quinta-feira, 4 de março de 2010

dEPOIS dA cORRIDA dO oURO*


CRISTIANO BASTOS

Poucos lugares no Brasil  são tão climáticos quanto Brasília para se ouvir folk. Sim, Brasília, Distrito Federal. Na capital do país não existe cena ou fenômeno musical "country", como em outras metrópoles, mas tem o cenário quase perfeito: o cerrado que, no inverno, despe o Centro-Oeste deserticamente.

Juntando Chapada dos Veadeiros, Minas Gerais e Goiás é o mais próximo que teríamos de uma paisagem das pradarias norte-americanas.

Durante o dia, a dinâmica do inverno em Brasília é sol e calor. À sombra é gelado e, à noite, frio seco e cortante. As dimensões continentais do Brasil são fabulosas - seja na diversidade cultural ou nas problemáticas brasileiras. No setor climático é igual.

Ringe o telefone do escritório. O módulo mostra que a chamada é de Porto Alegre, a três mil quilômetros...É minha mãe do outro lado do país: "Aqui a umidade está 100%, guri", ela me conta. O barulho da chuva possante batendo forte do outro lado da linha atrapalha a ligação. Eu: "Mãe, 10% aqui!". Com matriarcal sabedoria, ela sugere: "Bem que podia trocar um pouquinho, né?".

Seria uma boa mesmo, mãe.

O inverno com chuva, que caracteriza a estação gaúcha (capítulo que não me traz saudades), também é a temperatura que inspira a tal "estética do frio" sulista. De preferência, sem chuva . É quando fica perfeito para ouvir obras-primas como Something Else By The Kinks, a fase psicodélica dos Beach Boys ou os The Byrds descascando bergamotas ao sol. Beatles não.

Essa é a estética que se reflete na música jovem urbana do Rio Grande do Sul, o rock, por excelência. Que o rock sulista é sempre "engraçadinho" (pecha que traquitanas malinformadas da imprensa não cansam de repetir) não é verdade absoluta; mas que o frio meridional afeta o som, afeta, sim.

As influências platinas históricas (os discos vinham da Inglaterra, entravam pela Argentina e Uruguai e chegavam ao Rio Grande do Sul, na década de 60) até hoje dão a matiz britsh (mas não plúmblea) que agita o ânimo dos roqueiros nativistas.

Uma estadia de dois meses no nordeste, entre Pernambuco e Paraíba, filmando o documentário Nas Paredes da Pedra Encantada, sobre o álbum Paêbirú, de Lula Côrtes e Zé Ramalho, fazem-me pensar noutra coisa: Rio Grande do Sul e Pernambuco são os estados mais geoculturalmente adequados para o surgimento de uma "folkulture" (sacou?) no Brasil.

Simples: nos dois lugares a cultura campeira é sólida e tradicional. Folk vem da raiz (folclore), portanto trata-se, sobretudo, de uma música que sem tais pressupostos - os telúricos - não existe inteiramente.

Não pense que estou querendo acabar com o hype de outrem, com essa conversa. Mas arrisco dizer que, nesse sentido, "Amigo Punk" é ótimo exemplo "telúrico": alia rock e milonga (quer algo mais folk? Falta só o churrasco assando no espeto de chão) redondamente num gênero novo: a Graforréia Xilarmônica.

E os Cowboys Espirituais, alguém lembra deles? Em 1998, chegaram a ganhar prêmio de "melhor vídeo country" num concurso realizado em São Paulo.

Na época, eu trabalhava na Rádio Atlântida, em Porto Alegre, era redator-júnior. Lembro como se fosse hoje, dez anos após. Pressionado por enlouquecidos ouvintes, o programador da rádio estava a um passo da morte: o quanto antes, precisava colocar representantes da produção pop local no playlist apertado da emissora. O povo lá fora clamava.

Fenômeno que trouxe a seguir Bidê ou Balde e Video Hits, por exemplo. "Jovem Cowboy", dos Cowboys Espirituais, foi a primeira que entrou na programação. "Melissa", da Bidê, se não me engano emplacou depois. Os cowboys, com Julio Reny na linha de frente, tinha Frank Jorge e Marcio Petracco como os dois outros bandidos. O single "Jovem Cowboy" ousava pela amálgama de hip-hop e country-rock a la Byrds e...folk.

De meu apartamento, no final da Asa Norte, em Brasília, a janela do escritório enquadra pedaços desocupados do cerrado original - remanescentes espaços da construção do plano-piloto. São como enclaves da natureza rústica & rasteira desse ecossistema; logo serão ocupados pela exploração imobiliária selvagem do centro do país.

O cerrado é forte: sobrevive como os chaparrais. Entra em combustão natural para, quando a primavera chegar, as espécies, submersas na terra, desabrocharem com a chuva. A natureza, mesmo a artificial, grassa em Brasília. Sem ela seria impossível viver neste lugar.

Natureza que, aos sábados e domingos, se encerra para quem tem poder aquisitivo maior, é verdade. Para não encher a capital brasileira com o populacho, o metrô cidades-satélite/DF fecha aos domingos...

Na terra da política, a seleção é natural: no inverno, sobrevive apenas o que for regado e hidratado; mas só vive, o ano todo, quem tem $. Custo de vida que, no Brasil, só perde para São Paulo.

Definitivamente, a cidade é muito melhor ao dia. Não há indústrias no perímetro urbano, daí o céu, de brigadeiro, à noite é de serenata: estrelado como só no planetário da sua cidade industrial você poderá ver um igual.

O Paranoá, lago projetado que irriga o plano-piloto, nem artificial pode ser considerado mais a essas alturas. Depois de 50 anos na paleta, o ecossistema (transferido de um lado para outro pela homérica força de trabalho candanga) declarou sua independência.

Perto de casa tem um parque muito verde e agradável. Lá, a alma do cerrado manifesta-se numa riqueza de fauna e flora. Só não vê quem não tem olhos de ver. Do chão, no parque Olhos D’'água brota um límpido filão de água.

O filão vai desembocar num lago dourado no qual trutas coloridas nadam alegremente e ociosas tartarugas, que passam o dia a tomar sol, parecem até que estão chapadas.
Meditando na ensolarada manhã do sábado brasiliense, ao sabor desses pensamentos, o vento soprando na janela e sacudindo as árvores lá fora, instintivamete saco da prateleira o disco perfeito para o momento: Afther The Gold Rush (1970), de Neil Young.

Uma frase para Neil Young: "Homem colocado por Deus no mundo para edificar as almas elevadas e pusilânimes". Sou quem está dizendo isso.

Reverenciá-lo ouvindo é sempre assim: se estás bem, escute para ficar ainda melhor ainda; agora, se o fundo do poço é a única saída, dê chance à sensibilidade do canadense para tocar-lhe fundo o coração.

Há vagalhões de inquebrantável nobreza no espírito desse sujeito. E não adianta dizer que ele já gravou álbuns ruins antes. É como dizer que Hemingway escreveu um ou dois livros ruins.

Aliás, na arte, nunca há a diferença - somente a certeza: existem os discos bons e os ruins; os livros bons e os ruins, basicamente. Isso foi Oscar Wilde, eu acho, que disse. After the Gold Rush vai pra 40 anos e nem dá sinais de envelhecimento. É o Dorian Gray dos discos.

Neil Young canta o amor como ninguém (como ele, só Tim Bucley e Nick Drake) e com o coração. Só que tanto o norte-americano Buckley quanto o inglês Drake eram corações despedaçados. Vasilhames sem retorno. Young é o - eternamente - esperançoso "coração de ouro".

After the Gold Rush tem um antecedente para fazê-lo melhor ainda: o sublime Déjà vu, álbum gravado um ano antes com o trio Crosby Stills & Nash. Tanto que Stills aparece para fazer os vocais, na parceria After the Gold Rush.

"Tell Me Why", por pouco não é uma arrastada melopéia de amor & solidão. Ela inicia o disco. É bela e modorrenta. Na faixa-título, "After the Gold Rush", parece que o jovem Young, em pleno despertar orgiástico dos anos 70, vai se afundar sem volta no romantismo incurável. Foi o que aconteceu. A introspecção da música não é fria, aliás, é redentora.

"Only Love Can Break Your Heart" traz uma mensagem de esperança na letra e uma levada charmosa no som. A parte final é tocante, quando canta: "I have a friend/ I've never seen/ He hides his head/ inside a dream/ Yes, only love/ can break your heart/ Yes, only love can break your heart".

E as guitarras?! Na real, não é um disco de muitas guitarras: também de muitos violões, pianos e garbosas vocalizações. Em "Southern Man", Young e Danny Whitten duelam com a classe do Crazy Horse. No piano, Jack Nitzsche.

A curta "Till the Morning Comes" tem compasso alegre para sair assoviando pela rua feliz da vida, pegar a estrada ou para iniciar as preliminares do amor. "Oh Lonesome Me" é exatamente ao contrário: para se curtir na letargia pós-love.

Para ouvir chapado, deitado no chão, entregando-se confiante nas mãos do Criador é "Don't Let It Bring You Down". Módicos 2:56, porém, das canções mais grandiosas do mestre.

