Revoltado com o desprezo e a falta de memória que o Brasil reserva a seus ídolos, o cantor e compositor Nelson Gonçalves decidiu: "Quero ser cremado, pra niguém fazer xixi na minha lápide".
Aos 76 anos, ele está de volta para lançar a caixa "O Mito", com três CDs, reunindo 71 sucessos em gravações originais realizadas no período de 1941 a 1990.
Apesar de ser dono de uma das mais gigantescas obras musicais da história do país, Nelson não pára. Diz que tem material preparado para lançar 25 LPs, entre velhas e novas canções - forma de garantir o futuro da família. Seu projeto é lançar um por ano.
Leia a seguir trechos de sua entrevista exclusiva por telefone, do Rio, à FT.
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FT - Por que essa preocupação em gravar tanto?
Nelson - Tenho dez filhos, oito adotivos, que vão se transformar em dez netos. Quero deixar uma força e uma herança musical. Quero que digam: meu bisavô ainda canta.
FT - Por que ninguém vai fazer xixi na sua lápide?
Nelson - Sempre vão existir as pessoas que te querem bem e as que vão te atacar. Por isso, ninguém vai depreciar a minha memória e fazer xixi na minha lápide não. Quero ser cremado.
FT - Como o senhor define sua voz?
Nelson - Sou baixo cantante, capaz de atingir tons gravíssimos. Deus fez a receita e rasgou quando eu nasci.
FT - Por que certa vez o senhor cantou "Castigo", de Lupicínio Rodrigues, depois de ser nocauteado por Éder Jofre no sétimo assalto?
Nelson - Foi só pra demonstrar força de vontade.
FT - O elogio de Frank Sinatra à sua voz é verdade ou uma lenda?
Nelson - Verdade... quando me apresentei no Radio City Hall, em Nova York. Ele chegou e disse: é impossível cantar como você.
FT - Qual a sua filosofia de vida?
Nelson - Viver e deixar viver.
FT - Qual o segredo para manter a forma aos 76?
Nelson - Dois comprimidos de ginseng por dia e cápsulas de astronauta para a renovação das células. Dá pra ficar firme e forte...
*Nelson Gonçalves interpreta "Castigo, de Lupicínio Rodrigues e "Depois de 2001", promessa que não deu pra cumprir...Mui sábia letra de Adelino Moreira e Nelson Gonçalves.
Depois de 2001
E se deus do céu quiser
Sem inimigo nenhum
Nessas alturas
ninguém liga pro que eu digo
Sou velhinho boa praça
Todo mundo é meu amigo
O que eu fizer, o que eu disser
Tá tudo bem, mocidade ri de graça
Da graça que o velho tem
É no gogó, gugu!
Só pretendo morrer
Depois de 2001
E se deus do céu quiser
Sem inimigo nenhum
(coro repete o refrão)
Para quem diz
que nada fiz
de extraordinário
Deixo coisas
muitas coisas
Que atestam
o contrário
Pra quem ficar
no meu lugar:
muito progresso
Pra que possa superar
meu recorde de sucesso
Só pretendo morrer
Depois de 2001
E se deus do céu quiser
Sem inimigo nenhum