domingo, 15 de abril de 2012

pEIXE vIVO

Romário já foi o melhor jogador de futebol do mundo. Hoje, fora do habitat, é um dos deputados federais de maior destaque em Brasília. Quantos gols mais ele ainda pretende marcar na vida?

POR CRISTIANO BASTOS
FOTOS: MURILLO MEIRELLES


Favela do Jacarezinho, zona Norte do Rio de Janeiro, meados dos anos 50. O rádio, aparelho sagrado nos lares brasileiros, está sintonizado no prefixo PRE-8, no programa César de Alencar, o mais ouvido do Brasil.

No horário das 15h, a grande atração era intelectual: o fenômeno "Romário, o Homem Dicionário", célebre pelo vasto vocabulário, que para amplificar o mistério em torno de si ornava a cabeça com turbantes indianos e se fantasiava com vestes exóticas.

A semana inteira, os ouvintes estudavam palavras difíceis para desafiá-lo.

Qualquer um do auditório podia perguntar: "Seu Romário, o que significa 'zíngaro'?"

Ele concentrava-se por instantes e respondia:

"Cigano, ou boêmio."

"Uma salva de palmas!", comandava Alencar. A claque delirava.

Outro desafiante tirava um papelzinho do bolso e investia:

"Me diga o que quer dizer 'helíaco'."

Em tom professoral, Romário respondia: "Diz-se do nascimento ou ocaso de um astro".

Ninguém jamais embolsou o polpudo prêmio que seria pago a quem apresentasse um vocábulo desconhecido para o craque das letras. Reza a história de que não houve sequer uma vez em que ele tenha errado. Romário era imbatível com as palavras.

Dono de espirituosas tiradas, o jovem Edevair de Souza Faria era tão fiel ao programa radiofônico quanto ao América Futebol Clube, seu time do coração. Recém-casado com Manuela Ladislau Faria, a dona Lita, ele buscava um nome importante para batizar o filho que se encaminhava. E não pensou duas vezes em batizar o rebento com o nome do ídolo do rádio.

Romário de Souza Faria foi escalado por "Papai do Céu" (como ele gosta de dizer) para entrar em campo no dia 29 de janeiro de 1966. E, tal qual seu homônimo, predestinava-se a acertar incontáveis vezes ao longo da vida. Mas, ao contrário do imbatível Homem Dicionário, a errar outras tantas também.

"Sou bem diferente do Homem Dicionário. Porque de vez em quando eu erro, né?", assume o baixinho, do alto de seu 1,69 m. Porém, não é preciso dizer que a fama do proverbial "peixe" foi bem mais longe.

Da Holanda ao longínquo Qatar, nos Emirados Árabes, o nome de Romário – e suas façanhas – correram o mundo. Apelidos não faltaram: "Gênio da Grande Área", "Reimário", "Romágico". Em 2001, sua marrentice foi satirizada na Escolinha do Professor Raimundo de Chico Anysio, com a paródia "Ramório".

Os fãs, para recordar os feitos heroicos nos 11 clubes para os quais o jogador emprestou sua arte (cronologicamente: Estrelinha, Vasco da Gama, PSV Eindhoven, Barcelona, Flamengo, Valencia, Fluminense, Al-Sadd, Miami, Adelaide United e, realizando o sonho do falecido pai, o adorado América, pelo qual disputou uma única partida), instituíram, em 11 de novembro de 2011, o "Romarian Day."

Atualmente fora dos gramados, palco habitado profissionalmente por mais de 20 anos, é no minado campo da política nacional que, até 2015, o deputado federal Romário disputará suas partidas. Em uma chuvosa tarde de terça-feira de março, ele está sentado relaxadamente em seu escritório abafado de 40 metros quadrados, no anexo da Câmara dos Deputados.

O número do gabinete (411) alude ao cabalístico 11 da camisa com que inúmeras vezes se sagrou campeão. Vestindo o amarelo da seleção, o centroavante – escudado pelo parceiro Bebeto – foi o expoente decisivo da conquista do tetra na Copa dos Estados Unidos, em 1994. Na estante no canto, descansa uma réplica da Taça Fifa que ele levantou em 17 de julho daquele ano.

Amaury Jr., veterano colunista televisivo, também está na sala, e quer saber de Romário se ele frequenta as baladas de Brasília. "Já tive bastantes fraquezas", ele confidencia.

Durante o expediente, de terça a quinta-feira e sem hora para terminar, o gabinete é assolado constantemente por políticos, representantes de entidades e toda sorte de pessoas em busca de algum tipo de apoio.

Pedem desde autógrafos, cessão de imagem, passagens e, se for possível, até dinheiro vivo. Em cima da mesa, uma pilha de objetos (livros, fotografias, fardamentos oficiais) o aguarda para que neles Romário eternize o autógrafo. A maior parte do material é relacionado ao Vasco, flâmula com a qual os torcedores mais o identificam.

O telefone toca intermitentemente. Uma das ligações, revela a secretária, é de Andrew Parsons, presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro. "Precisa urgentemente falar com o deputado", ela explica.

Coberta por fios prateados, a cabeça de Romário não esconde a calvície. Em 2007, quando atuava pelo Vasco, a queda de cabelo chegou a levá-lo à suspensão de 120 dias nos jogos do Campeonato Brasileiro. Tudo por causa da loção Propécia (para o combate da queda de cabelo), que contém a substância finasterida, proibida pelo Controle de Dopagem da CBF.

"Se [o remédio] fazia algum efeito era ao contrário, pois eu corria cada vez menos e fazia menos gols. Até brinquei, na época, que era o 'doping do Paraguai'", diz, acariciando a cabeça e esboçando um raro sorriso (na verdade, ele é “tímido”, garante a assessora).

Na ocasião, Romário está trajando um bem cortado terno Armani azul-petróleo riscado com listras brancas. Embora tenha cursado dois períodos de educação física na Universidade Castelo Branco (RJ), poucos sabem que ele também estudou Design de Moda na faculdade Estácio de Sá, visando ser "estilista de moda masculina e feminina".

É elegante e vaidoso, mas não se considera metrossexual. E, ainda que carregue marca de furo na orelha, ao menos na vida pública dispensou o clássico brinquinho. Ligeiramente caídos e avermelhados, os olhos estão sempre atentos, como se vigilantes, e a língua, levemente presa, permanece afiada. Romário atende o celular, fala rapidamente e, após desligar, volta-se em minha direção.

"O cara ligou pra avisar que hoje vai ter uma reunião pra decidir se vai ter uma reunião amanhã. Foda, né?"


*Leia a reportagem na íntegra.

rOLLING sTONE 67

quinta-feira, 8 de março de 2012

eLAS qUEREM mAIS pODER

No ano em que se completam oito décadas da instituição do voto feminino no Brasil, a presença de mulheres em cargos políticos ainda deixa a desejar


POR CRISTIANO BASTOS
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR


“Ô abre-alas/ que eu quero passar!” 


Até hoje ecoa o inesquecível refrão da primeira marchinha a estrear no Carnaval, composta por Chiquinha Gonzaga (1847-1935) em 1889, o ano da Proclamação da República.

De caráter simbólico, o hino realmente abriu alas: feminista, abolicionista e também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, Chiquinha morreu empunhando o estandarte da batalha pelos direitos autorais dos músicos.

Politicamente, ela pôs na rua a comissão de frente para as gerações de mulheres que a sucederam no tempo e na história.

No rastro do legado de Chiquinha, em 24 de fevereiro de 1932, as mulheres conquistaram o direito, até então somente masculino, de exercer a participação política como eleitoras e candidatas. E, um ano depois, escolheu-se por meio do voto a primeira deputada federal brasileira: Carlota Pereira de Queirós.

Antes disso, as mulheres eram consideradas "menores de idade", como os índios – sem direitos mínimos e elementares, como trabalhar fora de casa.

O cenário mudou radicalmente, em 2010, quando Dilma Rousseff tornou-se a primeira mulher presidente do Brasil. Mas nosso universo político continua a dever para o gênero feminino. É recente, na verdade, a "maioridade" da mulher nos meandros da política nacional.

O grande marco é de 24 anos atrás, na Assembleia Constituinte, que determinou a ampliação dos direitos civis, sociais e econômicos da mulher.

Em 2012, as diferenças ainda gritam. As mulheres, as quais representam mais da metade do eleitorado brasileiro, possuem representações mínimas na Câmara dos Deputados, no Senado e nas assembleias legislativas.

Na Esplanada, devido à onipresença de Dilma, esse número é melhor, porém relativo: apenas 26% dos ministérios são administrados por mulheres em áreas importantes.

A seguir, seis convidadas especiais – três deputadas, uma senadora, uma prefeita e uma ministra – discorrem sobre a atual situação da mulher na política brasileira. Embora as opiniões toquem nas mais variadas feridas, todas elas concordam: é preciso, com sensibilidade, dividir o poder com os homens.


GLEISI HOFFMANN 
Ministra da Casa Civil

"A mulher só conquistou seu direito ao voto em 1932. Menos de 100 anos depois, temos na presidência da República uma mulher e o governo federal composto por um número significativo de mulheres. Considerando o espaço de tempo, podemos dizer que foi um avanço sem precedentes na história.

