro de gostar de músicas do Raul, antes de ele ser famoso, que ele fazia para outras pessoas na CBS. Eu o ouvia e dizia: "Então essa música é sua. Que maravilha!" Tem uma música que diz: "Estou voltando pra casa / Camisa amassada / Mais um dia de trabalho / Que afinal chegou ao fim".

Eu não sei nem quem canta. Só vim saber muito tempo depois que a canção era dele. Descrevia a rotina que tanta gente vive, do cara que vai de ônibus trabalhar. Raul me ensinou a ver isso e guardo até hoje.

Sem dúvida, minha vida tem dois momentos-chave: um é o Caminho de Santiago, quando assumo, realmente, ser escritor. O outro é o encontro com o Raul, quando deixei de querer ser gênio incompreendido. Recordo que eu dava poesias para Raul ler.

A primeira versão de "Al Capone", por exemplo, era um grande tratado. O Raul disse: "Não é nada disso, cara." Eu, irritado, respondi: "Você quer algo como 'Al Capone, vê se te emenda'?"
Ele disse que sim. Eu respondi:

"Raul, não se escreve dessa maneira", mas a frase ficou em minha cabeça. "'Vê se te emenda', que coisa horrorosa." E, só para sacanear, continuei: "Já sabem de teu furo, nego, no imposto de renda". E perguntei: "Você acha que isso é bonito?" Ele: "É ótimo".

Falei: "Então tá". Fui para casa e escrevi a letra de "Al Capone". Ele nunca dizia que a letra estava uma droga. Dizia: "Não é assim, sabe?" Letra de música não é poesia. Letra de música é letra de música. É preciso libertar-se um pouco dessa ideia.

Aprendi fazendo letra de música que é preciso ser absolutamente objetivo – sem ser superficial. Quando você canta: "Eu perdi o meu medo da chuva / Pois a chuva voltada pra terra traz as coisas do ar", a frase se encontra no contexto de uma música sobre o casamento, mas poderia muito bem estar totalmente separada desse contexto.

Quando terminei de escrever "Gita", cujo primeiro título era "A Letra A Tem Meu Nome", a música ficou com quatro minutos. Eu disse: "Pô, agora vou ter que cortar". Ele retrucou: "De jeito nenhum. Não vai cortar nada". Essa era a cumplicidade que tínhamos.

Para os padrões da época, "Gita" era uma música muito longa. Ele disse: "Eu vou usar a letra inteira". "A gravadora vai vetar", eu disse. "Não vai, não", ele respondeu: "Já tive sucesso com o Krig-Há, Bandolo!" E realmente não vetaram.

Nessa noite, caiu uma grande tempestade que cortou a luz. E nós compondo "Há Dez Mil Anos Atrás" a luz de vela. Levamos para a gravadora e a música deu certo. Só vim a chorar a morte do Raul seis meses depois. No dia da morte dele, eu senti uma espécie de estranha euforia.

Sonhei com o Raul, que ele estava muito bem. Um belo dia, eu estava falando com um amigo, Edinho Oliveira, e de repente eu disse: "O Raul..." E aí desabei, comecei a soluçar. Não conseguia parar de soluçar; eu chorava sem parar. Chorava tudo o que não havia chorado pela sua morte.

Quando terminei de chorar, senti de novo aquela paz. Hoje, enfim, eu vejo Raul Seixas tendo o reconhecimento que merece. Em vida havia muito preconceito, todos achavam que MPB era autêntica e rock brasileiro não merecia nenhum respeito. Mas as coisas são assim.

Maktub.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

dE vOLTA aO vALE dAS bONECAS

Marco do soft-porn-kitsh, Beyond the Valley of the Dolls continua anos-luz da monótona indústria pornográfica

POR CRISTIANO BASTOS

Rever o cult-movie Beyond the Valley of the Dolls (De Volta ao Vale das Bonecas) é bom para sacar que, em tempos de liberação geral, o gênero erótico deu constrangedora brochada.
Dirigido pelo lascivo Russ Meyer – que tem na filmografia clássicos como Faster, Pussycat! Kill! Kill! e Mudhoney – Beyond The Valley of The Dolls ostenta a aura camp que fascinou roqueiros delinqüentes como os New York Dolls, cuja estética depravada louva a produção de junho de 1970.
O filme conta as libertinas aventuras da banda de rock The Carrie Nations, um protótipo riot grrrl teleguiado por garotas gostosas e safadas em colisão rumo ao estrelato.
Bem trashona em algumas ocasiões e deliciosa, em outras, a trilha sonora foi hit na época: o tema "In the Long Run" escalou o topo da parada norte-americana; e a banda Strawberry Alarm Clock (que participa do filme cantando a pop-psicodélica "Incense & Peppermints" numa festinha de embalo) chegou à primeira colocação nos EUA.
Na verdade, a produção é um pastiche satírico do romance O Vale das Bonecas, de Jacqueline Suzan – sobre modernização feminina, decepções amorosas e ingestão desumana de barbitúricos.

Meyer, que lançou a categoria sexplotation, verteu o best-seller de Suzan num extravagante enredo sobre rock, drogas, orgias psicodélicas e mamilos em profusão.
Em 2001, o jornal Village Voice colocou Beyond the Valley of the Dolls na 87º posição de uma lista que elegeu as grandes filmagens do século.
Sem noção? No ano passado, o filme saiu pela primeira vez em DVD, com extras e entrevistas. Veja com seus próprios olhos.
*Publicado na seção Túnel do Tempo (Junho de 1970), da revista Bizz.







tHE dECLINE oF wESTERN cIVILIZATION









sexta-feira, 4 de setembro de 2009

iVINHO, o uLTRA-rÁPIDO

Agora bem entendo o comentário deferente, de Zé Ramalho, sobre a "viola ultra-rápida" que abre a canção "Avôhai": ela foi arranjada pelo violonista pernambucano Ivson Wanderley.
São dele os acordes inaugurais.

