sexta-feira, 29 de agosto de 2008

iNCENSOS, hORTELÃS & sAMBINHAS pSICODÉLICOS*

A cena de Los Angeles pós-66 foi uma das maiores ebulições da música sixtie. A cidade era berço dos hippies, um pouco mais cheirosos que os de San Francisco, mas empatados no consumo desenfreado de ácido lisérgico.

Isso resultava na proliferação de grupos psicodélicos, a grande maioria passando do ponto nas viagens interestelares. Apesar disso, a cidade também revelou algumas das bandas mais criativas daquela década nos Estados Unidos.

Love, Byrds, Buffalo Springfield e o Strawberry Alarm Clock são apenas algumas delas. O SAC infelizmente pagou o preço por ter a imagem exageradamente hippie, escondendo do grande público o que possuía de melhor: a capacidade de compor e arranjar lindas melodias.

Começaram em 1965 como Thee Sixpence, fazendo um estilo mais cru e garageiro calcado no som pré-punk inicial do Love. Nessa época, eles chegaram a lançar vários compactos com versões da banda de Arthur Lee.
A formação variou bastante até 1966, mas teve sempre como base Lee Freeman (voz e guitarra), Ed King (guitarra),Gary Lovetro (baixo), Gene Gunnels (bateria) e Mark Weitz (órgão e voz). Mas 1967 estava chegando e o mundo todo começava a viajar nos fluídos psicodélicos. Em Los Angeles então... Ali o ácido estava praticamente no ar! Ou melhor, na Sunset Strip...
O Sixpence, assim como praticamente todas as bandas locais, embarcou na onda e começou a mudar radicalmente o som. O single "Heart Full of Rain" já mostrava raízes melodiosas e lisérgicas que viriam formar a cara do SAC.
O segundo single dessa fase do Sixpence tornou-se o hino psicodélico da época: "Incences and Peppermints", música que merece um parágrafo solo.
Hino hippie, flower power, trilha sonora de filmes cult e uma das primeiras canções realmente psicodélicas a entrar nas paradas de sucesso, "Incences and Peppermints" é, até hoje, a primeira coisa que vem à cabeça quando qualquer um lembra do SAC. Mas espera aí, a banda não era Thee Sixpence?!
Pois é, além do som viajante, o nome e a imagem do grupo também precisavam entrar naquele novo mundo e os integrantes resolveram que Thee Sixpence não era 'groovy' o bastante. Trocaram então para Strawberry Alarm Clock (existe nome de banda mais psicodélico do que esse??). Na segunda prensagem do hit o nome já estava alterado.
Outro fato curioso cerca a história da canção. A voz que se ouve na gravação não é de nenhum integrante da banda e sim de um jovem amigo dos caras, de apenas 16 anos! Greg Munford tocava numa banda desconhecida chamada Shapes of Sound e sempre estava presente nos ensaios e festas promovidas pelo SAC, porém não se sabe o motivo certo pelo qual ele gravou sua voz. Vai ver que todo mundo estava chapado demais pra cantar...
Com o sucesso do single, estava na hora de gravar o primeiro álbum, que ganhou o oportuno título "Incences and Peppermints" (lógico que incluíram o hino hippie nele). Nas gravações, dois novos e importantes integrantes entraram na banda: o excelente baterista Randy Seol, responsável pelas levadas de 'sambinha' do grupo, e o baixista George Bunnel, que viria a ser um dos principais compositores nos discos seguintes.
Nas apresentações, a banda chegava a tocar com dois baixos ao mesmo tempo, algo totalmente inusitado para a época. O disco de estréia superou todas as expectativas, alternando os momentos melodiosos e suaves de "Birds In My Tree", "Rainy Day Mushroom Pillow" e "Strawbery Means Love", com as loucuras mais radicais de "The World’s On Fire" e "Lose To Live".
Depois do disco, o SAC participou do alucinógeno filme Psych Out com o jovem Jack Nicholson no elenco. O SAC compôs diversos temas do filme e ainda aparece tocando numa festa muito louca. Psych Out ajudou ainda mais a colocar o Strawberry Alarm Clock no hall das bandas mais hippies do mundo.
