terça-feira, 24 de junho de 2008

sAGA dE pAÊBIRÚ sERÁ rECONTADA*

Documentário de Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos vai refazer os passos do disco mais pisicodélico de underground brasileiro dos anos 70
Renato L
Da Equipe do Diario, Recife
É a hora e a vez do cabelo crescer novamente! É tempo de acender o incenso e meditar ao som de uma raga indiana! Paêbirú está de volta! O mais psicodélico dos discos registrados pelo underground brasileiro dos anos 70, produto das mentes lisérgicas de Lula Côrtes e Zé Ramalho, terá sua misteriosa saga recontada em um documentário.
Por trás do projeto, estão o diretor Leonardo Bomfim, editor a revista virtual Freakium , e o diretor e jornalista Cristiano Bastos, co-autor do livro Gauleses irredutíveis – Causos e atitudes do rock gaúcho (Editora sagra Luzzatto), os dois sonham com uma espécie de mix entre Don´t look back (relato da turnê de Bob Dylan `a Inglaterra em 65) e A grande trapaça do rock´n roll (a ascenção e queda do punk na visão de Malcom Mclaren).
Se o leitor faz parte da maioria que desconhece a mitologia dos tupis e dos guaranis, vale explicar que “o caminho do sol” (Paêbirú) está relacionado às lendas em torno de Sumé, entidade mitológica daqueles povos. Ele teria aberto uma trilha que levaria ao Paraguai e depois, ao Peru. Traços de sua presença estariam registrados no sitio arqueológico de Ingá do Bacamarte, na Paraíba, onde está abrigada a Pedra do Ingá de supostos poderes mágicos.
Quando Zé Ramalho encontrou Lula Côrtes em meados de 1974, os dois foram contagiados pelo fascínio pela região de um amigo em comum, o artista Raul Córdula, cujo pai era ligado à sociedade Arqueológica da Paraíba. Eles resolveram fazer um disco conceitual ligado ao tema. Lançado em 1975 como um LP duplo instrumental, Paêbirú. Teve quase toda sua tiragem destroçada pela cheia daquele ano. Sobraram 300 cópias, vendidas como diamantes raros nos sebos, apesar dos relançamentos em CDs por selos estrangeiros.
Na manhã da última quarta-feira, a reportagem do Diário pegou a trilha do sol até a praia de Cadeias para visitar Lula Côrtes no seu apartamento/ateliê e recuperar fragmentos da aventura vivida mais de três décadas atrás. ”Aquela era uma época propícia ao som instrumental, Pink Floyd, Rick Wakeman...”, contou ele. Discos conceituais também estavam na moda. Some a estes dois fatores uma overdose de misticismo psicodélico e não fica difícil compreender o poder de atração da Pedra do Ingá.
Udigrudi - Lula Côrtes e Zé Ramalho pesquisaram os ritmos indígenas e as lendas da região. “Nós demos uma roupa nova a essa coisa de lenda, trazendo sempre a carga instrumental da variedade pernambucana de ritmos”. Afirmou nosso anfitrião.
Eles resolveram também transformar o disco numa espécie de quem é quem no Udigrudi pernambucano da época numa trip coletiva, também de acordo com a ética hippie. “Zé Ramalho foi de uma importância fundamental, por que ele tinha uma experiência muito grande com bandas. Então ele, era uma pessoa que tinha certa disciplina em conduzir os ensaios.”
O senso de disciplina de Zé Ramalho era fundamental ainda por outro motivo: uma larga fatia dos músicos do projeto estava envolvida com experimentações lisérgicas da contra ventura. Lula Côrtes conta que “a gente ia até a Paraíba e no caminho, parava, comia cogumelo, era uma coisa astral”.
A droga possuía um conceito diferente não tinha o banditismo reinante de hoje. Era voltada para te sensibilizar não para te tornar uma pessoa grosseira e estúpida”. Durante as sessões de gravação, os músicos tomaram apenas pequenos fragmentos de LSD para que, como lembra Lula, “ficassem pelo menos em condições de trazer todos os instrumentos afinados e criar uma harmonia entre nós.
Paêbirú, no entanto, não virou uma lenda apenas por ser um disco “chapado”. Seus quatro lados, dedicados aos elementos básicos Terra, Fogo, Água e Ar, misturam percussão tribal, guitarras elétricas e experimentações de estúdio que ainda hoje, espantam pela radicalidade.
Melhor: uma pegada roqueira corta os excessos e rende faixas como Nas paredes da pedra encantada, regravada em meados da década de 90 por Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Inúteis.
*Diário de Pernambuco, 22/06/2008