Guitarras! Em "When You Dance I Can Really Love" elas atacam novamente, don't worry.

"I Believe in You" é uma confissão de amor, com todo o sentimento que, além de sentir, o cantor nos passa com o seu cantar. Sinta por você mesmo(a).

After The Gold Rush termina com a classe de um fade-in (!): "Cripple Creek Ferry" e seus minúsculos 1:34. Maneira estranha de se terminar uma grandiosa obra. Somente alguém com o pressentimento do porvir - um prestidigitador -, como Young para dar-se a um luxo desses.

Para terminar, um testemunho meu.

Certa vez, no século passado, acampando em Riozinho (olha que coisa mais country, honney! Little River), onde tem o Parque Nacional dos Condutos, no Rio Grande do Sul, uma experiência psicodélica matinal com uma meiota de LSD, planejada para ser tomada pela manhã e atravessar o dia, revelou-me novos predicados da maestria extra-musical de Neil Young.

A outra metade foi ingerida por um amigo, o qual não convém revelar o nome. Nos preparamos para a trip com um farto café da manhã. No alforje colocamos uma dúzia de laranjas e seguimos a trilha na direção das corredeiras e condutos.

Little River fica onde começa (ou termina) a Mata Atlântica. Sumé, o Deus indígena, provavelmente deve ter passado por ali descerrando a mata até o Peru para soerguer a majestosa triha Pêabirú: o Caminho da Montanha do Sol.

Comemos todas as laranjas, segundo a crendice sobre a qual a acidez da fruta estimula o "lisergismo". Época jurássica pré-mp3 player, nos virávamos com o som de um gravador de repórter, o que acarretava levar, na mochila, fitas e mais fitas. Elas pesavam...Ou, então, poucas (e boas) K-7s. Uma das nossas poucas era Rust Never Sleeps (1979), fita chromo, aquelas meio fedidas.

O som do gravadorzinho mandava na ordem: "My My, Hey Hey (Out of the Blue)", "Thrasher", "Ride My Llama", "Pocahontas"... Dez horas da manhã: o negócio começava a bater às ganhas. Pleno verão no Rio Grande do Sul, o sol brilhava com esplendor. A gente percorria caminhos cada vez mais labirínticos para nosso psicodélico estado juvenil.

Como sempre, eu levava o gravador no bolso da bermuda: o som zunia. Uma caixa de abelhas a vibrar na cabeça e no bolso ao mesmo tempo. Devia tocar "Hey Hey, My My (Into the Black)", pela quarta vez.

Positivamente loucos a cada canção repetida, ao escalar uma pedra o preciso sonzinho escapuliu para as garras da torrencial corredeira. Neil Young se fora cantando e tudo. Suas últimas palavras foram: "Hey"...

A viagem quase parou por ali mesmo. Esperançoso, estiquei o braço para dentro da água: "Ao menos para recuperar o aparelho", cheguei raciocinar, "mesmo que sem a promessa da música de volta".

Apalpei o fundo do rio, entre plantas, pedras, galhos e insetos. Senti algo meio "quadrado": era o bendito gravadorzinho. "Só podia, com esse formato", ainda pensei. Puxei o objeto de volta e, como quem recebe seu troféu, o ergui ao alto - exultante como o neerdental que descobriu a arma de fogo. O guerreiro elétrico continuava a funcionar. Era impressionante!

Mas a música, que era a boa, não saia. Acasalei fita & gravador como dois lagartos enamorado no cimo de uma pedra e deixei o casal secar ao radiante sol de verão. Recordo que ainda fiz uma mandinga qualquer para que a valorosa dupla voltasse ao trabalho.

Despreocupadamente, fui tomar um gelado banho de rio. Depois fiquei curtindo emanações solares.

Na volta, tudo estava seco, como em Brasília. Peguei a fita e, com o carinho necessário, coloquei no compartimento - ato erótico, sem dúvida. Play: "Hey Hey, My My!", o gravador berrou pleno de seus pulmões metálicos.

Coisas mágicas acontecem quando Neil Young está no ar.

*Texto que pretendo reunir, em breve, num livro de reportagens, entrevistas e crônicas. 

terça-feira, 2 de março de 2010

uLTRA-wIDE-sTEREO-bIZARRE-pOWER-pOP-sOUND!

Falando em glam rock, de todas as matizes do estilo – da cool à 'flamboyant' –, a mais estranha (para não dizer bizarra), certamente foi a que revelou o octeto londrino Wizzard.
Não dá para sair íntegro depois de uma audição inteira do supermegalomaníaco Brew (Harvest), de 1973. Alguém definiu o som desse disco como "ultra wide stereo bizarre power pop sound". Eu achei préza.
Já outro comentou que ouví-lo poderá exigir ingestão de sais de frutas: "Quando ouvi o disco, em 1973, foi assim", relembra um aventureiro num blog - 35 anos depois da experiência.
Brew é a estréia da banda inglesa Wizzard, comandada por Roy Wood, ex-Electric Light Orchestra, a ELO. A mixagem suja e complexa do disco é a receita que repugna estômagos menos resistentes.
É muito diferente, por exemplo, do fino trato dado por Tony Visconti às produções de Marc Bolan e David Bowie. Ou do toque hiperpop da dupla de produtores Chin & Chapman, manufaturadores de mega hits glam como "Tigger Feet" (Mud) e "Can the Can" (Suzy4).
O formato de Brew é glitter, mas o louco álbum vai bem além na viagem: emula antigos compactos de 78 rpm, música clássica (com citações de peças de Tchaikovsky, Bach, Schubert), rock anos 50, marching bands. Fora uma porção de coisas que só ouvindo... É um ótimo disco para se retirar samplers malucos.
De pontual mesmo só as citações de Elvis Presley, Edie Cochran e Phill Spector. Outras obssessões no som da Wizzard: juke boxes, o som alucinado das Dixielands, cacofonias. Mas nada é feito de improviso. O disco, milimetricamente controlado no estúdio, foi ensaiado à exaustão.
Os arranjos de cordas e de metais são obra de Wood, também vocalista e produtor de Brew. Alan Parsons cuida da engenharia de som. "See my Baby Jive", a mais rodada do Wizzard, não está no álbum. Assista o videotape no post de cima.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

