quinta-feira, 23 de setembro de 2010

eNTREVISTA cOM vICENTE cELESTINO - o éBRIO

No dia 23 de agosto de 1964, Vicente Celestino - "Voz Orgulho do Brasil" -, na ilustre presença de Orlando Silva - "O Cantor das Multidões", foi recebido pelo radialista Moraes Sarmento no seu famoso radiofônico da Bandeirantes.
Celestino concedeu essa entrevista que, muitos anos depois, ainda se comentava, ficou na história. Ouça os principais trechos e depois faça uma viagenzinha no Túnel do Tempo.
Parte 1 - 2'36"
Preâmbulo de Moraes no qual destaca a importância do seu
convidado no cenário musical brasileiro e seu prazer em recebê-lo



Parte 2 - 1"48"
Vicente Celestino agradece as palavras elogiosas e coloca-se
à disposição para o bombardeio de perguntas do radialista



Parte 3 - 2'32"
Celestino, grande conhecedor da obra de Catulo da Paixão Cearense
e um dos seus grandes interpretes, esclarece uma dúvida de Sarmento
e conta suas andanças pelos "Chopes", antigo nome das Boites



Parte 04 - 2'18" e 05 - 2'30"
Nos dois trechos, Orlando Silva fala de sua amizade com
Celestino e de sua primeira gravação em disco. E da tremedeira
ao ouvi-la em 1934. Celestino gravou seu primeiro disco em 1915,
uma gravação mecânica direto na matriz, como ele mesmo conta



Parte 06 - 1'43"
Celestino explica a gravação que vai ser irradiada a seguir:
"Brejeiro", de Ernesto Nazaré. Porém com letra e outras curiosidades



Parte 07 - 3'26"
Celestino interpreta "O Sertanejo Enamorado",
uma gravação brejeira como a música original cantada
"como se cantava naquele tempo". Gravação rara



Parte 08 - 1'53" Vicente Celestino fala sobre
sua carreira lírica, interrompida em 1935 pelas
agruras de quem tenta fazer carreira no teatro lírico no Brasil



Parte 09 - 48"
Sarmento encerra pretendendo repetir o
encontro com Celestino, neste ou no outro mundo!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

tININDO tRINCANDO!

O maior entre os grandes discos nacionais de todos os tempos, a obra-prima Acabou Chorare é fruto de uma experiência coletiva e livre, que tem no samba e no rock suas mais fortes raízes
POR CRISTIANO BASTOS
FOTO: PEPEU GOMES/ARTE: LULA MARTINS
EM 1883, O PATRIARCA DA INDEPENDÊNCIA José Bonifácio de Andrada e Silva declarou que a crucial diferença entre o Brasil e os outros países cabia em uma única palavra: "amálgama".
No entendimento de Bonifácio, o DNA cultural da nação estaria profundamente amalgamado. Os demais povos teriam "diversidade".
A profusão verde-amarela também é perfeita para entender as razões da atemporalidade do álbum Acabou Chorare, gravado há 38 anos pelos Novos Baianos. Em votação feita com especialistas, em 2007 a Rolling Stone elegeu o disco "o maior da música brasileira de todos os tempos".
Este ano, lançamentos videnciarão o "bando" que, no fundo, nunca se desfez, e arrebatarão velhos e novos fãs com gravações, filmes e livros. Todos com força para novamente erigi-los ao panteão da memória musical brasileira - da qual, na verdade, nunca foram deletados.
A mais aguardada novidade é o documentário Filhos de João - O Admirável Mundo Novo Baiano, de Henrique Dantas.
A produção focaliza a interferência "divina" de João Gilberto, "produtor espiritual", parafraseando o novo baiano Moraes Moreira, sobre os rumos da banda. E, por outro ângulo, enquadra o segundo capítulo desse encontro que resultou na obra-prima Acabou Chorare.
Na última edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o documentário amealhou o Prêmio do Júri Popular e, neste ano, ganha os cinemas nacionalmente. Jorge Mautner saúda o poderoso amálgama de Acabou Chorare como "o segredo brasileiro".
Moraes, um dos fundadores, endossa: "Os Novos Baianos só foram possíveis por causa da congregação de pessoas. A união fez a música", abrevia o "vaqueiro do som", apelido dado pelo preceptor João Gilberto. Conterrâneo, o múltiplo Tom Zé foi outro deles.
Antigamente, explica Mautner, quando o Brasil ainda não havia descoberto sua identidade cultural, comentava- se que o país fora amaldiçoado por "três raças tristonhas" - negra, indígena e lusitana. Hipótese que, obviamente, ele refuta.
Mas ufaniza:
"Os brasileiros são a etnia mais otimista e alegre do planeta!". Distante daqui, outros pensadores deram-se conta da "verdade tropical".
No século 19, o poeta norte-americano Walt Whitman professou que o Brasil seria o "vértice da humanidade" - probabilidade que, a história prova, não passou batida pelo olhar de gênios pátrios da estatura de Villa-Lobos, Mário de Andrade e Ary Barroso.
O amálgama também seduziu outros menos bem-sucedidos, mas banhados em criatividade. Caso do grande compositor, e exímio fracassado, Assis Valente. Em 1940, o carioca teve destreza para criar o samba-exaltação "Brasil Pandeiro" (que prefacia Acabou Chorare) e, inversamente, autenticar a "valentia" sugerida por seu sobrenome.
Endividado, Valente suicidou-se ingerindo uma dose de guaraná e formicida. Até na escolha do veneno celebrou amor à pátria. Assis Valente vende o país como ninguém nos versos de "Brasil Pandeiro":
"O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada".

Dá para dizer que cada um dos "lados" do LP Acabou Chorare foi arquitetado em endereços distintos. O A no apartamento em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, onde os Novos Baianos aquartelavam-se; e o B no sítio-comuna alugado em Jacarepaguá, Zona Oeste.
Na plaqueta em formato de bandeira do Brasil afixada na porteira do sítio, onde se deveria ler "Ordem e Progresso" estava escrito "Cantinho do Vovô". De 1971 a 1975, o combo se resguardou das agruras militares no retiro que também foi lar, estúdio e campo de futebol - três das coisas que mais interessavam a todos ali conjugados.
No Cantinho do Vovô, o samba cinco estrelas dos Novos Baianos pulsava suave, contente e distorcidamente roqueiro.
Acabou Chorare deu o pontapé inicial (verdadeiro "gol de placa") no cast da recém-criada gravadora Som Livre, fundada pelo produtor João Araújo, também conhecido como pai do astro Cazuza.
As gravações deram- se no estúdio fluminense Somil, especializado em áudio para cinema. Como "centroavantes", o time que tocou no álbum reunia Moraes Moreira (violão-base), Paulinho Boca de Cantor (vocais e pandeiro) e Baby Consuelo (afoxé, triângulo e maracas).Luiz Galvão era o "médium" que decodificava a loucura coletiva em poesia.
Esses quatro são o núcleo-base da banda reunida em Salvador, em 1969.
A armada baiana também arregimentava outros guerrilheiros. O sólido "wall of sound" dos Novos Baianos era cimentado pelo conjunto A Côr do Som, cuja batuta pertencia ao guitarrista Pepeu Gomes.
Em parceria com Moraes, Pepeu cinzeleva os trançados arranjos das canções, além de cuidar da afinação de todos os instrumentos.
A tripulação completava-se com Jorginho (bongô e cavaquinho), Baixinho (bateria e bumbo), Dadi (baixo) e Bolacha (bongô), recentemente falecido. Ainda juntavam-se a eles o dançarino Gatto Felix e o percussionista Charles Negrita.

