sexta-feira, 15 de agosto de 2008

o pAÍS dAS mARAVILHAS dE bRENNAND

Para se compartilhar: há poucas horas voltei de uma magnífica experiência na vida. "Na vida" é bem melhor que "de vida", com seu embutido ranço. O ranço não é apenas semântico. A hipérbole, sim, é proposital.
O que vi e ouvi não foi satânica obra de qualquer psicotrópico: bastaram duas horas de fluente e lúcida conversação com o mestre Francisco Brennand, o artista pernambucano. Forte batida.
O sentido "material" do encontro é o perfil que vou escrever para a revista Aplauso. A exposição Brennand: Uma Introdução (esculturas, pinturas e desenhos) estará em Porto Alegre, de 26 de agosto a 28 de setembro, no Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
Compatriotas, não percam!
O encontro, porém, não foi movido pelo "lead acima". Brennand não precisa de lead. O lead é que deve precisar dele.
Cultor assumido cultor da clássica antigüidade européia (e com outros temas mais interessantes em mente), certamente que Brennand deveria achar terrível bosta esse negócio de lead.
O lead do qual a imprensa brasileira é fidelíssima cativa. Somos pró-lead. Ou seja, todos yankees nesse ponto. Aposto que na China o lead já foi pras cucuias há muitos sóis nascentes.
Lead é a ervilha que escorrega para baixo do colchão e atrapalha o bonificador sono da madrugada:
"Quem madou comer ervilha na cama?", lhe diria sua mãe ao amanhecer, enquanto você repara no espelho fundas olheiras como o Túnel do Tempo de Irwin Allen.
"Malditas ervilhas".
O lead é algo assim: a ervilha.

Digressões sobre lead&ervilhas a parte, por volta das 15 Horas desta sexta-feira, 16, eu e a fotógrafa Flora Pimentel somos conduzidos ao gabinete secreto do octagenário homem-artista.
Para lá de disposto, recebe-nos alegremente, ao passo que vai se livrando do entrevero de papéis com os quais andava às voltas até aquele momento.
Sauda-nos da maneira mais nobre e simpática que a gente espera ao ser saudado por um grande artista:
"Pela juventude de vocês", ele nos diz.
A deferência, entretanto, é toda nossa.
Rec no gravador Boombox! A tentação é grande só que, infelizmente, daqui não dá para passar. Para ler compre a Aplauso e ajude, assim, a conservar as boas publicações impressas vivas - antes que Wikipedia e Google virem os lumiares do conhecimento no Século 21.
Alguém tem alguma coleção dos Tesouros da Juventude pra vender?
Proseamos sobre tudo, eu e Brennand, nos mais de 120 minutos a mim concedidos:
Moby Dick, Joseph Conrad, Iberê Camargo, dadaísmo, aventuras em alto-mar, manifestos, vanguardas, ismos, Amazônia (ferrenho defensor), índios, armorialismo, cachorros, semiótica, gansos selvagens, Cristo, sexualidade, pornografia, "Pica de Brennand".
Numa capítulo privado do papo, trocamos nossas melhores opiniões sobre os fabulosos seres que 100% moram na imaginação masculina: elas, as mulheres.
E quem mais seria?
Aos 81 anos, Brennand afirma sem sofisma: "Mulheres são a melhor coisa".
Totalmente de acordo: "E como como não, seu Brennand?!".
Também falamos sobre uma "mitologia de becos": "Coisas fantásticas se desenrolam em becos, acredita o artista. Concordo plenamente.
Durante temporada de sua vida, o artista contou-me que habitou um loft, literalmente, localizado num beco sem saída, em Paris.
Sinceras desculpas: daqui para diante não falo mais. Segredos editoriais devem ser respeitados como os discos do Velvet Underground e dos The Stooges.
Alguém ousaria discordar?!

Contudo, tem uma coisa aberta ao público que posso falar sobre: a Oficina Brennand. Pena que não baste ler a respeito. Precisa-se ver com os olhos - redundância explícita.
Nem adianta muito tentar explicar o que é. Até porque não é coisa, objeto ou lugar, apenas.
Em Recife, visite.

Como "A imaginação é a maior de todas as faculdades", escreveu Charles Baudelaire, exercite-a comigo:
Imagine se Lewis Carroll resolvesse construir - escultórica e/ou pictoricamente um planeta todinho seu (com acesso livre ao desfrute do público) para abrigar seus personagens, signos, símbolos e charadas.

Pense em Alice no País das Maravilhas capítulo por capítulo. Essa foi a minha "visão". Tenha a sua: são infinitas, como os saguões da Faculdade da Imaginação. Já estou viajando.
No apagar (ou no acender) das luzes, essa não é essa a elevadora finalidade da arte?

Se te vais longe de Pernambuco, adimira-te com a grandeza de Francisco Brennand pela tela do seu microprocessador.
Mil vezes melhor do que o nada absoluto, garanto.