pANETONE e cIRCO

Da gestão de recursos públicos por parte da federação local até a organização da Copa de 2014, passando por amistoso da seleção e um caçula do campeonato brasileiro, o esquema de corrupção no governo do distrito federal chegas às entranhas do futebol brasiliense
POR CRISTIANO BASTOS
ILUSTRAÇÃO: SAMUEL CASAL
EM 30 DE AGOSTO DE 1883, Dom Bosco revelou um de seus proféticos sonhos: "Entre os paralelos de 15° e 20°, numa depressão de terra larga e comprida, partindo de um ponto onde se formava um lago". No devaneio, uma voz ecoou:
"Quando vierem escavar as minas ocultas surgirá aqui a terra prometida, vertendo leite e mel. Será uma riqueza inconcebível...". Para alguns, ele previra a construção de Brasília, motivo pelo qual o santo italiano se tornou padroeiro da cidade.
Ele não pressagiou, porém, as rasantes de rapinagem que, mais de um século depois, explodiriam na capital brasileira, instalada há 50 anos no Planalto Central.
Em novembro último, a Polícia Federal (PF) defl agrou a operação "Caixa de Pandora", que investiga o esquema de distribuição de propia à base aliada e deputados distritais comandado pelo governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (ex-Democratas) – líder da patota que sovou "leite e mel" numa corrupta fornada de "panetones".
A gangue, inclusive, queimou ainda mais o filme do desprestigiado futebol candango, em uma série de negócios suspeitos que têm sempre um personagem em comum.
Fábio Simão é tido como um dos baluartes do "Mensalão do DEM" (veja box) e preside a Federação Brasiliense de Futebol (FBF). Ele tem antecedentes de peso no poder. Na gestão passada, era o homem forte do então governador Joaquim Roriz, hoje maior inimigo político de Arruda.
Desavenças a parte, logrou prestígio com o atual governador a ponto de entronar o disputado (e estratégico) posto de dirigente das ações da cidade na Copa do Mundo de 2014, o que deixava sob sua responsabilidade a licitação para construir o novo estádio Nacional de Brasília, obra estimada em R$ 520 milhões.
O dirigente deixou as operações do Mundial após ter o nome envolvido no escândalo de corrupção que tomou conta do Governo do Distrito Federal (GDF). Mas seu prestígio cruzava os contornos arquitetônicos da capital: foi bater às portas da CBF.
Ricardo Teixeira, amigo íntimo de Arruda, reconheceu a gravidade da crise política atravessada por Brasília, mas argumentou que "nada muda" até o Mundial: "Não se escolhe sedes pelos governadores. Até lá, provavelmente, será outro governo. Vamos aguardar, nada foi provado", ponderou.
Talvez não mude mesmo. Como Simão não foi exonerado, nada impede que volte à ativa quando a poeira baixar. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o governador não descarta o regresso do "parceiro".
"Se não tiver nada contra ele, pode. Por que não?", indagou. Por enquanto, Simão é "carta fora do baralho" para o corregedor do Distrito Federal, Roberto Giffoni: "O afastamento alcança todas as suas atividades administrativas".
Em 2009, a Federação Brasiliense de Futebol foi a maior benefi ciada pelo Programa de Recuperação de Créditos Tributários e Não Tributários, o "Refaz", aprovado pela câmara distrital. O artigo 13 foi apelidado de "Emenda Fábio Simão".
Seu texto propõe a remissão de dívidas tributárias – em qualquer estágio – a "entidades de administração desportiva de esportes olímpicos (federação ou similar) no Distrito Federal".
Para a deputada distrital Érika Kokay (PT), vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal, não há incerteza: Simão foi o maior beneficiado pela emenda. "Na época, ele era subsecretário da Casa Civil, onde mediou transações financeiras com parlamentares".
O escândalo do Democratas respingou até no futebol de outros estados. Desde 2006, uma das empresas citadas na Operação Caixa de Pandora, a Linknet Tecnologia (cuja dívida com o GDF ultrapassaria R$ 213 milhões) patrocina o Atlético Goianiense, clube dirigido pelo neotucano Valdivino José de Oliveira, ex-vice-prefeito de Goiânia e ex-secretário de Fazenda de Arruda. Marcos Egídio, assessor jurídico do Dragão, afi rma que a empresa não patrocina mais o time.
Ainda assim, a marca da Linknet continua decalcada até hoje na manga da camisa rubro-negra. De acordo com o dirigente, deve-se a um "sentimento de gratidão por parte do clube". O Atlético Goianiense é desses fenômenos de repentina ascensão no futebol brasileiro.
Há nove anos, quase teve seu estádio demolido para a construção de um shopping e, em 2005, estava na segunda divisão estadual. Mas, desde a chegada de Valdivino – e de parceiros com passado polêmico –, ressurgiu. Fez um convênio com o Brasiliense de Luiz Estevão para reforçar o time e escalou degraus.
Nos últimos anos, voltou à primeira divisão g iana (e já conquistou um título e dois vices) e conseguiu duas promoções seguidas em competições nacionais. Disputará a Série A em 2010. A chegada à elite brasileira valorizou o Rubro-Negro.
Segundo Egídio, a Linknet deixará o time goiano em 2010 devido a uma proposta mais polpuda: o Banco BMG teria oferecido cerca de três vezes mais que os R$ 60 mil mensais que o patrocinador anterior pagava. O novo parceiro não tem currículo muito melhor que o antecessor.
O dono da instituição financeira é Ricardo Guimarães, ex-presidente do Atlético Mineiro e responsável pelas irregulares transações financeiras tramadas entre as tubulações do "Valerioduto".
NO MAR DE CORRUPÇÃO que varre o cerrado, nem toda marola morreu na praia. Em 2008, o Tribunal de Contas do Distrito Federal julgou irregulares as contas da Secretaria de Esportes, que não conseguiu comprovar a distribuição dos materiais adquiridos pela federação com recursos governamentais.
O tribunal determinou que Wagner Marques, ex-secretário de esportes e presidente de honra do Gama, seu adjunto Sérgio de Almeida, Márcia Patrício de Oliveira, chefe do Divisão de Administração Geral, e Weber Magalhães, ex-dirigente da Federação Metropolitana de Futebol (antigo nome da FBF), ex-presidente da CBF e chefe da delegação brasileira na Copa de 2002, restituíssem a quantia de R$ 663 mil aos cofres públicos.
Esse valor é irrisório se comparado com outro potencial escândalo envolvendo o governo distrital e o futebol. As investigações sobre os recursos gastos no amistoso entre Brasil e Portugal (vitória brasileira por 6 a 2 na reinauguração do estádio Bezerrão, na cidade-satélite do Gama, em novembro de 2008) jazem estacionadas no Ministério Público do Distrito Federal, que mantém velada qualquer informação sobre o caso.
O número que mais salta aos olhos foi o gasto na modernização de um estádio que atenderá um clube da Série C nacional: R$ 50 milhões, 20 milhões a mais que a previsão inicial. Na prática, a despesa foi maior, pois o custo na organização do evento foi de, pelo menos, R$ 8,5 milhões.
Esse foi o valor do contrato assinado pelo governador José Roberto Arruda e o secretário de Esportes, Agnaldo de Jesus, com a Ailanto Marketing Ltda, responsável pela organização da partida.
O MP-DF suspeita que se trata de uma empresa fantasma, registrada em nome de Vanessa Preste e Alexandre Rosell (na verdade, Sandro Rosell) pelo advogado Eduardo Duarte, o maior laranja de Daniel Dantas na Operação Satiagraha, que investigou o desvio de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro que resultou na prisão de vários banqueiros em 2008.
Citado pelo MP como dono da Ailanto e, igualmente, ligado a ISE (empresa com sede nas Ilhas Cayman que detém direitos exclusivos dos jogos da Seleção Brasileira), Rosell é mais conhecido como ex-presidente da Nike no Brasil, amigo íntimo de Ricardo Teixeira e ex-vice-presidente do Barcelona.
As parcelas dos R$ 8,5 milhões pagos pelo GDF estão discriminadas nas notas fi scais de número 001 e 002 do talonário da Ailanto, uma irrefutável prova de que fora esse o primeiro serviço prestado pela empresa.
Arruda teve seu nome incluído na ação por ter assinado o contrato, intermediado pela CBF, mesmo com parecer contrário da Procuradoria. Nebuloso, porém, é que o recurso tenha sido autorizado e pago – em apenas nove dias – pelo próprio governador.
Mais "estranho" ainda é que tudo isso foi contratado sem licitação. Na época das denúncias, Arruda preferiu não manifestar-se a respeito. A CBF afi rmou desconhecer qualquer intermediação para jogos da Seleção Brasileira.
O deputado distrital Paulo Tadeu (PT-DF) realça outro ponto nevrálgico do certame Brasil x Portugal: o valor cobrado pelos ingressos, entre R$ 180 e R$ 25. O GDF distribuiu 5 mil ingressos para políticos e autoridades e sorteou outros 2 mil para população de baixa renda das cidades satélites.
Tadeu acusa o governo ter se apropriado do dinheiro arrecadado com a venda das entradas. Até hoje, segundo ele, "nenhum tostão da bilheteria foi carreado aos cofres públicos". Na época, o secretário de esportes, Aguinaldo de Jesus, negou a existência de irregularidades.
Mas passou a bola para Fábio Simão: "Quem ficou com a renda foi o presidente da FBF. Cabe a ele mostrar as notas fi scais que comprovam onde foi aplicado o dinheiro".
Tais evidências não foram sufi cientes para assegurar os oito votos que seriam necessários à instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigaria o caso. Somente cinco assinaturas foram conseguidas.
A deputada distrital Érika Kokay defende que as grandes prejudicadas, na verdade, foram as pequenas empresas que prestaram serviço ao GDF durante o amistoso. Elas teriam amargado mais de três meses sem ver a cor do pagamento, segundo a deputada.
"Só receberam depois que denunciamos o governo". E ainda sofreram ameaças da Secretaria de Obras: "Ou aceitavam o calote, e não denunciavam o GDF, ou nunca mais seriam contratadas". Ironicamente, o valor devido a esse conjunto de empresas era menor do que o pago integralmente à Ailanto.
POUCO ANTES DA ABERTURA da Caixa de Pandora, José Roberto Arruda expressou um desejo pes soal: que, além de receber a Copa das Confederações, Brasília sediasse a abertura do Mundial. Para realizar a vontade do governador, o GDF se dispõe a injetar, nos próximos seis anos, pelo menos R$ 3,5 bilhões em projetos.
Todavia, a realização do sonho só seria possível depois de derrotar concorrentes fortes e influentes: São Paulo e Belo Horizonte, cidades com muito mais tradição esportiva.
Mas o governo distrital já dá uma mãozinha para o futebol brasiliense: por meio do Banco Regional de Brasília, o GDF patrocina os oito times que disputam o Campeonato Brasiliense. O investimento total é de R$ 2 milhões.
Para edificar obras da Copa do Mundo de futebol, o GDF vai receber R$ 360 milhões da União. Os recursos serão empregados, por exemplo, na construção do Veículo Leve sobre Trilhos, metrô que vai ligar o aeroporto de Brasília às asas Sul e Norte.
O secretário de obras, Jaime Alarcão, afi rma que o cronograma de obras (que, segundo ele, têm 80% de aprovação da população) não será modificado em virtude da turbulência política. "Não existe qualquer motivação para cessar os trabalhos", afirma.
O GDF está investindo, ainda, R$ 1,6 bilhão na organização da festa de 50°- aniversário de Brasília. Almeja-se que maior parte delas sejam concluídas até 21 de abril, um dia antes da efeméride.
Do montante de recursos, cerca de R$ 200 milhões tem destinação para o esporte local. Quanto ao dinheiro gasto na transformação do estádio Mané Garrincha no Nacional de Brasília, Alarcão diz não haver risco de desvios: "Ministério Público, Tribunal de Contas e Corregedoria da União mantêm constante fiscalização".
O secretário de obras não está errado ao afirmar que há instituições responsáveis pela fiscalização do poder público. Mas elas não inibem o surgimento, de tempos em tempos, de novos casos de corrupção.
Do mesmo modo que órgãos distritais não impediram que o governo do Distrito Federal criasse uma rede de suborno e influência. Um esquema que usou – e muito – o esporte. E ainda faltam quatro anos para 2014...
O Mensalão de Arruda
Em 27 de novembro de 2008, a Polícia Federal deflagrou a operação Caixa de Pandora. De acordo com as autoridades, José Roberto Arruda, governador do Distrito Federal pelo Democratas, comandaria um esquema de cobrança de propina para empresas que pretendem obter contratos com o governo.
Também fariam parte o vice-governador Paulo Octávio, secretários e deputados distritais da base aliada. O caso foi delatado por Durval Barbosa, exsecretário de Relações Institucionais de Arruda que produziu cerca de 30 vídeos mostrando pessoas importantes no GDF (incluindo o próprio governador) recebendo grande quantidade de dinheiro em espécie de quatro empresas de informática que firmaram contratos com o governo distrital, Infoeducacional, Vertax, Linknet e Adler.
A PF apreendeu R$ 700 mil nas residências e gabinetes dos acusados.
Barbosa apontou Fábio Simão, ex-subchefe da Casa Civil do Distrito Federal e ex-chefe de gabinete de Arruda, como gerenciador dos contratos de terceirização de serviços no Governo do Distrito Federal (GDF).
Ele também estava intimamente ligado ao futebol: é presidente da Federação Brasiliense de Futebol e chefe do comitê brasiliense para a organização da Copa de 2014, além de ter sido assessor do ex-senador Luiz Estevão, presidente do Brasiliense. Segundo o delator, cabia a Simão "arrecadar dinheiro de propina da empresas e repassá-lo a quem o governador determinasse".
Após o estouro do escândalo, Arruda afirmou que recebeu o dinheiro em espécie para realizar ações sociais, como a compra de panetones para a população de baixa renda. Pela semelhança com o Mensalão, escândalo que atingiu o Governo Federal em 2005, o caso fi cou conhecido como "Mensalão do DEM".
O partido, temendo problemas com sua imagem, pressionou o governador, que se desfiliou – abrindo mão de uma possível reeleição em 2010. Arruda ainda corre o risco de sofrer impeachment.
*Revista da ESPN, fevereiro de 2010.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

