POR CRISTIANO BASTOS
Em 1974, ano em que Paêbirú foi concebido, os irmãos/músicos paraibanos Pedro Osmar e Paulo Ró invadiam o cenário cultural de João Pessoa com o grupo-manifesto Jaguaribe Carne.
Na Paraíba, para enfrentar a ditadura militar, o Jaguaribe Carne armou-se para uma verdadeira guerrilha cultural. A munição que tinham: anti-música & antiarte.
Criminosos".
Em meados dos anos 1970, assim eram tachados os grupos que professavam preceitos como "estudo, difusão, prática, experimento e intercâmbio cultural". Clichê, hoje, de qualquer grupo autointitulado "transgressor".
O Jaguaribe Carne tem importância grande, seja em João Pessoa como nas diversas localidadezinhas nordestinas nas quais sua proposta de arte desconstrutora conseguiu chegar.
Pensar o interior do Brasil, iconoclasticamente, fora dos grandes centros urbanos - não se pode negar: é proposta das mais verdadeiramente atraentes.
As metrópoles - indica o conturbado tédio reinante - esvaziaram-se de tudo. Especialmente de temáticas.
Muitos músicos estagiaram no grupo paraibano, como Chico César, que se uniu ao Jaguaribe (ou ao Carne) recém-chegado à capital, João Pessoa. César vinha de Catolé do Rocha.
O som do Jaguaribe: ciranda, coco, maracatu, caboclinho e boi - em suas raízes. E, por outro lado, o mundo: música oriental, africana, vanguardas européias, modernismo brasileiro, jazz.
A história da Jaguaribe Carne, spobre a qual Pedro Osmar conta um pouco nessa entrevista, também virou documentário - Jaguaribe Carne: Alimento da Guerrilha Cultural. A produção é da Gasolina Filmes e a direção, assinada pela dupla Fabia Fuzeti e Marcelo Garcia.
Na sua opinião, Paêbirú ajudou a desenvolver o cenário paraibano?
Pedro Osmar - Paêbirú é um caso à parte na discografia nordestina, fruto do "entretenimento experimental" de músicos pernambucanos e paraibanos em suas buscas pessoais por saídas na fusão do rock com a cultura popular (Chico Science nem era nascido ainda...).
Pena que eles não tenham seguido essa linha de experimentação nos anos 80 em diante! Mas geraram a vanguarda da música nordestina a partir de Alceu Valença com a música-manifesto "Vou danado pra catende" (apresentada no festival Abertura, da Rede Globo, em 1975).
Certamente que Alceu não estava sozinho. Com ele estavam Lula Cortes, Zé Ramalho, Ivinho, Israel Semente...E isso gerou um liquidificador bem nervoso que vem rolando coisas até os dias de hoje, tal a força dessa energia criadora.
Como andavam as coisas por aí, por volta de 1975, ano de lançamento de Paêbirú?
Pedro Osmar - João Pessoa vivia o auge da vivência teórica e prática do tropicalismo nordestino, por meio das ações polêmicas de Carlos Aranha e seu grupo, Jomard Muniz de Brito, Celso Marconi, Raul Córdula, Chico Pereira, Unhandeija Lisboa e também Zé Ramalho, Jarbas Mariz, Babi, Paulo Paiva, Paulo batera...
Enfim, a galera pensadora e dos conjuntos de bailes, botando pra quebrar. Isso criava um certo clima de efervescência entre os compositores que, como eu, estavam engantinhando na música.
Mas era um tempo de muito embate estético, dos confrontos da bossa nova, da canção de protesto, da música regional, da jovem guarda, nos festivais de música. Algo bem vigoroso para todos. Praticamente a maioria das grandes obras dos compositores paraibanos vieram desse período.
O Jaguaribe Carne está em qual contexto desta história? E que nome esse! Explica:
Pedro Osmar - O grupo Jaguaribe Carne de Estudos surge no meio dos festivais de música dos anos 70, especificamente em 1974, num festival estudantil promovido pelo gremio do Liceu Paraibano.
Os festivais é quem ditavam a moda naquele tempo, era para onde tudo convergia. O Jaguaribe Carne pôde fazer a diferença com suas experimentações, com sua "arte querendo ser diferente dos outros"...
E conseguimos manter essa identidade até hoje, chegando a ser um grupo de arte multimídia com produção ímpar. O nome do grupo tem a ver com nossas inquietações pelo novo, pelos estudos autodidatas das linguagens experimentais e pela coragem.
Coragem de ousar ser diferente, ocupando o lugar de destaque nas idéias que circularam e circulam, até hoje, na cultura paraibana.