Joia do neologismo brasileiro, a expressão "Acabou Chorare" foi cunhada pela então criança, hoje a internacional cantora Bebel Gilberto, filha de João Gilberto e da compositora Miúcha. O novo vocábulo, literalmente, "caiu de maduro".
Encerrada longa temporada entre México e Estados Unidos, o bossa-novista declarara chega de saudade" e regressara ao Brasil. A pequenina Bebel ainda se confundia com a indefinida fluência entre três idiomas: inglês, espanhol e português.
A frase escapou após a arteira menina ter se espatifado no chão batido do Cantinho do Vovô. A infante abriu o berreiro. O zeloso pai levava um som com os pupilos e na hora largou o violão para acudi-la.
Bebel notou a preocupação do pai. Para deixá-lo tranquilo, soltou frase singela que a todos enfeitiçou:
"Não machucou papai, Acabou Chorare."
Os músicos apaixonaram-se de cara tanto pela poética como pela fonética da sentença, quase um slogan "Na minha cabeça, até hoje Acabou Chorare é um disco que foi 'feito pra mim'", segreda Bebel.
A madrinha Baby Consuelo lê o significado da frase vinculado ao cerco político repressor daqueles dias. "Esotericamente saídas da boca de uma criança, tais palavras nos mostravam que chegara a hora de acabar com o choro. Tínhamos lacrimejado demais. Queríamos o Brasil alegre de volta", metaforiza Baby.

Com raras exceções, em 1972 as condições técnicas dos estúdios brasileiros sofriam de crônica anemia. O registro de Acabou Chorare, porém, fluiu sintonizado no alto-astral do Cantinho do Vovô. João Araújo destacou o músico Eustáquio Sena para produzir a "bolacha", mas ele próprio acompanhou de perto todo o processo.
As sessões foram tramadas em quatro diminutos canais - quase insignificantes, se comparados ao suntuoso padrão atual. Em estúdio, não se permitia errar. Sempre o lema: acertar. Primeiramente, os fonogramas eram gravados em quatro canais, os quais depois eram reduzidos para dois.
Por último, eram inseridas as vocalizações na máster mixada.
"Se um marcava bobeira todos tinham de re petir o take. Só que estávamos pra lá de ensaiados. O repertório 'tinia e trincava'", graceja Paulinho Boca de Cantor, para o qual a artesanal metodologia deu ao disco a sensação de "quentura", como se gravado ao vivo.
Moreira é certeiro: "Parecia que a gente tinha ensaiado a vida toda".
Araújo foi majoritário responsável pela confecção de Acabou Chorare (cuja gravação chegou a ser cogitada em dois canais) em quatro pistas - o que, no fi nal, mudou a história da obra por completo.
O disco foi gravado no estúdio carioca Somil, especializado em áudio para cinema. A nascente Som Livre, na época, ainda não tinha estúdio próprio.
Araújo previu o fatal sucesso dos hoje clássicos "Besta É Tu" e "Preta Pretinha". Animava a todos dizendo: "Será nossa consagração! Venderá mais de 100 mil discos", recorda Boca de Cantor. "Preta Pretinha" foi a primeira a vazar e também a estourar.
Semanas antes de ser lançada, a canção ensejava o frêmito que viria a se tornar.
"Algumas pessoas tinham assistido nossos ensaios abertos e a disseminaram", conta Paulinho. E não deu outra: "Preta Pretinha" foi arroubo instantâneo. Glória maior só logrou "Acabou Chorare".
A faixa-título estacionou no dial das rádios e por lá ficou 30 semanas entre as mais executadas. Em 1972, a nova bossa dos baianos era a mais ouvida de norte a sul.
A Som Livre estreou seu cast (que, entre outros artistas, abrigou Tim Maia e Rita Lee) com a contratação dos Novos Baianos. Tudo começou com um telefonema de Caetano Veloso. O baiano ligou à tarde recomendando seus conterrâneos e, na mesma noite, a turma baixou na residência do produtor:
"Pepeu, Moraes, Paulinho e Baby Consuelo, toda de branco e com a cabeça enfeitada por um retrovisor de Fusca. Parecia uma 'Mãe-de- Santo da Volkswagen'", diverte-se Araújo ao reviver o frutífero encontro.
Contando 7 anos de idade, Cazuza ficou fascinado com a extravagante estampa dos Novos Baianos. "Cazuza ia ao refrigerador e buscava comida pra eles", conta o pai. Baby conclui:
"Ele [Cazuza] deve ter oferecido a geladeira inteira pra gente". Futuramente, Cazuza revelaria que fora essa a primeira vez que pensara em ser artista.
Nessa fatídica noite, a animada (e esfaimada) caravana levantou acampamento na residência do mecenas Araújo. Vararam a madrugada cantando e proseando. Moraes pegou no violão e não soltou mais, o produtor recorda.
Os quatro baianos sacaram a recém-composta "Preta Pretinha" e a apresentaram.
"Desfilaram uma porção de canções e entendi que sobrava originalidade. Muito 'porra-louquismo', sim, mas com carisma e apelo irresistíveis. O repertório era todo comercial, cantável e variado", elogia.
Começava aí a "Invasão Baiana".

Acabou Chorare foi a bomba-relógio com data marcada para eclodir em matizes verde-amarelas naquela alvorada cinzenta de 1972. A trupe inteira envolveu-se efusivamente no entrelaçamento do artefato.
Burburinhos sobre sua inevitável explosão corriam pela cidade. Repórteres eram destacados ao estúdio Somil com a missão de desvendar a causa de tanto falatório em torno daquele "bando de freaks".
Detalhe importante: o vinil foi trabalhando às altas horas da madrugada, o que só amplia o seu esoterismo. A "orquestra" baiana ingressava no estúdio à noite e saía apenas ao raiar do dia.