Basta ouvir o LP-solo Ivinho Ao Vivo - Montreux International Jazz Festival (1979), pra se tocar que - na real - ele toca é muito!
Tanto quanto o morto Raphael Rabello ou como o vivaz Yamandú Costa, ambos instrumentistas de estatura. E, pode-se dizer, contemporâneos.

Ivinho é personagem de Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol, disco idealizado anos antes por Lula Côrtes & Zé Ramalho. Com ácido telurismo, sua guitarra poleniza amanitas na melodia de "Marácas de Fogo".

O efeito final desse "heavy maracatu" (conduzido pela palhetada de Ivinho) são vidros arrebentados contra o chão do estúdio da gravadora Rozenblit. Acurando o ouvido, ainda dá pra ouvir no fundo uma bandinha marcial. Parece sampler!

Em "Marácas de Fogo", Zé Ramalho toma conta da viola de 12; Lula Côrtes faz a outra guita. Saca o time dos corais: Marconi Notaro, Alceu Valença, Zé Ramalho, Israel Semente e Lailson de Holanda.
Órgão farfisa: Huguinho Leão, que tirou o riff de "Nas Paredes da Pedra Encantada". Ouça lá.

Em off, algumas fontes me disseram que Ivinho é daqueles gênios misantropos. Deu uma piradinha básica. Direito universal.

Solista de dedos ligeiros, como poucos, também maneja uma guitarra rock. Pegada incandescente: as powerpop "Geórgia a Carniceira" e "Corpo em Chamas", gravadas no único álbum da Ave Sangria (ex-Tamarineira Village), mostram melhor sua eletrificada faceta.

Nesse ovacionado Ao Vivo em Montreux, Ivinho descarrega o mais puro "virtuosismo espontâneo" da viola de 12. Gravação excelente. Tecendo acordes em cordas nordestinas, o tocador levanta uma parede instrumental.
Bom que não é chato. Parece rock'n'roll. E é.

Ivinho também foi um dos criadores da Ave Sangria - a propósito, banda que mantém a liga veloz e sincopada de "Vou Danado Pra Catende", a campeã apresentada por Alceu Valença no Festival Abertura, há mais de três décadas.

Registro único da época de Paêbirú, no qual Ramalho & Côrtes aparecem side by side.

O Ivinho (na guitarra) é um desses cabeludos muito estranhos...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

a fESTA dOS dOC'S

Branco Mello reuniu imagens captadas, desde meados dos anos 80, para pintar colorido mosaico dos Titãs. Filme resgata a graça da banda que atravessou 25 anos de vida

POR CRISTIANO BASTOS

Agora que o tempo justifica a "maturidade" do rock brasileiro, que somatiza mais de duas década - desde que explodiu (no 'boom anos 80') -, veio a temporada da "colheita documental".
Pela bitola de documentários, algumas dessas histórias estão chegando ao mercado. São produções que têm primado pela boa qualidade técnica e que submergem tanto ao "mainstream" quanto ao "underground" do rock no Brasil.
Caso de Titãs – A Vida Até Parece Uma Festa, lançado em DVD pela Warner e de Guidable - A Verdadeira História dos Ratos de Porão - que surpreende pela sinceridade e, em certas horas, pela raridade das imagens que apresenta.
Sem dúvida, a melhor delas é o registro da vez em que Ratos de Porão e Sepultura encontram-se ao vivo e tocam diante uma enlouquecida platéia de headbangers, em Belo Horizonte.
É o momento do histórico crossover que juntou, no Brasil, o punk com o metal pela primeira vez.
As filmagens de A Vida Até Parece Uma Festa começaram em 1986, ano em que o vocalista Branco Mello, para registrar tudo o que acontecia com os Titãs em turnês, estúdios e ensaios, comprou uma câmera VHS.

Sons e imagens foram captadas e arquivadas em vários formatos desde então: VHS, Hi-8, Super 8 e mini DV.

"Comprei uma câmera e comecei a filmar na época do Cabeça Dinossauro. Meu plano era colher material e fazer um filme. Não tínhamos ideia da perenidade dos Titãs e ninguém apostava em nada", conta Mello, que divide a direção do filme com Oscar Rodrigues Alves.
No filme, a trajetória da banda foi amarrada através do grande repertório de cançõs pop gravado em muitos álbuns - e da história:
O início em São Paulo, o primeiro sucesso ("Sonífera Ilha"), as prisões por porte de drogas, o antológico show Cabeça Dinossauro, os bastidores das gravações do álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, as saídas de Arnaldo Antunes e Nando Reis, a morte de Marcelo Fromer, as viagens pelo Brasil e pelo mundo.

Segundo Branco, a única certeza que a banda tinha, à época, era o bom momento vivido pelos Titãs. E, por causa disso, seria interessante guardar imagens para um futuro documentário.

"Quando começaram aparecer as primeiras câmeras portáteis, muita coisa estava acontecendo. Podíamos registrar coisas de nossa vida e de nossa intimidade, além filmar os shows. Era tudo muito curioso, rico e novo", retrata o titã.

O processo que resultou no vídeo recém-lançado iniciou naquela época. "Comecei a decupar fitas e mais fitas de VHS ainda nos anos 80. Depois que, anos atrás, tudo foi digitalizado montei um teaser do filme", situa Branco. E
Em 2002, Branco convidou o premiado diretor Oscar Rodrigues Alves para dividirem roteiro, montagem e direção do filme.