Do ponto de vista da representatividade da mulher, ainda estamos muito atrás. Somos mais da metade da população, mais da metade do eleitorado e temos sub-representação política. É por isso que buscamos, na reforma política, cota mínima de participação. Uma tentativa de acelerar a equidade de gênero.

Não podemos deixar de lembrar: é claro que, graças à participação da mulher na política brasileira, temas que dizem respeito às crianças, adolescentes, mulheres e idosos foram inseridos na pauta das ações do governo.

Aquela mulher que antigamente se encerrava na esfera doméstica hoje representa um diferencial na política brasileira. As questões que passam pelas mãos das mulheres acabam beneficiando toda a sociedade. Brigamos pelo direito a uma licença-maternidade e conquistamos, a duras penas, uma lei que nos protegesse da violência doméstica.

Até a mulher entrar na política, projetos de creches e de educação infantil não existiam. Hoje, o país oferece mais oportunidades para a mulher trabalhar fora de casa e poder compartilhar os cuidados com os filhos com as escolas e creches.

A mulher é uma figura do consenso, do diálogo. São valores femininos. Não digo que somos melhores nem piores do que os homens. Mas também não somos iguais. Não somos de entrar em disputas, só para brigar. Estabelecemos consensos, ouvimos, partilhamos.

Temos hoje à frente da nação um grande exemplo de uma mulher que faz a diferença. Uma pessoa forte, determinada e comprometida com o desenvolvimento do Brasil. Sabemos que manter o país na rota de crescimento traz inúmeros desafios. E a cada dia vemos as esferas de oportunidades se ampliarem com as ações conduzidas pela presidente Dilma.

Enfim, nós, mulheres, já conquistamos mais espaço e hoje temos voz na vida política. Nosso olhar feminino faz diferença. Diante das grandes conquistas e avanços proporcionados por nós, continuo defendendo a presença feminina no espaço público. Acredito que aumentando a participação da mulher na política brasileira os ganhos para o país serão maiores.


*Você lê essa reportagem na íntegra na edição 66 ou no site da Rolling Stone.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

lIÇÃO dE cASA pARA o fUTURO

Pela terceira vez, o Brasil lança um plano para exterminar o analfabetismo. As dificuldades, porém, vão muito além das salas de aula

POR CRISTIANO BASTOS
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR


Em 1962, ano em que o Brasil conquistava o bicampeonato mundial de futebol no Chile e os compositores Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes eternizavam “Garota de Ipanema”, o panorama educacional brasileiro, no cenário pintado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, era "calamitoso".

Então ministro do presidente João Goulart, Ribeiro traçava o Primeiro Plano Nacional de Educação, o qual listava uma série de medidas emergenciais para salvar a educação no país. Entre outras ambições, ele desejava alfabetizar, até 1970, todas as crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos.

Na época, o Brasil amargava o pior índice de iletrados de toda a América Latina: um exército de 5,8 milhões de analfabetos – o que representava 39% de toda a população nacional. Mas um golpe de Estado, cujo comando militar tramava obscuros "planos", enterrou definitivamente o projeto dois anos depois.

Hoje, o Brasil é um dos motores econômicos do mundo, passou a ser a sexta economia global e, antes de 2015, deverá ultrapassar a França e garantir o quinto lugar (conforme as projeções do Fundo Monetário Internacional).

Com tanta pujança, é gritante, entretanto, a defasagem do sistema educacional, se comparado ao momento econômico vivido pelo país. De fato, ainda é impossível comparar a educação no Brasil com os níveis de formação profissional das nações mais desenvolvidas.

O setor já vingou inúmeras melhoras, mas os números continuam falando por si próprios.

É o que mostra a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual 3,7 milhões de crianças e jovens (de 4 a 17 anos) estão fora da escola.

As estatísticas não são muito alentadoras. Por exemplo, caiu em apenas 0,3 ponto percentual a taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais. Em 2008, o índice foi de 10% e, em 2009, de 9,7% – no total, ainda há 14,1 milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever.

Para a superação dessas deficiências históricas, uma das propostas que poderá soprar ares renovados a esse panorama é o novo Plano Nacional de Educação (PNE), feito para vigorar no decênio 2011/2020.

Encaminhado pelo governo à Câmara dos Deputados por meio do projeto de lei 8035/2010, o projeto foi entregue, em Dezembro de 2010, ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo ex-ministro da Educação, Fernando Haddad.

A comissão especial que analisa o PNE em plenário marcou para este Fevereiro a apresentação do texto final, que deverá ser votado em março. Após a aprovação, segue para o Senado e, caso avance, vai para a sanção presidencial.

"Fizemos um projeto", explica Haddad, "com metas para serem aplicadas e honrarem a sociedade. Mas, se chegarmos a 2020 com metade delas não cumpridas, ele [o PNE] perderá credibilidade. Queremos aprovar um plano amadurecido e factível e exigimos um esforço adicional", conclama o ex-ministro, agora candidato à prefeitura de São Paulo, que recém-entregou o cargo ao titular da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.


Você continua lendo esta matéria na edição 65 da Rolling Stone Brasil, Fevereiro/2012.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

o mAIOR pROBLEMA dE tODOS*

A corrupção faz parte da rotina da sociedade brasileira há mais de 500 anos. Será que um dia o país se permitirá extrair esse mal de suas entranhas? 

POR CRISTIANO BASTOS – ROLLING STONE 
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

"Se há reis ladrões, é questão muito arriscada. Certo é que os há e que não furtam ninharias. Quando empolgam, são como as águias reais, que só em coisas vivas e grandes fazem presa".
Atribuída ao jesuíta Manuel da Costa (1601-1667), a obra A Arte de Furtar, de 1652, foi oferecida ao rei D. João IV e a D. Teodósio, o príncipe do Brasil. Seus manuscritos, como sugere o título, não ensinam a roubar.
Denunciam, todavia, que a malversação de dinheiro público era prática comum no Brasil Colônia – a corrupção veio a bordo das caravelas e ancorou-se na história do país desde o Descobrimento.
Em 1516, empossado capitão da Costa Brasileira, o lusitano Pero Capico foi enviado pela coroa portuguesa à novíssima terra com a missão de evitar desvio de direitos reais sobre o comércio de açúcar, pau-brasil e escravos.
A passagem é emblemática. Capico desembarcou pobre no Brasil e, dez anos depois, voltou rico a Portugal. Com muita ironia, o padre Antônio Vieira (1608-1697) também escreveu sobre os governantes coloniais:
"Eles [as autoridades] chegam pobres nas Índias ricas e voltam ricos das Índias pobres".
Passaram mais de 500 anos de história, mas o quadro ainda é, praticamente, o daqueles tempos. Se não piorado. A despeito da estabilidade econômica e dos inegáveis avanços sociais conquistados pelo Brasil, a corrupção continua reinando firme no "país do caixa 2". 
Em pouco mais de nove meses de mandato, a presidente Dilma Rousseff teve de nadar contra a corrente de indesejáveis crises políticas, em virtude de sucessivos escândalos motivados por denúncias de corrupção. Nessa gestação inicial, cinco ministros "bailaram". 
Último a entrar na dança, Pedro Novais (PMDB-MA), do Turismo, foi derrubado na chamada "Operação Voucher" deflagrada pela Polícia Federal (que prendeu mais de 30 pessoas acusadas de desviar R$ 3 milhões, dentre elas o secretário-executivo do Ministério, Frederico Silva da Costa). 
Novais sucumbiu após denúncias, entre outras, de que pagava empregados domésticos com dinheiro do Congresso Nacional. Sua bancarrota moral, porém, foram os R$ 2.156 que pediu de reembolso à Câmara dos Deputados para pagar a conta de um motel usufruído por ele em São Luís (MA).
Caíram antes dele os ministros Wagner Rossi (PMDB-SP, da Agricultura), Antonio Palocci (PT-SP, Casa Civil), Alfredo Nascimento (PR-AM, Transportes) e Nelson Jobim (PMDB-RS, Defesa). Importante observar que três deles pertencem ao principal partido da base aliada do governo, o PMDB. 
O único que não tombou pelos mesmos motivos foi Jobim, o qual, literalmente, "morreu pela boca" após "declarações polêmicas". A respeito do vendaval de escândalos que varreu a paz do primeiro ano de seu mandato, Dilma declarou que o real desafio de seu governo consiste em defender os interesses brasileiros – muito mais do que "solucionar as crises da Esplanada". 
"Meu maior objetivo é desenvolver o país e distribuir renda. O resto eu faço por 'ossos do ofício'. Prioridade são as condições de vida do povo. Faxina é contra miséria", declarou a presidente.
Ossos do ofício à parte, o custo médio da corrupção no Brasil é altíssimo. Tão elevado que daria para resolver o problema da miséria de uma vez por todas. Segundo estudo realizado em 2010 pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), financeiramente, esse "preço" é estimado entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Ou seja, de R$ 50,8 bilhões a R$ 84,5 bilhões. Com os R$ 50,8 bilhões (estimados em um cenário realista) se poderia, por exemplo, aumentar em 138,1% os quilômetros de rodovias brasileiras – as quais passariam, de acordo com a meta estabelecida no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), de 45 mil para 107,9 mil quilômetros.
O número de aeroportos, por sua vez, se elevaria de 20 para 327 unidades. Entretanto, a corrupção não é uma exclusividade brasileira. O Banco Mundial estima que US$ 1 trilhão seja tragado todos os anos pelos corruptos em escala planetária. 
Correspondente a 1,6% do PIB mundial em 2010 (US$ 63 trilhões), o valor supera em 43% o gasto dos Estados Unidos com armamentos (US$ 698 bilhões).
Paradoxalmente à guerra, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que US$ 30 bilhões por ano são suficientes para acabar com a fome de quase 1 bilhão de pessoas ao redor do globo terrestre.
Assim, uma "faxina mundial" em favor da moralidade poderia sumir com a miséria da face da Terra. A berrante diferença entre corrupção no Brasil e nos países mais sérios, contudo, é uma já velha e bastante conhecida: a impunidade.
*Você continua lendo esta matéria na edição 61 da Rolling Stone Brasil, outubro/2011

