sábado, 28 de fevereiro de 2009

eNTREVISTA: jÚPITER mAÇÃ


POR CRISTIANO BASTOS - BIZZ

A cédula de identidade não mente: o cara se chama Flavio Basso. Com esse nome de ascendência italiana, ele foi frontman dos Cascavelletes, uma das bandas que inventou o rock no Rio Grande do Sul e cuja (má) fama está registrada em artefatos como "Menstruada", "O Dotadão" (gravada pelos Ratos de Porão) e "Minissaia sem Calcinha".

Nos vetustos 1989, Basso protagonizou um dos grandes momentos de picardia do rock brasileiro, quando o semi-hit "Nega-Bom-Bom" (do refrão bubblegum "Bom-bom-bom faz aquela nega do outro lado daquela rua/Baby/Punhetinha de verão") entrou na trilha sonora da novela Top Model.

Flavio Basso, então, saiu de cena. Voltou realinhado, anos mais tarde, folk e dylanesco, como Woody Apple - mas também foi fogo de palha. Transformou-se em Júpiter Maçã, alcunha com a qual lançou o clássico A Sétima Efervescência, com devidos créditos a Timothy Leary, Albert Hofman e aos laboratórios Sandoz.

Mas não durou.

Num ataque semântico-artístico, renomeou-se outra vez como Jupiter Apple e adotou o inglês para embarcar de vez no desbunde do álbum Plastic Soda (1999). Em Hisscivilization (2003), a criatura seguinte, deu um passo a frente ao testar sonoridades que - é preciso perseverança, às vezes - não se decidem entre o indigesto e o incompreendido.

O lançamento do próximo rebento, Uma Tarde na Fruteira (que não é mais segredo desde que vazou na web), já está engatilhado.

Sai primeiro na Espanha, em julho, pelo selo madrilenho Elefant. Pouco depois, será lançado no Brasil pela gravadora Monstro Discos. Enquanto isso não acontece, Júpiter liberou um aperitivo para aplacar a curiosidade dos fãs: Bitter, um álbum com canções assinadas por ele e Bibmo (sua atual consorte e companheira de banda).

Bitter é gravado em inglês, no melhor estilo take one - rápido e cru. Outra novidade é a reedição de A Sétima Efervescência, no segundo semestre de 2007, acrescido de quatro faixas bônus dos tempos dos Pereiras Azuis, banda que o acompanhou no início da sua imersão psicodélica.

Recém-chegado da Inglaterra e ainda tentando achar a chave para voltar para "dentro da casinha", em Porto Alegre, Júpiter Maçã deu essa entrevista exclusiva para o site da BIZZ. Depois, ele pretende marcar a coletiva de imprensa "Bed In II - Beatnik Talks", onde quer reunir cerca de 30 jornalistas (!) no quartíbulo de hotel onde mora no centro de Porto Alegre.

"Mais do que coletiva, o encontro terá clima de happening, juntando música, artes e bate-papo", diz. Se você tem alguma idéia a respeito do universo e dos códigos jupiterianos, já sabe: não espere dele respostas convencionais para perguntas "mais ou menos convencionais". Ou você acha que é todo o mundo que fica um mês sem tomar banho, que se diz um "encantador de um rio curvilíneo" e que, um belo dia, acorda e pensa que é o John Lennon em pessoa?

Em Uma Tarde na Fruteira (pelo que já podemos ouvir nas nossas cópias falsificadas) você assume uma cultura tropicalista. Já em Bitter, o tráfego de influências é o oposto: new wave, pós-punk, Dylan, Stones fase Emotional Rescue, Jefferson Airplaine, Buzzcocks, The Jam. Onde estava com a cabeça quando redirecionou sua musicalidade para o rock de língua inglesa?

Júpiter - Andava meio zonzo... Mas, na realidade, sempre fui o mesmo. Minhas influências já fazem parte de mim. Portanto, não importa por quais caminhos eu ande - o fato é: a canção não está diretamente ligada à influência em si e, sim, a uma espécie de complemento da existência. Algumas vezes soa melhor e, em outras, é melhor ainda! It's getting better all the time!

Por que lançar Uma Tarde na Fruteira primeiro na Espanha?

Júpiter - Porque, na real, foi o único selo que se interessou pelo disco antes de qualquer outro.

Em três músicas do disco ("Síndrome de Pânico", "Beatle George" e "Casa de Mamãe") você evoca eflúvios alcoólicos. O componente etílico interfere no seu processo de composição?

Júpiter - Sou obcecado por chá, todavia, nunca tive coragem de assumir. A propósito, o vinho espanhol é bem interessante.

Como foi o seu encontro com Sean Lennon?

Júpiter - Foi como encontrar meu cúmplice!

Quando lançou A Sétima Efervescência, em 1996, tinha noção do culto que o álbum teria com o passar dos anos?

