quarta-feira, 15 de outubro de 2008

aRTE, gENOMA, dESOBEDIÊNCIA cIVIL eLETRÔNICA*

As idéias do grupo norte-americano Critical Art Enssemble (CAE) - coletivo de vanguarda que baseia suas atividades na interseção de arte, teoria crítica, tecnologia e política radical -, fundado em 1986, tem referências que vão do dadaísmo ao situacionismo.
Respectivamente, como explica Steven Kurz, um dos mentores – que salienta estar falando em nome de um coletivo –, nas personalidades de Marcel Duchamp e Guy Debord:
"Os dadaístas foram de interesse para o CAE por causa do humor e do comprometimento com a apropriação como método de produção. Mas os situacionistas tiveram uma influência muito maior para nós, no sentido de como se assume um coletivo.
Para nós, eles foram o único grupo que trabalhou com uma agenda de ações e com uma capacidade de longa data. Isto é: havia uma prática, mãos reais trabalhando. O CAE está interessado em realizar a mesma tarefa para nossa geração", anuncia Kurz.
As teorizações do Critical Art Enssemble sobre o ciberespaço estão amadurecidas na obra Distúrbio Eletrônico (Conrad Editora), onde o coletivo questiona paradoxos e contradições da noção contemporânea de produção artística baseada na eletrônica. O grupo milita em uma declarada guerrilha contra o que denominam de "tecnologia da inutilidade".
Quando o planeta vivia os temores de uma possível guerra química, na ameaça do Antraz, no começo do século, o CAE planejou uma ousada ação: o espetáculo Gene(sis). A performance, que deveria ser realizada na feira de arte da Universidade de Washington, consistiria na liberação de DNA Transgênico (um código genético cruzado com genes de outros organismos) na atmosfera.
Porém, segundo Kurz, "inofensivo aos seres humanos". Obviamente, a ação redundou em enorme polêmica com as autoridades de biossegurança norte-americanas.
Pressionado, o CAE mudou a performance de Gene(sis) para outra, renomeada de Genterra. Aproveitando-se da celeuma, a nova proposta consistiu em questionar o papel tradicional – e há muito esquecido – do artista de levar as pessoas a distinguir entre os "temores legítimos e a simples histeria".
"O medo existe e é plenamente justificável. A questão é: o que fazer com esse temor?. Que seja canalizado de forma produtiva: lendo, discutindo, pensando e participando ativamente. Hoje, ou se é um tecnofóbico ou um nerd da internet", avalia o artista eletrônico Eduardo Kac, professor no departamento de arte e tecnologia da School of the Art Institute of Chicago, nos Estados Unidos.
O projeto Gene(sis), esclarece o carioca Kac, foi baseado na idéia de uma obra sua, intitulada Genesis. Em trabalhos anteriores, Cak já lidou com o trauma tecnológico e, inclusive, arriscou a própria integridade física em incursões biotecnológicas, como no robótico A Positivo, apresentado no Simpósio Internacional de Arte Eletrônica de Chicago.
No espetáculo, homem e máquina interagem fisicamente por meio da troca de sangue e de uma solução de glicose. Da troca, resulta a combustão de uma chama incandescente. Em outra performance controvertida, Time Capsule (temendo pelos riscos, a apresentação foi recusada pela curadoria do Itaú Cultural), ele introduziu no próprio corpo partes de um robô especialmente adaptadas.
A posição de Kac é que as formas tradicionais da arte, que se baseiam em mecanismos de representação, não têm mais condições de responder à transição tecnológica. Os meios antigos, devido ao seu limite material, estão esgotados.
Para o artista, somente a velha apropriação – agora de tecnologias – possui condições de respaldar as exigências (éticas, filosóficas e estéticas) da cultura digital: "A arte que interessa produz novas relações, e não simplesmente relações já existentes.
A arte que se finca exclusivamente na produção de imagens e objetos, limita-se à idéia e à imagem. Já a arte que se vale de meios tecnológicos, tem o potencial de intervir diretamente no contexto social – pois utiliza-se dos mesmos meios que os cientistas, os militares, os meios de comunicação e a indústria", postula.
*Continuação da reportagem Século Rebelde