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

o cAMINHO dAS pEDRAS

Após anos batendo cabeça, o Governo Federal ainda luta para encontrar alternativas na guerra contra a incontestável epidemia do crack

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR


Brasília, 19h. No horário de pico, mais de um milhão de pessoas circulam diariamente pela rodoviária da capital federal. A Praça dos Três Poderes repousa metros à frente, emoldurada pela visão dos monumentais edifícios que guardam o Executivo, o Judiciário e o Legislativo – Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, respectivamente.

Os arredores refugiam, também, a cracolândia mais movimentada do Plano Piloto. O conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer, Patrimônio Cultural da Humanidade, não tombou imune à presença deste que hoje é, possivelmente, o mais agudo dos flagelos sociais brasileiros.

Valdeir Carlos Neves é mais uma dessas "almas químicas" cujas mãos brandem um cachimbo nos quatro cantos do Brasil. Na concretista paisagem, o rapaz baiano de 25 anos fuma crack escondido nas reentrâncias do Teatro Nacional, cara a cara com o poder. Consome mais de 20 gramas por dia.

"Em qualquer canto 'nóis' fuma”, conta, parecendo atribulado.

Ele tem a companhia de Juliana Soares da Silva, 18 anos, que saiu do interior de Goiás para perambular por Brasília atrás da pedra. Ela queima, literalmente, R$ 100 todos os dias, dinheiro que ganha à custa de programas, mas diz sonhar com um emprego.

"Quando a gente ocupa a cabeça com alguma coisa, não pensa em droga", diz. O vício, porém, tem apelo maior. Inquieta, a jovem avista um traficante e, sem paciência para a entrevista, corre ao seu encontro, aos gritos:

"Dá um oxi aí! Um real?"

O flagrante cenário, que não é exclusividade de Brasília, carrega simbologias preocupantes. A mais marcante delas é a inconcebível miopia do poder público diante de tão gritante problema social. Outra, de ordem econômica, escancara a facilidade de acesso que usuários de todas as idades e classes sociais têm ao devastador veneno.

Correndo paralelo à onda de corrupção que assolou o Brasil nos últimos meses, o crack também é uma "pedra no sapato" do Governo Federal. E não é de hoje. A epidemia vem anunciando-se há mais de duas décadas. Começou no governo de Collor (o primeiro registro oficial de uso da droga no Brasil data de 1989), instalou-se no período de FHC e consolidou-se nos anos Lula.

Cabe lembrar que, nas eleições presidenciais de 2010, o combate ao crack foi uma das grandes plataformas alardeadas durante a candidatura de Dilma Rousseff.

"Será uma luta sem quartel", a então candidata garantiu.

Em maio do ano passado, a promessa ganhou reforço fundamental do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, próximo ao fim de seu mandato, decretou o Plano Integrado para Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas.

Os R$ 410 milhões destinados ao plano foram repartidos entre os ministérios da Saúde, Justiça e Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Interministerial, a ação coliga três frentes: combate, prevenção e tratamento.

Mais de um ano depois, todavia, os resultados ainda são timidamente visíveis. Até o presente momento, para utilizar um jargão do meio, a estratégia não "decolou".

Vinculada ao Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), criada em 2004, desde abril vem anunciando a divulgação daquele que deverá ser o "maior estudo sobre usuários de crack do mundo".

Postergado, o levantamento deveria sair em junho, mas voltou a ser adiado. Agora sem data específica, a Senad promete sua publicação ainda para este ano. Realizado com 25 mil usuários de crack em todo o território nacional, o estudo vai traçar o mapa das principais cracolândias brasileiras.

A pesquisa custou R$ 6,9 milhões financiados pelo Plano Integrado e está sendo elaborada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Princeton University.

De acordo com a médica Paulina do Carmo Duarte, diretora da Senad, o objetivo é colher dados estatísticos reais das grandes cidades à zona rural. "Não temos, neste momento, nenhum número exato sobre o consumo de crack no país. O que há, até agora, são meras especulações", ela admite.

À época do lançamento do plano, Lula ainda observou a importância de se contar com números fidedignos sobre a epidemia: “Precisamos acabar com o ‘achismo’ e entender com precisão o problema do crack”, declarou.


*Você continua lendo esta matéria na edição 60 da Rolling Stone Brasil, setembro/2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

eU, cHRISTIANE f., 13 aNOS, dROGADA, pROSTITUÍDA...

Nova edição do notório best seller que chocou no final da década de 70

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE

Não há como negar, entre o público, o mórbido fascínio exercido pelo gênero "literatura da adicção". Embora decadentes, livros autobiográficos, como Memórias Alcoólicas de John Barleycorn, de Jack London, e Junkie, de William S. Burroughs, são obras-primas estupefacientes.

Isto é válido para o best seller Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada, Prostituída... (Betrand Brasil), lançado originalmente em 1978, que agora chega à 51ª edição.

Vera Christiane Felscherinow comprou seu bilhete para o vício pagando apenas pelas drogas "triviais" – haxixe e LSD entre elas –, mas desembarcou na irreversível coqueluche europeia: a heroína ou, simplesmente, "H".

Seu debute foi após ver um show de David Bowie, que lançava na época o álbum Station to Station. Eu, Christiane F. é baseado em depoimentos dados pela adolescente alemã a Kai Hermann e Horst Rieck, repórteres da revista Stern.

Nessa nova tiragem, a capa é estampada, pela primeira vez, com uma foto da "lolita junkie". Para saciar a "fissura" dos curiosos, o volume traz retratos dos parceiros de pico de Christiane, incluindo até um ex-namorado.

O testemunho ainda choca, porém, perto da atual tragédia brasileira, refém da nefasta dobradinha crack/oxi, está mais para a fábula de "Cinderela do submundo".

terça-feira, 12 de julho de 2011

a eRA dOS eXTREMOS

Com discursos radicais e forte tendência ao conflito, políticos como Jair Bolsonaro ganham voz e colocam fogo nos debates ideológicos

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

Desde que o Brasil restaurou a liberdade democrática, há 26 anos, o cenário da política nacional parece ebulir na intensidade de um vulcão que desperta em calorosa erupção. Como em nenhum outro momento da história, o debate nunca foi tão vasto, um sinal de que a democracia está amplamente assegurada.

Nos últimos tempos, respingando em todas as direções, à direita ou à esquerda, inflamáveis questões impregnaram a opinião pública e os noticiários - uma autêntica "fornalha ideológica" na qual ardem temas controversos da atualidade: homofobia, união homoafetiva, cotas raciais, religião, pena de morte.

E, em um déjà vu dos anos militares, até a tortura entrou em pauta.

Mas que novos ares são estes? Afinal, os tempos vivenciados pela política atual não são diferentes dos anteriores, nos quais a democracia reinou no Brasil.

Vale lembrar, contudo, que a política sempre foi o "reino do conflito ou do consenso", conforme reforça o cientista político Octaciano Nogueira, autor da obra Vocabulário da Política.

"Ou buscamos o consenso ou entramos em conflito. Todos gostaríamos de conceber a política como o reino do consenso e não como a predominância do conflito. O conflito, porém, é inerente à política."

Conflito é quase a palavra de ordem para o deputado federal Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ), cuja popularidade foi alçada graças às suas extremadas declarações sobre tópicos polêmicos como homofobia, preconceito racial, tortura, pena de morte e militarismo.

Um militar da reserva, Bolsonaro alardeia abertamente, por exemplo, as "benesses" do golpe militar de 1964. Teria sido, a seu ver, um "glorioso período" da história do Brasil - "Vinte anos de ordem e progresso".

Tão anacrônico quanto o totalitarismo, o parlamentar advoga a favor do uso de tortura em casos de tráfico de drogas e sequestro. "O objetivo é fazer o cara abrir a boca", justifica. Mortalmente radical, por outro lado, é sua solução para crime premeditado: execução sumária.