Júpiter - Na época, não tinha noção do que iria acontecer. Era um período em que eu era um solteirão, dormia em praças e tomava o café da manhã no Bar João [lendário moquifo da Avenida Oswaldo Aranha, em Porto Alegre, tragado pelo empreendedorismo imobiliário]. Na real, eu não sabia o quanto estava inspirado. Foi uma época lisérgica, sim! Uma década depois eu entendo a importância deste álbum, do quanto ele mexeu com a vida de algumas pessoas. Na nova capa, elaborada para a sua reedição, particularmente, me pareço bem melhor - pareço Syd Barrett... [risos] Ele foi remasterizado, mas mantém as características originais. Foi um disco que me surpreendeu - e me assustou - quando se tornou um clássico com vida própria.

Recentemente, A Sétima... foi eleito o melhor disco do rock gaúcho numa votação com 50 especialistas do Rio Grande do Sul. Isso te toca?

Júpiter - A lisonja me pegou de surpresa quando eu tinha 15 anos, portanto, já sei lidar com este tipo de sensação há bastante tempo. Quando me elogiam em excesso, posso reagir como Liam Gallanger ou Bob Dylan, mas não me importo. Pra você ver, hoje acordei pensando que era John Lennon...

Em "Golden Light", de Bitter, a Bibmo evoca alguns vocais que lembram Grace Slick nos tempos do Jefferson Airplaine. Esses vocais, que as vezes parecem os duetos que Slick fazia com Paul Kantener no Airplaine, transportam diretamente praquele climão São Francisco, White Rabbit, LSD...

Júpiter - A Bibmo me encontrou morando num quarto de hotel no centro de Porto Alegre. Ela me salvou daquele quarto de hotel. Foi lá que bati meu recorde: um mês sem tomar banho. Grace Slick tinha a mesma fama... O LSD e a química que ele ocasionou no mundo mudaram contextos e, de certa forma, mudaram o mundo também. Hoje, vivendo com a Bib, eu tomo banhos. Não sei se vou morar em Nova Iorque ou em qualquer outro lugar do mundo, mas a expectativa é que os próximos álbuns me levem a traduzir e a concretizar mais e mais - tanto no plano da existência como no da experiência.

Dizem por aí que você anda chafurdando na literatura beatnik. Na busca do quê, escrita automática, jazz, acampamentos e fogueiras, vagões de trem, comida enlatada, vagabundos iluminados?

Júpiter - Respondo com um aforismo beat de minha lavra: "A partir do momento em que você simplesmente se rende a sua existência e procura um novo lugar pra viver um segundo de cada vez, o resto é conseqüência".

Até que ponto a Madonna - que você sempre cita - é mais uma influência?

Júpiter - Na inveja. Tenho inveja de duas pessoas: Madonna e Bob Dylan. Não tenho inveja do David Bowie... Nem do Lou Reed.

E suas incursões cinematográficas? Depois da realização de Apartament Jazz e Pescando Júpiter Segundo Huxley, qual seu novo projeto de filme?

Júpiter - Depois que disseram que eu precisava de uma plástica para não parecer mais a Giulietta Masina [atriz de cinema italiana e esposa do cineasta Frederico Fellini], resolvi dar um tempo pra câmera [risos].

O clipe de Eu Quis Comer Você dos Cascavelletes no Programa da Angélica virou hit no YouTube. Dá impressão que ninguém fazia a mínima idéia do conteúdo altamente sacana da letra. Como você explica isso, assistindo o vídeo quase 20 anos depois?

Júpiter - O Lobo Mau tem a resposta. Os Beatles também!

E hoje, você renega aquele Flavio Basso com pinta de Mick Jagger ou espreme no seu caldo musical?

Júpiter - Já o engoli!

Os Cascavelletes têm uma porção de hits. Tem gente que conhece as músicas da banda nos recantos mais absurdos do Brasil. Ainda há lugar para reminiscências daquela fase?

Júpiter - Sou uma espécie de gene embrionário nos Cascavelletes. Logo, tudo que tenho feito desde então é seqüência daquilo que pode ser considerado - ou não - um resultado sonoro "similar" ao dos Cascavelletes.

Você se orgulha dessa fase? Como definiria os Cascavelletes?

Júpiter - Caras muito bacanas agora e, ontem, um cantor super babaca - eu! Mas um ótimo dançarino, é verdade, como pode ser observado no vídeo de "Eu Quis Comer Você" [risos].

Algum déjà vu - ou flash back - na volta temporona dos Cascavelletes aos palcos?

Júpiter - Sim, eu era tão babaca... Uma vez o Nei Van Sória me chamou num canto e disse: "Eu sou um cara muito inteligente, mas você é um gênio. E você sabe que um gênio não sabe comer filé a parmegiana sem sujar as calças brancas, né?".

O que viu de legal na temporada que passou em Londres?

Júpiter - Me tornei a husband da Bibmo. Acordava as dez da manhã pra comprar manteiga. No caminho, eu bebia um refrigerante. Eu era um poeta das docas, um encantador de um rio curvilíneo, the best and the worst - saca?

Como foi tocar por lá? Acredita que o público o tenha compreendido?

Júpiter - Modéstia realmente à parte, se facilitar, ficaremos muito famosos...