quinta-feira, 2 de julho de 2009

lITERATURA aTÉ oS oSSOS

POR CRISTIANO BASTOS

O jornalista, tradutor e escritor Ruy Castro, mineiro de Caratinga (cidade natal de Agnaldo Timóteo e Ziraldo), pode dizer que viveu inúmeras aventuras ao traçar a história das grandes personalidades que biografou: Nélson Rodrigues, em O Anjo Pornográfico (1992); Garrincha, em Estrela solitária (1995); e Carmen Miranda, em Carmen (2005).

O próximo lançamento, adianta o escritor, será o volume Leitor Apaixonado - Prazeres à Luz do Abajur. Além disso, ele vem organizando uma coletânea de artigos, charges e ilustrações publicados na lendária revista Senhor, de 1959 a 1964: "Será O Melhor da Senhor, e sai no fim do ano pela Imprensa Oficial de São Paulo", conta em primeira mão.

Pertencente à mítica Geração Paissandu, que existiu entre 1964 e 68 e influenciou profundamente o cinema brasileiro, Ruy habitou o célebre Solar da Fossa, casarão colonial, em Botafogo, Rio de Janeiro, no qual conviveu a geração que se projetou nos festivais de música da década de 1960.

Você toparia escrever um livro sobre a história de Brasília? Por onde começaria ou terminaria?

Não me atreveria a isto, porque não conheço o cenário o suficiente. Como também não conheço bem o de São Paulo, Belo Horizonte ou Tegucigalpa. Meus livros se passam basicamente no Rio porque conheço cada palmo de chão, e isso já é um adianto no trabalho.

Grandes personagens da história brasileira foram biografados por você: Nelson Rodrigues, Garrincha, Carmen Miranda. Quem mais, em sua opinião, carece ser biografado por sua importância?

Muita gente: Carlos Lacerda, Di Cavalcanti, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Tancredo Neves e várias mulheres ? nenhum, até hoje, teve uma biografia decente. A do Lacerda, pelo Foster Dulles, é terrível de ler. São também todas muito problemáticas, e não serei eu que me meterei a fazê-las. Já não tenho o necessário ímpeto para isto.

Você acha que o século 21 tem possibilidade de ser mais interessante que o século 20, do qual és um apaixonado? Esse século será capaz de superar o que passou, em termos de conhecimento?

Sim, por que não? Os instrumentos à nossa disposição hoje são infernalmente superiores aos do passado.

Quais foram os grandes predicados do século que findou?

A capacidade de registrar praticamente tudo que aconteceu, ao contrário de todos os séculos anteriores. Não há evento no século 20 que não tenha sido filmado, fotografado, desenhado, gravado, pintado ou registrado com palavras.

Na sua opinião, até agora, qual a personalidade do século 21?

Ainda é muito cedo para escalar alguém. Mas, se você quiser uma personalidade do século XIII, tenho uma: José Sarney.

Qual é a frase predileta (e pertinente) de seu livro O Melhor do Mau Humor?

"O brasileiro é um povo com os pés no chão. E as mãos também", Ivan Lessa. Notar que os três livros originais (O Melhor do Mau Humor, O Amor de Mau Humor e O Poder de Mau Humor) foram reunidos num único livro, Mau humor, lançado em 2002, e enriquecidos com frases novas.

Sabia que seu livro Chega de Saudade , assim como obras de outros autores, pode ser baixado na internet, por meio de download? Isso é positivo ou não?

É um roubo, não? E como um roubo pode ser positivo? Mas o que mais me irrita é que ele deve ter sido digitado por um analfabeto. Está cheio de erros, as aberturas de parágrafos não foram respeitadas, enfim, é um escândalo.

Você deu importante depoimento a respeito de seu alcoolismo e como o superou. A vida é melhor sem a companhia do álcool?

No meu caso, a vida melhorou em um milhão por cento. No que parei de beber, em 1988, comecei a produzir os livros e, tanto pessoal como profissionalmente, tudo mudou a partir daí. Isso já faz 21 anos e espero continuar abstêmio pelos próximos 21.

Pensa em fazer como Jack London, que contou tudo em Memórias Alcoólicas, publicado em 1913, a partir da analogia com a entidade "John Barleycorn"?

Por enquanto, não. Mas usei muito do meu conhecimento prático e teórico do assunto para produzir o livro Estrela Solitária, sobre o Garrincha.

Esse é o ano de Carmen Miranda, morta precocemente, aos 46 anos, vítima da dependência de substâncias. Por que sempre parece que as grandes estrelas estão fadadas à tragédia?

Porque as estrelas são famosas e fica-se sabendo o que aconteceu a elas. Mas essa possibilidade de tragédia acontece o tempo todo, e em muito maior escala, entre os pobres, os anônimos, os desvalidos.

A Justiça deu ganho de causa para o caso envolvendo a biografia sobre Garrincha. Como ficou o caso?

O livro foi liberado e voltou a ser vendido normalmente, mas o processo se arrastou por 11 anos. Há um relato minucioso do caso no meu próximo livro, O Leitor Apaixonado - Prazeres à Luz do Abajur, de artigos sobre literatura e jornalismo, que sairá no fim do mês de julho pela Companhia das Letras.

Prefere biografar os vivos ou os mortos?

Os mortos, sem dúvida. Os vivos não são confiáveis, mentem muito e obrigam os amigos a mentir sobre eles.