terça-feira, 25 de setembro de 2007

cHAPARRAL

Depoimento da crítica de música e cinema Ana Maria Bahiana - autora do livro Almanaque dos Anos 70 e ex-secretária de redação da Rolling Stone na sua versão pirata - para meu trabalho de final de curso, sobre as vanguardas e o Punk.
Luxuosa orientação do cineasta e ex-replicante Carlos Gerbase (Tolerância, Sal de Prata). Bahiana tece sábia metáfora com o chaparral, um tipo de vegetação rasteira típica dos estados da Califórnia, Nevada e Arizona, para explicar a tensão auto-comburente do Punk.

O chaparral é a vegetação típica das regiões de transição às margens do deserto e, provavelmente, a paisagem natural mais filmada do mundo, uma vez que está presente, inexoravelmente, em qualquer coisa que seja rodada num raio de 200 km de Los Angeles. O chaparral não é bonito nem feio, mas tem uma característica notável: pega fogo sozinho. O chaparral pega fogo até hoje, e até os hoje bombeiros da Califórnia entram em estado de ultra-alerta entre agosto e outubro.
O chaparral pega fogo porque tem uma combinação única de óleos vegetais altamente combustíveis sob o calor do sol. E o chaparral pega fogo porque essa é sua forma de se reproduzir: com o calor do fogo abrem-se os diminutos cones que contêm as sementes da próxima leva de chaparral. As sementes caem na terra calcinada, germinam durante o inverno e brotam no início da primavera num chaparral tão mais espesso e mais abundante quanto forem intensos os fogos de outono.
Por que a música seria diferente do chaparral, se ambos giram na mesma espiral que não tem começo e jamais terá fim, e que podemos chamar de vida? O novo nasce sempre, irresistivelmente, e nascer é tarefa dura, que exige sangue e dor entre os humanos. Destruir nem sempre é ruim: o que se destrói hoje alimenta o que vem depois, que por sua vez será destruído. O Punk destruiu e foi destruído, por isso vive sempre, tanto naquilo que destruiu quanto no que gerou. O preço da tábula rasa é aceitar que se construa sobre ela.