quinta-feira, 13 de agosto de 2009

eNTREVISTA: eDY sTAR

POR CRISTIANO BASTOS

E
dy Star (ou "Edy Bofélia", como Raul Seixas lhe chamava), 71 anos, começou sua carreira artística em Salvador, no início da década de 1960. Foi um dos elementos que atuou no extraordinário álbum-levante Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (CBS Discos/1971), juntamente com Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada - o quarteto da foto (Edy à esquerda).


Star ganhou notoriedade, ao ser descoberto pela "contracultura", que notou suas performances em boates do Rio de Janeiro e de São Paulo. Em 1975, estrelou a primeira montagem brasileira do musical Rocky Horror Show, produzida por Guilherme Araújo.

No ano seguinte, gravou o LP Sweet Edy (Som Livre/1974), com músicas compostas - especialmente para ele - por compositores do calibre de Roberto & Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Jorge Mautner. Além de Raulzito.

Edy Star considera-se "o primeiro artista glitter (ou glam) do Brasil". Segundo ele, no meio artístico, também foi o primeiro a assumir sua homossexualidade em público. E, para quem não sabe, Edy é artista plástico de renome, com mais de 30 exposições no curriculum.

Há 15 anos, Edy vive na Espanha. É mestre de cerimônias de um cabaré no centro de Madrid, onde - usando de suas próprias palavras - dirige "35 mulheres internacionais". Com Gilberto Gil, divide parceria na música "Procissão".

Como "artista plástico", é verbete na Enciclopédia de Artes Plásticas Brasileiras, de Roberto Pontual. Como "cantor de rock glam", consta na Enciclopédia do Rock Brasileiro – A a Z, de Marcelo Dolabela.

Como é a sua vida em Madri?

Eu adoro Madrid, como todas as pessoas que vêm a conhecê-la. Gosto de andar pelas ruas antigas e velhos bairros. Visitar o Museu do Prado e os pueblos vizinhos. Amo o flamenco e as Tardes de Toro que, no Brasil, são chamadas de touradas.

Em 1975, você estrelou a primeira montagem brasileira da peça Rocky Horror Show. Dá para rememorar esses tempos?

Em 1974, fui chamado por Guilherme Araújo, para protagonizar o projeto. Inicialmente, seria com Wanderléa, Jorge Mautner, Jerry Adriani e outros. Mas, abandonei as reuniões do grupo porque não concordava com a direção. Daí o projeto michou. Tempos depois, estreou com elenco completamente diferente.

O Eduardo Conde fazia o personagem Vampirão. Porém, com 20 dias de estreia, Conde contraiu hepatite; Guilherme foi me buscar em Salvador, para substituí-lo. Consegui introduzir algumas coisas no espetáculo. Fiquei até o final da temporada no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro.

Sua apresentação no Palco Toca Raul! foi considerada a melhor da Virada Cultural de São Paulo. Rolou a "presença" de seu velho e conterrâneo Raul Seixas?

Me dediquei a fazer um show diferente, divertido e muito dentro do espírito do disco Sessão das Dez. Só sei dizer que o público raulseixista entregou-se em todas as músicas. A força e o espírito e a força de Raul dominou todas as 24 horas de apresentações. Foi lindo e emocionante!

O que você estava ouvindo nos tempos do álbum Sweet Edy?

Eu atuava na Boite Number One, em Ipanema, levado por Maria Alcina para substituí-la. Ouvia o de sempre: muita música velha brasileira. Mas tinha sintonia com alguns "novos", como Zé Rodrix, Gonzaguinha, Caetano, Novos Baianos e o velho e bom rock'n'roll. Adorava Humble Pie.

Porque você saiu do Brasil?

Eu estava praticamente sem mercado de trabalho. As boites não tinham conjuntos musicais. Eu trabalhava em cinco boites ao mesmo tempo - de Mauá à Copacabana. Durante oito anos, recebi o troféu Melhor Atração da Noite, todavia, o mercado estava cada vez pior.

Antes que começasse a passar fome, resolvi conhecer o país que eu mais queria, a Espanha. Mas, logo fui contratado; fui ficando. Voltei ao Brasil em 1999, atuei em várias peças de teatro e retornei às boites, só que era tudo muito difícil. Chamaram-me para voltar à Espanha e, assim, voltei à Madrid.

É verdade que você sobreviveu no Rio graças à uma maracutaia de Raul, que lhe arrumava grana mensal como prestador de serviços para a CBS?

Sim. Graças a Raul e a "seu" Evandro Ribeiro, que era o diretor da CBS. Desde que Raul me apresentou a ele, ficamos muito amigos. Era um gentlemen, muito culto e de bom papo. Ele tinha certeza que, um dia, eu iria estourar. Ele chegou planejar para que eu cantasse salsa.

