domingo, 9 de março de 2008

sOMEBODY tO lOVE nO dIA dAS mULHERES

Algumas pílulas te fazem crescer, outras te fazem encolher. E as que a sua mãe te dá não fazem efeito algum. (Grace Slick)

Cena esquizofrênica de Medo e Delírio, de Terry Gillian: louco de pedra e esparramado na banheira, o narcotizado Dr. Gonzo (Benício Del Toro) implora a Raoul Duke (Johnny Depp) que arremesse o toca-fitas na água quando a canção que ringia dos alto-falantes atingisse o clímax.
A voz feminina é imperativa: "Feed your head! Feed your head! – estrofes finais de "White Rabbit", música banida das rádios nortes-americanas em 1967 pela apologia que faz às viagens alucinógenas. A voz que emposta candura & potência para cantar as aventuras de Alice in Wonderland após ter lanchado umas pílulas psicodélicas é de Grace Slick - a bela, talentosa e posicionada cantora & letrista do Jefferson Airplaine.
Em "White Rabbit", espécie de Bolero de Ravel embalado numa canção de ninar de movimentos circulares que se transformou num dos hinos da head music, Grace pincelou tonalidades ainda mais "dietilamídicas" a já lisérgica obra de Lewis Carrol.
Ela também escreveu "Somebody to Love", peça sonora não menos simbólica do período. As duas músicas estão no álbum fundamental do Airplaine, Surrealistic Pillow, que marca o debut de Slick nos vocais da banda.
Musa do acid rock de San Francisco, Grace Slick não foi a única fêmea talentosa da cena do rock psicodélico que prevalecia na Califórnia – e no mundo – no auge do Summer of Love. Mama Cass e Michelle Phillips (do Mamas and the Papas), Nico e Janis Joplin eram grandes vozes, mas nenhuma delas juntava, como Grace, beleza intraduzível, habilidade nata para songwritter e domínio sobre a complicada matemática construtora de canções lindas, pop e metricamente perfeitas.
Hunter Thompson sempre assumiu o fetiche por Grace Slick. Cansou de afirmar que música - além das drogas - sempre fora um "combustível":
Pessoas sentimentais chamam isso de inspiração, mas o que elas realmente querem dizer é combustível. Isso acontece de novo, e de novo, e cedo ou tarde você é fisgado, e fica viciado. Toda vez que ouço 'White Rabbit', estou de volta à meia-noite viscosa de San Francisco, procurando por música, dirigindo uma motocicleta vermelha veloz ladeira abaixo em direção ao Presidio, me curvando desesperadamente nas curvas através dos eucaliptos, tentando chegar ao Matrix a tempo de ouvir Grace Slick tocar sua flauta.
No rock dos anos 70 e 80, é clara a linha condutora que parte do estilo vocal de Grace Slick e influencia outras roqueiras: da chata (pra burro) Alanis Morrisete à chata (pra caralho) Dolores O'Riordan, da poetisa punk Patty Smith à runaway Joan Jett, todas reverenciaram – da melhor à pior forma – sua força vocal.
Alcoólatra, vegetariana e defensora dos animais, com o fim do Jefferson Airplaine Grace Slick encarou a insipidez do Jefferson Starship, o Airplaine diluído numa receita enjoada de hard rock ufológico, teclados e sintetizadores. Por fim, o que restara do Jefferson Airplaine original reduziu-se à corruptela Starship e seu rock inofensivo, perfeito para rodar no easy listening bocomoco das rádios adultas.
A beleza de Grace Slick arrebatou muitos corações. Apaixonado, o cantor folk Country Joe McDonald compôs a balada "Grace" em seu louvor. Jim Morrison teve um rápido affair com ela encharcado em bourbon. Em 1998, Grace confessou que, de todas as pessoas com quem sempre desejara ter um caso amoroso, só faltaram duas: o guitarrista Jimi Hendrix e o ator inglês Peter O'Toole.
Em 1994, após reclamação da vizinhança, um policial vai até a casa de Grace Slick, em Tiburon, Califórnia, para ver o que estava rolando. É surpreendido pela cantora completamente embriagada e por uma arma carregada apontada para ele: sua sentença foram 200 horas de prestação de serviços comunitários, além de ser obrigada a comparecer aos Alcoólicos Anônimos durante três meses.
Hoje, a amadurecida Grace Slick jura que sua garganta dourada está longe da bebida. O fabuloso canto de antes, porém, não se fez mais ouvir como naqueles dias...em que a vida parecia mais onírica e as cores vibravam com mais intensadade.
PARA SE APAIXONAR
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