Incontáveis são as controvérsias com as quais Bolsonaro se envolveu desde que entrou para a política, em 1988. Seu linguajar impetuoso não poupou a presidente Dilma Rousseff, o ex-Luiz Inácio Lula da Silva e, muito menos, o antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

Quando FHC ainda estava no poder, em 2000, Bolsonaro disse que o ex-presidente estava "cometendo um crime" ao governar o Brasil da forma como fazia. Deveria, portanto, "ser fuzilado".

Hoje, o deputado afirma que é preciso analisar o contexto da época - e também levar em conta seu nacionalismo exacerbado:

"Quando FHC privatizou a Vale do Rio Doce, falei que, se vivêssemos num país sério, ele seria fuzilado".

Segundo ele, o lucro da empresa foi de R$ 50 bilhões em 2010. "O que a Vale produziu até hoje para o país? Somente buraco. Tira daqui o que temos de melhor, in natura, minerais, e vende a preço de terra no primeiro mundo."

Na cartilha educativa de Jair Bolsonaro, para "corrigir" filhos com tendências homossexuais, reza um antiquado método: as palmadas. De acordo com ele - que declarou preferir "ter um filho morto em um acidente a um homossexual" -, o propósito seria "mudar o filho gayzinho".

Como era de se esperar, a artilharia pesada fulminou como belicoso petardo entre defensores dos direitos humanos e associações LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). A despeito desse flagrante reacionarismo, é válido lembrar que nenhum político está na Câmara, no Senado ou na Presidência da República sem, antes, receber os votos dos cidadãos.

"Bolsonaro não sobressai por contribuições, grandes pronunciamentos ou pela defesa de reconhecidas ideias democráticas. Ele faz, justamente, o contrário", afirma o cientista Nogueira, para quem o deputado do PP "prega no deserto", ou seja, fala somente para um pequeno segmento de extrema direita.

terça-feira, 5 de julho de 2011

o cORAÇÃO dAS tREVAS

Uma das obras literárias mais influentes de todos os tempos ganha edição bilíngue

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE

Ainda menino, o escritor anglo-polonês Joseph Conrad contemplou o mapa e decidiu, um dia, visitar as profundezas da então inexplorada África. Marinheiro na mocidade, em 1890 o escritor levou a cabo a promessa.

Destino: o Congo, no centro-oeste do continente.

Parte considerável dos romances de Conrad – tal qual as grandes obras do chamado "cânone ocidental" (Moby Dick, de Herman Melville, e Relato de Arthur Gordon Pym, de Edgar Allan Poe) – tem no mar sua abissal "personagem".

O Coração das Trevas, que agora ganha inédita versão bilíngue, porém, navega por vias fluviais. Pela voz do aventureiro Charles Marlow, seu alter ego, o escritor conta magistralmente uma história dentro da história.

Navegando pelas águas do mítico Rio Congo, a missão de Marlow é achar o paradeiro do senhor Kurtz, comerciante de marfim sumido no selvagem coração africano.

É o enredo-base "furtado" pelo cineasta Francis Ford Coppola, a partir do qual o cineasta filmou o inquietante Apocalypse Now, de 1979.

Célebre pela atuação de Marlon Brando como Kurtz, o filme transpôs a congolesa narrativa para o infernal território da Guerra do Vietnã. Não à toa, o livro é tido como uma das maiores obras da literatura universal.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

dOC rESGATA o cARISMA mAGNÉTICO dE lULA cÔRTES

POR PEDRO BRANDT - CORREIO BRAZILIENSE

Zé Ramalho se apresenta hoje em Brasília, no Açougue Cultural T-Bone. No repertório, músicas como Avohai, Frevo mulher, Admirável gado novo e Chão de giz, que ajudaram a fazer o nome do cantor paraibano a partir do final dos anos 1970.

O que muitos de seus fãs não sabem é que, anos antes, Zé já estava na ativa e tinha até gravado disco, o mítico Paêbirú, parceria com Lula Côrtes.

O álbum virou tema de documentário. Zé não quis participar (Paêbirú é um assunto que ele evita), mas aprovou sua produção. Lula Côrtes morreu sem assistir Nas paredes da pedra encantada, longa-metragem que investiga esse que é um dos mais raros discos brasileiros.

O LP duplo Paêbirú - Caminho da montanha do sol (1975) é o primeiro disco a levar na capa o nome do compositor de Avohai. Músico, poeta e artista plástico pernambucano, Luiz Augusto Martins Côrtes morreu em 26 de março, aos 61 anos, em decorrência de um câncer na garganta.

O filme ganhou sua primeira exibição pública em 30 de abril, em São Paulo, dentro da programação do In-Edit Brasil — 3º festival internacional do documentário musical.

Lula morreu em 26 de março, pouco mais de um mês antes da primeira exibição do documentário.

O Correio teve acesso ao filme (em uma versão ainda não definitiva, sujeita a ajustes), dirigido por Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim. O documentário, além de abordar a feitura do disco - conversando com vários dos envolvidos, como o cantor Alceu Valença, o cartunista Lailson de Holanda, o artista plástico Raul Córdula e a cineasta Katia Mesel - tem na figura de Lula seu fio condutor.

E não teria como ser diferente. Com um carisma magnético, ele rouba a cena.

Rodado nas cidades pernambucanas de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Recife, e nas paraibanas João Pessoa e Ingá do Bacamarte, Nas paredes da pedra encantada é um road movie que captura muito do espírito da época em que o disco foi feito, em plena efervescência do udigrudi pernambucano.

Produzido com dinheiro do próprio bolso dos diretores (orçado em aproximados R$ 30 mil), o filme acompanha Lula de volta até a Pedra do Ingá, sítio arqueológico onde se encontram as misteriosas inscrições rupestres que inspiraram as letras do álbum — que apresenta em suas músicas uma rica combinação de ritmos nordestinos e rock psicodélico.

As premissas dos diretores resultaram em vários planos sequência, longos e detalhados depoimentos, que passeiam por temas como ecologia, arqueologia, contracultura, música e lisergia, permitindo ao espectador entrar na história sem pressa.

"Queríamos que o filme respirasse, fugisse de edições frenéticas, de ritmo videoclíptico. E que tudo nele fosse novo, sem imagens de arquivo — até porque elas não existem —, mostrando o que a gente viu", conta o jornalista gaúcho radicado em Brasília Cristiano Bastos.

"A ideia não era apenas entrevistar, mas olhar as pessoas. Como o Pennebaker em Don't look back, filmando detalhes dos personagens, um filme observador", emenda o carioca Leonardo Bomfim, mestrando em comunicação morando em Porto Alegre, em referência ao documentário do diretor americano que captura Bob Dylan em 1965.

REGISTRO VÍVIDO - Em alguns momentos, a limitação financeira da produção surge na tela, mas isso não interfere em seu encanto justamente pela riqueza das imagens e das falas dos personagens. Há depoimentos divertidíssimos, como Lula contando como pediu Katia (sua mulher na época) em casamento ou o avistamento de elefantes em pleno sertão paraibano.

Em Ingá do Bacamarte, onde se localiza a pedra, os moradores dão versões ingênuas e hilárias para a origem das inscrições. Além da natureza, a música exerce grande força no documentário. O próprio Paêbirú serve de trilhas sonora, mas foram feitas cenas musicais exclusivas.

Em uma delas, Lula e seu tricórdio (espécie de cítara popular marroquina, instrumento que ele dominava e está por todos os quatro lados do LP) acompanham, em espontânea sintonia, Alceu Valença em uma música inédita do compositor de Tropicana e Coração bobo.

Em um dos depoimentos, Lula fala sobre o futuro, a vontade de construir uma nova casa no terreno que ganhara de um amigo. O músico se foi, mas permaneceu seu legado. E com Nas paredes da pedra encantada, permanece também um registro vívido desse incrível personagem da música brasileira.

Assista um teaser do filme:

terça-feira, 10 de maio de 2011

uNIDOS vENCEREMOS?*

Frente relançada no Congresso Nacional reúne políticos e artistas em torno de uma única batalha: lutar por melhores condições para a cultura no Brasil

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

A produção cultural brasileira, tem "dimensões continentais". É, provavelmente, a mais caudalosa do mundo. Contudo, o domínio da cultura chega historicamente empobrecido ao nosso tempo. Sobram talentos, mas faltam recursos.

E, para agravar, o acesso é restrito. Segundo pesquisa encomendada em 2008 pelo Ministério da Cultura (MinC) ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a esmagadora maioria dos brasileiros vive excluída das atividades culturais.

Apenas 14% da população vai ao cinema, por exemplo; 93% dos brasileiros nunca foram a uma exposição de arte. Ainda de acordo com o estudo, 90% dos municípios não possuem cinemas, teatros, museus ou centros culturais.

Nos últimos governos, o setor ganhou certa relevância, embora o MinC ainda precise fazer milagre com aquele que é o segundo menor dote orçamentário da União - a Cultura fica atrás apenas do Turismo, a mais empobrecida das pastas ministeriais.