Os inúmeros e imprevisíveis contratempos, os Novos Baianos sublimavam com os melhores predicados trazidos por cada um deles: criatividade, inventividade, engenhosidade.
O engenheiro de áudio João Kibelkstis (que gravou o LP Força Bruta, de Jorge Ben) recorda que, em 1973, os Novos Baianoinauguraram o gravador Scully oito pistas recém-comprado pela Continental, major onde editaram o disco seguinte, Novos Baianos F.C.
O experimentado engenheiro afirma que oito ou mais canais não faziam diferença. "A expertise com gravações diretas era um grande trunfo que tinham." Moraes Moreira diz que nem queriam saber: "Nosso lance era tocar".
Kibelkstis vem com o irrefutável ensinamento: "Máquinas serão sempre acessórios", prega o homem que cuidou das intocadas vozes de Nelson Gonçalves e de Orlando Silva.
Todavia, a aberrante distorção evitada pelos técnicos de som da velha guarda, justamente, era um dos efeitos perseguidos pelo hábil guitarrista Pepeu Gomes. Para obtê-la, lançava mão de muita "maluquice e pesquisa".
A Gianinni Supersonic de Pepeu fende suas bem-vindas distorções em números mais nervosos de Acabou Chorare, como "Mistério do Planeta" e "Bilhete pra Didi" (do irmão Jorginho Gomes).
Embora careta, o engenheiro e amigo Paulo César Salomão materializava os loucos insights do guitar hero. Pepeu o exortava: "Quando tocar meu som no rádio quero que digam: 'É a guitarra do Pepeu!'"
Diligente, Salomão varava madrugadas estudando eletrônica. Seu mérito deve ser reconhecido: são as pequenas filigranas que qualificam a alta envergadura desta obra. Ainda não havia recursos para comprar peças novas para a guitarra.
Salomão melhorou o som da Supersonic entalhando o instrumento, dentro do qual acoplou capacitores removidos do televisor (não assistido) que a família tinha no sítio. As façanhas obtidas com o "truque do televisor" estão premidas na abelhuda estridência de faixas como "Bilhete pra Didi" e, especialmente, no solo hendrixiano de "Mistério do Planeta".
O popular alarido de Acabou Chorare catapultou os Novos Baianos às massas. Aos borbotões, convites de emissoras de TV desaguavam no Recanto do Vovô. Desde os populares Fantástico e Chacrinha, estrelaram os programas mais apurados, como o Ensaio, na TV Tupi.
Os brasileiros ansiavam "ver" as súbitas vozes cuja musicalidade irradiava para a intimidade de seus lares. O interesse também foi internacional. Em 1973, no auge da fama o diretor Solano Ribeiro filmou o televisivo Novos Baianos F.C. Realizado sob encomenda da TV alemã, o especial foi premiado no Festival Europeu de Televisão, na Áustria.
Fora a elementar síntese de rock, samba e brasilidades afins (inconcebível há 38 anos) alinhavada em Acabou Chorare, outra saliente presença é a do samba de roda alforjada por Moraes Moreira de sua Ituaçu, no interior baiano.
"Eu trazia a influência do rádio, das serenatas, das bandas marciais e do alto-falante", ele pontua.
Para Tom Zé (mestre que, em Salvador, transmitiu a Moraes suas primeiras lições de violão), o regional atuante por trás de todo Acabou Chorare nada mais é do que "samba de roda elevado à categoria de erudito".
Antes de prosseguir na afortunada trip que foi a concepção de Acabou Chorare convém brevemente, deter-se na enxuta discografia da banda até então. Em 1969, colheram alguns louros com o LP É Ferro na Boneca!, cuja música-título tocou bastante nas rádios.
Também editaram os compactos simples Colégio de Aplicação (1969) e Volta Que o Mundo Dá (1970). No mesmo ano, ainda lançaram o duplo contendo as faixas "Psiu/29 Beijos" e "Globo da Morte/Mini Planeta Íris", embrionária da mística "Mistério do Planeta".
Em 1972, a capa de Acabou Chorare recebeu prêmio de melhor produção gráfica do ano. A arte leva assinatura de Antônio Luis Martins, mais reconhecido como "Lula", protagonista do cult-movie Meteorango Kid - Herói Intergaláctico (1970), de André Luiz de Oliveira.
A produção de Meteorango emaranha-se aos primórdios soteropolitanos do grupo. Na RGE, o artista fizera a capa do compacto Os Novos Bahianos. Para Acabou Chorare, desenvolveu uma técnica de desenhos à base de canetas hidrocor e esferográficas.
Lula afirmava pintar "a cor do som".
Questões financeiras, porém, reduziram o número de fotos coloridas, o que veio a alterar o projeto originalmente concebido. "Mais tarde observando vi que os retratos em preto e branco acentuavam o grafismo da arte."
Outra feita por Martins é a surrealística capa do álbum Caia na Estrada e Perigas Ver, de 1976. ]
As letras de Acabou Chorare são caso - ou capítulo - particular. A começar pelo resgate, sugerido por João Gilberto, de "Brasil Pandeiro". O grande sucesso "Preta Pretinha" surge duas vezes no LP. A primeira versão tem seis minutos de duração, e a segunda, editada pela Som Livre, pouco mais de três minutos.
"Por fim, a mais tocada foi a mais extensa", observa Moraes Moreira. Nos shows, entrava emendada num pot-pourri que tinha "29 Beijos" e "Oba-Lá-Lá" - pinçada de Chega de Saudade, disco de 1959 do paterno João Gilberto.
"Tinindo Trincando" e "A Menina Dança" possuem valor pessoal para sua intérprete, a niteroiense Bernadete Dinorah de Carvalho - eterna Baby Consuelo. Luiz Galvão, o "interlocutor", as escreveu sob medida para ela. Com seu "nariz arrebitado", Baby refresca-nos a memória:
"A letra diz que 'estava tudo virado' e que cheguei 'após esgotar o tempo regulamentar'. Significava que no tempo em que cantoras fabulosas, como Elis Regina e Gal Costa, bombavam eu trazia meu estilo particular", desvenda.
Esbanjando brejeira brasilidade, aflorada de seu ousado jeito de ser - aliada ao rock e ao blues (do qual evocava o canto spiritual de Janis Joplin) -, Baby Consuelo é uma das fêmeas que fincaram as bases do "rock brasileiro". A outra é Rita Lee.
No caso dos Novos Baianos, Baby também "deu a luz" (maternidade é outra especialidade sua) ao "rockarnaval" - oficial insígnia da banda.
Nos bastidores, borbulham causos sobre a criação do repertório letrístico, muitas vezes cifrado, de Acabou Chorare. "Swing de Campo Grande", assinada por Boca de Cantor, é uma delas Ele conta que, na temporada chumbo-grosso da ditadura, os militares imaginavam que eles fossem "terroristas fantasiados de hippies".
"Praticamente começaram a nos caçar", ele diz. Em seu bojo, a letra, que carrega forte carga mística, tem a ver com o contexto militar. Naqueles dias, Boca de Cantor conheceu um rezador que lhe aconselhara "tranquilidade" nas horas difíceis.
"Ele dizia: 'Vocês [Os Novos Baianos]são gente legal. O mal não colocará seus olhos em vós'. Nossos perseguidores não nos veriam". Foi então que o místico ensinou a simpatia que foi parar na letra da canção:
"Quando receberem mal-olhado virem 'toco', virem 'moita'".
O macete, conforme Paulinho, funcionava tão bem que eles ficaram cinco anos sem pagar o IPVA do automóvel. "Passávamos pelos postos da Polícia Rodoviária e olhávamos para nossas próprias línguas.
Ele nos ensinara que se olhássemos para nós mesmos ninguém nos veria." A música é sobre invisibilidade, portanto.
Por mais inverossímel que seja crer, as substâncias não foram uma obsessão essencial nesta mágica história. Mas também foram importantes, sobretudo, poética e ludicamente. Moraes conta que banda e agregados disputavam acirradas partidas de futebol (dentro do apartamento) loucos de ácido.
Pepeu revela, no entanto, que outras muitas situações psicodélicas foram vivenciadas "de cara".
"A gente tocava no galinheiro, debaixo da árvore. Achávamos que a árvore falava conosco. Nada a ver com drogas. Era feeling. Batíamos na árvore para testar o som. Víamos a natureza em forma de letras e de notas musicais", o guitarrista tenta explicar.
Na opinião de Moraes, o mantra "Besta É Tu" é a toada com maior carga lisérgica de Acabou Chorare.
"O 'besta é tu' é um ritmo baiano do interior repetido à exaustão". Pegamos emprestado do cancioneiro popular. A gente tomava LSD e desatava a tocar o 'besta é tu' interminavelmente", conta Moraes. Galvão, atualmente, afirma estar "pianinho".
Abandou as diversões perigosas: "Hoje em dia, só bebo suco de uva". A ministra evangélica Baby (do Brasil) quer mais é distância de tentações. A heavy "Barra-Lúcifer", do álbum Caia na Estrada e Perigas Ver, ela jura nunca mais cantar em sua vida.
Confesso apreciador de Filhos de João - O Admirável Mundo Novo Baiano, Galvão censura a "fábula" representada no filme, segundo a qual João Gilberto teria "batido à porta" do apartamento dos Novos Baianos, em Botafogo.
Ele contesta a verossimilhança do fato narrado pelo baixista Dadi.
Originalmente, a infeliz versão não partiu do baixista: foi disseminada em 2000 no livro Noites Tropicais, de Nelson Motta. Conterrâneos de Juazeiro, João e Galvão (sem o qual a banda jamais teria arranjado o encontro) são velhos e íntimos amigos.
Galvão chama a versão contada por Motta de fantasiosa:
"Uma noite eles [Novos Baianos] receberam uma visita surpreendente, mas esperadíssima. Antes levaram um susto: o baixista Dadi, de 19 anos, foi abrir a porta e, quando viu aquele senhor de paletó e óculos, muito sério, virou para dentro e avisou: 'Ih, pessoal, sujou! Acho que é cana'. Mas não era: João Gilberto foi recebido como um Messias no apartamento-comunidade de Botafogo".
"Me decepcionei com Nelson Motta", desabafa Galvão. Dadi não lembrou que, no fatídico dia suposto por Motta, quem batera à porta fora Roberto, filho de Dona Helena, dde quem a banda fora inquilina em 1971.
Galvão conta que Roberto era careta antes de conhecê-los. Convivendo com eles, entrementes, convertera-se ao "maconheirismo". "Roberto entrou e logo tacou fogo num baseado. Nem viu que João encontrava-se no recinto. João olhou para Roberto e falou mansamente:
'Quer um chiclete, Roberto?'
Ele devolveu surpreso: 'Hoje ganhei o meu 'chiclete'. Conheci João Gilberto'", o poeta remonta.
Galvão assevera: João Gilberto jamais apertou a campainha de ninguém e nunca comunicava suas idas ao apartamento. O contato, segundo Pepeu, dava-se telepaticamente. João ficava plantado debaixo do prédio e os baianos tinham de se revezar para não deixá-lo partir.
"Quando alguém o avistava era soado o alerta geral: 'O João está lá embaixo!' Descíamos para capturá-lo."
Baby Consuelo usa de feminilidade para descrever o primeiro encontro. Os vizinhos nem sonhavam com a presença celeste do músico no edifício. Para não perturbá- los com o som que entraria noite adentro, Baby teve a ideia de desmontar um profundo armário embutido que havia em seu quarto e de Pepeu (à época casados).
No interior do cômodo, estendeu floreados edredons.
"Montei no apartamento uma enorme tenda que virou nosso 'palco'", ela detalha. Esparramados em volta do Criador, o apostolado baiano ouviu João Gilberto rezar sua missa. A liturgia iniciou com "Brasil Pandeiro", que, de cara, fez crepitar a brasilidade no coração dos "escolhidos".
Foi a primeira das muitas parábolas que desembainhou para acertá-los.
"O conselho de João era apenas um: que nos voltássemos para dentro de nós mesmos para despertar o adormecido gene brasileiro. João mostrou-nos um Brasil bonito e iluminado. Brasil de Herivelto Martins, Noel Rosa e Jackson do Pandeiro."
Após o sobrenatural, assumiram de vez o samba, a bossa nova e o carnaval.
"Passamos a tocar samba como se fosse rock."
De 1969 a 1979, profundos valores de amizade e de respeito mútuo amalgamaram-se numa entidade musical única chamada Novos Baianos, a qual vive até hoje.
A verdadeira alegria de estarem tocando irmanados impressionou o bandeonista argentino Astor Piazzolla, que os conheceu dos tempos dos Festivais Internacionais da Canção da Rede Globo. O argentino dissera jamais ter visto tantos músicos juntos tocando tão contentes.
A felicidade da qual falava Piazzolla é a mesma eternizada nos impecáveis 36 minutos da obra máxima dos Novos Baianos: Acabou Chorare.
É justo saldar débito histórico com o concretismo, vanguarda poética chefiada, no Brasil, pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Augusto de Campos redigiu o texto de apresentação de Acabou Chorare (e também do álbum É Ferro na Boneca!) - no qual entreviu:
"O dom eles tinham. Agora o som mais perto, mais esperto, mais certo. Descobriram o silêncio".
Anos antes, o russo Vladimir Maiakovski, pai do concretismo, evocara milenar presságio sobre um paraíso oculto nos trópicos: "Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz".
Ainda hoje, Augusto de Campos ecoa a sentença grafada há 38 anos sobre os Novos Baianos: "As cartas ainda estão na mesa".