A dupla partiu das mais de 200 horas de material original, organizado pela produtora Angela Figueiredo. De abrangente pesquisa em emissoras de TV, vieram os programas de auditório, videoclipes e entrevistas que dão o tom ágil do doc.

Na montagem, os produtores perceberam que a riqueza do material dispensava a monótona figura do "narrador em off":

"Abrimos mão do narrador porque as músicas falam por si próprias. O filme está mais para 'As Aventuras dos Titãs', quase como se fosse uma ficção, do que para 'A História da Banda'", contrabalança Branco.
GUIDABLE – "Guidable é o termo criado pelos integrantes da banda de hardcore Ratos de Porão. Define confusão mental, bagunça generalizada ou simplesmente um sei lá. Também pode ser usado quando não se acha a palavra certa no momento apropriado. Muitas vezes substitui o foda-se com eficiência".

Essa é a senha para explicar "Guidable", piada interna que dá nome ao documentário A Verdadeira História do Ratos de Porão. Representa, na verdade, o espírito com que o doc (com muita eficiência) narra a história dos Ratos de Porão - momento que também se confunde com a chegada do punk no Brasil.

Em 2006, a dupla de Marcelo Appezzato e Fernando Rick, da Black Vomit Films, de São Paulo, foram convidados por João Gordo para rodar um filme sobre a banda. A tarefa - quase impossível para uma produção de baixo orçamento - levou dois anos.

Guidable ainda não ganhou versão em DVD. Vem tendo exibições pelo país em cine-clubes e sessões especiais. A maior parte do material usado no doc pertencia ao arquivo particular do vocalista dos Ratos de Porão, João Gordo.

"Ele tinha quase tudo, mas também tivemos que correr por fora. O maior trabalho foi garimpar as caixas e caixas de material", explica Fernando.

Para pontuar quase três décadas de carreira, a dupla entrevistou, de forma independente, os precursores do levante punk brasileiro, como Rédson (Cólera) e Clemente (Inocentes).

Os diretores também pesquisaram centenas de arquivos, em diferentes mídias, além dos arquivos pessoais dos integrantes atuais e antigos da banda. A abordagem que fazem do vasto consumo de drogas é de uma franca - e pouco vista - sinceridade.

"Dificilmente, algum artista se expõe dessa forma. Tudo o que se vê no filme, aconteceu não só com eles, mas com muitos músicos por aí. A diferença é que os Ratos não foram hipócritas".



quarta-feira, 26 de agosto de 2009

o pASQUIM eNTREVISTA: rAUL sEIXAS*

O PASQUIM - Você surgiu publicamente com "Ouro de Tolo". Mas nós queremos que você conte o seu início, desde o princípio mesmo.

RAUL -
Vamos ver. Vamos voltar a 1959. Eu tinha um conjunto de rock, lá em Salvador. Eu morava perto de uns garotos do consulado, eles me apresentaram uns discos de rock.

O PASQUIM - Qual consulado?

RAUL -
O americano. Estava aquela coisa acontecendo nos Estados Unidos e nós tomamos conhecimento. Nós fizemos um conjunto de rock em Salvador, e a gente viajava pra todo interior, fazendo aquela coisa, assumindo mesmo, vivendo aquela coisa da época.

O PASQUIM - Como é que chamava o conjunto?

RAUL - Os Panteras. Porque todo conjunto daquela época tinha nome de bicho.

O PASQUIM -
Era um conjunto de quantos?
RAUL - Eram quatro pessoas. Guitarra, baixo e Bateria.
O PASQUIM - Krig-Ha, onde fica?
RAUL - Krig-Ha seria um rótulo. É uma sociedade que existe hoje no mundo inteiro, com vários nomes. Aqui no Brasil nós batizamos com o nome de Krig-Ha, que é o grito de guerra do Tarzan. Você deve ter lido Tarzan, né? Khig-Ha significa "cuidado"!

O PASQUIM - Bandolo é inimigo, né?

RAUL - É. Aí vem o inimigo. Tinha o dicionário de Tarzan na primeira página. Você lia e tinha a tradução. Eu sabia aquilo decorado. Mas essa sociedade promove acontecimentos. O primeiro acontecimento que essa sociedade promoveu foi o disco, o LP Krig-Ha, Bandolo!
O PASQUIM - E aquele símbolo da sociedade? A chave?
RAUL - Aquele símbolo é o símbolo de Amon Ra, acrescido de uma chave. Esse símbolo tem uma história interessante. Quando o Paulo Coelho, meu parceiro, tava em Amsterdã, em 67, ele estava usando um símbolo hippie no pescoço. E veio um sujeito estranhíssimo e arrancou o símbolo do peito dele e colocou esse símbolo, sem a chave e disse: "Não é nada disso. Agora é isso." Ele ficou assustadíssimo com aquele símbolo no pescoço, mas começou a usar. E nós fomos uma vez, há pouco tempo, escrever uma peça, que nós vamos lançar para o ano. Fomos lá em Mato Grosso, numa tribo de índio. E numa barraquinha de índio tava vendendo esse mesmo símbolo. Uma coisa incrível e batizamos como o símbolo da sociedade.
O PASQUIM - Fale um pouco sobre a sociedade.
RAUL - Como eu estava dizendo, essa sociedade promove acontecimentos. O primeiro foi o LP. O segundo foi uma procissão que foi muito bem sucedida. Foi muito bonito. A gente levou uma bandeira na rua. Uma explosão. Porque vocês sabem que tem havido uma série de implosões. Nós saímos à rua, cantando, foi muito bonito. A terceira foi esse show de teatro, esse show que nós estamos fazendo agora. E a quarta vai ser o piquenique do papo. Nós vamos convidar todos os artistas, de todos os campos e vamos fazer um piquenique bem suburbano, no jardim botânico. Todo mundo. Pra conversar. Um rapaz já se prontificou a fazer um discurso sobre "A Maldade das Formigas."
O PASQUIM - Qual é o fim específico da sociedade? A que ela se propõe? Ela segue uma "filosofia"?
RAUL - Essa sociedade não surgiu imposta por nenhuma verdade, nenhum líder. Não houve liderança no mundo inteiro, como se fosse tomada de consciência de uma nova tática, de novos meios.
O PASQUIM - Da própria sociedade?

