segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

nEMO: "mÚSICA dE cÔRTES é dECIDIDAMENTE bRASILEIRA"*

A música de Lula Côrtes e do grupo de artistas que formavam a cena musical de Recife, na década de 70, têm conexões muito fortes com a psicodelia norte-americana, inglesa e européia.
Ao mesmo tempo, tem qualidades desafiantes: poder e significado artísticos mais profundos que - meramente - os "das fronteiras".
Como a melhor arte psicodélica do mundo, a produzida pela "Geração Lula Côrtes", além da originalidade, demonstra visão muito forte ao referendar, por exemplo, os povos indígenas de regiões específicas do Brasil e seu tradicionalismo.
Da exata forma como, a seu modo, estilo e época, o Velvet Underground criou uma sonoridade especificamente yankee, e o Pink Floyd e o Tyranossaurus Rex produziram o equivalente britânico. Na Alemanha, Podem e Faust forjaram a própria música alemã contemporânea...
A música de Lula Côrtes, decididamente, é brasileira. E, territorialmente, do Recife. Claramente, seu trabalho (obviamente, também o de seus colaboradores) seguiu um trajeto de obscuridade através dos anos.
Tão importante quanto o VU, na América, a música dessa geração provou ser verdadeiramente visionária - capaz de criar ondas enormes de inspiração para pouquíssimos povos escutar... Algo que se dá com o indecifrável mistério de Paêbirú.
A arte de Lula Côrtes deixou impressões muito poderosas. No Brasil, nem tanto; mas, agora, no mundo. Nesse artista, há algo que vai além de talento puro e visão e insere sua arte psicodélica de Paêbirú no rol de muitas das "mais finas faixas psicodélicas gravadas na América do Norte e Europa".
A música de Côrtes, verdadeira e fortemente independente (seus colaboradores podiam criar com pleno controle de sua própria visão: não apenas na escrita, mas tocando, gravando, produzindo e embalando arte), refletiu-se no resultado final dos álbuns Satwa, No Sub Reino dos Metazoários e Paêbirú - testamentários, na minha opinião, do "poder profundo da liberdade artística e verdadeira criação".
São obras de energia maciça e transbordante que têm uma carga mágica... Livre espírito: rebelde e bonito ao mesmo tempo. Contrapeso duro de se conseguir, afinal de contas. Os fatos e circunstâncias nas quais tais álbuns foram feitos (aonde, quando e como), os faz ainda mais surpreendentes. Artística, histórica ou heroicamente falando.
Essas são algumas das razões principais que me fizeram querer reeditar as gravações e registros fonográfics desse pessoal. Na música, tudo vem em ondas. Penso que, nesse momento, estamos numa dimensão paralela aos 60’s e 70’s, no rock. Contudo, com a equivalência e a energia desafiantes do punk rock.
Os artistas sempre quiseram se expressar livremente fora de todas as réguas ou limitações. Há uma geração nova inteira de músicos que procuram a inspiração do passado para tanto. Assim, os álbuns de Lula Côrtes & Turma, desde os tempos do selo Abrakadabra, criaram uma dimensão paralela perfeita para a revisão destas épocas e idéias. Sem anacronia.
Muitas facetas dessa música cabem perfeitamente no interesse musical mundial – sempre a renovar-se nos "povos psicodélicos", "subterrâneos" ou "na música experimental" planetária. Também na evidente "natureza livre" que os álbuns do udigrudi nos transmitem.
A atmosfera está abarrotada de música de má qualidade - e radicalmente comercial. Mais do que nunca, entretanto, os fãs da música que fala com sentimento e paixão reais encontram-se pelo mundo.
Espero pelo tempo em que Lula Côrtes será reconhecido como autor-artista verdadeiro. Não somente no Brasil: mas, inserido na comunidade mundial da música. Com o tempo, sua influência se alastrará, com certeza.
Seja nas reedições de discos clássicos ou numa mais do que merecida atenção dos meios de comunicação. Embora eu já esteja muito feliz em vê-la acontecer - em certa medida - e muito orgulhoso por ter feito minha parte para ajudá-la a acontecer longitudinalmente.
*Texto de Nemo Bidstrup escrito para a produção Nas Paredes da Pedra Encantada, sobre o álbum Paêbirú e a cena psicodélica de Recife nos anos 70, o Udigrudi. Bidstrup é proprietário do selo Time-Lag Records, baseado em Portland (Maine), que lança bandas folk e psicodélicas de todo o mundo. A Time-Lag fez reedições especiais - em CD&LP - dos álbuns Paêbirú, Satwa e No Sub Reino dos Metazoários, de Marconi Notaro. Todos esgotados