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

eU sOU uM íDOLO pOP!*

Com dois discos para serem lançados e um tributo em sua homenagem em produção, Plato Divorak reforça seu status de herói cult da psicodelia brasileira
POR CRISTIANO BASTOS
1966. O ano do "amanhecer psicodélico" – que, em 1967, culminou no summer of love – alvejou o rock-n-roll, até então uma musicalidade "p&b", com sonoridades multicoloridas. Revolucionários álbuns lançados neste ano alteraram o curso histórico do rock:
Revolver (Beatles), Pet Sounds (Beach Boys), Fifth Dimension (Byrds), Face to Face (Kinks), Freak Out! (Mothers Of Invention), The Psychedelic Sounds of The 13th Floor Elevators (13th Floor Elevators).
Há 44 anos, o ventre do Planeta Terra também paria o ser (humano?) batizado Paulo Alexandre Paixão de Oliveira – o qual atende, porém, pela artística alcunha de "Plato Divorak".
Muito melhor do que apresentá-lo é deixar tais honrarias para a epígrafe que o compositor de mão cheia, que Plato é, escreveu na canção "Eu sou um ídolo pop", que abre um de seus novos discos:
"Hoje eu crio o ambiente das festas de minha juventude. Amanhã estarei de olhos vendados para a sua maldade. Que nasçam os frutos da bonança. Eu não vou compor a minha Yesterday, porque eu sou o Paul McCartney. Só que ele não sabe que ele sou eu… Na escuridão, eu atiro na tarântula. Não gosto de mulheres afetadas. E então, é nessa hora cósmica que proclamo: eu sou um ídolo pop!"

O caminho de Plato para o "estrelato pop" começa em 1988, ao integrar a banda Os Jaquetas e, depois, tocando com Edu K no power trio O.F.F. No mesmo ano, saiu-se com a cultuada Père Lachaise e, em 1994, montou a Lovecraft.
O duo Frank & Plato é de 93 e existe até hoje com o título de Frank Jorge & Plato Divorak e Empresa Pimenta. Plato Divorak & Os Sha-Zams foi seu primeiro projeto combo-solo. Com o Momento 68, Divorak gravou Onde estão suas canções?, álbum de 1999, com Sandro Garcia (hoje no Continental Combo).
Plato & Os Analógicos veio em 2004: "De 1996 a 2004, me dediquei quase que integralmente às gravações-solo — uma espécie de ‘Jovem guarda de expansão’: muita lisergia, ritmos brasileiros e rock", Plato explica.

Dono de vasta produção musical, Plato Divorak é persona essencial do underground não só porto-alegrense, como mundial e brasileiro, ao lado, por exemplo, de Jorge Amiden (da cultuada e esquecida banda carioca Karma) e—ousaria dizer—do mutante Arnaldo Baptista.
A verdade é que Plato Divorak, usando de expressão de sua lavra, "nunca está dormindo". Ele não para, ou melhor, nunca parou de compor. Em abril, o compositor gravou 18 músicas novas.
Três delas estão no recém-lançado single virtual Psychodisk. Nele, Plato Divorak apresenta três novas canções, hits-instantâneos que farão parte de seu próximo álbum, Space Fusion, em fase de finalização.
Para 2010, além de Space Fusion, Plato prepara suas cartas para o lançamento de Plato Divorak & Os Exciters, disco inédito pronto desde 2007 e, também, pelo tributo que vem sendo produzido a todo vapor pelo jornalista brasiliense Pedro Brandt.
A NOIZE ouviu os três lançamentos com exclusividade.
"Eu crio uma filosofia musical para os heróis deserdados de outras eras. Esse rock intransferível, uma abrupta paixão por autores, bandas e artistas dos espetaculares anos 60 fazem parte de nossa vida ainda hoje. Estou na terceira camada ou no subterranean sixties", diz Plato sobre sua arte lisérgica.
Para os registros sonoros (tanto o disco com os Exciters, quanto os mais recentes), Plato, mais uma vez, contou com o abrilhantamento do produtor Thomas Dreher.
No disco gravado este ano, Plato e o guitarrista Leonardo Bomfim também contaram com o especial little help do guitarrista Julio Cascaes (Hipnóticos) e do Gésner Mess (Maria do Relento), um dos fieis escudeiros de Plato. Ambos "xamânicos", ele conceitua os parceiros.