RAUL - É, do próprio mecanismo da coisa. Nós estamos correspondendo com pessoas que fazem parte dessa sociedade, inclusive Jonh Lenon e Yoko Ono. Eles fazem parte da mesma sociedade, só que com outro nome. Nós mantemos uma correspondência constante com eles.
O PASQUIM - Voltando à sua biografia. Você poderia explicar sua formação literária, como você chegou a esse texto?
RAUL - Isso aí é uma coisa interessante. Antes de eu vir pro Rio eu pensava em ser escritor. Eu sempre escrevi. Antes de cantar, eu pensei em escrever. Eu tenho alguma coisa escrita guardada no baú , que penso em publicar algum dia. Eu sou muito dado à filosofia, eu estudei muito filosofia, principalmente a metafísica, ontologia, essa coisa toda. Sempre gostei muito, me interessei. Minha infância foi formada por, vamos dizer, um pessimismo incrível, de Augusto dos Anjos, de Kafka, Schopenhauer. Depois eu fui canalizando e divergindo, captando as outras coisas, abrindo mais e aceitando as outras coisas. Estudei literatura, comecei a ver a coisa sem verdades absolutas. Sempre aberto, abrindo portas para as verdades individuais. Assim, sabe? E escrevia muita poesia. Vim pra cá publicar.

O PASQUIM - Você teve a intuição de que a música seria um veículo mais imediato de comunicação?
RAUL - Essa tomada de consciência que eu tive foi há pouco tempo, uns dois anos atrás. Porque eu usava a música por música. E por outro lado eu queria atingir uma coisa pela literatura. Mas eu vi que a literatura é uma coisa dificílima de fazer aqui, de comunicar tão rapidamente como a música. Eu tive uma escola muito importante, que foi a CBS como produtor de discos de Jerry Adriani, de Wanderléa, daquela coisa toda de iê-iê-iê. Eu produzia discos para o Trio Ternura , aquele pessoal. Foi uma vivência fantástica para mim. Aprendi muito a comunicar.

O PASQUIM - E o Paulo Coelho, teu parceiro?
RAUL - Eu conheci o Paulo na Barra da Tijuca, num dia que tava lá. Às cinco horas da tarde eu tava lá meditando. Paulo também tava meditando, mas eu não o conhecia. Foi o dia que nós vimos um disco voador.
O PASQUIM - Você pode falar nisso, já que tá na moda, todo mundo vendo disco voador de novo. Como é que foi isso?
RAUL - Foi depois do FIC, em que eu cantei o Let Me Sing.
O PASQUIM - Ano Passado.
RAUL - Cinco horas da tarde. Então eu vi. Enorme, rapaz, um negócio muito bonito. Inclusive os jornais levaram a coisa pro lado sensacionalista: O cara viu o disco voador. "O profeta do apocalipse." Eu dei muita risada com isso. Mas não foi nada, foi um disco muito bonito.
O PASQUIM - Dá pra descrever o disco?
RAUL - Dá sim. Foi... era meio assim... prateado. Mas não dava pra ver nitidamente o prateado porque tinha uma aura alaranjada, bem forte, em volta. Mas enorme, entre onde eu estava e o horizonte. Ele tava lá parado, enorme. O Paulo veio correndo, eu não conhecia ele, mas ele disse: "Cê tá vendo o que eu tô vendo?" A gente aí sentou e o disco sumiu num ziguezague incrível.
O PASQUIM - Durou quanto tempo mais ou menos?
RAUL - Uns dez minutos.

O PASQUIM - Qual foi o efeito disso em vocês?