gAULESES iRREDUTÍVEIS*

Os últimos anos foram generosos em histórias orais do rock. Lá fora, tudo começou com Coração Envenenado – Minha Vida com os Ramones, de Dee Dee Ramone, ex-baixista e fundador da banda.

Foi essa biografia que inspirou Legs McNeil e Gillian McCain a escrever Mate-me Por Favor – Uma História Sem Censura do Punk, que contava a história do gênero através do depoimento de seus protagonistas. Entre eles, ninguém menos que Lou Reed, Patti Smith, Iggy Pop e, é claro, os Ramones.

Enquanto o livro de Dee Dee só chegaria aqui em 2004, o livro dos editores da revista Punk virou sensação quando chegou ao Brasil no final dos anos 1990. Todos queriam o indiscreto volume com capa de fundo laranja e título em enormes garrafais pretas.

Se hoje toda uma geração lamenta a divisão da obra em dois volumes, que perdeu metade da graça com a abolição da cor berrante, muitos também são o que choram o sumiço de um outro livro, esgotado em virtualmente todas as livrarias portoalegrenses.

Acontece que o livro de McNeil e McCain gerou frutos aqui no sul. Baseado nele, Alisson Avila, Cristiano Bastos e Eduardo Müller escreveram o hoje lendário Gauleses Irredutíveis, no qual esmiuçaram o rock gaúcho nos mesmos moldes dos primos americanos.

Lançado em 2001, o livro foi um sucesso imediato. Hoje disponível apenas em sebos (fica a dica para quem quiser comprar), Gauleses Irredutíveis reuniu personagens e causos memoráveis da nossa cena.

Conheça alguns deles:

CARLOS EDUARDO MIRANDA

Ele ganhou atenção de todo o país como o "jurado mau humorado" do programa Ídolos, no SBT. Mas muito antes de se tornar uma espécie de Simon Cowell brasileiro, Miranda já era figura carimbada do rock gaúcho.

Antes de imaginar se tornar produtor e executivo da gravadora Trama, o "não-músico" dirigiu os selos Banguela e Excelente, atuou como jornalista e integrou as bandas Taranatiriça, Urubu Rei, A Vingança de Montezuma, Três Almas Perdidas e Atahualpa y us Pânques.

E no palco ele era ainda mais agressivo que na frente das câmeras. Entre suas peripécias, ele conta no livro como foi repreendido após uma edição do festival Rock Unificado por jogar garrafas de plástico no público.

JÚPITER MAÇÃ

Flávio Basso dispensa apresentações. Júpiter Maçã e Jupiter Apple em carreira solo, ele encabeçou as bandas TNT e Cascavelletes nos anos 1980. Compositor, multi-instrumentista e desvairado, escandalizou gerações com seus shows caóticos, tão pontuais quanto seu talento.

No livro, ele conta como se ressentiu quando, na época do Cascavelletes, Frank Jorge resolveu voltar a tocar com a Graforréia paralelamente.

Então decidiu sabotar o show com Alexandre Barea, baterista da banda. Mas os dois beberam muito antes, e a sacanagem ficou pela metade. "A gente chegou cambaleando, no meio da galera, empurrando todo mundo", completa Barea.

EDU K

Nascido Eduardo Dornelles, o líder do De Falla, afastado da banda desde 2004, passou a se dedicar à música eletrônica. Mas "o maior golpista da Gália" ainda é mais lembrado pelo seu trabalho no rock, no grupo que o fez famoso nacionalmente e em outros tantos.

No livro, além de assumir que faz tudo por dinheiro, ele conta como quase apanhava, até da própria mãe, por sair na rua vestindo apenas um maiô: "Às vezes, vinha a polícia, ou parava um caminhão, e descia um monte de cara sedentos dizendo 'vem cá, minha puta!'".

MARCELO BIRCK

Marcelo foi o primeiro vocalista e guitarrista da Graforréia Xilarmonica. Mas enquanto o irmão Alexandre seguiu no commando das baquetas na banda, ele resolveu ir para outras paragens e deu início a uma carreira solo. Como Miranda, também tornou-se produtor.

Mas uma de suas histórias mais memoráveis no Gauleses tem mais a ver com os maiôs de Edu K. No livro, ele conta como surgiu o visual da Graforréia no seu início: "Minha mãe resolveu botar fora um monte de roupas démodé – e eu e o Frank Jorge resolvemos usá-las. Tinham uns modelos absurdos: umas ceroulas listradas de amarelo, vermelho e verde… Daí, nos olhamos e dissemos: 'vamos montar uma banda com isso!'", completa Frank.

EGISTO DAL SANTO

Egisto Dal Santo não pára. Além da Colarinhos Caóticos, ele já passou pelas bandas Ponto de Vista, Elektra, Groo Brothers, Acretinice Me Atray, Benedyct Eskine e Saltin Mantra. Em carreira solo, venceu Júpiter ao assumir em diferentes fases três nomes diferentes: Egisto Ophodge, Egisto 2 e Egisto Dal Santo, o mais recente.

Como produtor já assinou mais de 40 discos. Entre eles, o clássico máximo de Flávio Basso, A Sétima Efervescência. Não satisfeito em produzir, Egisto também tocou para a gravação do disco. No livro, dá pra conferir como, durante um show da Colarinhos, a policia entrou pela segunda vez no antigo Garagem Hermética e fechou toda a rua Barros Cassal.

Gauleses Irredutíveis, de Alisson Ávila, Cristiano Bastos e Eduardo Muller
Editora: Sagra-Luzzatto
Quanto: R$ 22 (267 págs.)