Na mesma época do filme, lançaram o segundo e melhor disco da carreira. Wake Up... It's Tomorrow é uma obra-prima perfeita do começo ao fim, mostrando a banda na sua melhor forma tanto no lado psicodélico quanto na parte de melodias.
"Soft Skies, No Lies" , "Sit With The Guru" e "Pretty Song from Psych Out" são canções de beleza singular. A doideira também dá as caras em "Curse of The Witches" e na trilogia freak, "Black Butter past, present & future".
Nesse disco eles desenvolveram uma identidade totalmente própria fazendo até inusitados climas de sambinhas psicodélicos. Essencial para qualquer coleção!
Aproveitando-se do estouro dos dois discos, a banda partiu em turnê com os Beach Boys e o Bufallo Springfield, o que rendeu diversas jams com o jovem guitarrista Neil Young. O SAC também participou da tour de The Who e Hermann Hermitts pela Califórnia. Em um desses shows, o baterista Randy Seol, tentando de qualquer forma superar o performático Keith Moon, ateou fogo nas próprias mãos durante os improvisos de "The World's On Fire".
Mas nem tudo era paz e amor na vida do SAC. Em 68 a primeira crise estava instalada. Culpa dos produtores que empurraram para a banda o letrista Roy Freeman (fato já comentado na letra de "I Saw The Fat Man Coming", do segundo disco), alegando que o material escrito por eles era um lixo. Bunnel e Seol não concordaram e saíram logo após a gravação do terceiro disco, "The World In A Seashell", no ano de 68.
É um disco bastante irregular devido à crise interna e à presença não muito bem vista de Freeman. Alguns momentos ainda lembram o SAC do ano anterior. "Sea Shell", "Heated Love" e "Shallow Impressions" são belos exemplos.
Depois do período turbulento em 1968, a banda entrou no ano seguinte de cara nova. A entrada de Gene Gunnels (bateria) e Jimmy Pitman (guitarra e voz) deu um novo gás. Pitman, inclusive, passou a ser a voz principal e contribuiu com várias composições.
Nessa época foi lançado o quarto e último disco do SAC, mostrando um lado mais roqueiro e menos viajante. Good Morning Starshine, de 1969, não foi muito bem aceito pela crítica. A mudança radical no som também não agradou muito aos antigos fãs.
Apesar da fraca recepção, músicas como "Small Package" e "Hog Child" estão entre as melhores do repertório mais roqueiro do SAC.
Nesse mesmo ano a banda fez um de seus registros mais interessantes, participando do clássico filme De Volta ao Vale das Bonecas, do pirado e genial diretor norte-americano Russ Meyer. A banda aparece tocando três músicas (logicamente uma delas é "Incences and Peppermints") numa festa promovida pelo empresário e figuraça Z-Man Barzell. Russ Meyer gostou tanto da banda que até os convidou para tocar no seu casamento.
Apesar de toda a loucura, os anos 70 chegavam e o pessoal da banda já estava de saco cheio. A psicodelia já tinha passado, as drogas lisérgicas já não eram mais novidade, as flores já estavam murchas e as hippies bonitinhas de 1967 já tinham virado barangas sujas e chatas.
O Strawberry Alarm Clock encerrou suas atividades oficialmente em 1971, lançando o estranho disco "Changes", espécie de coletânea sem nenhum hit!
Com o fim da banda, os membros da formação clássica do SAC ficaram afastados do mundo artístico, exceto o guitarrista Ed King que participou da primeira formação do Lynyrd Skynyrd (não, ele não morreu no acidente!).
Já na década de 80, a banda tentou fazer alguns shows comemorativos, mas percebeu que a mágica dos anos 60 tinha ficado para trás. Nunca mais voltaram a tocar.
O tempo passa, mas basta ouvir as harmonias de grandes discos como Incenses and Peppermints e Wake Up...It's Tomorrow que a magia da época transparece novamente. E nem precisa de uma little help from the...
*Leonardo Bomfim toca com o Plato.