Para 2011, o Congresso Nacional havia aprovado R$ 2,9 bilhões ao setor, porém, com a tesourada da presidente Dilma Rousseff, que cortou R$ 50 bilhões da receita, o recurso encolheu para R$ 1,5 bilhão.

É diante dessa complexa realidade que a Frente Parlamentar Mista da Cultura, relançada em abril no Congresso Nacional, vai se deparar em sua nova magistratura.

Criado em 2007, o colegiado tem caráter suprapartidário e reúne 250 parlamentares e senadores vindos de todos os partidos políticos (tanto do lado do governo quanto da oposição), além de artistas, produtores culturais e representantes da sociedade civil.

Presidida pela deputada fluminense Jandira Feghali (PCdoB/RJ), a Frente da Cultura renasce com o árduo desafio de encaminhar propostas que nortearão as prioridades da área - dentre as quais, temas polêmicos, como a revisão da Lei de Direitos Autorais, a substituição da Lei Rouanet pelo programa Procultura, a criação do "Vale-Cultura" e a preservação do programa Cultura Viva.

De saída, Jandira, ela própria "ex-artista" (na juventude, foi baterista da banda Los Panchos Villa, do irmão Ricardo Feghali, integrante do Roupa Nova), criticou o fato de o segmento deter escassos recursos e, como de praxe, ser o primeiro atingido pelas contingências.

"O pouco dinheiro dado à cultura é um problema crônico, vem de décadas. Da época em que não era prioridade de nenhum governo", ela protesta. A falta de infraestrutura, por sua vez, surge como velho e conhecido contexto: "Não há investimentos significativos há muito tempo".

Leia na íntegra.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

nAS pAREDES nA bRASA!



Confira o programa que foi ao ar ontem na MTV onde o diretor Leonardo Bomfim fala sobre o filme Nas Paredes da Pedra Encantada. O programa Na Brasa é apresentado pelo cantor pernambucano China (ex-Sheik Tosado).

quinta-feira, 28 de abril de 2011

fILME iNVESTIGA aS vIAJENS dE pAÊBIRÚ

Disco criado por Zé Ramalho e Lula Cortes em 1974 é o mais raro do país. Brigado com Cortes há anos, Ramalho não quis dar depoimento ao documentário, mas liberou uso das canções

MARCUS PRETO - ILUSTRADA (FOLHA DE S. PAULO)

Mais que um simples road movie, "Nas Paredes da Pedra Encantada", que estreia no sábado, dentro da programação do festival In-Edit, é uma "viagem sobre uma viagem sobre uma viagem". A definição é dos próprios realizadores, Cristiano Bastos e Leonardo Bonfim.

Em busca de investigar a feitura do mitológico álbum "Paêbirú" (1975), de Lula Cortes e Zé Ramalho, a dupla percorreu o interior da Paraíba até a Pedra do Ingá, sítio arqueológico rodeado de lendas que inspirou o trabalho.

Essa é a terceira viagem a que os diretores se referem. A primeira foi a que Cortes (1950-2011) e Ramalho fizeram à mesma pedra em 1974, à procura de inspiração para compor o álbum. Dormiram ali, ao relento, muitas e muitas noites -no filme, Lula fala em 12 visitas ao local.

Aos pés da pedra, os músicos colheram cogumelos alucinógenos, fizeram fogueira, usaram LSD. A segunda viagem é, portanto, psicodélica.

"No projeto original [do filme], Lula queria que todos da equipe tomássemos um LSD puro", diz Cristiano Bastos. "Queria nos levar à Pedra repetindo a experiência na íntegra. Isso, é preciso dizer, acabou não acontecendo."

Criado sob esse clima alucinado, o LP "Paêbirú" acabou por se tornar uma das peças mais importantes do rock psicodélico brasileiro - "legitimamente brasileiro", aliás, como lembra Bastos. "Os caras foram buscar a psicodelia numa lenda indígena, não nos elfos ingleses."

O que deu ainda mais potencial mitológico ao trabalho foi seu trágico destino. Poucos dias depois de ser prensado, ainda no estoque da gravadora Rozenblit, uma inundação destruiu mil das 1.300 cópias existentes.

Isso tudo o torna o vinil mais raro do Brasil, nunca custando menos de R$ 5 mil.

Lula Cortes morreu no começo deste ano. E é em torno dele que o filme gira. Entram em cena também outros envolvidos no álbum, como o fotógrafo Fred Mesel, a capista Kátia Mesel e alguns músicos, como Alceu Valença.

Zé Ramalho, no entanto, não dá depoimento algum. Coautor do álbum em questão, ele não quis ter sua imagem no documentário.

"Ele e Lula estavam com relacionamento cortado há muito tempo", explica Bastos. "Zé me liberou completamente para usar as músicas no filme. Só não queria imagem dele. Que diabos levaram às rusgas dos dois não nos interessou tanto. Não quisemos evidenciar o viés de uma picuinha dentro de uma história tão bonita."

NAS PAREDES DA PEDRA ENCANTADA
DIREÇÃO Cristiano Bastos e Leonardo Bonfim
PRODUÇÃO Brasil
QUANDO sábado, às 19h
ONDE Cine Olido (av. São João, 473, tel. 0/xx/11/3331-8399)
CLASSIFICAÇÃO não informada

segunda-feira, 11 de abril de 2011

dO jEITINHO dELA*

Estilo próprio, rigor e pragmatismo determinam os 100 primeiros dias de Dilma Rousseff na presidência

POR CRISTIANO BASTOS E RODRIGO ALVAREZ - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

Dilma Rousseff misturou todos os ingredientes da sua "omelete presidencial" direto na frigideira e respondeu à apresentadora Ana Maria Braga sobre as perspectivas do crescimento econômico para seu governo:

"O nosso objetivo é fazer com que a economia continue crescendo de forma estável, sem que a inflação volte".

De repente, ela interrompe a própria fala: "Tô achando que tá muito baixo esse fogo, hein?"

A escolha da primeira aparição da presidente em um programa de televisão voltado ao público feminino não foi por acaso.

Dilma falou sobre sua preocupação com o poder aquisitivo da população conquistado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e mandou uma indireta para quem reclamava do reajuste do salário mínimo para R$545:

"Quando não tem, nós não damos. Quando tem, nós damos. Então, garantimos... Pera lá, dona Ana Maria", ela interrompe. A petista olha para a frigideira, se concentra e termina de preparar o quitute. "Não tá ficando bom, não, porque estou conversando", completou, antes de apagar o fogo.

A apresentadora e o fiel escudeiro, Louro José, enfim provaram a omelete presidencial: adoraram. Os dois atribuíram o "gostinho diferente" ao bicarbonato de sódio que a presidente incorporou à receita - para deixar o prato "mais fofinho", mas que também notoriamente contribui para estufar o estômago.

Dilma assumiu a presidência da República debaixo de chuva forte, desfilando a bordo de um Rolls-Royce fechado. E, no "frigir do ovos", o fato pôde servir como metáfora para o estilo discreto da petista no governo.

Mas, passados 100 dias no comando, aos poucos ela encontra seu jeitinho de cozinhar - ou melhor, de governar. E, é preciso dizer, até agora sem a paternal intromissão de Lula, que não descumpriu a promessa de deixar a sucessora "trabalhar tranquila".

"Rei morto, rei posto", declamou o "ex".

Nesses três meses, a aprovação de Dilma, inclusive, já igualou os índices obtidos por Lula nos primeiros meses de seu último mandato, em 2006. Lembrando também que ela tem pela frente três reformas muito aguardadas: política, tributária e previdenciária.

Sem se deixar levar por frívolas politicagens, a presidente vem surpreendendo por sua capacidade de ser objetiva.

*Mais na Rolling Stone 55, nas bancas!

terça-feira, 5 de abril de 2011

uM pAÍS eM oBRAS

Comissão liderada por ex-presidentes da República tem como missão tornar realidade a prometida reforma do sistema político brasileiro

POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR

O ano em que a tão aspirada reforma política deverá descer do púlpito para, enfim, ganhar vida prática no dia-a-dia dos eleitores também celebra uma efeméride que revela o quão sonolenta vem sendo sua realização.

De acordo com estudo feito pela Câmara dos Deputados, desde 1991, foram recebidas 283 propostas de alteração do sistema político, entre projetos de lei e tentativas de emenda à Constituição.

A análise de tais propostas arrasta-se, portanto, em legislaturas que somam 20 anos.

Atraso que, sobretudo, se deve à "falta de consenso" nos debates do Congresso Nacional. Para o eleitor, o processo deverá trazer maior correspondência entre duas pontas: sua vontade na hora de votar e o resultado final nas urnas.

Apesar de tardia, a reforma política é festejada como "mãe de todas as reformas". Reformaria, antes de tudo, os próprios reformadores. Razão que, por outro lado, explica sua lentidão em acontecer de fato.

Todavia, prósperos ventos sopram a favor da reforma política com o fôlego de um Congresso renovado e o apoio dos chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A presidenta da República, Dilma Rousseff, e o presidente do Senado Federal, José Sarney, elegeram a reforma como prioridade em seus mandatos.