*Publicado no blog do Curso Superior de Formação de Músicos de Rock, da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos).

rEGISTROS dOS gAULESES


1) Bar João
2) Cascavellettes
3) Cachorro Grande
4) Byzzarro
5) Byzarro
6) Bidê ou Balde
7) Aristóteles de Ananias Júnior

cASCArARO

pUNHETINHA dE vERÃO

pIAZADA

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

cOLETÂNEA dE mÚSICA eLETROACÚSTICA bRASILEIRA*

Caixa revela faceta exótica e pouco conhecida da nossa música
POR CRISTIANO BASTOS
A ressonância da música eletroacústica ainda restringe-se, no século 21, aos ambientes do "underground acadêmico". Seu estudo, experimentalismo, organização e amplitude internas, todavia, dão banho de dinâmica e, muitas vezes, de estética nos eficazes – porém combalidos – mercados da música, seja o mainstream ou o independente.
A Coletânea de Música Eletroacústica Brasileira, histórica edição materializada neste box set com cinco instigantes álbuns – Praecursorius, Constructionis, Spatium, Ludus e Naturae –, vale como "certidão de sucesso" desse experimental e incógnito gênero sonoro.
Seu lançamento traz a panorâmica completa, de 1957 a 2008, da produção nacional nesses domínios. São 54 obras de 32 compositores de quatro gerações. Dentre eles, Anselmo Guerra, Bruno Ruviaro, Conrado Silva, Djalma Farias, Edson Zampronha e Eloy Fritsch.
O disco Praecursorius resgata obras raras do compositor paraibano Reginaldo Carvalho, introdutor do concretismo no Brasil, e também de Jorge Antunes, precursor da música eletrônica.
Antunes foi o primeiro a compor uma peça eletrônica: “Si Bemol” (1957) - gravada no Estúdio de Experiências Musicais, no Rio de Janeiro.
É curioso saber que nos anos 60 menos de cinco brasileiros praticavam essa linguagem musical; e que nos anos 90 a "comunidade eletroacústica" somava centenas de criadores.
Musicalmente, impera o "ruidismo futurista", obtido mediante manipulação de fitas magnéticas, colagens e sobreposições de sons. Traquitanas como o gerador de ondas dente-de-serra e o reverberador de mola - além do eletromagnético theremim - realçam o mistério.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

eMPRESA dE sUCESSOS*

Eu acho que o verdadeiro artista é privilegiado. E eu considero o Nelson um verdadeiro privilegiado. O Nelson tem uma voz - que com a minha vivência, com esses anos todos de compositor, de artista - é inigualável.

Eu que assisti a tantos que chegaram, que foram, passaram, de modo que um cantor que mantém voz como o Nelson mantém, sem dúvida, é um privilegiado. O Nelson é um homem diferente, porque foi boxeur.

Então, quando se diz que Nelson fez 50 anos de vida artística, eu vejo que conheci apenas 40. Os outros 10 são anteriores, passados em São paulo, tenho a impressão. Trabalhamos juntos muito tempo.

Fizemos grandes sucessos. Ele com a sua voz e eu com a minha música. E, até hoje, o Nelson mantém no seu repertório músicas minhas que ele gravou.

*Herivelto Martins, inventor do Trio de Ouro, primeiro trio vocal do Brasil. Compôs dezenas de hits abrilhantados por Nelson Gonçalves: a romântica "Pensando em Ti", a lasciva "Camisola do Dia", a apaixonada "Normalista".

Para o Rei do Rádio, Martins também fez tangos sob medida, como "Carlos Gardel", "Vermelho 27" e "Hoje quem paga sou eu".

De todos os compositores com os quais o Metralha confabulou
, Herivelto foi o que mais lhe escreveu letras "eróticas". O clima ferve nos sambas "Enfermeira" e "Lençol de linho".

No primeiro registro fotográfico, o "Trio de Ouro" (Nelson, Maysa & Herivelto) curte uma noitada daquelas.

Na exclusiva foto debaixo (do arquivo da filha de Nelson, Marilene Gonçalves), o Metralha desfruta de momento privado na companhia da bela
Maysa Figueira Monjardim, a Maysa Matarazzo. Maysa.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

pAÊBIRÚ, uN pILIER dU pSYCHÉDÉLISM

PAR CRISTIANO BASTOS
Le double album Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol(1974), enregistré par le duo Lula Côrtes & Zé Ramalho à Recife, Pernambuco, est un petit joyau onirique perdu dans un vieux bouquin psychédélique.
Selon Nemo Bidstrup, le directeur du label américain Time-Lag qui a réalisé la première édition originale de l'album en dehors du Brésil, ce disque est très lié au psychédélisme américain, anglais et européen.
Cependant, la teneur de la musicalité est bien «verte et jaune». «C’est une sonorité vraiment très brésilienne» observe-t-il. Il faut souligner que, depuis son lancement, il y a 35 ans Paêbirú semble avoir été touché par une malédiction.
Tout commence avec les aléas qui ont marqué son enregistrement et la perte de la plus grande partie du pressage original, emporté par les pluies diluviennes qui se sont abattues sur la capitale de l’état de Pernambouco en 1975.
En effet, 1000 des 1300 copies initiales ont été immergées, et le master a lui aussi disparu. Quelques exemplaires seulement ont survécu au désastre. Un original est maintenant évalué à plus de 4 milles reais (1200 euros).
C'est l'album le plus cher de toute la musique brésilienne. Tout comme le meilleur art lysergique de la planète, celui de Paêbirú est calqué sur le tellurisme.
Ce regard porté sur le traditionalisme indigène et le mythe de Sumé - une entité des Indiens Tupiniquins - est présent dans des titres comme Trilha de Sumé et Pedra Templo Animal. Mais l'album possède aussi son côté rocker que l'on retrouve dans des chansons comme Nas Paredes da Pedra Encantada et Raga dos Raios.
Guitare à 12 cordes, flûtes, rebecs, pianos, ukulélé, chocalhos et voix, créent un climat autour de ces chansons, réparties sur les 4 faces des deux vinyles:
«Terra», «Água», «Fogo» et «Ar» (terre, eau, feu et air).
Pour l'éditeur des disques du magazine Rolling Stone brésilien, Paulo Cavalcanti, Paêbirú prouve qu’il se passait des choses très étranges dans le nordeste brésilien, dans les années 70:
«L'acidité semblait démodée dans le reste du monde, mais elle a encore des échos dans la musique de làbas».

Paêbirú, um marco da psicodelia
O álbum duplo Paêbirú - Caminho da Montanha do Sol (1974), gravado pela dupla Lula Côrtes & Zé Ramalho em Recife, Pernambuco, é dessas jóias oníricas perdidas nos alfarrábios da psicodelia mundial.
Segundo o dono do selo norte-americano Time-Lag (que fez a primeira edição digital do álbum fora do Brasil), Nemo Bidstrup, o álbum guarda fortes conexões com a psicodelia norte-americana, inglesa e europeia.
Porém, o teor da musicalidade é "verde-amarelo"."É uma sonoridade decididamente brasileira", observa.
Todavia, Paêbirú segue maldito 35 anos após seu lançamento. Muito por causa das histórias que marcaram sua concepção, gravação e, por fim, a perda da maior parte da prensagem original, levada pelo dilúvio que em 1975 varreu a capital pernambucana.
Das 1.300 cópias inciais, 1.000 foram literalmente por água abaixo. E a calamidade ainda levou junto a fita master. Bem conservado, um original está avaliado em mais de 4 mil reais (1.200 euros). É o mais caro álbum da música brasileira.
Como a melhor arte lisérgica planetária, a produzida em Paêbirú também é calcada no telurismo. No caso, na ótica sobre o tradicionalismo indígena. O mito de Sumé, entidade dos índios tupiniquins, faz-se presente em títulos como Trilha de Sumé e Pedra Templo Animal.
Mas o álbum também possui sua faceta roqueira, manifesta em músicas como Nas Paredes da Pedra Encantada e Raga dos Raios.
Violas de 12 cordas, flautas, rabecas, pianos, okulelê, chocalhos e vocais climatizam as demais canções, repartidas nos quatro lados dos dois vinis: Terra, Água, Fogo e Ar.
Para o editor de discos da Rolling Stone brasileira, Paulo Cavalcanti, Paêbirú prova que coisas muito estranhas aconteciam no nordeste brasileiro, no anos 70: "A lisergia parecia démodé no resto do mundo, mas ainda ecoava na música de lá".
*Cristiano Bastos est journaliste, il est en train de terminer Nas Paredes da Pedra Encantada, un documentaire sur l’album Paêbirú, réalisé en collaboration avec Leonardo Bomfim et dont la sortie est prévue en 2010.pp
Publicado no magazine Brazuca, editado mensalmente na França (leia no original). Leia, também, a matéria da Rolling Stone "Qual é a música, cineasta", sobre os documentários musicais previstos para 2010.
Veja o teaser do doc Nas Paredes da Pedra Encantada:

domingo, 27 de dezembro de 2009

qUANDO a aRTE iMITA a vIDA*

Drama arquitetado para tocar as massas, Lula: O Filho do Brasil sonha com bilheteria histórica e é criticado por possível influência nas eleições de 2010
POR CRISTIANO BASTOS
O antropólogo norte-americano Joseph Campbell, autor da obra O Herói de Mil Faces, a vida inteira empertigou- se em decifrar personagens identificados à mitologia universal, um fenômeno que batizou de "a jornada do herói".

"Oculto por trás de um milhar de faces, emerge o herói por excelência, arquétipo de todos os mitos", ele escreveu a respeito, no livro publicado originalmente em 1949.

As hipóteses norteadas por Campbell elucidam muitas das razões pelas quais a cinebiografia Lula, O Filho do Brasil, sobre a vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem causando rebuliço no terreiro da política nacional meses antes de entrar em cartaz.