RAUL -
Ouro de Tolo, que pintou aí. Essa música.
O PASQUIM - Usaram muito esse disco pra dizer que você era místico, um negócio assim. Esse disco voador foi pra parada de sucesso.
RAUL - Falta do que dizer. Não se tem mais o que falar hoje. Tem que se falar mesmo neste lado de disco voador, profeta do apocalipse. O homem que viu o disco voador dá IBOPE, chamam ele pro Sílvio Santos.
O PASQUIM - Independente dessa sociedade, é claro, e das coisas em que você acredita, você não acha que o tipo de atitude que você toma publicamente influi nisso? O fato de colocar nas suas entrevistas que você viu um disco voador, o fato de você ter feito sua procissão e a entrevista que você deu à Manchete dentro do avião, no aterro...
RAUL -
Aquela foi gozadíssima. Ela ligou lá pra casa e disse que queria fazer uma matéria comigo, eu disse: "Pois não, mas eu tenho que fazer uma viagem de avião. Eu só dou entrevista dentro do avião." Era aquele avião que tem lá no aterro. Aí nós fomos pro avião 4 horas da tarde. Ela já tava me esperando lá. E Paulo Coelho com a mala. Todos nós entramos no avião "Cê tá gostando da viagem?" Pusemos o cinto de segurança. E ela com um medo de fazer a entrevista, um medo horrível de mim. Aí surgiu a aeromoça, que era minha mulher, servindo sanduíche, cafezinho. Ela ficou apavoradíssima. Mas foi uma brincadeira que nós fizemos, para usar a imaginação.
O PASQUIM - Raul, os sinais, suas letras, está tudo ligado com um magicismo seu. Você brinca muito com isso não? Magicismo, ironia mágica, seja lá qual for. Pra botar isso bem curto: Qualé?
RAUL - Vamos citar o Apocalipse bíblico. Foi escrito numa época incrível, você tinha que falar uma linguagem simbólica, uma linguagem mágica. Mas o Apocalipse é uma coisa que se adapta a qualquer época.
O PASQUIM - Principalmente a atual. É, algumas épocas mais do que as outras, alguns lugares mais do que os outros.
RAUL - É quase a mesma linguagem que nós estamos usando pra tentar dizer, tentar chegar a um objetivo. Não é um objetivo de uma verdade absoluta, porque ninguém aqui quer chegar a uma verdade absoluta e impô-la. Apenas se quer abrir as portas. Para as verdades individuais.
O PASQUIM - Então você quer abrir uma porta na cabeça de quem tá te ouvindo. Não há uma hora em que se fecha de repente? O perigo de fazer essas coisas, o perigo do magicismo, da maneira de dizer as coisas...
RAUL - É uma escada.
O PASQUIM - Mas ao mesmo tempo há o perigo de você se fechar dentro do magicismo! Há esse perigo, você vê esse perigo?
RAUL - Não. É uma escada. Um estágio. Nós estamos no primeiro estágio. Estamos transando com a fase "Terra" da coisa. Esse primeiro estágio tem que ser assim. O segundo estágio é outra coisa, já é mais aberto. Não se pode começar uma coisa assim, você tem que manipular. Por exemplo, Raul Seixas. Eu tô segurando Raul Seixas ali embaixo, como uma marionete. Eu tô aqui em cima. Eu sei até que ponto ele deve subir um pouquinho mais, cada vez mais. Mas nunca ele pode chegar aonde eu estou, não vou comunicar mais.
O PASQUIM - Esse Raul Seixas que você manipula, que está lá embaixo, é em função de quem te escuta e te vê?
RAUL - Esse Raul Seixas que está no teatro Tereza Raquel, cantando esse tipo de música, dando um certo toque mágico na coisa, é necessário. Usando muito a imaginação, a intuição. Longe, fugindo do logicismo. Esse logicismo radical, kantiano, de Pascal. Eu vejo isso como um estágio.
O PASQUIM - Você faz isso mais para se entender ou pra que os outros te entendam?
RAUL - Pra que os outros me entendam. Pra que eu penetre em todas as estruturas, em todas as classes, em todas as faixas. Todo mundo tá cantando A Mosca na Sopa.
O PASQUIM - Eu acho que o magicismo seria uma entrelinha. Você não tem medo então de perder a linha? Você vai tanto na entrelinha que acaba perdendo a linha.
RAUL - Não, que é isso? Sabe por que? Eu tenho medo de hermetismo. Eu acho que não é mais fase de hermetismo.
O PASQUIM - Mas o magicismo pode cair.
RAUL - Mas é um magicismo estudado. É dosado, nêgo.
O PASQUIM - Se você não estiver muito sob controle, pode cair nisso. Isso exige um tremendo autocontrole, conhecimento de si próprio, senão você embarca no próprio som do que você está dizendo. Tem que saber o que você está fazendo.
RAUL - Eu tô fazendo.
O PASQUIM - É isso que preocupa, se você está consciente. Ô Raul, como é que você vê os seus contemporâneos no Brasil? Os que fazem outras coisas, que escrevem romances, fazem poesias, trabalham em jornal, televisão etc.
RAUL - Como eu vejo a realidade? Isso aí é fogo, rapaz.
O PASQUIM - Use o magicismo.
RAUL - Peraí. Eu vou falar uma coisa aqui. Eu vou falar sobre os cabeludos. Eu li outro dia um negócio de Pasolini na Veja. Vocês leram? Achei fantástico. Você já não sabe mais quem é quem. Tá aquela coisa de cabeludo, tá todo mundo estereotipado. Por isso é que eu faço questão de dizer que eu não sou da turma pop, que eu não tô comendo alpiste pop. Eu sei lá, eu acho que tá todo mundo de cabeça baixa, tá todo mundo schopenhauer, todo mundo num pessimismo incrível. Essa geração audiovisual, e digo isso muito maldosamente, eu chamo eles de "audiovisuaizinhos". Minha mulher fala comigo que eu não devo fazer isso com eles, porque a garotada tá sabendo. Tá todo mundo de cabeça baixa, quieto, conformado. Eu sou um cara muito otimista nesse ponto. Sei lá, eu não sei se é a minha correspondência com o planeta, vejo a coisa em termos globais. E tá realmente acontecendo uma coisa fantástica, que é essa certeza e conscientização de que você deve ser um rato, transar de rato pra entrar no buraco de rato, vestir gravata e paletó para ser amigo do rato. E depois as coisas acontecem. Não ficar de fora fazendo bobagem, de calça Levis com tachinha. Esse tipo de protesto eu acho a coisa mais imbecil do mundo, já não se usa mais. Eles tão pensando como Jonh Lenon disse, "they think they're so classless and free". Mas não são coisa nenhuma, rapaz, tá todo mundo dentro de uma engrenagem sem controle.
O PASQUIM - Vamos falar do tempo em que você era produtor de discos na CBS. A sua posição profissional era praticamente ditatorial. Como é que era a tua transa pessoal com essa gente?
