Milton
Primeiro Valter teve três filhos e achou conveniente dar a todos o nome de Milton - primeiro ao primogênito, depois ao do meio e por último ao terceiro - de modo que nunca se confundisse e, sem querer, trocasse o nome dos filhos (em conversa séria ou não).
Então sua esposa ficou grávida pela quinta vez (teve uma gravidez, entre o Milton e o Milton, que não vingou e ela abortou naturalmente ainda na sexta semana de gestação), ficaram apreensivos, mas lá pelas tantas (e é impressionante como essas coisas tem se sabido cada vez mais cedo), o médico e seu exame confirmaram: era uma menina! Os olhos do casal brilharam! Sempre sonharam com uma menina! E ainda antes de ligar o carro, na saída do consultório médico, em comum e praticamente instantâneo acordo, combinaram: chamaria-se Milton!
Um dia Milton, que tinha o cada vez mais comum hábito de assistir televisão durante as refeições, com aquela curiosidade normal dos adolescentes perguntou ao pai:
- Por que nunca tem gente com nomes iguais nas novelas?
SampaioO Sampaio tinha um problema muito sério: acordava às 7 e ficava achando que seu nome era Leonardo até às 11. A mulher ficava chamando por ele na cama, mas ele não atendia, achando que aquela pessoa estava gritando por outro. Ela era paraplégica e precisava da ajuda dele para ser colocada na cadeira e começar o dia.
Com o tempo ela se acostumou a ficar dormindo até às 11.
Bicho
Eu não consigo comer chocolate sozinho, nem nada que tenha batata palha, que logo chega essa cara de pedinte metendo o fucinho na palma da minha mão, querendo não sou um pouquinho mas também um carinho. Eu me nego em dar, quase sempre, como quem cuida e tenta educar. Mas temos uma anti-educadora nas redondezas, curiosamente vivendo da profissão de educadora até se aposentar, e ela a oferece mil e uma coisas erradas, bolachinhas e tudo mais.
Que abuso! É um bicho cachorro por quem canto, danço e dou piques pela casa. Mas é um bicho, e eu adoro a palavra: "bicho" - a uso com um certo carinho até. Esse troço, Alcione, rica duma cã, excelente animal! Me racha a cara quando mija no tapete, me enfurece quando caga onde não deve, mas é assim que é o amor. Até pode ser que não, mas estou bem convencido de que sim, então assim tá tri.
Ela adora CSI! Acho demais! E ontem, quando recebemos visitas, ela brincava pela casa com as crianças, os da sua idade - ótima anfitriã que é! sim, claro, parece agitada e enlouquecida até, de tão nervosa que fica ao receber visitas, quer festeá-los com todos seus pulos, cheiros e beijos.
Mas logo se aquieta ali num canto e fica só no charminho. E, nossa, quanto charme! Meu bicho, esse troço pequeno e marrom correndo pela casa ou sentado no tapete, tapado de charme e elegância, uma bolinha de pêlo esbelta de carinho e gratidão. É de-mais! a-mo! ela e o Edward James Olmos! Amo os dois!
Detlef
Num belo dia, durante uma entrevista coletiva, André Andreas, um famoso cantor/ator ítalo-brasileiro, foi acometido por uma repentina e invisível lesão cerebral irreverssível que apagou, dum segundo pro outro, como se alguém tivesse apertado uma tecla enter, toda a sua memória.
Graças à sugestão do Seu Aquiles, o zelador do estúdio onde estava acontecendo a entrevista e haviam sido realizadas as filmagens do longa que estavam lançando, uma parte da memória do cantor/ator pôde ser recuperada com André Andreas perguntando aos repórteres tudo que sabiam sobre ele.
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Não esquece a torneira ligada, ela me disse, e eu escorreguei na banana e bati a cabeça. Só lembrava disso: "Não esquece a torneira ligada". A criança debruçada na varanda era um mini-espião da Malandrásia, um país indie ao sul de Luxemburgo.
A sociedade protetora dos animais tinha deixado o departamento de zoonose libertar um bêbado que morava na praça marcos kligman. A vizinhança gastou em fechaduras de aço maciço. O cego do número 46 assoprou suas velas na frente dos parentes que batiam as palmas fraquinhas que acompanharam um parabéns que, de tão desmotivado, não durou nem uma volta completa.
Hoje era a sexta feira feriadística do último feriado do ano antes do natal. Que deprê. Tudo é preza. Mas, que deprê.
*Carlinhos Carneiro, gineco-colunista