Plato define as três faixas do single, que conta com "A mulher brasileira é a mais linda" e "Crematory Boys", como "uma diversificada sugestão autoral". A primeira canção é uma espécie de samba-rock psicodélico que remete a Jorge Ben fase Tábua de Esmeralda, e a segunda tem o clima The Who/Pink Floyd dos primórdios:
"Coisas que saíram de moda em Porto Alegre, mas que ainda são ótimas para pegar emprestado", nota Bomfim.

Em Space Fusion, Leonardo toca baixo, os quais foram gravados todos num take, praticamente. Detalhe: as guitarras de Julio Cascaes foram registradas sem que o instrumentista tivesse ouvido as composições anteriormente.
"O disco todo foi gravado de primeira", conta Leo. O produtor Thomas Dreher, responsável pelas excepcionais gravações, por sua vez, entende-se exemplarmente com a "complexidade psicodélica" do Plato.
"O disco foi gravado numa velocidade supersônica, porém, com qualidade. É cheio de detalhes nos arranjos, violões, percussão e guitarras", continua o guitarrista.

O resultado, de fato, atingiu a excelência. Além das experimentações costumeiras, está repleto de hits, como "Xenon Light", sobre o amor de um homem por sua robô, e "Let shine on", na qual Plato prova que sua lisergia não é só aquela batida anacrônica fincada em previsíveis territórios dos imprevisíveis sixties.
"Space Fusion viaja pelo krautrock, soul e funk. Tem as 'Syd Barrett ballads' e várias surpresas que as pessoas, com o tempo, irão aglutinar. Espero não estar sendo arrogante nesse caso”, desculpa-se Plato, que divide a psicodelia em três "camadas".
Ele, certamente, encontra-se na terceria delas, nada devendo a legendas psicodélicas da linhagem de Syd Barrett (Pink Floyd), Alexander "Skip" Spence (Moby Grape) e Rocky Erickson (13th Floor Elevators).
Exceto por Erickson, nosso Divorak, que se afirma um "connoisser de rock, sixties e jazz", gravou mais do que esses dois britâncos, os quais—muito diferente do que, comumente, supõe-se sobre o gaúcho—perderam-se na loucura. Plato segue firme com a sua "lucidez" criativa.
Frank Jorge não mais consegue precisar o ano, muito menos a data exata, em que conheceu Plato Divorak. A única lembrança certa, Frank examina a memória, é que o encontro entre eles rolou na segunda metade do anos 1980.

Para Frank, a "mania sixtie" sulista de venerar Beatles e Stones, e o punk e a new wave do período fizeram com que Lou Reed e Jim Morrison ficassem esquecidos em Porto Alegre. "Passaram quase batidos", afirma.
O Plato era um destes outsiders que se ligavam nas outras vertentes estéticas.
"Ele trazia essas outras influências, mas, obviamente, recicladas, abrasileiradas. Ou melhor, "aportoalegrezadas". Se Dylan trouxe poesia para o rock, Plato trouxe o sadomasoquismo, a poesia de Rimbaud e o surrealismo para os nossos insistentes iê-iê-iês. Plato tem sempre alguma novidade escondida em algum bolso. Chegou a hora do mundo conhecer Plato Divorak. Atreva-se a não gostar. “Canaaaaaaaaaaaaaaalha!!!".

No tributo organizado por Pedro Brandt, participam bandas de diversos estilos, como a psicodélica Band of Pixies, que regravou "Antiglitter". De acordo com o músico, a escolha do fonograma caiu como uma luva na sonoridade de seu novo acid trio.
A música, que tem atmosfera de conto de fadas espacial, canaliza o encontro de Jimi Hendrix com os duendes do Planeta Gong.
"Adicionamos uma seção final spaced-out, desconstruindo o espaço-tempo galático. Dobra espacial 5, Sr. Sulu. Viva Plato, já estamos em 2032!!!", anima-se Golfetti, que estabeleceu o link com Plato ainda no final dos anos 1980, quando trocavam mensagens através da Radio Gnome Invisible.
Brandt conta que começou a articular o tributo ao Plato—de quem é amigo há anos—escolhendo, primeiramente, as músicas de seu repertório. Depois os convites foram feitos às bandas. “Eu escolhi algumas bandas, o Plato, outras.
Tocam bandas de Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, São Paulo, Aracaju e Florianópolis. Serão feitas versões para músicas de todas as épocas da carreira dele: Père Lachaise, Lovecraft, Frank & Plato e Plato solo”, explica o jornalista.

Até agora, cinco gravações já foram entregues: "Volta às aulas em San Tropez", com Marcelo Mendes, "Melô do Zé Bigorna", com os Irmãos Panarotto, "Iluminados monstros do amor", com os cariocas Do Amor e a já citada "Antiglitter".
A gravação de "Pensa demais", com os gaúchos Galãs da Menopausa, tinha sido gravada em 2008, nas nunca usada, e acabou entrando para o projeto.

"Escolhemos 'Romance mórbido' porque está inclusa em um de nossos discos favoritos—senão, o favorito—de rock gravado nos Pampas, o Amnésia Global, de Frank e Plato”, sublinha Andrio Maquenzi, da Superguidis.
"É uma canção pueril, desconexa, lasciva, como sempre foi qualquer obra-prima do Plato. Eu e o Lucas Pocamacha gastamos esse disco quando o conhecemos, no início dos anos 2000. Grata e bem-vinda surpresa. Obviamente, vamos fazer uma versão podreira, sentando a lenha com guitarras cortantes à la Dinosaur Jr. E, sim, é uma grande honra fazer parte desse tributo. 'E quem vocês pensam que são?'".

A ideia, explica Pedro, é lançar como disco virtual, para download gratuito na internet. Mas o jornalista sonda, também, selos que possam se interessar em viabilizar o projeto em CD. "O objetivo principal do tributo é prestar uma homenagem ao Plato e, claro, ajudar a popularizar a produção musical dele."

"Sobre o Plato, o melhor de tudo é conviver com a figura durante todos esses anos", conta Leo Bomfim. "Importante ressaltar que ele não é um personagem, o Plato é o Plato, vinte quatro horas por dia. O que ele coloca nas músicas é o que ele vive. É a realidade dele mesmo. Porque há muitos 'doidões' por aí que são puro personagem."