RAUL - Eu fazia aquela coisa porque sabia que era uma coisa inconseqüente. Eu fazendo ou não, outra pessoa ia fazer. Eu estava fazendo aquele trabalho, o diretor da CBS queria, e enquanto isso ia aprendendo a usar aquele mecanismo.
O PASQUIM - Você estava de rato?
RAUL - Exatamente. Eu estava de rato, vestido de rato. Foi quando surgiu a idéia de eu contratar Sérgio Sampaio e Edith Cooper, que é uma boneca lá da Bahia, um cara fantástico, muito amigo meu. Nós fizemos um disco chamado Sociedade da Grã Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das Dez. Mas o disco foi misteriosamente tirado do mercado porque não era a linha da CBS. Esse disco foi quando eu botei as manguinhas de fora, foi quando eu comecei a fazer o trabalho. Era um disco que mostrava o panorama atual, o que tava acontecendo, o caos todo daquela época. O caosinho bonitinho que tava acontecendo naquela época.
O PASQUIM - Aí você foi expulso da CBS.
RAUL - Fui expulso em função desse LP. E também porque fui no festival Internacional da Canção, cantar Let Me Sing.
O PASQUIM - Eles não queriam isso?
RAUL - Não. Eles disseram: "Ou você é produtor ou você é cantor." Eu tinha que optar.
O PASQUIM - Raul o que te levou ao hermetismo? O que você andou fazendo de coisas herméticas, e o que te deu a noção de equilíbrio?
RAUL - Foi o primeiro LP que gravei na Odeon. Foi um LP louco, rapaz. Um LP extremamente filosófico, metafísico, ontológico, que falavam em sete xícaras, ou seja, as sete perguntas aristotélicas. Ou seja, as fontes do conhecimento.
O PASQUIM - Como é que chamava o disco?
RAUL - Raulzito e seus Panteras.
O PASQUIM - Raul, você tem filhos?
RAUL - Tenho uma filha.
O PASQUIM - Em 59, você fazia rock na Bahia. Você conheceu Caetano e Gil na Bahia?
RAUL - Conheci o Gil.
O PASQUIM - Isso foi antes do tempo de Gessy-Lever?
RAUL - Do tempo que eu fazia jingle também. Só que eu fazia jingle rock e ele fazia jingle bossa-nova. A gente se conhecia, 59, 60 por aí.
O PASQUIM - Depois desse contato, como é que foi ficando? Distante?
RAUL - Era uma coisa lá e outra aqui. Nós tínhamos um lugar, o cinema Roma, onde a gente promovia shows de rock.
O PASQUIM - Bossa-nova não?
RAUL - Bossa-nova era no teatro Vila Velha. Era uma coisa bem separada mesmo. Existia um conjunto lá, a Orquestra de Carlito, com Caetano e Gil. E existiam os Panteras. Duas coisas completamente diversas. Mas no fundo eu acho que estava todo mundo querendo chegar a mesma coisa, era só problema de linguagem.
O PASQUIM - Raul, o pessoal que viu o show em São Paulo diz que, além da crítica leve que você fez ao Roberto Carlos, tinha uma crítica ao Caetano também.
RAUL - Tinha não.
O PASQUIM - E a crítica ao Roberto?
RAUL - É uma brincadeira. Porque quando Ouro de Tolo saiu, tava saindo uma música do Roberto em que ele agradece ao Senhor pelas coisas recebidas. Ele disse que agradece, eu digo que eu devia agradecer. Foi isso que os caras pescaram.
O PASQUIM - Você está a fim de ocupar a vaga de guru que o Caetano Veloso deixou?
RAUL - Eu não sei se é isso, não. Acho que Caetano tá sabendo o que tá fazendo. Ele sabe exatamente.
O PASQUIM - Caetano era guru ou não era?
RAUL - Não... Eu acho que ele não assumiu esse negócio de guru. Eu acho que viram ele como uma tábua de salvação, as pessoas tavam precisando dele, tava na hora de um apoio. Então escolheram o Caetano.
O PASQUIM - Ele ainda é o líder?
RAUL - O que você acha?
O PASQUIM - Eu acho que é. E você o que acha?
RAUL - Eu acho que tanto Caetano como Gil, embora sendo trabalhos diferentes, são incríveis.
O PASQUIM - Você falou sobre Caetano e Gil, falou sobre Jonh Lennon. E a sua influência do Bob Dylan?
RAUL - Isso é engraçado, todo mundo fala sobre esse negócio do Bob Dylan. Eu gosto de Dylan, mas não foi uma coisa marcante.
O PASQUIM - Seu espetáculo é a aplaudido com um entusiasmo, digamos assim, com uma zorra total no teatro. Isso pode ser a força de seu recado. Um recado tão forte que o pessoal quer aplaudir, mas o recado ainda está um pouco na frente do momento. O que você acha?
RAUL - Eu não vou dizer por mim, mas Paulo Coelho acha isso. Ele acha que as pessoas ainda estão em dúvida, estão com um certo receio, assustam um pouco.
O PASQUIM - Raul, você falou sobre a sociedade. E outros planos para o futuro?
RAUL - Eu já tô com o meu segundo LP na cabeça. É como um degrau. Eu dividi o trabalho em quatro fases, simbólicas, é claro, dentro daquilo que nós já falamos, de magicismo. Fase Terra, Fase Fogo, Fase Água e Fase Ar. Somente com a identificação. Essa fase fogo vai ser diferente dessa, dentro do mesmo tipo de música, mas não exatamente iê-iê-iê. É outra coisa, eu prefiro que seja surpresa. Vejam depois de pronto. Eu tô seguindo uma orientação geral, em que eu recebo e dou informações. Em todos os quatro cantos do mundo, a gente tá sempre recebendo, tá tendo informações. Essa outra fase é uma fase de escada mesmo. Um lugar que você vai chegando gradativamente, sabendo aos poucos.
O PASQUIM - Basicamente que público você atinge?
RAUL - Todas as classes. Isso é que é bom. Sabe por quê? Eles assimilaram Ouro de Tolo dentro de níveis diferentes, mas no fundo era a mesma coisa. O intelectual recebia de uma maneira, o operário de outra. Lá em casa tá acontecendo uma coisa muito engraçada. Atrás do edifício estão construindo um outro enorme, então os operários cantam o dia inteiro Ouro de Tolo, com versos que eles adaptam para a realidade deles. Eles transformam os versos, dizem: "Eu devia estar feliz por que eu ganho vinte cruzeiros por dia e o engenheiro desgraçado aí..." Eu ouço o dia inteiro eles cantando isso aí. E as cartas que eu recebi da revista POP, que fez uma transação aí, negócio de "Diga o que você acha da música Ouro de Tolo." Veio do Brasil inteiro. Fantásticas aquelas cartas, eu guardo um monte. Eu li essas cartas todas. Todo mundo entendeu, dentro de uma conotação própria, dentro de um nível diferente. Eu achei fantástico isso. Quer dizer que tá funcionando.
O PASQUIM - Você tem algo a declarar para as novas gerações?
RAUL - Não, é uma juventude sadia, alegre, satisfeita, feliz e contente. Comendo alpiste. Amém.

