quinta-feira, 22 de maio de 2008

fANTÁSTICA fÁBRICA

Leo Felipe é apresentador e diretor do programa jovem Radar, transmitido diariamente pela TVE do Rio Grande do Sul.
Escritor e contista (lançou Auto em 2004), também faz parte do Trio Frictura, discotecando numa das festas mais bombadas de Porto Alegre, a Pulp Friction.
Leo co-apresenta, com a escritora Carol Teixeira, o sarau pop PapoCabeça. Aparentemente, a identidade é acima de qualquer suspeita.
Não fosse o fato de que, nos 90's, foi o cara que, ao lado de Ricardo Kudla (hoje a frente da Revoltz), criou um dos bares mais lendários da cidade, o Garagem Hermética.
De tudo um pouco rolou desde que o bar abriu as portas em 1992: um bocado de gente rolou ébria, feliz e enamorada pelos banheiros e escadarias e, outro, se não fosse o GH, hoje nem mesmo seria nascido.
Mas o Garagem foi além da farra pela farra, e da fanfarra. Apoiou fanzineiros, promoveu festivais, exibiu filmes e acolheu manifestações culturais que, fora do território under, jamais encontrariam espaço.
E shows, claro, muito shows no afamado casarão da Barros Casal. Leo Felipe está escrevendo um livro sobre as melhores histórias do Garagem Hermética (as que lembra). Devem virar livro em breve: "Faltam só 5 capítulos", avisa o escritor, que está em busca de editora pra lançar o precioso material.
Leo falou sobre o livro, o Garagem, jazz, personagens, e arriscou uma definição para a perigosa palavra "moderno". Também deixou listinhas com as suas melhores "pras pistas e pra todos os tempos & momentos".
Por último, a reprodução do capítulo Ah, Cês Querem Rock? Por inteiro.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Suas vivências no bar Garagem Hermética rendem muitas histórias pra um romance urbano. Já pensou na possibilidade?
Leo Felipe - Tudo o que escrevi até agora tem relação com a cidade. Não somente à cidade de Porto Alegre, mas à cidade em si, que é o ambiente que conheço e me sinto à vontade pra transitar, no sentido da literatura e da vida.
Um dos projetos que toco (a passos lentos, devo confessar) é o de um romance urbano com tons meio futuristas. Uma tentativa de fazer ficção científica que acabou dando em muito sexo, drogas e música eletrônica.
A cidade é quase um personagem da história. Inventei nomes de avenidas, de casas noturnas, de bairros. Botei cadilacs andando nas ruas.
[[DESORIENTAÇÃO]] - O que é mais legal em Porto Alegre?
Leo Felipe - O inverno. O centro da cidade. Amigos queridos. As garotas. Poder viver sem carro. Estar perto do Uruguai. Entrar sem pagar em todos shows e festas.
[[DESORIENTAÇÃO]] - E o mais deprimente?
Beatlemania. Grenal. Ricos burros. Os shows internacionais.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Na cidade, que te inspira na hora de escrever?
Leo Felipe - As ruas do centro e a agitação da vida noturna com todas suas deliciosas repetições. Além, é claro, das porto-alegrenses.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Você tá sendo o mais honesto possível no livro sobre o Garagem? Muitas coisas incríveis devem ter ficado de fora...
Leo Felipe - O livro é muito verdadeiro, ainda que nem tudo seja exatamente a verdade, mas uma versão dela. Fui sincero em relação a várias cagadas que cometemos na nossa trajetória. Não banquei o príncipe, como diria o Fernando Pessoa. Dei a cara pra bater. Mas também não saí queimando o filme de todos amigos. Só de alguns.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Tem alguma definição pra "moderno"? Qual seu antônimo? Metáforas liberadas.
Leo Felipe - Moderno entre aspas parece já vir carregado de preconceito, algo como modernoso, um troço forçado, meio panfletário até. Fashionista, talvez fosse uma definição.
Já definições pra moderno sem aspas têm várias no Houaiss (eletrônico, of course) e a primeira eu acho apropriada: relativo ou pertencente à época histórica em que se vive. Se bem que eu prefiro o termo contemporâneo que é pra não confundir com Idade Moderna ou Arte Moderna, que são coisas do passado.
Ainda segundo o Houaiss, os primeiros antônimos que aparecem são gasto e retrógrado e pra isso uma boa metáfora talvez fosse o Bush apertando a mão do Bento 16. Em termos de Porto Alegre a metáfora se transformaria num gurizinho em terno de brechó.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Qual show mais se orgulha de ter produzido no Garagem?
Leo Felipe - Vai parecer piada, mas teve um tributo aos 30 anos do Peppers que foi incrível, com o Júpiter na fase power trio com o Gross e o Júlio Cascaes. Fritaram o cérebro da platéia com uma versão de 20 minutos de Mr. Kitte.
[[DESORIENTAÇÃO]] - É verdade que morava um surdo no subsolo do Bar?
Leo Felipe - Pra tu ver como se fazem as lendas: Seu Antônio é surdo. Tem um capítulo sobre ele no livro. A propósito, ele ainda mora lá.
[[DESORIENTAÇÃO]] - E o jazz, ainda é colecionador?
Leo Felipe - Não tenho ouvido muito jazz ultimamente. Mas olhando daqui a pilha de discos escutados nas últimas semanas vejo Miles, Mingus (o jazzista mais roqueiro de todos), Roland Kirk, Sonny Rollins, Gerry Mulligan, Dave Pike Set, Dexter Gordon, Albert Ayler, Coltrane, Jaco Pastorious. Pensando bem, acho que voltei a ouvir jazz...
[[DESORIENTAÇÃO]] - Quais outros projetos tão rolando?
Leo Felipe - Tem a festa, a Pulp Friction, o melhor emprego do mundo. A Pulp já completou 5 anos e agora acontece 3 vezes por mês, em 3 casas diferentes. Na cola disso, tem a história de discotecar (em outras festas também) que tenho curtido muito, ficar brincando com os cedejotas, colando e costurando músicas.
Acho que estou evoluindo de sound colocator pra DJ. Tem um projeto com uma amiga, a Carol Teixeira. É o PapoCabeça, tipo um sarau que ela me convidou pra co-apresentar.
Tem o República do Rock, um projeto da prefeitura pra qual estou fazendo a curadoria. Vão ser 30 bandas em 15 shows até o fim do ano e acho que a seleção está ficando bem interessante.
Além do trabalho diário da tevê, dirigindo e apresentando o Radar. Ufa!