segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

nO rASTRO dA cAÇA

Uma densa floresta de abetos margeava sombria o rio congelado. Há pouco, um vento despira as árvores de seu manto alvo e nevoso; pareciam curvar-se, hostis e agourentas, uma diante da outra à luz que definhava. Um silêncio profundo reiriava sobre a terra. Desolação, estupor, estagnação, extrema solidão e frieza era a terra que nem mesmo a tristeza era maior no seu espírito.
Havia nele uma insinuação de riso, mas de um mais terrível do que qualquer tristeza - um riso tão melancólico quanto o da esfinge, um riso tão cortante quanto a geada que comungava com o lúgubre da infalibilidade. Era a sabedoria despótica e inefável da eternidade escarnecendo da futilidade da vida e de seus esforços.
Era o Wild, o selvagem, o Norte de coração gélido. Mas havia, sim, vida por toda a parte, desafiadora. Uma fileira de cães-lobos descia lentamente o rio petrificado. Tinham os pêlos eriçados cobertos de neve. 0 hálito que subia de suas bocas congelava-se no ar, fundia-se em jorros de vapor que iam depositar-se sobre a pelagem de seus corpos transmutados em cristais de gelo. Os cães tinham coalheiras de couro, e de couro também eram os tirantes que os prendiam ao trenó que arrastavam atrás de si.
Era um trenó sem patins, com sarrafos de casca de vidoeira maciça cuja superfície repousava na neve. A proa dobrava-se como um pergaminho, permitindo-lhe pressionar e transpor por debaixo a massa de neve que se insurgia como ondas à sua frente. Dentro do trenó, firmemente amarrada, havia uma caixa comprida, estreita e oblonga.
Havia outras coisas no trenó: cobertores, um machado, um bule de café e uma frigideira; todavia, o que mais chamava a atenção, ocupando quase todo o trenó, era a caixa comprida, estreita e oblonga.
À frente dos cães, um homem com largas raquetes nos pés caminhava penosamente. Atrás do trenó seguia também com esforço segundo homem. No trenó, dentro da caixa, jazia um terceiro homem cuja lida havia se se encerrado - um homem a que o Wild subjugara e abatera de tal maneira que jamais se levantaria e nem lutaria outra vez. Não é próprio do Wild a afeição pelo movimento. A vida constitui-lhe um insulto, pois que se move; e o Wild tem como meta a destruição.
Ele congela a água pra que não corra para o mar; suga a seiva das árvores até emperdernir-lhes o coração com sua frialidade. Nada, no entanto, é mais feroz e terrível do que o modo esmagador com que sujeita o homem - o homem, a mais desassossegada das formas de vida, sempre em revolta com a máxima de que todo movimento, por fim, cessará.