segunda-feira, 24 de setembro de 2007

yOUTH iNTERNATIONAL pARTY


Primeira parte de um artigo sobre a Youth International Party, os Yippies. No apogeu do flower power, eles tocaram o horror na sociedade norte-americana com táticas de guerrilha midiática. "Misturamos a política da nova esquerda com um estilo de vida psicodélico. Nossa maneira de viver, nossa própria existência, nosso ácido e nosso rock, aí está a verdadeira revolução!", pregava o profeta do grupo, Jerry Rubin. Perservere na leitura e descubra porque o levante punk (é...) tem tudo a ver com frekagem.

Nossa música é uma reação a toda essa babaquice de paz, amor e felicidade. Os hippies ficam tentando te convencer de que o mundo é uma maravilha, mas é só olhar ao redor para ver em que merda estamos" (Ozzy Ousborne)

CRISTIANO BASTOS

Sempre que por algum pretexto – saudosismo, moda, revisão histórica – os ideais propagados na década de 60, no auge da era “paz e amor”, regressam à sociedade pela implacável lei nietzschiana do eterno retorno, dois arquétipos fatalmente assaltam as interpretações. Na verdade, são estereótipos facilmente desvendáveis. Mas, caso você não tenha a mínima idéia de que modelos são esses, há um teste bastante simples para identificá-los. Siga as instruções: primeiro, pense num tipo riponga. Em seguida, deixe que a primeira e mais espontânea personificação se materialize na sua mente.

Cá entre nós, responda: involuntariamente veio-lhe à cabeça a estampa de um hippie pacifista (ou um bando deles) metido numa daquelas marchas a favor da paz que, no fim das contas, nunca levaram a nada - não foi? Agora repita o teste. Tente, dessa vez, imaginar ícones da época. Constate se a imagem formada, paradoxalmente, não tem a ver com beligerância. Pondere, no entanto, se essa beligerância não é a de rebeldes ídolos juvenis, cujas “mensagens de protesto” foram transcodificadas pelo sistema em um comércio rentável como poucos. Foi ou não foi?

Quem, submetendo-se a inutilidade desse exame, poderia supor que a maioria dos movimentos de constestação jovem que iniciaram a contracultura dos anos 60 são influências, na verdade, da revolta Provos (de provocador) holandesa, por exemplo? Não é do Provos de Amsterdam que falaremos aqui, mas é certo que, sem ele, possivelmente a esquerda hippie norte-americana e o Maio de 68 francês (cânones da contracultura) tivessem ficado sem antecedentes de muitas das táticas que adotaram para serem percebidos na esfera política.

Talvez também não aprendessem uma das palavras mágicas que lhes garantiu politização e que se tornou emblema desse tempo: consciência. Especialmente no caso da juventude norte-americana, que ao contrário da européia, responsável por levar o fardo de uma esquerda já institucionalizada, não possuía a experiência rebelde e contestatória da contracultura. Da mesma forma que as suas minorias éticas e culturais, que não encontravam respaldo político nas formas tradicionais de representação, como sindicatos e partidos.

Nos anos 60 - como ainda hoje -, espetacularizar a paz, a decadência e a celebração de sexo, drogas e rock era uma concessão menos arriscada que permitir a alas hippies coléricas que submergissem do underground. Renegá-las, provou que o sistema, no caso da cultura hippie, procurou ressaltar apenas as pretensas qualidades e as inúmeras vicissitudes dessa geração. Tolerá-las, significaria admiti-las como parte do show - liberdade que, enfim, não seria boa para o zelo do stablishment. Sabiamente o sistema soube ocultar os fatos realmente perigosos à sua sobrevivência, em detrimento de outros - de aparência igualmente perigosa, embora inofensivos na sua proposição.

Expor a face lasciva, decadente e estereotipada da juventude hippie revelou-se uma das formas de proteção mais eficientes contra a insurgência de levantes que não propunham apenas a dissipação, mas a (des)construção de uma realidade. Mas, ainda que com as rédeas ideológicas sob controle, o sistema não evitou a virulência de grupos hippies de extrema esquerda que invadiram a cena - o chamado “estilo freak de agitação política”. Grupos como os Yippies (Youth International Party), formados por hippies anarquistas, não chegaram a renegar totalmente o binômio paz e amor, mas agregaram a ele importantes fatores estratégicos.

