POR CRISTIANO BASTOS - MAGAZINE BRAZUCA
Começo de noite no Copacabana Palace, Rio de Janeiro. Quando Sérgio Mendes desce para conceder a entrevista, pontualmente às 18h, os hóspedes do luxuoso hotel ainda aproveitam a imensa piscina do restaurante Pérgula.
O pianista chega com os cabelos impecavelmente penteados para trás, úmidos do banho. Veste a combinação camisa branca e jeans. O perfume é uma fragrância masculina marcantemente cítrica.
Mendes trocou o Rio por Los Angeles há muito tempo.
Em 1961, estreou com o Sexteto Bossa Rio, com o qual gravou o disco Dance Moderno. Excursionando pela Europa e pelos Estados Unidos, registrou vários álbuns ao lado de músicos consagrados, como Cannonball Adderley e Herbie Mann.
Mendes mudou para os EUA em 1964, onde produziu dois álbuns sob a chancela do Brasil '64. Lá começou o grupo Sérgio Mendes & Brazil '66, o qual ganhou sucesso mundial com a versão de "Mas que nada", de Jorge Ben, embalada na batida da bossa nova.
Relaxado no hall do Copacabana Palace, o homem que, em 1967, tocou na Casa Branca para o presidente Nixon e ganhou o Grammy de melhor álbum de World Music faz um pedido simples: água com gás e pedras de gelo.
Seus olhos brilham quando fala de seu amor pela música brasileira.
Com o gravador desligado, diz que o segredo do sucesso é zelo: "É o músico estar a par de tudo que acontece". No meio da conversa ganhou um beijo na testa do filho Tiago, 14, roqueiro que chegou vestindo t-shirt dos Sex Pistols.
No fim da conversa recebeu telefonema de Gustavo, filho mais velho do casamento com a segunda esposa, Gracinha Leporace – sua cantora favorita, como frisou na entrevista.
Sérgio Mendes está no Brasil para o pré-lançamento do seu novo álbum de sucessos, Encanto.
A meta é suceder Timeless, que vendeu mais um milhão de cópias. Tal qual o anterior, Encanto é outra caleidoscópica obra de Sérgio Mendes.
Tem participações de Herb Alpert, Lannie Hall, Natalie Cole e de brasileiros como Carlinhos Brown e Toninho Horta.
A recriação do maior hit de sua carreira, "The Look of Love", de Burt Bacharach - interpretada por Fergie, do Black Eyed Pea e produzido por will.i.am - é a promessa de estouro. A canção segue a fórmula de sucesso que reviveu "Mais que Nada" em Timeless.
Após lançar Encanto no Brasil, o pianista planeja sair em turnê pela Europa e Ásia. Depois quer voltar ao Cannegie Hall, palco no qual Sérgio Mendes pretende repetir o êxito de 40 anos atrás.
Há quatro décadas, o disco Herb Alpert Presents Sergio Mendes & Brazil 66 vendia milhões de cópias conquistando os Estados Unidos, a Europa e, por fim, o mundo.
Sua música influencia artistas pop "world music" como Beck e David Byrne e também jazzistas. É o caso de Winton Marsallis. Quando começou desconfiava que seria assim?
Sérgio Mendes - No inicío da carreira a gente nem pensa. É difícil prever o que vai acontecer – sempre é o elemento surpresa. O mais importante, nesse tempo todo, e até hoje, sempre foi a curiosidade, a vontade de fazer coisas diferentes e de trabalhar com músicos e cantores de várias partes do mundo. A disponibilidade de aprender e de trocar idéias musicais com outras pessoas sempre foi um traço de minha personalidade. No Brasil, tive vários grupos e acompanhei muitos cantores e cantoras. Fiz bailes em Niterói e toquei em boates do Rio. Foram experiências muito importantes para minha carreira internacional.
Qual o momento mais marcante do seu início nos Estados Unidos?
Mendes - Quando cheguei, em 1962, fui ao Birdland escutar o saxofonista Cannonball Adderley, meu ídolo. Cannonball me convidou para tocar com ele e eu, nervosíssimo, aceitei. No dia seguinte, me chamou para fazer um disco. A partir daí outros encontros aconteceram: Herb Alpert, Frank Sinatra, Fred Astaire. Há quatro anos, will.i.am aparece em minha casa com meus discos, se dizendo fã e que adorava minha música. É sempre renovador conhecer novos músicos e ter essa troca. Sempre me surpreendo quando Beck e bandas como Metallica, por exemplo, vem me dizer influenciados pelo "Sérgio Mendes Sound".
Nos álbuns Timeless e Encanto, o que os novos artistas acrescentaram aos velhos clássicos?
Mendes - O encontro desses jovens com meu trabalho – energia nova. Quando regravo "Mais que Nada", por exemplo, grande sucesso há 40 anos e de novo, em 2006, é sucesso mundial, tem muito a ver com a melodia de Jorge Ben e com a canção, que é eterna. Mas, também tem a ver com a cara nova que o Black Eyed Pea deu à música.