A parceria de Leo e Plato nasceu para participar de um tributo virtual a Ronnie Von. O mais importante projeto, entretanto, é o disco de estréia de Plato Divorak & Os Exciters, ainda inédito, segundo Leo, por conta de uma sacanagem do selo Pisces Records.
Causos e lendas sobre Plato Divorak, há centenas. Em Porto Alegre, todo mundo sabe pelo menos alguma história "absurda" relacionada a ele.
Uma de suas clássicas, destaca Bomfim, é sobre todo integrante novo que entra em suas bandas. O "batismo" dos neófitos músicos consiste em ser devidamente apresentado às suas "amiguinhas"” numa legítima casa da luz vermelha no centro de Porto Alegre—o que, no fundo, não é nada mal...
"O Plato tem uma tática sensacional pra não pagar pelo prazer. Ele começa a fazer as preliminares e depois de amassar bastante a menina, pergunta quanto é o anal. Ela diz o preço e ele diz que não tem essa grana. Aí vai pra outra salinha e faz o mesmo. Depois de umas cinco ele já se satisfez", o amigo revela.
"Acho que nosso novo hit, 'A mulher brasileira é a mais linda', resume um pouco essa vida que eu levo", considera o lendário Plato Divorak. Sobre rock, sua maior especialidade, ele respira como um filósofo pop:
"Eu quero criar uma filosofia. Eu tenho a história do rock em minhas mãos."
Amônia (Père Lachaise)

A mulher brasileira é a mais linda (Exciters)
Crematoy Boys (Exciters)
*Revista NOIZE

pLATO dIVORAK: "nUNCA eSTOU dORMINDO"*

Quais as grandes bandas do rock pra você?
Plato - The Deviants, Love, Byrds, Velvet Underground, Can, King Crimson, MC5, Frank Zappa & The Mothers of Invention, Led Zeppelin, Television, Sonic Youth, The Who, Stranglers, Pink Floyd e Them.
Porque têm sonoridade única, transparecendo raça e talento - tão em falta hoje.
Vai fazer rock até morrer?
Plato - Queria que as pessoas soubessem que nunca estou dormindo. Enquanto a maioria dos mortais prepara a "caminha", eu estou com três tipos de canetas (fina, média e grossa) preparadas para um ataque letrístico.
Psicodelia dá manga pro pano nos anos 2000?
Plato - Se está dando pros Mutantes, por que não vai dar pra mim?! Existem tentáculos que direcionam o artista pros mais livres métodos de criação, portanto, a psicodelia também está incluída.
Senão, não estaria tocando, conhecendo pessoas legais, trocando informações com outros músicos, making love, taking acid, smoking pot e touching chicken girls.
É só vir um grupo lá da Europa cantando temas franceses à la Vive La Fête, e todos já ficam ouriçados, loucos pra invadirem as boates. Que culpa tenho eu? É bem culpa do psychedelic world, coberto de invejas e intriguinhas. Eu, fora!
O selo Krakatoa Records ainda rola?
Plato - Existe, sim senhor! Comecei em 1991 com fitas k7, que estava muito na moda naquela época. Do ano 2000 pra cá, só lanço Cds.
Estou preparando um disco com dois shows acústicos: vai se chamar The Good Memories Bootleg, as minhas apresentações-solo.
As apresentações foram gravados em 1997. Outro lançamento na cartola é a coletânea Translucid Trippers, no qual a Krakatoa une os discos Guru Psychosis, de 2001 , e Saifaiscaflex, de 2004 - e mais 12 inéditas.
O rock psicodélico, o protopunk, o lounge, o bizarrodelic dão as caras na coletânea. A qualidade da gravação é muito boa. Entrem em contato e terão o seu.
Qual foi o personagem mais subestimado do psicodelismo?
Plato - Alexander Skipe Spence, do Moby Grape, que lançou o disco solo OAR, em 1969. Ele chafurdou nas drogas sem saber aonde elas o levariam. Estou lendo sobre Spence no livro The Acid Archives, sobre artistas psicodélicos - de 1964 a 1982.
É fascinante. A história do under do underground.
O imaginário em torno de Plato Divorak é verdade - ou mentira deslavada?
Plato - Muitas são as fofocas que me atingem de forma delicada, mas me fazem viver de forma mais arriscada, como o Roberto Carlos dentro de um helicóptero, não é mesmo?
Mas este imaginário, pra mim, são os degraus da sabedoria que eu mesmo galguei até chegar aqui.
Qual o filme mais doido seus olhos já viram?
Plato - Um que vi nos anos 80: era tão ácido que aparecia uma igreja pegando fogo - um barbudo/cabeludo na cruz, e a gurizada de San Francisco fugindo pelas ruas. Safadeza...
O nome era Busca Alucinada! Fora esse, Easy Rider, Venus In Furs, The Trip, Riot on Sunset Strip, o grande Zabriskie Point .
Diga qual é "o disco" do psicodelismo brasileiro?
Plato - Por Favor, Sucesso, do Liverpool. Foi lançado pela Tapecar, um raro selo gaúcho, em 1969. Me desculpem, mas não existem outros. Os Mutantes eu não cito porque eles faziam música lounge.
E a banda mais bizarra?
Plato - Talvez o Hapshash & The Coloured Coat. Esses caras faziam cartazes em 67, o visual dos caras era meio experience e o disco se chamava Western Flyer, de 68. Se você quiser escutá-lo como uma coisa audível, também pode.
Um panorama de sua carreira...
Plato - Em 88, com os Jaquetas, toquei com Big Mac, o incendiário dos teclados. Depois toquei com Edu K no power trio O.F.F.
A Pére Lachaise surgiu ainda em 88, com os guitarristas Irapa e Eduardo Diaz. Flávio Passos, no baixo, e Sérgio Rodrigues, na bateria. Em 91, entraram o Alemão, na bateria, e o Frank Jorge, na guitarra, pois a Graforréia estava falida na época.
Circulavam pelo grupo "os guitarmen" Vasco Piva e Eduardo Christ. A Lovecraft começou em 94, com Betão na guitarra, Regis Sam no baixo e Gésner Mess, na bateria.
O grupo era muito paparicado por trazer de volta o som dos anos 60. Frank & Plato é de 93, e existe até hoje com o título de Frank Jorge & Plato Divorak e Empresa Pimenta.
Plato Divorak & Os Sha-Zams foi meu primeiro combo solo em 1996. Com o Momento 68, gravei o disco Onde Estão Suas Canções?, em 1999, São Paulo, com Sandrinho Garcia. Depois Plato & Os Analógicos veio em 2004.
De 1996 a 2004, me dediquei quase que integralmente as gravações-solo - uma espécie de "Jovem Guarda de Expansão": muita lisergia, ritmos brasileiros e rock.
E o maior dos clichês psicodélicos, hein?!
Plato - Um deles te digo sem pestanejar: é aquela puxadinha de fumo - tipo assim, aquele magrão com a maconha na boca, olhando pra garota: "vamos?!" A outra são os cabelos, de todos os tipos, que todo mundo quer ter igual.
(?)

*Foto: Fernanda Chemale

pLATO dIVORAK pELO mUNDO*

*Retrato do artista quando jovem

sábado, 7 de agosto de 2010

vLADIMIR cARVALHO: bRASILIANISTA

pASSA a bOLA!

*Filho do poeta Vinicius de Moraes (1913-1980), o fotógrafo autodidata Pedro de Moraes iniciou na finada revista Manchete. Sua missão: flagrar ambientes artístico-popularescos do Rio de Janeiro.

Durante a ditadura, Pedro alistou-se nas fileiras do Cinema Novo: foi diretor de fotografia de grandes cineastas, como Joaquim de Andrade (Guerra Conjugal, 1975), Glauber Rocha (Idade da Terra, 1979) e Gustavo Dahl (Em Busca do Ouro, 1965).


Em 1967 e 1968, suas câmeras Laica/Rolleyflex serviram aos levantes da esquerda.

O fotógrafo diz-se confesso admirador do lendário correspondente de guerra, o húngaro Robert Capa. Que postulava:

"Se as fotografias não são suficientemente boas, é porque não se está suficientemente perto".