A "vassourada" inaugural foi dada pelo Senado, que, em fevereiro, instalou a Comissão de Reforma Política, que nasce com o desafio de cimentar um consenso até hoje não encontrado sobre as propostas em debate.

A "comissão de frente" da reforma, escolhida a dedo pelo próprio Sarney, conta com a vivência política de oito ex-governadores e dois ex-presidentes - os atuais senadores Fernando Collor de Mello (PTB/ AL) e Itamar Franco (PPS/MG).

Presidido por Francisco Dornelles (PP/RJ), o colegiado também é integrado por senadores como Aécio Neves (PSDB-MG), Demóstenes Torres (DEM-GO) e Roberto Requião (PMDB-PR).

Na escalação do "time feminino", estão as senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lúcia Vânia (PSDB-GO) e Ana Rita Esgário (PT-ES).

Sarney justificou que seu critério de escolha fundou-se puramente em "experiência política".

"É primordial que todos os membros da comissão deixem de fazer as contas sobre o que é melhor para seu partido e para seu projeto pessoal e pensem no que é melhor para o Brasil", define Aécio Neves, que também defende o fim das coligações partidárias.

De acordo com o senador tucano, esse parece ser um ponto comum entre os parlamentares.

"Até porque esse é um sistema que desfigura o processo representativo. Ou seja, quando um eleitor vota num determinado candidato e elege um candidato de um partido que atuará de forma absolutamente distinta daquele no qual ele votou."

Na primeira reunião da comissão, 11 temas receberam o selo "prioritário" - entre eles, sistema eleitoral, financiamento de campanha, regras para coligações entre partidos, fidelidade partidária, voto facultativo e reeleição.

O mais fundamental dos desafios, ponderou Sarney, no entanto, será encontrar um modelo alternativo à atual forma de eleição de deputados e vereadores.

Ele sugere a adoção de uma fórmula mista. Ou seja, que combine votação majoritária (na qual o mais votado é eleito) com a proporcional (votos obtidos pelo partido ou coligação, os quais determinariam o resultado).

"A mudança no sistema proporcional resolveria cerca de 60% do problema", contabiliza Sarney.

Agora, a missão do colegiado, no prazo de 45 dias, é apresentar à sociedade um anteprojeto de reforma política.

O ex-presidente Fernando Collor de Mello deixou a presidência da Comissão de Infraestrutura – e na qual, curiosamente, deu lugar ao seu algoz nos tempos de "Fora Collor!", o senador Lindberg Farias (PT-RJ) –, para encabeçar a atual comissão.

Collor pretende reavivar no Brasil o debate sobre a instituição do sistema parlamentarista de governo - de sua autoria, inclusive, há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 31/07). O senador também se declara favorável a questões como financiamento público e redução dos custos de campanha e fidelidade partidária: "São todas medidas parlamentaristas", diz Collor.

O senador Itamar Franco, por sua vez, defende o fim da reeleição para cargos majoritários, a exemplo do cargo de Presidente da República.

De acordo com Franco, presidente da República de 1992 a 1994, o pressuposto da reeleição atenta contra a ordem constitucional brasileira. Ele também critica os partidos políticos, os quais chama de "estrutura viciada" onde "quatro ou cinco dirigentes mandam".

"Uma hora alguém não gosta mais de sua cara ou de sua atuação e você perde totalmente o espaço. É um absurdo", diz, com indisfarçável sinceridade.

Essa não é a primeira vez (nem deverá ser a última) que ocorrerá uma reforma política no sistema político brasileiro. Nessas duas décadas, desde que a ideia começou ser debatida, alguns avanços surtiram efeito.

Até agora, a maior conquista foi a moralizadora "Lei da Ficha Limpa", cuja aprovação contou com as redes sociais da internet como grande aliada. Os cientistas políticos, contudo, mostram-se descrentes quanto à prioridade que a reforma terá na agenda dos dirigentes da Nação.

Na avaliação de especialistas, desde 1988 (quando a Assembléia Nacional Constituinte consolidou a recém implantada democracia brasileira), o Brasil inegavelmente progrediu em muitos campos – em especial, no social e no econômico.

Politicamente, porém, o País estancou.

O vigente sistema eleitoral é, inclusive, condenado pelos eleitores, que fazem suas escolhas pessoais, mas, de maneira geral, ficam surpresos com o resultado final das votações.

A despeito dessa desconfiança, a turma de senadores que engrossa a Comissão da Reforma Política jura que não costurará apenas "remendos normativos": eles prometem a inteira renovação do sistema político brasileiro.

Porém, no entendimento de Octaviano Nogueira, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), os políticos farão somente o que sempre fizeram: proselitismo em causa própria. "Vão fazer um remendo aqui e outro ali, para atender a interesses particulares. Mas não vão mudar o sistema".

Como essencial pilar da reforma, Nogueira cita o voto facultativo – o qual, assim como nas grandes democracias – deveria deixar de ser obrigatório: "Isso, sim, seria 'reforma política', pois diria respeito aos interesses do cidadão", ilustra.

Em sua estreia no Congresso Nacional, Dilma Rousseff voltou a reforçar que a reforma política, que não caminhou nos oito anos do governo Lula, é uma de suas prioridades. Em plenário, entretanto, a presidenta arrancou risos da plateia quando anunciou que trabalhará "em conjunto com a agenda do Congresso" para garantir o andamento do processo.

Dilma se diz, por exemplo, contra as doações ocultas em campanhas eleitorais (quando empresas privadas doam recursos sem identificarem-se na prestação de contas). "Sou a favor de doações explícitas e transparentes", ela diz.

"Os eleitores têm direito de saber quem doou para quem."

Já José Serra, adversário de Dilma em 2010, defende que os candidatos "apresentem-se como são".

Uma das bandeiras hasteadas pelo candidato derrotado à presidência trata do fim daqueles que ele apelida de "candidatos-sabonete", ou, em suas próprias palavras, "políticos vendidos como se fossem novos produtos de consumo".

Conforme dados da ONG Reforma Política Já, cada pleito eleitoral custa aos cofres públicos por volta de R$ 900 milhões. Segundo estudo de 2008 da mesma instituição, 20% dos deputados (estaduais e federais) abandonou suas atividades para dedicar-se exclusivamente a campanhas para prefeituras (aqueles que não se elegeram, posteriormente retornaram ao conforto dos antigos cargos).

Diante da explícita "balbúrdia pública", o efeito mais desejado da reforma política é, sem dúvida, o moralizador. O anseio por mudanças é grande e extravasa as cercanias da Esplanada dos Ministérios. Engajados no "Movimento Reforma Política Já", enfileiram-se artistas como o ator Milton Gonçalves, a atriz Débora Falabella, a banda Jota Quest e o cartunista Ziraldo.

Gonçalves, um dos mais engajados, defende que reformar seria uma das maneiras mais eficientes para reverter a corrupção que assola o Brasil. "Ninguém deve ficar de fora. Precisamos da participação de toda a sociedade", decreta o ator.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), igualmente, é uma das maiores apoiadoras da necessidade da reforma. Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidente da CNBB, opina que a mudança não pode ocorrer somente dentro gabinetes: "A vontade do povo, sobretudo, deve ser levada em consideração. A Reforma Política é uma 'dívida' que o Congresso tem para com o Brasil".

Um dos pontos mais polêmicos da reforma política é a adoção do sistema majoritário para a eleição de deputados, medida que findaria com os chamados "puxadores de votos".

Tanto que a proposta, irônica e apropriadamente, ganhou apelido de "Lei Tiririca": ela impediria a repetição do fenômeno provocado pela eleição do deputado federal que recebeu 1,35 milhão de votos e, tal qual um "milagre da multiplicação", ajudou a eleger candidatos bem menos votados.

A "Lei Tiririca" tornaria inúteis as coligações partidárias nas eleições proporcionais e, de quebra, geraria imediato efeito colateral.

Há quem não acredite, porém, na remissão do sistema. No livro Nervos de Aço, franco raio-x da política brasileira, o ex-deputado Roberto Jefferson (denunciante e confesso agente do "mensalão") escreveu:

"O sistema político brasileiro é um círculo vicioso sem fim. Rouba-se para financiar campanhas eleitorais e conservar-se no poder".

"O que fazer para viabilizar uma reforma que afeta tantos interesses, inclusive os dos próprios parlamentares?", questiona a ex-senadora e ex-candidata a presidente Marina Silva (PV/AC).

Ela pontua que o Brasil precisa de um "realinhamento histórico", pois "só assim a reforma política sairá do papel". Assim, a tão desejada reforma independeria de políticos e poderia ser iniciada pelas escolhas feitas pelos próprios eleitores.

Dentre as quais, Marina sugere eleger parlamentares minimamente comprometidos com outras reformas importantes, como a tributária e a da previdência.

