sábado, 10 de maio de 2008

iNVASÃO

POR CRISTIANO BASTOS
A coordenada da invasão é Sul e avante pelo Nordeste. A conquista parte do Rio Grande do Sul e tem escala no Planalto Central do Brasil – mas o destino é a capitania de Pernambuco: o alvo é o rock. As armas são guitarras, baixos e baterias.
No aeroporto internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, embarco para Recife.
Destacado por APLAUSO, vou ao front investigar porque os artistas gaúchos são maioria no renomado festival Abril Pro Rock – cuja criação, na década de 90, eclodiu com a explosão do Manguebit e revelou Chico Science & Nação Zumbi, Eddie e Mundo Livre S/A.
Na edição de 2008, a curadoria do festival quis voltar às "origens rock" e alistou as duplas geracionais – Wander Wildner/Júpiter Maçã e Pata de Elefante/Superguidis – para engrossar as camadas de guitarras na terra dos ilustres Joaquim Nabuco, Paulo Freire e Reginaldo Rossi.
Na cidade, a chegada da gauderiada foi saudada, óbvio, como "invasão gaúcha" – alusão a britsh invasion, da qual, no Brasil, desde os anos 60 e até hoje, o Rio Grande do Sul é um dos maiores aliados.
Por coincidência, tomo a conexão aérea que leva parte da combo roqueiro e outra, com maior quorum no interior da aeronave: políticos sulistas e pernambucanos.
Numa sexta-feira à tarde, a parada na capital federal, como praxe, faz o transporte (quase particularizado) dos políticos recifenses de regresso aos seus lares; os gaúchos desembarcavam para um fim de semana no perímetro do poder.
Marco Maciel foi sentado ao meu lado – por precaução, preferi não arriscar um bate-papo. O político dizia alguma coisa ao vizinho de poltrona. Juro que me esforcei para não ouvir.
Acomodado à janela, Pedro Porto, que era da Ultramen, seguia quieto para o destino rock. Além de artistas nacionais do "mainstream independente", como Céu, Autoramas e Lobão, a viagem serviu para assistir três atrações externas: os veteranos do New York Dolls e Bad Brains, dos Estados Unidos, e os jovens neozelandeses do The Datsuns.
No entra e sai de passageiros, uma figura cuja compleição física, por pouco, não atinge o teto do avião, movimenta-se pelos corredores.
Cabelos compridos, ajeitados numa franja esquisitona, paletó mod, estava vestido para o frio londrino-portoalegrense – o jeitão é de roqueiro. O sujeito vai até a poltrona do baixista da Ultramen, inclina-se e, alto, escancara: "Enton tá, vômo tocá nesse tal de Abril pro Rock!".
É Lukas Hanke, o "Cabelo", baixista que acompanha Flavio Basso, o Júpiter Maçã. O sotaque é por causa de sua outra banda, a Identidade, que saiu do interior do estado para bater bola no campinho roqueiro de Porto Alegre.
Basso também está no avião e exibe seu novo look – agora, espécie de Twiggy dark (de preto da cabeça ao pés), cabelos desgrenhados e oxigenados e botas de couro bico-fino.
No desembarque, o clima quente e úmido de Recife sorri de forma selvagem – sensação térmica comparável, digamos, no verão, ao calor máximo de Porto Alegre, ao quadrado.
A mesma tropicaliência que deve ter posto os portugueses em pânico há mais de 500 anos e a bela paisagem do mito popular da vizinha Olinda, cujo nome teria origem em suposta exclamação do donatário Duarte Coelho: "Oh, linda situação para se construir uma vila!"
Júpiter parece fora de órbita no aeroporto: a combinação preto e calor deve tê-lo desorientado. O termômetro marca mais de 36 graus. Não fica gota sobre gota de suor.
Só que não é a primeira vez que Júpiter aterrissa em Recife. Ele é que talvez não lembre, mas, na última vez, no Abril pro Rock de 1998, deixou um bando de filhotes:
"Muitos que viram os shows dele e do Wander, há dez anos, fizeram uma banda. A Volver, por exemplo, é a maior banda de rock gaúcho de Recife", brinca um dos curadores do Abril, também editor do site Recife Rock, Guilherme Moura.
