Após anos batendo cabeça, o Governo Federal ainda luta para encontrar alternativas na guerra contra a incontestável epidemia do crack
POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR
Brasília, 19h. No horário de pico, mais de um milhão de pessoas circulam diariamente pela rodoviária da capital federal. A Praça dos Três Poderes repousa metros à frente, emoldurada pela visão dos monumentais edifícios que guardam o Executivo, o Judiciário e o Legislativo – Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, respectivamente.
POR CRISTIANO BASTOS - ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR
Brasília, 19h. No horário de pico, mais de um milhão de pessoas circulam diariamente pela rodoviária da capital federal. A Praça dos Três Poderes repousa metros à frente, emoldurada pela visão dos monumentais edifícios que guardam o Executivo, o Judiciário e o Legislativo – Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, respectivamente.
Os arredores refugiam, também, a cracolândia mais movimentada do Plano Piloto. O conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer, Patrimônio Cultural da Humanidade, não tombou imune à presença deste que hoje é, possivelmente, o mais agudo dos flagelos sociais brasileiros.
Valdeir Carlos Neves é mais uma dessas "almas químicas" cujas mãos brandem um cachimbo nos quatro cantos do Brasil. Na concretista paisagem, o rapaz baiano de 25 anos fuma crack escondido nas reentrâncias do Teatro Nacional, cara a cara com o poder. Consome mais de 20 gramas por dia.
"Em qualquer canto 'nóis' fuma”, conta, parecendo atribulado.
Ele tem a companhia de Juliana Soares da Silva, 18 anos, que saiu do interior de Goiás para perambular por Brasília atrás da pedra. Ela queima, literalmente, R$ 100 todos os dias, dinheiro que ganha à custa de programas, mas diz sonhar com um emprego.
"Quando a gente ocupa a cabeça com alguma coisa, não pensa em droga", diz. O vício, porém, tem apelo maior. Inquieta, a jovem avista um traficante e, sem paciência para a entrevista, corre ao seu encontro, aos gritos:
"Dá um oxi aí! Um real?"
O flagrante cenário, que não é exclusividade de Brasília, carrega simbologias preocupantes. A mais marcante delas é a inconcebível miopia do poder público diante de tão gritante problema social. Outra, de ordem econômica, escancara a facilidade de acesso que usuários de todas as idades e classes sociais têm ao devastador veneno.
Correndo paralelo à onda de corrupção que assolou o Brasil nos últimos meses, o crack também é uma "pedra no sapato" do Governo Federal. E não é de hoje. A epidemia vem anunciando-se há mais de duas décadas. Começou no governo de Collor (o primeiro registro oficial de uso da droga no Brasil data de 1989), instalou-se no período de FHC e consolidou-se nos anos Lula.
Cabe lembrar que, nas eleições presidenciais de 2010, o combate ao crack foi uma das grandes plataformas alardeadas durante a candidatura de Dilma Rousseff.
"Será uma luta sem quartel", a então candidata garantiu.
Em maio do ano passado, a promessa ganhou reforço fundamental do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, próximo ao fim de seu mandato, decretou o Plano Integrado para Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas.
Os R$ 410 milhões destinados ao plano foram repartidos entre os ministérios da Saúde, Justiça e Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Interministerial, a ação coliga três frentes: combate, prevenção e tratamento.
Mais de um ano depois, todavia, os resultados ainda são timidamente visíveis. Até o presente momento, para utilizar um jargão do meio, a estratégia não "decolou".
Vinculada ao Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), criada em 2004, desde abril vem anunciando a divulgação daquele que deverá ser o "maior estudo sobre usuários de crack do mundo".
Postergado, o levantamento deveria sair em junho, mas voltou a ser adiado. Agora sem data específica, a Senad promete sua publicação ainda para este ano. Realizado com 25 mil usuários de crack em todo o território nacional, o estudo vai traçar o mapa das principais cracolândias brasileiras.
A pesquisa custou R$ 6,9 milhões financiados pelo Plano Integrado e está sendo elaborada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Princeton University.
De acordo com a médica Paulina do Carmo Duarte, diretora da Senad, o objetivo é colher dados estatísticos reais das grandes cidades à zona rural. "Não temos, neste momento, nenhum número exato sobre o consumo de crack no país. O que há, até agora, são meras especulações", ela admite.
À época do lançamento do plano, Lula ainda observou a importância de se contar com números fidedignos sobre a epidemia: “Precisamos acabar com o ‘achismo’ e entender com precisão o problema do crack”, declarou.
*Você continua lendo esta matéria na edição 60 da Rolling Stone Brasil, setembro/2011