"As pessoas não devem escolher um representante esperando que ele vá se transformar em 'príncipe encantado' da noite para o dia. Também não adianta ficar beijando o 'sapo' na boca para ver se vira príncipe. Não dá certo", ela metaforiza, citando em seguida qual seria a "única saída" para o eleitor:

"Escolher o candidato certo. E, sem preconceito com o sapo, que sou ambientalista."

segunda-feira, 4 de abril de 2011

rEVISTA tRIP: nA tRILHA dO pAÊBIRÚ

Nas Paredes da Pedra Encantada estreia com história mística do disco mais caro do Brasil

POR FILIPE TAVARES - SITE DA TRIP

Em produção desde 2008, o filme Nas Paredes da Pedra Encantada finalmente tem uma data de estreia definida. O documentário de Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim, que conta a mística história por trás da obra-prima de Lula Côrtes e Zé Ramalho, a pérola psicodélica Paêbirú, finalmente chega às salas de cinema na edição 2011 do festival In-Edit, que rola de 28 de abril ao dia 12 de maio nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Conversamos com Cristiano Bastos, co-diretor do filme, para falar sobre a produção do documentário que sai depois de uma infeliz coincidência: a morte do cantor, compositor e pintor Lula Côrtes.

Personagem central da história, Lula deixou órfãos milhares de fãs ao redor do mundo no último sábado (26), em um leito no hospital Barão de Lucena, em Recife, vítima de um câncer na garganta que combatia nos últimos cinco anos.

Nascido de uma grande reportagem que o diretor fez para a Rolling Stone, o embrião de Nas Paredes da Pedra Encantada foi alimentado pelo próprio Lula, que se responzabilizou em guiar essa viagem de volta à mística Pedra do Ingá.

"Quase tudo foi feito por conta dessa lenda de Sumé, que perpassa todo o disco. A Pedra do Ingá do Bacamarte, que influenciou o disco também, foi um dos caminhos que o índio Sumé teria passado em fuga dos índios Tupinambá. Por isso seria Paê-beru (em Tupi, Caminho ao Peru). É o caminho que o índio percorreu a pé até o Peru", explicou Cristiano. "É um disco que tem muito valor financeiro, é verdade. Mas mais do que isso. Esse disco tem muito valor cultural. É uma das primeiras manifestações da psicodelia realmente brasileira, com temas verdadeiramente brasileiros."

E o valor financeiro não é pouco não. Devido a uma enchente que varreu Recife em 1975, apenas 300 cópias do disco sobreviveram, de 1300 produzidas. Com isso, essa pequena pepita da música psicodélica nacional pode chegar até R$ 5.000 no mercado dos colecionadores. Isso se você encontrar alguém disposto a vender.

"Há um tempo atrás eu cheguei a ver gente no Orkut vendendo só os vinis, sem as capas e sem nada. Gente que achou o disco no meio de um terreno e vendeu só os vinis, do jeito que estavam, por mais da metade do preço de coleção", conta Cristiano, mostrando um pouco dessa fixação que o disco provoca nas pessoas.

Mas nada tão mesquinho quanto dinheiro pode medir o verdadeiro valor de Paêbirú. A obra definiu toda uma geração de músicos e compositores nordestinos, apropriando-se e ampliando tudo aquilo que a Tropicália trouxe para a música do Brasil na década anterior.

Sem saber, a viagem transcedental de Zé Ramalho e Lula Côrtes foi ecoar 35 anos depois do seu lançamento muito além da linha do Equador, sendo relançado nos Estados Unidos e alimentando as mentes de uma nova safra de bandas do folk psicodélico da geração New Weird America (Noah Georgeson, Bon Iver, entre outros).

"A última vez que eu falei com o Lula, por incrível que pareça, foi pelo Gtalk. E eu nem sabia que ele usava a internet. E ai ele me mandou uma mensagem perguntando: 'e aí Cristiano? Não vai lançar esse filme, porra?", revela Cristiano, divertindo-se com a surpresa de ver um mestre da cultura de raiz navegando na internet. "Ele ainda brincou, perguntando se depois de tanto trabalho não ia ver o filme lançado. Tive que rir né? E o pior é que ele estava certo."

Triste com a morte do cantor, Cristiano ainda comentou sua relação pessoal com Lula nos três meses que passou entre Pernambuco e Paraíba, coletando depoimentos da imensa maioria das pessoas envolvidas no projeto.

Durante esse período, o diretor pode desfrutar da hospitalidade e da companhia de Lula em seu ateliê na região de Jaboatão dos Guararapes, onde conviveu não só com o compositor, mas também com o artista plástico Lula Côrtes.

"Eu tive a chance de passar um bom tempo com ele. Sabe quando você fica tentando absorver a inteligência de uma pessoa? Então. Ele era um cara muito vibrante.Você quer conversar com ele. Quer estar sempre perto dele. Sempre conversando pra extrair aquele conteúdo e toda aquela consciência artística que ele tinha", emociona-se o diretor. "Pior é que a gente ia comprar a passagem dele pra São Paulo nesta segunda (28), mas infelizmente... não foi possível."

ESTREIA NO IN-EDIT - A terceira edição do Festival Internacional do Documentário Musical, o In-Edit, será o palco da estreia de Nas Paredes da Pedra Encantada nas telas de cinema do Brasil.

O festival começa em São Paulo no dia 28 de abril e vai até o dia 8 de maio. No dia 6 de maio serão as primeiras sessões no Rio de Janeiro.

Na cidade maravilhosa, o In-Edit 2011 segue até o dia 12. Segundo a assessoria de imprensa do festival, a programação completa deve sair ainda nesta semana.

A estreia oficial do documentário será no Cine Olido, no coração do centro de São Paulo, no próximo dia 30 de abril. Com Lula como guia da viagem, o filme conta com depoimentos de Alceu Valença (que canta com Lula uma música inédita de sua autoria); de Hugo Leão, velho parceiro de Zé Ramalho, que tocou o marcante órgão Farfisa na canção 'Nas Paredes da Pedra Encantada"; da cineasta Katia Mesel, ex-esposa de Lula, que participou da concepção e gravação de Paêbirú; de Raul Córdula, antropólogo paraibano que apresentou a Cortês e Ramalho em 1975 a Pedra do Ingá, que influenciou a criação do álbum; além do cartunista Lailson de Holanda, parceiro no disco Satwa, que precedeu Paêbirú e é tão raro quanto hoje em dia. Zé Ramalho não quis gravar entrevista mas sua presença é marcante no documentário.

Segundo o próprio Cristiano, o processo de captação foi rápido e bastante abrangente.

"A produção foi uma coisa bem punk. Eu e o Leonardo resolvemos fazer e dissemos: 'então vamo fazer essa porra'. A gente não quis esperar pra ficar captando, então ninguém se perde em devaneios e digressões. Então a gente decidiu e foi. Eu morei três meses em Recife, mais entre Recife e a Paraíba", explicou Cristiano. "A gente gravou no estúdio do Lula em Jaboatão dos Guararapes, em Ingá do Bacamarte, onde fica a Pedra do Ingá ou Pedra Lavrada, onde tem aquelas inscrições pré-históricas que até hoje ninguém sabe o quer dizer. Além da casa do Alceu Valença e muitos outros lugares."

Nas Paredes da Pedra Encantada é o primeiro filme da dupla Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim e já é um dos lançamentos nacionais de 2011 que você não pode perder.

Abaixo, você vê o trailer do filme.

Não deixe de assistir para entender um pouco mais da história e da mística por trás do mais caro vinil brasileiro e desse disco seminal da nossa música popular.

quarta-feira, 23 de março de 2011

eNTREVISTA: eU

POR LAFAIETE JR - PROGRAMA AUTO-FALANTE

Lançado em 2001, o livro Gauleses Irredutíveis: Causos e Atitudes do Rock Ggaúcho transformou-se de imediato em uma espécie de primo do já clássico Mate-me Por Favor: uma história sem censura do punk, de Legs McNeil e Gillian McCain, só que sobre o rock produzido no Rio Grande do Sul.

Escrito por Alisson Avila, Cristiano Bastos e Eduardo Müller, Gauleses irredutíveis apresenta entrevistas com mais de 160 pessoas envolvidas com o rock gaúcho, entre jornalistas, produtores e, claro, músicos recontando 40 anos de rock no estado.

Atualmente o livro virou uma espécie de lenda e não é fácil de ser encontrado para venda – e ainda não existe previsão de lançamento de uma segunda edição.

Hoje, dez anos depois do lançamento do livro, a revista Aplauso aproveita o gancho de uma matéria ("Por Favor, Sucesso!") escrita pelo jornalista Cristiano Bastos (um dos autores do livro Gauleses irredutíveis), e coloca no "mercado" a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso.

A coletânea, que é dividida em dois volumes (cada um com 30 músicas) mais um com faixas bônus (com 10 músicas), está disponível para download gratuito e traz músicas em versões oficiais, acústicas, demos e ao vivo.

Muitas vezes com qualidade de áudio nem tão boa, claro. Mas vale levar em consideração mais o caráter de registro histórico da coletânea. Deleite para iniciados e didática para iniciantes.