Por isso, Júpiter fez uma das apresentações mais aguardadas. Embora em fase crooner, apenas cantando e sem empunhar a guitarra em nenhuma canção – o que deixou todos a desejar –, o público fez coro para rezar seu terço de hits psicodélicos.
No palco, afetou trejeitos de Madonna e ensaiou passos de Mick Jagger nos anos 80. Da ala feminina, arrancou ovações e, da masculina, risadinhas de escárnio.
Comprovando a própria lenda, depois do show Flávio Basso era o artista mais requisitado para autógrafos e fotos.
Nessa cidade edificada às margens do Oceano Atlântico, Wanderley Wildner é outro não marinheiro de primeira viagem.
Acompanhado dos músicos Arthur de Faria e Jimi Joe, o ex-replicante aproveitou a popularidade no festival para lançar La canción inesperada, quinto disco de sua carreira. Comentário geral: "O melhor show do festival".
Diferentemente de Júpiter, que apostou nos hits, Wander colocou-se na postura de surpreender a todos – e surpreendeu. Em versão gaudéria, tocou Amigo punk com o público recifense cantando junto.
Para o jornalista Fernando Rosa, proprietário do selo SenhorF Discos, Wander superou-se a cada música: "Nesse show, ele ampliou o público, já grande em Recife, correndo riscos – prática em sua carreira. Tocou as velhas canções e trouxe as novas à baila, sem medo", observou.
Ousado, Wander terminou a apresentação com uma banda de frevo em cima do palco: rabeca de um lado e sanfona de outro, conduzida por Arthur de Faria.
O resultado foi o saudável meio termo entre Recife-Olinda-Porto Alegre-Buenos Aires – claro indicativo de que a integração musical sul-americana é um plano culturalmente viável. Durante a apresentação dos New York Dolls, Wildner era um dos mais animados na pista, dançando ao som dos velhos punks.
Ainda perseguindo o caminho do reconhecimento (embora, em certa medida, já o encontrara), a Superguidis não decepcionou o público curioso por vê-la pela primeira vez.
Os insepáráveis Andrio, Lucas, Marcos e Diogo – cujo visual high scholl 90's destoava das tendências fashion do emo, hard core e mangue beat imperantes no festival – eram assediados por menininhas de faixa etária “abaixo da média”.
O detalhe é que as adolescentes nem sabiam que os quatro rapazes (potenciais capa de Capricho) tocavam numa das bandas atualmente mais faladas do Brasil.
"Depois dos Dolls, não queremos decepcionar o pessoal. Afinal, somos os Bonequinhos de Guaíba", brinca Lucas antes de subir ao palco.
Humor é a marca nos shows da Superguidis, um contraste irônico com as letras, por vezes tristes, da dupla Andrio/Lucas. Mas a apresentação dos Guidis não foi piada.
Em Recife, tocaram mais alto que nunca e anunciaram a canção, que vai estar no terceiro álbum, "Não fosse o bom humor".
A Pata de Elefante foi a última banda de gaudérios elétricos a pisar no palco do Abril Pro Rock 2008. Na verdade, não pisaram só patas, mas toneladas sonoras.
O trio Gabriel Guedes, Daniel Mossmann e Gustavo Telles confirmou os excelentes predicados da banda ao vivo. Como costumeiro, Guedes e Mossmann se revezaram no baixo e guitarra – sem jamais darem um pio em cima do palco. O porta-voz da banda é o baterista Gustavo "Prego" Telles.
Em pouco mais de meia hora de show, o público não desgrudou olhos e ouvidos das canções de Um Olho no Fósforo, Outro na Fagulha.
A Pata de Elefante prendeu a atenção de todos – e o Lobão Acústico, que subiria ao palco logo após, teve que esperar mais dois números de bis antes que a invasão gaúcha debandasse da cidade, levando um rastro de novos fãs.