domingo, 14 de outubro de 2007

fLUXUS

Quando John Lennon conheceu Yoko Ono, em 1966, ela já era uma conceituada artista Fluxus, o grupo vanguardista criado por Geoge Maciunas com idéias do compositor John Cage, em Nova York. O beatle foi ver a exposição de Yoko, Ceiling Painting (instalação na qual uma escada conduzia o observador até um vidro no teto onde uma lupa ampliava a pequena inscrição: "Yes!"), e ficou encantado com a obra da futura esposa. A rigor, o começo do fim dos Beatles foi tudo culpa do Fluxus...
Se o Fluxus fez o favor de enterrar os Beatles (pois já era hora de alguém pará-los), ao menos a natureza bizarra e destrutiva de certas atuações do grupo, como as chamadas Música de Ação, legaram algumas "lições simbólicas" para o rock. A performance fluxista Peça de Guitarra, do artista Robin Page, apresentada durante o Festival de Desajustes, foi uma das mais impactantes dessas atuações, como descreve Victor Musgrave no livro The Unknown Art Movement. A ação lembra a cena de Blow-Up - Depois Daquele Beijo, de Michelangelo Antonioni, em que Jeff Beck, irritado, arrebenta guitarra e amplificador numa espelunca perdida na Swinging London:
Vestido em um reluzente capacete prateado e segurando sua guitarra pronta para tocar, Robin esperou alguns minutos antes de jogá-la no palco violentamente e chutá-la na direção do público, pelo corredor e escada abaixo, até sair na rua Dover. O efeito foi dramático, os espectadores levantaram-se e correram atrás dele enquanto ele dava voltas no quarteirão chutando o que ainda sobrava da guitarra.
O guitarrista do Who, Pete Towshend, transformou a destruição da guitarra em uma poderosa alegoria para os hippies, em Woodstock, e um emblema ainda mais legítimo para os punks da década seguinte. O registro perfeito é a imagem congelada de Paul Simonon, do Clash, na cultuada capa do álbum-testamento London Calling. A fotógrafa Pennie Smith - em momento de sublime felicidade fotográfica - captura o exato momento em que o baixista imola seu instrumento num show nos Estados Unidos por causa da qualidade péssima do equipamento.
Os fluxistas foram longe demais e perderam-se na loucura das excentricidades performáticas. O cúmulo foi a Missa-Fluxus, deturpação até mesmo para os pioneiros fluxistas. O inglês Stewart Home, autor de Assalto à Cultura - utopia, subversão e guerrilha na antiarte do século XX (Conrad Livros), traz um relato sobre a bizarra liturgia.
Na cerimônia, com liturgia semelhante à católica, os coroinhas trajavam fantasias de gorila, o vinho sacramental era mantido num tanque e derramado por uma mangueira, as hóstias eram biscoitos azuis recheados de laxante e o pão era consagrado por uma pomba mecânica que cagava sobre ele. O ritual tinha prosseguimento com o sacrifício de um Super-Homem inflável abarrotado de vinho; tudo acompanhado intermitentemente pela sucessão de uma sonoplastia previamente gravada com sons desconexos como o latir de cães raivosos, assobios de locomotivas, o piar de passarinhos e o estopim de tiros. De forma semelhante, existiam bizarrices como os Esportes-Fluxus, o Casamento-Fluxus, o Divórcio-Fluxus e até o Funeral-Fluxus.