Nas décadas de 60 e 70, o paraibano Hugo Leão, o Huguinho, fez fama como guitarrista e vocalista do grupo The Gentleman - grande sucesso na Paraíba.
Zé Ramalho se iniciou na linguagem do rock com os Gentelmen e Os 4 Loucos, outra das bandas de Leão. Ainda hoje, os Gentlemen tem um extenso fã-clube Brasil afora.
Huguinho teve "participação relâmpago" em Paêbirú; relâmpago, mas literalmente incendiária. Ramalho o chamou para participar como tecladista do ousado projeto. Sua atuação ficou imortalizada no álbum com os riffs selvagens do órgão Farfisa de "Nas paredes da pedra encantada".
Para assumir a bateria, Ramalho recrutou Carmelo Guedes, outro parceiro seu nos Gentlemen. A mágica, rememora Huguinho, começou logo que entraram no estúdio. As bases foram criadas na hora, como num susto.
"Cravei um tom maior: MI! O sonho começara. Os segredos da Pedra do Ingá, finalmente, pareciam que seriam desvendados. A guinada sonora ainda ecoa pelo espaço", acredita o músico.
O primeiro álbum de Hugo Leão, Coração de Brasil, foi produzido por Zé Ramalho. No LP A Peleja do Diabo com o Dono do Céu, de Ramalho, tocou teclado. Huguinho também arranjou os primeiros discos da cantora Cátia de França e, hoje, leva uma carreira solo.
Quais suas lembranças de ter participado das gravações de Paêbirú?
Hugo Leão - Na época eu era o contrabaixista da banda de baile The Gentlemen. Zé Ramalho era o guitarra-solo. Fazíamos muito sucesso na Paraíba e Recife, especialmente no famoso Encontro de Brotos do Clube Internacional. Zé me chamou para participar do 'ousado projeto'. Convidou também o baterista Carmelo Guedes. Tocamos na furiosa "Nas Paredes da Pedra Encantada".
As batidas de fogo de Carmelo abriram caminho para a viagem: depois, precisei ouvir todos os sete minutos, inúmeras vezes, para escrever as cifras da música. Uma vez que Zé ainda ia colocar o contrabaixo e sua voz, era preciso encaixar tudo nos devidos tempos.
Foi maravilhoso e eterno. De nós explodia criatividade e talento. Uma porrada de som que ainda anda pelos espaços. Paêbirú é antológico e universal.
Como chegaram aos riffs de "Nas Paredes..."?
Hugo Leão - Quando ferrei o acorde "MI" senti que tudo ia acontecer. Usei uma quarta de Mi para chamar a melodia que, num repente, soou em forma de 'chama rebelde', difícil de apagar naquele momento. Dei asas ao sonho e fui: os acordes harmônicos de base ferrada foram surgindo levados pela inspiração.
Estava tudo muito perfeito. Então usei os seguintes tons de passagem: E/ G#-/ D/ A/ C/ A#/ G/ F/ C/ E. Quando Zé Ramalho pegou aquele som picotado, de uma viola de doze nas oitavas e transportou para o contrabaixo, pronto - aí os cometas se alinharam. O baixo tocado por Zé mostra que ali foi criado o rock/repente. Foi formidável - é formidável.
E a aventura de fazer rock na Paraíba, se no resto do Brasil já era complicado?
Hugo Leão - Nos tínhamos a melhor banda de baile do momento. Durante cinco anos, fomos eleitos pela crítica como a melhor banda do Norte e Nordeste. Tocávamos de tudo. Somos do tempo dos Beatles. Depois chegou aos nossos ouvidos a Jovem Guarda com Roberto, Erasmo e grupos como Renato e Seus Blue Cap's, com as famosas versões de Rossini Pinto.
The Fever's, Os Incríveis, Rolling Stones, The Who quebrando todos os instrumentos. Também quebramos num baile no Esporte Clube do Recife. Foi lindo, mais ficou muito caro (risos)!
Levamos uma forte pancada na cabeça quando assistimos ao filme Woodstock. Era um sonho: exatamente o que queríamos fazer - criar. Em um bar na Paraíba chamado O Boiadeiro, apresentamos um show escrito por Zé Ramalho. Eu era o baixista, Carmelo Guedes o baterista e, Zé Ramalho guitarra e viola. A mesma 'equipe' de "Nas Paredes da Pedra Encantada".
O nome do espetáculo era Esse Rock Me Inspira e me Aquece Nesse Inverno Frio e Caudaloso. Bar Lotado. Outra música que ainda soa pelos ares é o rock "Made In PB", composição de Zé Ramalho que está em No Sub reino dos Metazoários, do Marconi Notaro.
*Na foto, da esquerda para a direita: Ramalho, Joca, Walmir, Carmelo, Enilton, Celso e Huguinho (Hugo Leão)