Pedro de Moraes também foi "amigo de loucuras" dos Novos Baianos. A amizade rendeu o curta-metragem Gente é Isso (mais informações na Rolling Stone), um dos mais importantes documentos sobre a banda em pleno auge.

Nesse exclusivo relato, Moraes divide conosco um "maconheirístico" causo, dentre os tantos que viveu ao lado do alegre bando.

"Meu primeiro contato com o Novos Baianos foi num concerto de rock que rolou no Rio de Janeiro. Conheci o poeta Luiz Galvão e fumamos um baseado juntos. Fez-se daí nossa amizade.

Galvão me convidou, então, para visitar o sítio Recanto do Vovô, em Jacarepaguá. Logo fiquei amigo de todos eles. Nas minhas primeiras visitas ao sítio, sempre que rolava um baseado me punha a pensar:

"Será que os caras não passam a 'bola' ou estou mesmo sendo discriminado?".
Numa dessas visitas fiquei revoltado: "Porra, vocês não passam o beck, não?!".

Me pondo na palma da mão um lindo, enorme e cheiroso 'camarão', um deles me disse:

'Toma aqui e não reclama, rapaz!'.

Aquelas foram felizes tardes lisérgicas de tempos passados: tudo era só amor e luz. Mas não só amor. Toda semana era um baiano que 'dançava' com a polícia.
Na época tudo era barra pesada.

Logo, porém, resolvia-se a questão. Nessa hora rolava muito som, rango, futebol, irreverências, sexo e muitos planos pro futuro. E muita maconha, lógico.

Eu não conseguia parar de fotografar o cotidiano dos Novos Baianos. Foi quando surgiu a idéia de se fazer projeções fotográficas nos shows. Lindas eram as imagens projetadas no fundo do palco enquanto "Besta é Tu" tocava sem parar

Dinheiro era pouco, mas diversão era garantida.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

nOVOS bAIANOS fUTEBOL cLUBE*













*Em 1972, em meio ao estouro pop-tropical que foi Acabou Chorare (eleito melhor disco de MPB de todos os tempos pela Rolling Stone), os Novos Baianos deixam o apartamento no qual viviam, no Rio de Janeiro (além de palco, era também o "campinho" onde disputavam acirradas partidas de futebol), e vão de "mala e cuia" para Jacarepaguá.

No auge do regime militar, o combo alugou a chácara apelidada de "Sitio do Vovô". E, de forma anarco-lúdica, levavam a vida coletivamente. Após saída da Som Livre - que inaugurara seu cast lançando a obra-prima Acabou Chorare -, os baianos mudam-se para nova gravadora, a Continental, e lançam seu terceiro álbum de estúdio: Novos Baianos F.C.

O disco ganhou este filme homônimo que Solano Ribeiro, homem responsável pela direção de vários documentários sobre música brasileira destinados à TV alemã, entre os quais Elis Regina (hoje uma preciosidade) e Gilberto Gil. Pela realização do musical Novos Baianos F.C., Solano foi premiado no Festival Europeu de Televisão, na Áustria.

Trata-se, certamente, do mais acurado registro audiovisul que se possui dos Novos Baianos em ação. Eles esbanjam entrosamento, naturalidade e juventude. Em "Mistério do Planeta" Pepeu Gomes assinala porque, disparado, é o melhor guitarrista brasileiro de rock. E olha que o cara tocava de tudo, do samba ao afoxé!

Como diretor de musicais para a TV no Brasil, Ribeiro fez, entre outros, Disparada, com Geraldo Vandré e Som Livre Exportação, na Rede Globo - até hoje, record de público para musicais em recinto fechado (100 mil espectadores, no Anhembi, São Paulo).

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

bARRADOS nO bAILE*

"Pouco antes do lançamento de Acabou Chorare, em 1972 os Novos Baianos fizeram uma apresentação no Salão Nobre do Fluminense, no Rio de Janeiro. Um salão pomposo, com vitrais, que tinha sua ocupação reser vada a grandes festas.
Eu estava no clube com meu irmão, naquele final de tarde de sábado, quando notamos, junto ao portão de acesso ao clube, um cartaz anunciando: "Show dos Novos Baianos". Conhecíamos o grupo porque tínhamos em casa o primeiro LP deles, "É Ferro na Boneca".
Claro, não íamos perder a chance de ver o show deles logo mais. Fomos até o "salão" e ouvimos do porteiro que nossa entrada não seria permitida: estávamos com sandálias de couro, cabelo grande, bem ao estilo hippie daquela época.
Teríamos que colocar um calçado apropriado, essa foi a informação. Assim que chegamos de volta ao portão do clube, quem estão chegando? Os Novos Baianos, que desciam de uma kombi portanto seus instrumentos.
Era um bando de cabeludos (os cabelos muito maiores que os nossos), com roupas que pareciam terem sido colhidas aleatoriamnete num brechó, sandálias de couro e/ou de borracha de pneu, como que saidos diretamente dos arredores da Lagoa de Abaeté, epicentro dos hippies do Rio, de São Paulo e da própria Salvador.
Meu irmão e eu sorrimos, imaginando a cara do porteiro que nos barrou ao ver os "artistas" que se apresentariam logo mais no salão pomposo do clube. Evidentemente, meu irmão e eu vimos o show, mas antes tivemos que ir em casa colocar roupa adequada.
Embora não conhecêssemos o repertório, achamos o máximo aquela mistura do sotaque brasileiro embalado pela guitarra ensandecida de Pepeu, uma Supersonic, se não me engano, com o corpo cortado numa diagonal por ele mesmo.
Parecia ter sido achada no lixo, mas o som que ele extraía dalí...
Curioso é que aquele bando de hippies não combinava mesmo com o ambiente. Mas o público careta gostou do espetáculo. Para nós, foi a senha para comprar o Acabou Chorare assim que o disco foi lançado, um dos melhores da música brasileira de todos os tempos.
*Depoimento do historiador Nelio Rodrigues, autor do livro Histórias Perdidas do Rock Brasileiro (Nit Press).

terça-feira, 3 de agosto de 2010

pRÉ-cHORARE*

Você me dá um disco?

Globo da morte

29 beijos

Mini-planeta Íris

Caminho de Pedro


*Faixas gravadas entre 1969 e 1971 pelos Novos Baianos. Mais roqueiras, psicodélicas e bluesy do que, propriamente, "MPB", encontram-se nos compactos:
"Colégio de Aplicação/"De Vera" (1969), "Volta que o Mundo dá" (1971), "Psiu"/"29 Beijos" e "Globo da Morte"/"Mini Planeta Íris" (Duplo/1971) e "Dê um rolê"/" Você me dá um disco?" e "Caminho de Pedro"/"Risque" (Duplo/1971).

quinta-feira, 29 de julho de 2010

mETEORANGO kID x nOVOS bAIANOS

"10 anos sem estudar, 10 anos vagabundando por aí.
10 anos de maconha, 10 anos marginal.
Cagar é só o que dá vontade de fazer.
Cagar, porra! Mas é duro.
Só eu pra dizer o trabalho que me deu pra chegar até aqui".

(Fala de Meteorango Kid – O Herói Intergaláctico)

Em 1972, a capa do disco Acabou Chorare, dos Novos Baianos, foi premiado como "melhor produção gráfica" daquele ano. A arte leva assinatura do múltiplo Antônio Luis Martins, mais reconhecido como "Lula", protagonista do cult-movie Meteorango Kid – O Herói Intergaláctico, do baiano André Luiz Oliveira.

A produção de Meteorango - considerado o grande "trash tupiniquim" - emaranha-se aos primórdios soteropolitanos da banda.