Indiferente de época ou local, conforme ensina Campbell, o enredo dessa jornada sempre é o mesmo: o herói parte de seu mundo, aventura-se em terras distantes, enfrenta inimigos e provações. Depois, regressa transcendido para casa, munido das informações que o levam a sublimar a existência ordinária.

Secularmente, a humanidade vem contando e recontando as mesmas histórias. Não à toa, O Herói de Mil Faces está à cabeceira dos cineastas George Lucas, Francis Ford Coppola e Steven Spielberg.

O livro também fez a cabeça de Fábio Barreto, diretor de Lula, O Filho do Brasil, que já planeja uma minissérie mais abrangente sobre o presidente-personagem:
"Lula provocou uma revolução no Brasil, porque libertou o povo de seu complexo de inferioridade".

É esse o aspecto mais importante, defende Barreto, e não o fato de ele ser "'o cara' do Obama, das Olimpíadas ou da Copa do Mundo".

Para o antropólogo Roberto Da Matta, O Filho do Brasil é uma tentativa de santificação que "ultrapassa os limites de bom-senso do liberalismo": "Por que Lula transformou-se num herói exclusivo? O PT é avesso ao rodízio de heróis. Só podem ser os deles."

Na apreciação de Da Matta, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso igualmente cumpriu a trajetória do herói; todavia, o estadista teria sido severamente "demonizado" pelo Partido dos Trabalhadores.

Ignoraram, segundo ele, a histórica estabilidade fiscal-monetária cimentada nos anos de governo FHC: "Uma forma de demonizar é esquecer", alude o antropólogo, que não tem dúvidas: a força do filme será imensa no pleito de 2010.

"Achei a história superinteligente: Lula não chega à presidência. Essas coisas amedrontam-me. É assim que se constroem seres humanos intocáveis."

Carlos Gerbase, professor de cinema da PUC-RS, alega que a imagética popularidade de Lula (que subiu para 78,9%, de acordo com a última pesquisa CNT/ Sensus), a qual enseja o debate sobre a recém-lançada cinebiografia, não deriva de sua obra política, tampouco dos erros ou acertos de sua administração.

A explicação "semiótica", na visão dele, não é racional.

"Inconsciente coletivo, irracionalidade e 'forças subterrâneas' são acionadas sempre que o ser humano vai tomar uma decisão, o que inclui escolher seu presidente. Lula é 'quase invencível' porque está prestes a cumprir uma jornada inteira como herói", Gerbase explica.

Sem focar-se exatamente na vida partidária do presidente da República, Lula, O Filho do Brasil – filmado em dois estados (Pernambuco e São Paulo), sete cidades e 70 locações ao custo de R$ 16 milhões – viaja pelos itinerários da trajetória humana de Lula: o longa enquadra as profundas transformações pessoais sofridas pelo ex-metalúrgico, do ingrato sertão pernambucano, onde nasceu, à periferia de Santos, onde cresceu, aos tempos do sindicalismo no ABC paulista.

Além disso, outras tantas situações arquetípicas da vida de Lula, como o simbolismo do recebimento do diploma de torneiro mecânico no Serviço Nacional da Indústria (Senai), em 1961; a eleição para a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, no final dos anos 70; o célebre discurso (sem sistema de som) em São Bernardo do Campo, quando os 80 mil operários reunidos no estádio lotado da Vila Euclides repetiram em uníssono suas palavras, a fim de que todos ouvissem sua mensagem.
Na trilha-sonora, canções de Tim Maia e Roberto Carlos são romântico contraponto ao chumbo militar e, além de tudo, ajudam a suavizar passagens traumáticas da biografia do presidente. Uma dessas passagens, contida no filme, é morte de sua primeira mulher, Lurdes (interpretada por Cléo Pires), e do bebê que ela gestava.
Apesar do quorum oposicionista ainda não ter visto a película, a possível influência que Lula, O Filho do Brasil terá sobre a sucessão presidencial, em 2010, já divide a opinião de analistas políticos, oposição e governo.
Posicionado ao centro dessa querela, o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), conterrâneo do presidente, presume que o filme terá dois efeitos nas eleições:
"Será neutro ou, quem sabe, até negativo para a candidatura de Dilma Rousseff. É mais provável que seja negativo. Mitificando Lula, o filme distância a ministra do presidente", teoriza. Sem o carisma e sem a história de vida do presidente, demarca Jungmann, Dilma não encontra-se à altura de receber a transferência de devoção, isto é, de votos do 'mito' Lula".
Opiniões não faltam - e o meios para propagá-las também não. A senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) declarou, por meio do Twitter, que o longa-metragem sobre o presidente "confunde ficção com realidade":
"Se no tempo de FHC ousassem fazer um filme sobre a sua história, o PT iria fazer passeatas na frente dos cinemas. A exibição de Lula, O Filho do Brasil, neste momento, pode ser legal, mas não é moral", escreveu.
Demóstenes Torres, senador pelo DEM de Goiás, preferiu não comentar o teor da fita antes de assisti-la. Entrementes, sugeriu o senador, o filme poderia ser exibido após o término do governo Lula: "A Justiça deve atuar para coibir a antecipação de campanha".
A idéia para a produção do longa surgiu em 2007, quando a possibilidade do tereceiro mandato mantinha-se de pé.
A centelha do projeto foi o livro Lula, O Filho do Brasil, da jornalista paulista Denise Paraná – originalmente uma tese de doutorado que resultou no homônimo roteiro –, 100% financiado pela Fundação Perseu Abramo, instituição pertencente ao PT.

Para David Fleischer, cientista político norte-americano e professor da Universidade de Brasília (UnB), caso o novo mandato fosse possível, Lula seria reeleito em 2010 impulsionado por seus 80% de popularidade.
O filme, portanto, tornaria-se dispensável "artífice" eleitoral: "O longa açoda mais ainda o culto à personalidade de Lula, entretanto não surtirá impacto sobre a candidatura de Dilma Roussef", prevê.
Desde 2002, quando o volume Lula, O Filho do Brasil (resultado de mais de 100 horas de entrevistas que Denise fez com Lula) foi publicado pela primeira vez, a obra ganhou três reedições patrocinadas pela editora Perseu Abramo.
Recentemente, a editora Objetiva transpôs o estudo para uma versão light, sem academicismos e mais fidedigna ao roteiro de cinema.
Nilmário Miranda, presidente da Fundação Perseu Abramo e ex-Secretário Especial de Direitos Humanos, rende elogios à "maturidade" de Lula ao rejeitar a opção do terceiro mandato, cuja manobra política implicaria numa mudança drástica na Constituição.
Portanto, como Lula não é candidato, o filme não serviria para somar votos: "Dilma nem é personagem do filme", realça Miranda.
O presidente do PT, Ricardo Berzoini, acredita ser pouco provável que o eleitor associe política a um filme que sequer retrata a vida partidária de seu famoso protagonista. "Óbvio que é sobre a vida de um homem que os brasileiros conhecem bem, hoje com alto grau de popularidade", ele reconhece.
Berzoine afirma que Lula não carece mais aprovação ("é muito difícil ultrapassar 80% de popularidade") e que são "normais" as investidas da oposição contra a película. "Tudo vira motivo quando faltam argumentos", dispara o político, que, aos adversários, sugeriu que realizassem um filme sobre FHC.
No exame do presidente do instituto de pesquisa Vox Populi, João Francisco Meira, a premissa de que o filme irá influenciar o vindouro pleito, além de exagerada, é ingênua. Mesmo que atinja média de cinco milhões de espectadores, como ambicionam seus produtores, Meira destaca que o eleitorado brasileiro é composto por mais de mais de 130 milhões de pessoas.
No máximo, calcula, o filme tocaria 2% ou 3% desse eleitorado. "Nem todos vão sair do cinema com sua posição política alterada: na prática isso não existe", diz.
Na interpretação de José Ferreira da Silva, o "Ziza", irmão de Luiz Inácio (também apelidado de Frei Chico), sempre será dado caráter eleitoreiro a tudo o que o irmão fizer: "Se ele erra, toma porrada. Se faz coisa boa, idem".
Tal consciência, em seu julgamento, faz parte do processo cultural da classe política nacional: "Tudo é político", sintetiza Ziza, que é retratado no filme.

