DA EQUIPE DO CORREIO BRAZILIENSE
As lendas envolvendo São Tomé em um Brasil pré-Cabral estão espalhada pelo país. O fato é que arqueólogos ainda não conseguem explicar o Paêbirú (palavra que em tupi-guarani quer dizer, entre outros significados, caminho do sol), trilha que atravessa diversos estados brasileiros e teria sido feita por Sumé (corruptela para o nome do santo), para chegar ao Paraguai, fugindo dos guerreiros Tupinambás.
Um outro Paêbirú, no entanto, está prestes a ser desvendado. Lançado em 1975 (e ignorado à época), o disco de Lula Côrtes e Zé Ramalho é considerado o mais raro LP nacional. Em bom estado de conservação, chega a valer mais de R$ 5 mil no mercado de colecionadores.
Muito já se falou sobre esse álbum duplo de psicodelia agreste – que, no Brasil, nunca foi lançado em CD –, mas o documentário capitaneado por Cristiano Bastos, jornalista gaúcho radicado em Brasília, pretende jogar luz definitiva sobre o lendário disco.
Bastos é mais que credenciado para a tarefa – por enquanto, batizada como Projeto Paêbirú. Além de escrever textos para as revistas Bizz e Rolling Stone, é co-autor de Gauleses irredutíveis – espécie de Mate-me, por favor (livro norte-americano que repassa as origens do punk) do rock gaúcho.
"As histórias e mitologias que o disco narra, interpretadas pelo som e criatividade de Lula Côrtes, e do combo envolvido na história, é insuperável", comenta o diretor.
"Vejo Paêbirú além do simples psicodelismo: é uma obra que trata da história dos mitos locais, de questões arqueológicas pouco explicadas até hoje. Sem falar que tudo partiu da cabeça deste gênio que é Lula Côrtes. E Zé Ramalho, não dá para esquecer", continua.
A direção do documentário será dividida com o carioca Leonardo Bomfim, pesquisador do rock brasileiro e editor do site Freakium (http://www.freakium.com/), especializado no assunto. "A psicodelia nacional, apesar de alguns relançamentos em CD, ainda não teve o reconhecimento merecido.É só Mutantes e nada mais. Houve muita coisa, muitas bandas, muitas cenas, como é o caso dessa ponte entre Pernambuco e Paraíba", constata. A produção já se encontra em estágio avançado de pesquisa e entrevistas.
Dividido em quatro partes (água, terra, fogo e ar), Paêbirú é carregado de climas nordestinos (evidenciados pelo uso de instrumentos típicos), sons da natureza e rock psicodélico do mais ácido (cujo melhor exemplo é a faixa Nas paredes da pedra encantada). "Sempre fui uma pessoa muito curiosa quanto aos mistérios do passado. Os símbolos, desde os egípcios, sempre me encantaram muito", comenta Lula Côrtes, sobre as inspirações para o disco.
"A Pedra do Ingá (monumento arqueológico localizado na cidade de Ingá, na Paraíba), me fascinou pela maneira como foi escrita. Com que ferramentas, por quem foram escritas? Existem muitas lendas sobre ela, que parece querer me dizer algo que ainda não consegui entender", conta o pernambucano, na ativa até hoje como músico e escritor.
Sobre as gravações, Lula lembra que quase não existiram ensaios com os músicos. "Eu e Zé Ramalho compúnhamos as bases e propúnhamos o rumo dos arranjos. Depois dessa base pronta, acontecia uma espécie de jam session 'dirigida', especialmente para cada tema", explica.
"As sessões desse álbum reuniram quase todos os músicos que atuavam na cena pernambucana da época, uma das mais efervescentes do país, mas só badalada muitos anos depois", lembra o jornalista pernambucano José Teles. Além de Lula e Zé Ramalho (que só alcançaria sucesso como artista solo alguns anos depois), Alceu Valença e Geraldo Azevedo estão na ficha técnica de Paêbirú.
Gravado nos estúdios da Rozemblit, o disco foi um projeto independente tocado por Lula e sua então mulher Kátia Mesel (responsáveis pela produtora multimídia Abrakadabra) e lançado por conta própria sob o selo Solar. Vinil duplo, contava com encarte de oito páginas ricamente ilustrado.
Por muito pouco, Paêbirú não desapareceu de vez ainda em 1975. Uma enchente inundou o depósito da gravadora – as águas levaram embora todos os discos, com exceção dos 300 que estavam em posse de Kátia.
Relançado em 2005 em vinil e CD na Europa pelo selo Mr. Bongo, logo sumiu (mais uma vez) de catálogo. "Tanto os colecionadores quanto as revistas de música adoraram o disco", conta o inglês David Buttle, responsável pela volta do trabalho ao mercado. Lula Côrtes diz não saber muito bem porque Paêbirú não saiu em CD no Brasil até hoje. "Acho que é desinteresse das gravadoras", arrisca.
Corre o boato que Zé Ramalho não gostaria de ver o disco relançado – uns dizem que pelo fato de seu rosto só aparecer na contracapa, outros pelas referências lisérgicas das músicas.
"Vamos mandar um convite oficial para ele participar do documentário. Adoraríamos, afinal, essa história é dele também", diz Cristiano Bastos. Programado para ser um longa-metragem, Projeto Paêbirú ainda não tem data de conclusão.
*Pedro Brandt também colabora com o SenhorF