*
Entrevista reunida no livro O Som do Pasquim (Editora Desiderata), organizado por Tárik de Sousa. Novembro de 1973.

domingo, 23 de agosto de 2009

o hOMEM dE 120 cANAIS

Marco Mazzola está na conta dos maiores produtores fonográficos do Brasil. É responsável pela qualidade técnica e artística de muitos discos de Gal Costa, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Elis Regina e Caetano Veloso.

O carioca recebeu quatro Discos de Diamante (vendas acima de 1 milhão) - por "The Rythm of the Saints", Paul Simon; "Rádio Pirata ao Vivo, RPM; o compacto "Não Chore Mais", Gilberto Gil; e "Vou de Táxi", Angélica.

Para lembrar Raulzito - de quem foi produtor de muitos discos importantes -, Mazzola editou o kit 20 Anos Sem Raul (MZA), no qual resgatou "Gospel", gravação inédita de 1974 - cuja letra Raul e Paulo Coelho escreveram para a trilha-sonora da novela O Rebu, da Rede Globo.

Nessa entrevista, Mazzola contou sobre a façanha que era gravar discos no Brasil, nos anos 70. Falou das picardias de Raulzito em estúdio, e não deixou escapar Paulo Coelho.

Pouca gente sabe que Raul, a seu exemplo, também era homem de estúdios.

Raul era um cara de sensibilidade muito grande. Cuidava dos artistas que vinham de uma nova geração, que começavam a ir para o cast da CBS, como Jerry Adriani, por exemplo. Foi assim ele que aprendeu a fazer uma coisa muito difícil, que é administrar um disco numa gravação.

Na época em que fomos apresentados, Raul não foi a Phillips para "mostrar seu trabalho". Na realidade, foi levar Sérgio Sampaio, que tinha vencido o Festival Internacional da Canção com "Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua".

Lembro do Raul vestido de terno; estava todo arrumado. Ele disse:

"Tenho umas músicas bonitas que eu faço na CBS".

O levei à minha sala e ele cantou "Let me Sing" e "Eu Sou Eu, Nicuri é do Diabo". Quando interpretou ''Let me Sing", tirou a gravata e se posicionou como artista de rock. Cruza de Luiz Gonzaga com Elvis Presley.

Fiquei sem entender nada. Fui à sala do Roberto Menescal: "Nós temos um puta artista aqui!". "Aonde?", ele perguntou. "Está lá na minha sala. Se inscrevermos essas músicas no FIC, ganhamos". "Então cuida dele e contrata", disse o Menescal.

O contratei. Uma semana depois, fomos imediatamente pro estúdio.

Como foi produzir discos da "fase áurea" do Raul?

Fiz todos os seus álbuns, até sua carreira começar a declinar. Também o levei, como artista contratado, para Warner. O Dia Em que a Terra Parou foi seu último LP produzido por mim. Antes de trabalhar com Raul, eu era requisitado para mixar discos do pessoal exilado: Caetano, Gil, Gal.

O tipo de mixagem de som que eu fazia, era muito diferente daquela feita, na época, no mercado fonográfico brasileiro. A Phillips contatou-me para que eu fizesse exclusivamente isso. Percebi que o importante era primar pela boa qualidade nos arranjos, pelas letras e pelos acabamentos.

De que forma trabalhavam a criatividade no estúdio?

Tem uma história que eu conto em meu livro, Ouvindo Estrelas. Fui um dia a uma reunião, na qual Raul projetava o álbum Gita. É importante frisar que o formato de gravação, há 30 anos, nem de longe era como hoje em dia, onde se tem 120 canais à disposição.

Nos anos 70, eram só quatro canais. Entrei no estúdio, só com velas acesas, e rolava um "ritual satânico". Paulo Coelho estava junto. "Estamos pensando em pôr uma orquestra sinfônica no disco", me disseram. Mas só tinham quatro canais. Falei: "Deixa pra mim que eu faço!".

Desde, no entanto, que eu trabalhesse nos arranjos. Assim, poderia fazer o que fosse preciso em estúdio. Escutando Gita com atenção, ouve-se até sons de sinos de catedrais. Em 1973, segui para os Estados Unidos, a convite da Phillips, para fazer curso numa máquina de oito canais.

Essa foi a primeira do país. Depois passou para 16, 24 e 48 canais.