O que difere Timeless de Encanto?
Mendes - Timeless foi uma constelação de astros convidados: Marcelo D2, Erykah Badu, Justin Timberlake, Jill Scott, Stevie Wonder interpretando grandes melodias e os clássicos da música popular brasileira. Em Encanto tentei fazer algo mais "internacional". O repertório ainda são os clássicos da MPB cantados em inglês, português e castelhano. Encontrei o Giavanotti na Itália e fizemos "Lugar Comum", do João Donato, cantando em português; ele respondendo em italiano. Tem o jovem colombiano Ruanes, atualmente o maior cantor em língua espanhola. Fergie, que, diria, é a cantora mais popular do mundo. Decidi refazer "The Look of Love" - quatro décadas depois do sucesso seu estrondoso - com Fergie numa versão funk pancadão. "Água de Beber" virou rap com will e a participação de Toninho Orta. É um disco mais colorido, tem mais caras e lados. A idéia é a mesma de Timeless: colaboração criativa entre músicos de diversos lugares. "Encanto" é uma palvra linda: representa o charme, perfume e sensualidade da música brasileira.
Você foi um dos responsáveis pela popularização da música brasileira no mundo. Dá para explicar a atração exercida pela musicalidade do Brasil?
Mendes - É uma atração do mundo, não só dos Estados Unidos. O encontro de Stan Getz com Tom Jobim, João Gilberto e Astrude foi um momento único da nossa música. O interesse sempre existiu e continuou. O fenômeno Brasil 66 foi um caso disso. A atração aconteceu justamente por conta da originalidade, da sensualidade e, especialmente, pela força das grandes melodias que as canções têm.
Você acompanha a música brasileira feita hoje? Acha legítimas manifestações como o funk, por exemplo?
Mendes - Ouço o que me chega aos ouvidos. As pessoas me mandam muitos discos do mundo inteiro. Recebo coisas do Brasil, da Europa, da África. Estou sempre ouvindo, mas, hoje em dia, é impossível ficar a par de tudo o que está acontecendo. Estou sempre ligado. Tenho um filho de 14 anos e outro de 21. Prefiro não falar sobre isso porque vou acabar esquecendo de citar coisas muito importantes. O Brasil é uma usina de novas energias – inclusive, funk, rap e pagode vão nessa esteira. A diversidade é a coisa mais forte da música brasileira, não há dúvida.
Jorge Mautner escreveu, na edição pirata da Rolling Stone brasileira, em 1972, que Roberto Carlos foi o "primeiro ídolo pop panamericano", pois transitava por Cuba, México e países sul-americanos. Concorda com tal, visto que, na época, você também alcançava sucesso internacional?
Mendes - Concordo plenamente com Jorge Mautner – está certíssimo: Roberto Carlos é um artista da maior importância no mundo.
Encanto reúne vários convidados especiais. Como conseguiu juntar tantos nomes?
Mendes - O processo foi parecido com Timeless. Quando gravei, tinha ideia de quem gostaria que participasse. Eu telefonava para as pessoas perguntando se queriam fazer parte do projeto. A sorte é que todas quiseram.
Do lançamento e Oceano a Timeless passaram-se dez anos. Porque o grande intervalo entre um álbum e outro?
Mendes - Depois de Oceano fiquei sem idéias. Foi importante ter dado uma parada nas gravações para reformular a cabeça. Foi ótimo. Voltei aos estúdios renovado.
Como Herb Alpert ajudou em sua carreira?
Mendes - Ele foi muito importante. O Brasil 66 começou na sua gravadora, a A & M Records (Alpert & Moss), que muita gente pensava ser Alpert & Mendes. Infelizmente não era verdade (risos). Alpert me convidou para fazer parte do cast da gravadora, produziu meu primeiro disco e acabou casando com uma das minhas cantoras, Lannie Hall. Em Encanto, convidei Herb para tocar trompete e Lannie, para cantar. É uma amizade de mais de 40 anos.
Ainda lembra a sensação de tocar no célebre concerto da bossa nova no Carnegie Hall, há 40 anos?
Mendes - Foi uma experiência maravilhosa. Na época, eu tinha o grupo Bossa Rio. A idéia de chegar aos Estados Unidos, pela primeira, vez e tocar no Carnegie Hall era o sonho que se concretizava. Toquei com Tom Jobim e João Gilberto e depois conheci Stan Getz e Dizzy Gillespie. No dia seguinte fui ao Birdland conhecer Cannonball Adderley.
Qual a melhor recordação que gurda de sua carreira?
Mendes - Fiz duas turnês com Frank Sinatra: uma em 1968, outra em 1980. Rodamos o mundo todo e ficamos muito amigos. Eu abri os espetáculos de Sinatra com o meu grupo. Também trabalhei com Fred Astaire. Astaire dançou "The Look of Love" na entrega do Oscar de melhor canção, em 1968. Não levou o prêmio, mas, só vê-lo dançar, enquanto tocávamos, foi incrível. São esses percursos mavavilhosos que tive a sorte de ter.