Os yippies, liderados pelos agitadores Abbie Hofmann e Jerry Rubin, pertenciam a mesma linhagem de outros movimentos raivosos da época - como os Motherfuckers (de John Sinclair), os White Panthers (uma corruptela branquela dos Black Panthers), os Diggers (anarquistas psicodélicos) e os Black Panthers (o poder negro) - e eram, na sua maioria, estudantes egressos da subcultura flower power. A principal exigência Yippie foi por mudanças sintonizadas com o novo modo de viver da juventude: um peculiar estilo que exaltava o rock, as drogas e a política de esquerda. Segundo a definição expressa por Rubin, ex-líder estudantil da Students for a Democratic Society (SDS), “os yippies são os verdadeiros revolucionários da Era de Aquário”:

"Misturamos a política da nova esquerda com um estilo de vida psicodélico. Nossa maneira de viver, nossa própria existência, nosso ácido e nosso rock, aí está a verdadeira revolução!". Com declarações como essa Rubin garantiu aos yippies a notória fama de hábeis manipuladores da opinião pública. A agitação política do grupo, toda arquitetada em atos teatrais e simbólicos, tinha como alvo direto a mídia. Poucos, como eles, valeram-se tão bem da máxima contemporânea do “use a mídia” para o fim de seus propósitos.

Justamente por se apoderarem dos aparatos de mída - e, posteriormente, por se apropriarem de redes privadas de telecomunicações -, os yippies ganharam o status de primeira vanguarda de hackers modernos. É patente deles a subversão de sistemas telefônicos conhecida como phreaker (neologismo entre as palavras freak-phone-free). Motivados pelo valor exorbitante das chamadas de longa distância, praticado pelo monopólio da Bell Telephone, os phreakers criaram a Caixa Azul, um dispositivo que evita a cobrança de taxas telefônicas.

A ousadia só fez aumentar o caráter periculoso e subversivo do grupo, e os integrantes se tornaram foras-da-lei procurados em todos os Estados Unidos. Em 1971, Abbie Hoffman e Jerry Rubin fundaram a primeira revista hacker da história, a YIPL/TAP (Youth International Party Line - Technical Assistance Program), que ensinava passo-a-passo como montar um sistema phreaker. Havia, nessas ações, contudo, um forte apelo lúdico e a intenção de zombar com as situações: utilizando livremente as redes telefônicas, os yippies promoviam as famosas party lines. Nessas festas “em linha”, participavam pessoas dos mais diversos lugares do mundo e ninguém pagava nada.

Foi mesclando política esquerdista e as idéias da contracultura à parafernália dos meios de comunicação, que os ativistas yippies pediram o fim da guerra do Vietnã, reivindicaram a legalização da maconha, o direito de voto para maiores de 12 anos e a suspensão desse direito para cidadãos com mais de 50. Terroristas da mídia, eles também quiseram manipular a opinião pública por meio de algumas manifestações que, todavia, nunca ocorreram: colocar LSD num imenso reservatório de água, organizar uma marcha de 20 mil hippies nus e tomar de assalto o escritório da National Biscuit Company em Chicago, para exigir a distribuição gratuita de biscoitos entre a população pobre, foram ofensivas nunca concretizadas.

As especulações que estas pretensas tomadas de atitude tiveram na mídia, entretanto, as tornaram contundentes simbologias. Rubin, principal porta-voz da contestação midiática do movimento – autor da cartilha revolucionária Do It! –, anos mais tarde, admitiu que a mídia é uma arma sem precedentes. Tão poderosa para incitar pessoas quanto qualquer retórica política. Porém, da qual é praticamente impossível, uma vez tornando-se algoz dela, sobreviver incólume às suas manobras.

Em ações reais, de uma audácia que alterava a ordem – inclusive econômica – dos Estados Unidos, os yippies causaram rebuliço na bolsa de valores ao jogar centenas de notas de dólares de um mezanino na cabeça dos operadores de mercado. Estes, obviamente, deixaram imediatamente seus postos para esgoelarem-se atrás do dinheiro. Resultado: desequilíbrio instantâneo das cotações. Na Inglaterra - quando Rubin se reuniu a grupos revolucionários para formar uma seção britânica da Youth International Party –, vilipendiaram milhares de telespectadores ao invadir o programa líder de audiência David Frost Show. Imagens gravadas do programa, mostram 14 yippies ingleses liderados por Rubin munidos de pistolas d’agua e fumando maconha ao vivo no estúdio. Entre eles, a futura punk Caroline Coon. O mais célebre “recruta” yippie na inglaterra, no entanto, foi o beatle John Lennon - apesar de sua declaração de que “o sonho havia morrido”.