Liverpool, Os Brasas, Bixo da Seda, Astronauta Pinguim, Bidê ou Balde, Procura-se Quem Fez Isso, DeFalla, Pública, Video Hits, Cachorro Grande, Superguidis e Júpiter Maçã são alguns dos nomes que marcam presença na coletânea, produzida com a intenção de "atingir o coração e os ouvidos das pessoas", segundo Cristiano Bastos, responsável pela curadoria musical da compilação.

Se o livro Gauleses irredutíveis: causos e atitudes do rock gaúcho tem como primo famoso o livro de Legs McNeil e Gillian McCain, a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso pode ser vista como prima made in Brazil da clássica Nuggets: Original Artyfacts from the First Psychedelic Era, coletânea lançada no início dos anos 70 pela gravadora Elektra Records.

Cristiano Bastos até a cita no encarte do álbum virtual como uma referência para Gauleses Irredutíveis: "Fazemos votos de que esta tentativa possa ser, ao menos em espírito, nosso Nuggets".

Tivemos um bate papo com Cristiano Bastos a respeito da coletânea. E se você quiser iniciar o download de Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso antes de ler a entrevista, o caminho é este aqui.

Como surgiu a ideia da coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso?

O insight para a coletânea surgiu com a reportagem de capa que escrevi para a revista Aplauso "Por Favor, Sucesso!", cuja abordagem é um debate mercadológico, no estilo "longe demais das capitais", sobre o rock no Rio Grande do Sul e todas as suas históricas peculiariedades, no que diz respeito ao resto do Brasil. Calhou de o livro Gauleses Irredutíveis – Causos e Atitudes do Rock Gaúcho, que apurei com os jornalistas Alisson Avila e Eduardo Müller, em 2001, está fazendo dez anos este ano. A obra (trabalho de investigação jornalística realizada com 167 músicos, jornalistas e produtores culturais, que enfoca 40 anos de história da música pop gaudéria), está com sua edição esgotada há muitos anos. A procura pela obra, porém, é grande. Recebo e-mails dos mais distantes recantos do País me perguntando sobre uma nova edição do livro. É fácil, igualmente, deparar-se com gente procurando pelo livro na internet – sem achá-lo. Dias desses, um amigo disse que achou um exemplar de Gauleses custando R$ 70 num sebo do Rio de Janeiro… Na Internet ele também não é facilmente "achável". O exemplar que tenho comigo, aliás, tive de pegar de minha mãe, pois o meu havia sido roubado por algum espertinho. Sei também de uma porção de histórias de gente que teve seu Gauleses surrupiado. Além de ser uma forma de lembrar essa uma década do livro, a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso é um presente tanto para o fãs como para as bandas presentes. Sobretudo, como escrevi na apresentação da coletânea, foi uma tentativa de reunir mais de cinco décadas de produção pop gaúcha. Não foi fácil. Pencas de boas bandas ficaram de fora.

O que você espera atingir com a coletânea? E o que espera dela?

Com a seleção que fiz para os três discos, espero atingir o coração e os ouvidos das pessoas. As pessoas, naturalmente, querem "A" coletânea perfeita, assim como esperam pelo livro mais irrepreensível, segundo, claro, seus gostos e critérios de importância. Também sempre procurou-se fugir do óbvio ululante na escolha das músicas. Ou seja, fica aquela sensação, como ocorre em muitas compilações, mesmo as mais respeitosas, de que alguma coisa ficou de fora. Para ambos, livro e coletânea, a resposta é a mesma: um livro ou uma coletânea não são a Bíblia. Não conheço uma coletânea sequer que seja absolutamente "perfeita". Nem os box set's Nuggets, com toda sua exuberância, o são. Mas Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso tem recebido excelentes críticas. O Twitter é um dos termômetros desse feedback.

O que você acha que a coletânea representa para a música do Rio Grande do Sul?

Espero que possa significar "respeito", no sentido de valorizar, através dos tempos, a "protéica" produção de rock no Rio Grande do Sul. Nesses estranhos dias, nos quais arte é mais volátil que gás hélio, ainda faz-se necessário, acredito, que os velhos suportes com os quais o rock nasceu – os circunferentes discos – sejam preservados. Por isso a ideia do trabalho completo, em que os leitores poderiam imprimir a arte, recortar e montar seu álbum em casa. Quase como nos "velhos tempos". Clicar um mp3 ainda não matou a tátil sensação de inserir um disco no compartimento e botar para tocar. É de um erotismo que os computadores, essas frias máquinas, nunca emularão.

Você é responsável pela curadoria musical. Quanto tempo levou para selecionar as músicas? Como foi esse processo?

Demorou cerca de dois meses, tempo levado na apuração da reportagem "Por Favor, Sucesso!". Foi um trabalho divertido e trabalhoso de ser feito, mas muito gratificante. O trabalho compreendeu desde a curadoria das canções que formam os três sets, a apuração envolvendo as canções selecionadas e, depois, escrever a respeito das 70 músicas. Por fim, a formatação das artes gráficas dos discos, feita com a equipe da revista Aplauso.

Depois que a coletânea ficou pronta, alguma banda te mandou música mas não dava mais tempo de entrar?

Não, isso não aconteceu. Rolou de algumas bandas não responderem ao "chamamento" para entrar na coletânea. Outras não enviaram suas músicas a tempo do fechamento.

Por algum motivo ficou alguma faixa de fora que você queria muito que entrasse?

Claro que eu gostaria de ter na coletânea gravações de bandas como Engenheiros do Hawaii e TNT, mas no caso dessas duas, por exemplo, os fonogramas teriam de ser licenciados por grandes gravadoras. Embora a indústria fonográfica esteja falida, é bom não mexer nesse vespeiro, motivo pelo qual todas as 70 músicas presentes na coletânea foram liberadas pelos seus autores. A Graforréia [Xilarmônica], provavelmente, foi a grande banda em falta na coletânea. Foi outra que não atendeu ao “chamado”, infelizmente.

Qual o critério para selecionar as músicas que entraram no "volume bônus"?

O critério foi envenenar ainda mais o “creme” com raridades. Dentre as quais, "Aquarianas da Rua 20", "Cartas de Playground" e "Desconstruções do Acaso", as quais foram pinçadas do ensaio pós-álbuns Sétima Efervescência / pré-Plastic Soda, do Júpiter Maçã. Algumas bandas que cederam seus sons na última hora, como os Telecines, entraram no terceiro volume.

Para você, quais as três músicas mais “lendárias” que entraram na coletânea?

"Adeus, Meu Chiripá", do grupo Rebenque, "Sobre Amanhã", DeFalla e "Lobo da Estepe", Cascavellettes (ao vivo em 1991). A folkezinha "Adeus, Meu Chiripá", do desconhecido grupo Rebenque, foi recuperada do álbum Som Grande do Sul, produzido pelo lendário Airton dos Anjos em 1978, época em que a produção discográfica andava francamente em baixa. Essa nem muitos de meus próprios conterrâneos conheciam… Com exceção do Gordo Miranda [o produtor Carlos Eduardo Miranda], que vibrou quando eu lhe disse que ela entraria na coletânea. O registro de "Sobre Amanhã", remasterizado pelo Flavio Santos, o Flu, não deixa esquecer que o DeFalla, até hoje, é uma das melhores bandas brasileiras de todos os tempos, muito embora muitos torçam o nariz para os feitos musicais de EduK & Cia. No caso de "Lobo da Estepe", para quem adolescia em Porto Alegre no começo dos anos 1990, meu caso, é um déjà vu e tanto. Os Cascavelletes foram, para muita gente no Rio Grande do Sul, um misto de Beatles, por causa da legião de fãs, com Rolling Stones, em razão de suas picardias dentro e fora dos palcos. Em Gauleses Irredutíveis… o registro de "Lobo da Estepe", que emula vocalizes de Simon & Garfunkel, também é lendária. Tem o climão das velhas bootlegs empoeiradas. Na gravação, Flavio Basso, também conhecido pela alcunha Júpiter Maçã, resume para o ensandecido público viamonense: “É muito bom tocar canções da banda quando a gente sente que vocês fazem parte dela”. Há muitas gravações que poderiam levar o timbre "lendárias".

Tem mais algum outro projeto parecido com esse?

Desde o tempo em que [o livro] Gauleses Irredutíveis foi lançado existe a ideia de se fazer um documentário tendo o livro como ponto de partida, obviamente, atualizando-o. Antes, contudo, estou finalizando, com Leonardo Bomfim, o road doc Nas Paredes da Pedra Encantada, que viaja pelas lendas do mítico Paêbirú – Caminho da Montanha do Sol, álbum lançando em 1975 por Lula Côrtes e Zé Ramalho. O filme, que deve estrear em 2011, investiga não só a riqueza musical de Paêbirú, mas também o imaginário particular do interior da Paraíba e o momento psicodélico dos anos 70 na ponte entre Recife e João Pessoa. Depois que terminar essa jornada de “nordestinidade”, voltarei novamente o olhar para o rock do Cone Sul. Assim como foi Gauleses Irredutíveis, tanto a coletânea quanto o livro, um filme que retrate a sempre ardente produção de rock no Rio Grande do Sul precisa ser rodado. A história não pode se perder.

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