Acredita que, hoje, Raul ficaria feliz com mais canais à sua disposição?

Na época de Krig-há, Bandolo!, a gente queria botar uma guitarra do cara do Toto, Steve Luckater. Peguei a fita, em quatro canais, e levei pros Estados Unidos, onde os estúdios de 16 pistas eram realidade.

Viajei com a voz de Raul gravada no Brasil. Botei vocais, teclado, guitarra e sopro. Daí pra frente, a Phillips foi obrigada a se modernizar. Não dava para gravar bateria junto com bumbo e com baixo; era assim que se gravava até então.

Os técnicos da época eram verdadeiros maestros. Hoje, os discos perderam parte desse calor.

E Paulo Coelho?

Paulo Coelho enfiava muita coisa na cabeça do Raul, aquele negócio de Sociedade Alternativa, por exemplo. Eu convivi com isso. Botava loucuras na cabeça dele; Raul acreditava. Por volta de 1977, Paulo largou a loucura, mas Raul prosseguiu.

Foi uma alquimia que funcionou, porém, Raul não soube parar. Paulo Coelho soube muito bem.

E as loucuras do Raul?

No estúdio, uma vez Raul me pediu: "Não dá pra botar um bebedor aqui?". Instalaram um bebedor dentro do estúdio pra ele, que estava "parando de beber". Ele chegava normal pela manhã e, ao longo do dia, ia se transtornando.

"Porra, que água esse que você tá bebendo?!". Ele só ficava rindo da minha cara.

O garoto que limpava o estúdio, colocava duas garrafas de vodca dentro do bebedor. Outra vez, ele veio com a conversa de "saquê era feito de arroz", milenar especiaria. Portanto, não fazia mal para a saúde.

"O problema não é o saquê, mas tudo o que você consome junto".

Vocês conheceram-se pouco tempo depois de Raul gravar Sessão das Dez?

Foi. "Eu preciso de um salário; preciso viver!", seguidamente ele reclamava pra mim. Aconselhei: "Cara, você é um artista. Pode ganhar muito mais dinheiro como cantor do que como produtor". Tanto que ele foi gravar como "Raulzito" e recomendei a ele:

"Esse nome não é legal. Como é todo seu nome?". "Raul Santos Seixas". Sugeri: "Raul Seixas". Então tá, daqui em diante você não é mais Mazzola. É 'Mazzolêra", ele falou.

Época em que a inteleligência brasileira não engulia Raul Seixas.

De forma alguma. Ele me dizia: "Não consigo entender. Sou baiano, mas ninguém me dá mole". Um dia, levei o Gil numa gravação, para ver se eu conseguia quebrar o gelo. Gravamos "Que Luz é Essa", na qual Gil toca violão. Mas os dois não continuaram tendo relação.

Uma coisa que muito lamento, deu-se por volta de 1985. Eu estava dirigindo meu carro, e não via o Raul há muito tempo. Eu não compatilhava mais das loucuras. O vi com um violão, num ponto de ônibus.

Dei a volta pra tentar pegá-lo; queria conversar com ele. Quando consegui fazer o retorno, Raul havia partido. Tentei ir atrás do ônibus, mas não consegui. Fiquei meio desesperado: tentei ligar pra Kika Seixas pra saber dele.

Um dia, a mãe dele ligou-me e disse que ele precisava muito falar comigo. Raulzito estava muito doente. Falei que estava indo a Salvador e seria bacana reencontrá-lo pra conversarmos. Ele me telefonou cobrando:

"Você vem a Salvador ou não, nego?".

Quando decidi ir, Raul estava em São Paulo, vivendo com outra pessoa. Na época, eu estava gravando o disco do RPM. Recebi outra ligação, avisando-me de seu falecimento. Consternado, liguei pra Dona Eugenia.

Perguntei-lhe se sabia o que Raul queria falar comigo. Me contou que Raul queria passar a limpo tudo o que vivemos juntos.

*Trio Paradadura: Gil, Mazzola e Raul.


mULHERES*

Tânia Menna Barreto, terceira esposa de Raul Seixas, o conheceu numa festa, em 1976. Viveram juntos até 1979. A primeira vez que viu o futuro consorte, foi levitando no cromaqui surrealista do vídeo "Gita", exibido no dominical Fantástico.

Quando o casal morava na Bahia, Tânia recorda, o médico da família advertiu: "Ou Raul deixa o alcoolismo ou não dura dez anos." No relacionamento, Tânia exerceu a missão de reconduzir o marido de volta ao seio familiar, em Salvador:

Por causa da fama, ele andava muito afastado de sua família. Todas as suas ex-esposas, de certa forma, foram suas enfermeiras", acredita. Para Tânia, previsibilidade nunca combinou com a personalidade de Raul:

"A única coisa que se podia prever, era quando, no calor de 45 graus, ele se vestia de couro e calçava botas: alguma travessura aprontaria". Raul considerarava-se incrível amante – mas, por outro lado, como marido, assumia ser uma desgraça.

Tânia concorda: "Raul era um amante maravilhoso; no amor, armava um circo. Mas não suportava a rotina do casamento."

*Fotografia enviada por Tânia Menna Barreto, que ficou com Raulzito entre 1978 e 1979. No retrato, clicado na Bahia, em 79: Tânia, Raul e o cão Alfie. Breve, uma entrevista com ela aqui.

A segunda esposa de Raul Seixas, a norte-americana Gloria Vaquer (foto abaixo), é outra que reapareceu: "Nos apaixonamos sem rima e sem razão", contou a ex-mulher em recente entrevista.

A reportagem da Rolling Stone, Moleque Maravilhoso, foi bater lá nos EUA. Veja no que deu.

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