De volta à América do Norte, a Youth International Party organizou um Human Be-In* na Estação Central de Nova York na hora do rush. Meta: somente chamar a atenção das pessoas que tentavam retornar aos seus lares após um dia de trabalho. Também lançaram Pigasus, um suíno, como candidato à presidência dos Estados Unidos em 1968. Para difundir as tensões políticas da época em diversões inerentemente juvenis e como alternativa aos grupos de esquerda formais, Jerry Rubin e Abbie Hoffman tiveram a idéia de criar um militante festival de música, o Festival of Life, que ocorreria durante a Convenção Nacional do Partido Democrata, no Lincoln Park, em Chicago (durante a convenção, os yippies designaram Pigasus para representá-los entre a classe política). O conceito do festival era a fusão de categorias artísticas multidisciplinares, interligadas pela participação conjunta de escritores, atores, músicos e cientistas.

Os head liners Allen Ginsberg e Timothy Leary, acompanhados dos músicos Arlo Guthrie e Phil Ochs, das bandas The Fugs, MC5 e Country Joe and The Fish e do grupo teatral The Bread and the Puppet Theatre, conduziram o evento, que se destacou pelo cunho político-dramaturgo-literário-musical-psicodélico. A celebração, entretanto, acabou ficando somente com a conotação da repressão dirigida pelas autoridades e a proposição de "celebrar a vida" tornou-se apenas uma efêmera idéia na cabeça dos yippies. O ápice do incidente aconteceu durante o show da banda MC5 (banda empresariada pelo ativista John Sinclair), quando tropas da polícia chegaram para reprimir os calorosos protestos.

A brutalidade da polícia, sem saber como agir contra os arroubos de espírito típicos dos yippies e demais agitadores presentes, transformou o nonsense desse teatro de guerrilha em explosões de violência. Na ocasião, agindo sob a bandeira do grupo paralelo Chicago 7, Abbie Hoffman, Jerry Rubin, Tom Hayden, Dave Dellinger, Bobby Seale, Renni Davis, John Froines e Lee Weiner foram indiciados por conspiração. Assim como os Black Panthers, que foram dizimados pelos golpes sujos de Edgard Hoover, chefão do F.B.I – que permitiu a introdução da heroína nos guetos negros –, os yippies foram caçados como inimigos públicos da segurança nacional.

O caso, conhecido pelo Julgamento da Conspiração de Chicago, tornou-se um dos mais famigrados, senão um dos mais atribulados da história dos tribunais norte-americanos. Até mesmo durante a defesa os yippies procuraram enfatizar sua tendência sarcástica, o que os levou a uma acirrada discussão com o juiz Julius Hoffman. Terminaram condenados à prisão por desrespeito à corte e o incidente colaborou para a desintegração do grupo. Abbie Hoffman, preso por porte de cocaína em 1973, terminou nos anos 80 por adotar o estilo de vida yuppie (ganhando fortunas palestrando em universidades), que viria a ser toda a antítese dos ideais yippies. Em 1989, Hoffman morre em decorrência de uma overdose de drogas.

O articulista Richard Neville, escrevendo para o periódico engajado Play Power, em 1970, explica como certas atitudes subversivas podem ser aceitas para que outras não se sobressaiam. Neville coloca que a criação de uma contracultura - na sua opinião um acontecimento que não se pode prever, fenômeno que surge independentemente -, mais do que qualquer efeito, tem profundas implicações políticas. Ele questiona: "Porque, enquanto o sistema, com seu talento para a sobrevivência, pode absorver políticas, não interessando o quanto radicais ou anarquistas elas sejam (abolição da censura, a saída do Vietnã, maconha legalizada, etc.), por quanto tempo pode agüentar o impacto de uma cultura alienígena? – uma cultura que é destinada a criar um novo tipo de homem?”.

* Os Human Be-In reuniam milhares de adeptos da cultura flower power que se juntavam para celebrar os temas que difundiam: música, liberação sexual, literatura, política de esquerda e estilo de vida alternativo. As bandas Merry Pranksters e Greatful Dead foram as mais engajadas, organizando eventos grátis ao ar livre que conectavam música e catarse psicodélica. O First Human Be-In, em janeiro de 1967, realizado no Golden Gate Park, em San Francisco, serviu de modelo e motivou empresários da indústria fonográfica a patrocinar o Monterey Pop Festival – encontro que antecedeu o grandioso - em termos de marketing, público e atrações - festival de Woodstock, em 1969.