Evandro me trazia discos dos states. Como eu não tinha emprego, e o compacto gravado sob a direção de Raul não me rendia nada, inventaram-me uma série de direitos conexos. Eu recebia meu tutu e a vida seguia correndo.

Quando Raul o chamou para gravar Sweet Edy, você disse que se surpreendeu muito: "Eu fui o único dos seus amigos da Bahia convidado para trabalhar com ele". Raul estava em início de carreira. Percebia nele o potencial artístico que viria a desenvolver futuramente?

O Sweet Edy não! Para esse LP, o convite veio de João Araújo (pai do Cazuza e diretor da Som Livre), ao me ver atuando no Number One, em 1973. Quando Raul me contratou para gravar na CBS, cheguei a pensar que seria uma brincadeira, justamente por isso.

Havia gente mais importante e mais amiga, como o Thildo Gama e o Waldir Serrão. Eu nunca fui um bom cantor. Sou um cara que canta razoavelmente. Sentia o potencial do Raul vendo compor e produzir seus pupilos. Frequentei sua casa e sabia que ele tinha outras músicas que jamais poderia gravar na CBS.

Principalmente, como cantor. Para explodir, tinha de sair de lá. Foi o que ele fez.

"Edy Star" é verbete no Dicionário de Artes Plásticas do Brasil, de Roberto Pontual. Fale sobre essa sua vertente artística.

Eu desenhava desde pequeno e sempre tive bom traço. Depois, enveredei pela pintura, mas sempre como auto-didata. Fiz minha primeira exposição em 1961. Tempos depois, entrei para a equipe da Galeria Bazarte.

Tenho 32 exposições; 16 delas foram individuais. Estive presente em três bienais. Parei de pintar por falta de tempo e espaço. Mas estou voltando aos pincéis.

É verdade que Raul enciumou-se com a sua histriônica versão de "La Bamba", na Rádio Sociedade da Bahia, nos anos 60?

Sim, fui cantor dos programas de auditórios nas rádios de Salvador. Porém, conhecia Raul desde o Elvis Rock Club, ao qual tambem pertenci. Na Rádio Cultura, Raul e os Panteras encerravam o programa.

Não creio que fosse ciúmes: ele estava era puto da vida por ter que acompanhar uma bicha louca, como eu, enlouquecendo o auditório. Depois, fomos nos aproximando por meio dos papos de ensaios. Ficamos grandes amigos. Fizemos, inclusive, alguns shows juntos.

Qual era a melhor qualidade do Raul?

O bom-humor e o profissionalismo.

Como era a relação artística de vocês?


A melhor possível. Às vezes, discordávamos do valor de uma música ou outra. Mas isso nunca nos afetou, aliás, muito pelo contrário. Raul sempre me pedia para cantar o bolero mexicano "Suicídio".

Ano passado, lendo o livro Baú do Raul Revirado, li que esse bolero era a segunda canção preferida de Raul.

40 anos depois, como definiria o álbum Sessão das 10?

É um disco atualíssimo. Muito inventivo e divertido. Não fica a dever nada ao de outros movimentos. Dos álbuns de Raul, para mim, os dois mais importantes são: Sessão das 10 - é nele que Raulzito dá a virada em sua carreira e, também, porque assina, pela primeira vez, Raul Seixas; depois, Krig-Há- Bandolo!, pois é o primeiro no qual assume seu lado cantor e assina todas as composições.

Como era integrar o quarteto kavernista?

Nunca nos consideramos fantásticos ou grandes artistas. Éramos só um pessoal na batalha para estourar um disco diferente. O único elemento que destoava era a Miriam, que vinha de São Paulo. Tinha outra cultura e outra procura pelo sucesso.

Eu, Sérgio e Raul éramos, praticamente, nordestinos unidos nos deboches, nas piadas, nas críticas e no humor. Curtíamos um bom baseado para abrir a cuca, podes crer!

Há planos de voltar ao Brasil e gravar um álbum?

Não tenho gravadora e nem estou na mídia!

Comos seria se gravasse um disco novo?

Cheguei a fazer um projeto celebrando Raul Seixas. Contudo - de repente - tinha muita gente fazendo o mesmo. Também pensei num novo Sweet Edy, mas com o nome de O Último Kavernista. Ou, então, um disco com músicas do folclore nordestino.

Ou, quem sabe, faço um álbum independente de salsa e merengue: junto-me à uma banda decente com duas piranhudas indecentes mostrando a bunda. Pode não primar pela moral e pelos bons costumes, mas é o que o povão brasileiro gosta no momento. É a nossa cultura, né?