O primeiros long-plays dos Novos Baianos e, também, É Ferro na Boneca, o d[ebut d a banda e m LP, além de Meteorango, também serviram de trilha para o longa-metragem Caveira My Friend (1970), do falecido Álvaro Guimarães.

Na gravadora RGE, Lula Martins, que também é artista plástico, fizera a capa do compacto Novos Bahianos, o qual tinha as músicas"Colégio de Aplicação"/"De Vera". Para Acabou Chorare, desenvolveu uma técnica de desenhos à base de canetes hidrocor e esferográficas.

O artista afirmava pintar "a cor do som".

Outra feita por Martins, é a surrealística capa do álbum Caia Na Estrada E Perigas Ver, de 1976.

Meteoranguizando - Em Meteorango Kid, o anti-herói Lula vive na pele de um jovem e desesperado estudante da classe média baiana, assim como todos, oprimido pela ditadura e pela moral brasileira de 40 anos atrás.

O "intergaláctico" personagem atravessa o cotidiano labirinto com as únicas armas que possui: suas fantasias e seus delírios libertários. Meteorango conversa fluentemente com os códigos tropicalistas e com a arte pop.

E não hesita em antropofagizar o cinemão norte-americano. O roteiro é recheado de citações a heróis estrangeiros como Batman, Fantasma e Tarzan.

Na seqüência de abertura, quase uma síncope, Lula encarna a "agonia do Messias". Trajado de Cristo, o personagem delira numa colagem de descontínuos close-ups montados sob os mais diversos ângulos.

Recentemente, Martins contou algumas de suas histórias, que envolvem tanto os Novos Baianos quanto o cinema marginal da Bahia, no livro Mágicas Mentiras (Vento Leste). Ainda muito jovem, Martins largou confortável vida familiar para perambular pelo "microcosmo pré-hippie".

Em março de 1970, meses antes de morrer, a cantora norte-americana Janis Joplin (1943-1970), passara como um furacão pelo Rio de Janeiro: fez topless em Ipanema e foi expulsa do hotel Copacabana Palace, por nadar nua na piscina.

Após, literalmente, botar pra quebrar na Cidade Maravilhosa, ciceroneada pelo cantor Serguei (que até hoje se gaba do fato), Janis recebeu uma indicação de Ricky, um surfista carioca, para que fosse a Salvador encontrar-se com um amigo seu.

O tal amigo era Luiz "Lula" Martins (vej afotos abaixo).

Na Bahia, Janis teria um pouco mais de "sosssego": "Foram quatro dias mágicos, que mudaram minha vida", conta Martis (leia mais).

O artista gráfico Rogério Duarte, criador do cartaz do filme Deus e O Diabo Na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, definiu Lula Martins como "ave rara de nossa constelação".

Diretor do Conselho de Estudos Brasileiros da Universidade de Tulane, o norte-americano Christopher Dunn atribui ao personagem vivido por Lula em Meteorango "força-símbolo da resistência nacional".

Para Dunn, o motivo é a representatividade visual que o personagem alcançou no filme. De forma geral, a valia o brasilianista, críticos e estudiosos têm O Bandido da Luz Vermelha como "o primeiro grande filme marginal".

Todavia, opõe-se o norte-americano, Meteorango Kid, par a ele, revelou, com muita mais força, a desilusão da juventude brasileira daqueles "chumbados anos":

"Meteorango é o primeiro filme do desbunde brasileiro. Em pleno AI-5, teve ousadia de encenar, por exemplo, um ritual cotidiano tão conhecido - mas pouco representado no cinema nacional, que é a preparação cuidadosa de um baseado seguida do seu dionisíaco consumo", analisa Dunn.

Fã de Meteorango, o escritor Jorge Amado definiu o filme como "um soco violento que comove e revolta".

No depoimento dado à reportagem da Rolling Stone ("Tinindo Trincando"), sobre o álbum Acabou Chorare, Lula Martins falou, especialmente, sobre a criação da capa do ábum.

A arte de Acabou Chorare foi criada a partir de semiótico retrato (que enquadra uma desoladora mesa na casa dos Novos Baianos, no Sítio do Vovô) casionalmente tirado pelo guitarrista Pepeu Gomes.

Mas, antes, curta um trecho de Meteorango Kid - O Herói Intergaláctico (1969), de Andre Luiz Oliveira.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

lULA mARTINS: nAS bRUMAS dO fUMACÊ

"Eu conhecia os Novos Baianos antes deles virem para o Rio de Janeiro, dos tempos em que ainda ensaiavam para o performático O Desembarque Dos Bichos Depois do Dilúvio Universal, espetáculo que contou com a participação dos mais acelerados e revolucionários artistas de Salvador, naquele momento de transição dos valores ditos caretas para as posturas libertárias.

Os Novos Baianos faziam parte do movimento mundial da contracultura, ou melhor, de sua versão tupiniquim, traduzida na Tropicália. Cinema, artes plásticas, teatro e, especialmente, música projetavam esses 'bichos' que sonhavam virar o mundo de ponta cabeça.

Durante a montagem do longa-metragem Meteorango Kid - Herói Intergalático, de André Luiz Oliveira, hoje radicado em Brasília, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira e Galvão ficaram hospedados durante alguns dias no apartamento em que eu morava no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.

Eles traziam consigo uma fita gravada, ao vivo, com as músicas apresentadas no espetáculo Desembarque dos Bichos. No estúdio de Helio Barroso, gravaram, pela primeira, as faixas para a trilha-sonora de Meteorango.

Algumas dessas músicas se tornaram sucesso nacional com o lançamento do álbum É Ferro na Boneca. Conheci Paulinho, Moraes e Galvão em Salvador, um pouco antes das filmagens de Me teorango, levado por Caveirinha para conhecer e ouvir as canções que eles compunham. Os três se alojavam numa pensão no Areal de Baixo.

Vestiam roupas de peles de bodes amarradas ao corpo, as quais lhes davam um aspecto desafiante e transgressor. Eram aplaudidos pela galera quando circulavam pelos bares do Baixo Leblon, no Rio.

Os Novos Baianos surgiam com uma obra musical genuinamente brasileira. O poeta Galvão vinha com um pé na bola e outro no regionalismo poético do velho "Chico do Juazeiro", que traduzia para o entendimento da linguagem urbana e universal.

Moraes, por sua vez, é a recriação da música brasileira a partir do sentimento nordestino constante em sua obra. Sua música é feita das paisagens coloridas e amplas do antigo Brejo Seco, hoje Ituaçu.

Paulinho Boca, o malandro desenvolto misto de cantor e agente, contador de causos e bonachão típico do recôncavo baiano, e ra cantor experiente que, há muito, apresentava-se como crooner de orquestras nas casas noturnas soteropolitanas.

De contrato assinado com a gravadora RGE, os novos baianos alugaram um apartamento no Jardim Botânico. Passei alguns dias com eles lá: era uma loucura sem tréguas nas brumas do fumacê diário. Infantis diabruras que escandalizavam uns e encantavam outros.

Fiz a capa do compacto Os Novos Bahianos, editado pela RGE. A capa do disco Acabou Chorare, no começo, seria total e tropicalmente colorida, contudo, por questões técnicas e de produção, reduziram o número de fotos coloridas, o que veio alterar o projeto gráfico inicial.

Queixei-me com João Araújo (produtor dos Novos Baianos), que me explicou a situação. Ele, contudo, me convidou para dirigir o videoclipe de lançamento do álbum. A minha insensata resposta foi não, mas logo saquei a bobeira de meu orgulho ferido.

Dias depois, observando melhor, percebi que aquelas fotos em preto e branco acentuavam, com grafismo jornalístico, o cunho sociocultural da proposta.

Who's Next?