Glória Pires, cuja dramaticidade conferida ao papel da mãe de Lula, Dona Lindu, garante momentos de excelência artística da produção, enxerga na "mensagem" do filme muito mais humanidade do que política.
Na pele de Dona Lindu, a atriz acha que as especulações em torno do longa criam muita confusão. Em especial para famílias dos retirantes, ela entende o filme como uma "injeção de auto-estima": "A história comprova que é possível agir contra circunstâncias desfavoráveis", ela defende.
Luiz Carlos Barreto, o Barretão, produtor e pai de Fábio Barreto enxerga na aventura uma "obra de arte", cujo enredo estaria mais para a clássica história do pobre menino que alcança a majestade. "As pessoas interpretam. Lula não é candidato a nada. Sua história não quer dizer que o credencie como um ser onisciente e onipotente".
Barretão ainda afirma que o filme vem sendo contestado até por certas alas do PT, por não tratar de política e, tampouco, da fundação do PT. "Estamos levando fogo dos dois lados", afirma.
Para Denise Paraná, que trabalhou como assessora de Lula em 1990, o impacto do filme sobre as eleições será nulo. Ela conta que a idéia para seu livro (cujo enfoque foi personalidade de Luiz Inácio da Silva de 1945 a 1980) surgiu quando escrevia sua tese de doutorado sobre outro assunto.
"Um dia ele botou água no copo e, espantado, falou: 'É água mineral'. Respondi: 'É, água da torneira é muito ruim'. Ele disse: 'É porque tu não sabe o que é tomar água do chão junto com o gado'".
Denise então pediu a Lula que, se ele concordasse em ser entrevistado, ela abandonaria a tese na qual vinha trabalhando: "Só se você me ajudar entender como eu nasci e surgi", ele respondeu. "Ao contrário do que a imprensa vem afirmando, ele nunca pediu nada, seja para fazer a tese ou para realizar o filme", garante.
Falando de Pernambuco, terra natal do presidente, o ator Ruy Ricardo, que encarou a missão de encarnar Lula nas telas, ainda fala, anda e gesticula como o personagem. "É uma história necessária", ele diz, rechaçando a suposta da influência nas eleições presidenciais:
"Se o filme tivesse sido lançado há dois anos, diriam a mesma coisa. Que opção temos: não contar a história? É uma história mais brasileira do que política".
O pleito presidencial de 2010, provavelmente, não privará o diretor Fabio Barreto de suas noites de sono. Por enquanto, o que pode ameaçar a tranquilidade do cineasta é a superlativa quantidade de negativas avaliações de Lula, O Filho do colhidas na imprensa.
Desde a conturbada pré-estréia, que abriu o 42° Festival de Cinema de Brasília, as críticas choveram de todas as partes. Barreto, contudo, não se importa. "Não tenho muito o que responder à crítica", diz. "É meu melhor filme, o mais maduro até agora. Em Recife, foi ovacionado de pé por duas mil pessoas. Essa informação não saiu em lugar algum".
Na capital federal, o diretor mede – mesmo a despeito dos mornos aplausos recebidos pelo filme, ao término da sessão –, a receptividade foi muito boa: "Estou muito feliz porque, para o bem ou para o mal, o filme foi assunto no país. Não tenho medo da crítica, sou gato e escaldado".
No entanto, para garantir leveza ao filme, Barreto fez concessões a alguns episódios constroversos da biografia do presidente: como o fato de, aos 29 anos, ele ter abandonado a então companheira Miriam Cordeiro quando ela completava seis meses de gravidez.
A passagem, descrita no livro de Denise Paraná, foi cortada do filme. Outros fatos, por sua vez, foram amenizados. Um deles é aquela no qual Lula reage com frieza diante à morte de um gerente de fábrica que, tendo baleado e matado um operário durante um piquete, foi arremessado por grevistas do alto de um sobrado.
Na dissertação original, Lula confessa que chegou a pensar ser aquela uma "reação por justiça". Apesar da violência com que é apresentada no filme, a cena mostra Lula questionando aos brados o irmão Ziza:
"Aquele desgraçado tava melhor do que nós? Precisava jogar ele lá de cima?".
A verossimilhança histórica de certas passagens do filme, como aquelas que se desdobram no campo minado da ditadura militar, quando Lula liderava o movimento sindical, também não foram poupadas pela crítica.
Barreto defende-se: "Discordo que o filme abrande esse capítulo da história. E, ainda assim, não é um filme sobre a ditadura. É a respeito Lula e sua mãe, embora fale-se dos milicos o tempo inteiro".
Ainda na questão das "inverossimilhanças", há quem ache que o roteiro valha-se de ingredientes para chamar atenção do espectador. "A narrativa é uma coisa; o filme é outra", arrazoa Ziza.
A história contada na película, na ótica da personagem que "esteve lá", é realista. Nem todas as passagens, porém, observa o imão de Lula, são totalmente verazes.
"Não se pode voltar ao passado. Mas nada foi inventado. Aliás, os arrochos que nossa família enfrentou na vida real foram muito piores".
Mas a crítica não é a principal inimiga do filme. Para o diretor, os políticos "falam mais besteira ainda". "Tasso Jereissati, por exemplo, disse que o filme entrará em dois mil cinemas quando, na verdade, são 500 salas".
O senador Álvaro Dias (PSDB/PR) também andou dizendo que a produção gastou dinheiro público, porém, contesta o cineasta, o orçamento do filme não conta com tostão algum dessa fonte.
"A grana vem toda de empresas privadas; elas põem seu dinheiro onde bem entenderem".
Barretão pai completa conta que, em 2003, sua empresa, a LC Barreto, começou a imaginar o longa-metragem ao adquirir direitos do livro Lula, O Filho do Brasil. Foi ele, aliás, quem fez a primeira leitura do estudo de Denise Paraná.
A captação de recursos Lula, O Filho do Brasil, que abriu mão de leis de incentivo de renúncia fiscal, explica Barretão, ocorreu pouco a pouco. Pelo menos 50% do dinheiro gasto no filme teria sido oriundo da economia do cinema.
A Europa Filmes, maior investidora, entrou com R$ 2,5 milhões. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) – instituição na qual Lula formou-se torneiro mecânico em 1963, engordou o orçamento com mais R$ 2 milhões.
Prevendo o sucesso da película, a Rede Globo comprou os direitos de para exibíção na TV aberta; o Canal Brasil adquiriu os direitos para exibição no circuito fechado. Por conta das eleições, o filme só irá ganhar as telinhas a partir de 2011.
A engenharia financeira que alavancou o filme, assegura Barretão, não dependeu só de investidores "extra-cinema". Muitos investimentos vieram de linhas de financiamento contraídas pela LC Barreto.
Nenhum banco, segundo o cineasta, pôs dinheiro no longa. "Nossos investidores são empresas que têm noção de marketing", diz. Rebatendo acusações de que – para os padrões nacionais – o orçamento total do filme (R$ 16 milhões) é perdulário, Barretão cita o cinemão hollywoodiano.
Ele lembra que Velocidade Máxima, por exemplo, captou US$ 60 milhões só em merchandsing: "No Brasil isso vira crime!", ele protesta, afirmando que, no país, ocorre um natural deslocamento de verbas publicitárias que migram indiretamente para o "mercado dramaturgico":
"São mais de R$ 7 bilhões de dólares que estão sendo aplicados na TV e no cinema!".
Até agora, o orçamento de Lula, O Filho do Brasil é o maior que um filme brasileiro reunir em todos os tempos. Desde a realização do roteiro, filmagem e finalização, custou R$ 12 milhões; os demais R$ 4 milhões custearão as etapas do lançamento comercial.
A produtora-executiva Paula Barreto relaciona os altos custos à utilização de mais de 120 atores à contextualização das diferentes épocas retratadas.
"As cenas de multidões, no estádio e na igreja, e da cena inundação, na qual pusemos uma favela dentro de um lago regado à chuva artificial, foram muito onerosas", ela cita.
Paula recorda ainda que uma cena de desabamento – que, num só dia, consumiu R$ 100 mil – acabou ficando de fora da versão final porque os produtores julgaram-na "surreal demais" - apesar da veracidade dos fatos.
Dos R$ 12 milhões iniciais, R$ 3 milhões ficaram na pós-finalização do filme (imagens, trilha, edição sonora); o restante dos R$ 9 milhões foi dividido entre desenvolvimento de roteiro, preparação e filmagem.
O dinheiro, ainda assim, faltou.
"Estamos saldando dívidas de produção", explica a produtora, que acredita que as obrigações acumuladas serão pagas com o retorno financeiro do longa a partir de 1 de janeiro, data marcada para estreia no circuito comercial.
"Até agora, e apesar de todas as polêmicas", ela confessa, rindo, "Lula, O Filho do Brasil está no devedor".
*Na foto: adolescente Luiz Inácio da Silva (segundo da esquerda para a direita), na época em que estudou para torneiro mecânico no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

i'M a dUDE!

Dois queridos álbuns da minha coleção de rock foram descaradamente roubados há alguns anos. Nunca mais os achei: seja fuçando nas lojas que não mais frequento (por causa dos preços de primeiro mundo) ou nos labirínticos Jardins dos Downloads.
Na maior cara de pau, me surrupiaram Another View (Verve, 1967-1969), do Velvet Underground. Na festa do meu aniversário... O ladrãozinho está numa das "grandes bandas" do rock brasileiro - é o que dizem por aí.
O malandro, inclusive, havia "roubado" as namoradas de uns conhecidos, em Porto Alegre. Os corações partidos rogaram-lhe tanta praga que a criatividade do grupo, de fato, é só ladeira abaixo.
Mais de uma vez o flagrei com o álbum na mão. Comentava com os outros capangas (que nunca tinham ouvido falar):

- Esse é o disco que falei pra vocês! É esse é o disco...
Esse nem para download achei mais. Toricamente, no dia do meu aniversário eu deveria estar ganhando alguma coisa; não perdendo. Mas, o que Another View tem de tão bom, afinal, a ponto de alguém querer roubá-lo?
Velvet Underground, ora. E quer mais?
Nesse álbum estão as melhores versões de "We're Gonna Have a Real Good Time Together", "Coney Island Steeplechase" e "Hey Mr. Rain". Músicas que dão vontade de comer, na maior larica. São "trufas de chocolate" assadas nos porões da Factory de Andy Warhol.
All The Young Dudes (1972), do Mott the Hoople, foi outro álbum que algum esperto gatuno "levantou" de minha discoteca. Nem desconfio quem tenha sido. Talvez esteja lendo esse texto agora. Se estiver, por favor: devolva-o.
O mais foda é que, nos idos de 1993, além da espera comprar álbuns importados era sacrifício econômico dos mais heróicos para qualquer jovem. Até para o com grana.
A situação daqueles miseráveis tempos era simples. Resumia-se entre "ou comer ou beber": com o capital de um disco saía-se para beber umas cervas (e tentava-se jantar uma fêmea) ou, então, comprava-o para ouvir em casa de cara - e, pior, solito.
Há uns 15 anos, quando o rock ainda não estava na moda (fora o grunge e o hard rock pouser), era mais fácil achar uma virgem do que conhecer uma companhia feminina para ouvir Mott The Hopple juntinho de você. Hoje dá.
Outra opção era curtir o novo som com os camaradas roqueiros: invariavelmente durangos, porém, sempre comparecedores com aquele "salvador da pátria". Essa sociedade eu mantinha com o legendário Willian Caveman, vulgo "Pancadão".
Jairo comercializava seus fanzines punk por R$ 1 para comprar ganja e ouvir rock. Saudoso amigo, Caveman morreu no ano retrasado.
A gente ouvia All The Young Dudes, que ele curtia pacas, sempre a tarde. Fumávamos inúmeros fanzines movidos pela combinação coff'and'cigarrets.
Pensando bem, esperar por um disco importado obrigava o fissurado roqueiro a investir sua grana num disco o qual - comprovadamente - deveria ser muito bom. Senão, a roubada poderia ser daquelas.
Esse, atualmente, é um dos pontos que, diante das facilidades para se conseguir música grátis, "velha ou nova" (anacronia que esvaziou seu sentido, hoje) chamam atenção.
No passado ou no presente, é tanta coisa disponível que nem tudo, nem mesmo menos da metade de um terço, pode ser ouvido de maneira acurada: impossível. Deve ser por causa disso que o ruim é superestimado e o bom substimado, muitas vezes.
Quase quatro décadas de paradigmas estético-tecnológicos sofridos pelo rock'n'roll, tem um predicado que, eternamente, abrilhantará All The Young Dudes: a produção de David Bowie.
A história é conhecida. No começo dos anos 1970, o Mott the Hopple (banda inglesa com antecedentes no r&b e no hard rock) estava na pior. Porém, pegaram carona na onda glitter e deram-se muito bem.
Fã do Mott, Bowie os resgatou do limbo com seu "toque de Midas". De presente, compôs o hit maior do Mott, "All the Young Dudes".
Se Bowie, hoje, não dita mais tendência cabe lembrar, no entanto, que, de Hunky Dory à Let's Dance, deu só ele. Uma supremacia pop que reinou sobre a face do planeta.
David Bowie não produzia seus artistas, e só; ele imprimia sua rubrica sofisticada às obras de outrens. The Idiot e Transformer, discos de Iggy Pop e Lou Reed, respectivamente, são quase impossíveis de serem concebidas como não sendo, também, um pouco de sua autoria.
Com o Mott não foi diferente. Bowie emprestou sua genialidade a All The Young Dudes sem, todavia, descacterizar o som alheio com a resplandescência de seu brilho pessoal.
Vamos concordar que seria mui fácil roubar a cena, caso Bowie assim desejasse. O iguana Iggy, cansado de suas intromissões, porém, colou um aviso na porta do estúdio de gravação: "Expressamente proibida a entrada de David Bowie!".
Reza a biografia do Mott que Bowie escreveu "Sufragett City" (petardo protopunk-feminista de Ziggy Stardust) para eles; só que teriam recusado a faixa. Também teriam refugado "Drive in Saturday", balada fifith-glam que Bowie viria registrar - soberbamente - em Aladin Sane (1973).
Laborioso/generoso, Bowie tirou da cartola o potencial hit e deu-o para o Mott: "All The Young Dudes" foi escrita no flat do vocalista Ian Hunter, em Londres, numa tarde. Na mosca: a canção galgou o Top of the Pops.
A letra cita Beatles, Stones e T-Rex, e pode ser definida como a "'All You Need Is Love' do glam rock":
"My brother's back at home with his Beatles and his Stones/We never got it off on that revolution stuff/ What a drag, too many snags".

Anos após o sumiço de All The Young Dudes, noite dessas eis que o desaparecido me ressurge numa versão expandida & remasterizada. Isto é, sumo e suprasumo. O suprasumo são os outakes de "Black Scorpio" e "Ride On The Sun", além das canções gravadas ao vivo.
O disco tem nove músicas. E mais, sinceramente, não precisa. All The Young Duds foi feito para se ouvir na ordem "conceitual" estabelecida (por Bowie?). Abre com a versão pop ultraclassuda de "Sweet Jane", do Velvet Underground, entoada em falsete "cool" por Ian Hunter.
Idéia de Bowie, claro, que, nos anos 70, andava a ressucitar os melhores mortos do período. O álbum atesta a alta envergadura técnica dos caras do Mott The Hoople. A começar por Mick Ralphs, cujas guitarras incendiárias sobressaem-se o disco inteiro.
Quando Ralphs desertou da banda, Ian Hunter teria oferecido mundos&fundos ao parceiro para que regressasse. Ralphs recusou, porém. As recusas são praxe no Mott... O espaço vago foi preenchido por Mick Ronson, outro guitarreiro do Olimpo dos Deuses.
Em sua visão de produção, Bowie uniu as três primeiras canções ("Sweet Jane", "Momma's Little Jewel" e "All The Young Dudes") numa célebre suíte. A música-título vem colada à "Momma's Little Jewel", que termina como se o LP estivesse arranhado. A travessura funcionou muito bem.
Além de bem gravado e bem tocado, todas as canções de All The Young Dudes são magníficas. Certa vez, Lou Reed comentou que adoraria muito que seus álbuns soassem como as gravações realizadas na Inglaterra.
No documentário Best Albuns (Transformer), Reed desconstrói "Satellit of Love" no estúdio e , em detalhes, explica como Bowie montou seus grandiloqüentes vocais na canção. Mais de 30 anos depois, o enrugado Reed só falta chorar de tão "emocionado" ao rememorar o resultado.
All The Young Dudes, ainda por cima, é pop. Quem disseminou que o glam rock é um subgênero está redondamente - para não dizer "quadradamente" - equivocado. Com certeza, é um dos filamentos mais divertidos na sexagenária árvore genealógica do rock.
Na grande carreira de Bowie, a produção de All the Young Dudes é algo a mais. Especialmente, por tratar-se da produção de uma banda que não era da vanguarda, o Mott the Hoople. Depois, porque é sua maior incursão ao hard rock.
"The Sucker": impossível não se envolver pelos movimentos da bateria de Dale 'Buffin' Griffin, que se alternam aos riffs da guitarra de Ralphs. Dale arranca passagens de arrepiar o couro nas viradas.
"Jerkin' Crocus", com seu balanço malvado a la "Get it On", do T-Rex, é como se os Rolling Stones ganhassem peso maior. "One of the Boys" é o ápice. Quem ouviu algum dia sabe do que eu estou falando. A "música do telefone".
O rockão parece que terminará num fade in... E ringe o telefone. É uma típica canção do Mott, forte como "Violence", do disco seguinte, Mott (1974), ou "All The Way fFom Memphis" e "Rock'n'Roll Queen". Substimei "Soft Ground" por muito tempo: achava-a "progressiva demais". Mas estava enganado.
"Ready For Love/After Lights", dueto vocal/guitarrístico entre Ian Hunter e Mick Ralphs, antecipa o som do Bad Company, grupo que Ralphs montou com Paul Rodgers, do Free, após ter deixado Hunter na mão.

Para fechar um grande álbum de glam rock, nada mais apropriado do que uma baladona. "Sea Diver" navega na melhor tradição (e pungência) de "Lady Stardust", "Life's a Gas" e "Rock'n'Roll Suicide".
No grande finale, o "Aranha de Marte" Mick Ronson teceu sutis arranjos de orquestra e piano. Do jeito que fez em "Walk on Wild Side", canção que, por milésimos, não fez Lou Reed lacrimejar.
Quase um milagre.

LINE UP
Verden Allen – orgão, backing vocals
David Bowie – saxofone
Dale 'Buffin' Griffin – bateria
Ian Hunter – guitarra, piano, teclado, vocal
Mick Ralphs – guitarra
Mick Ronson – cordas, arranjos
Pete "Overend" Watts – baixo

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