quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

lOBÃO: "a fIGURA dO cANTOR mASCULINO aCABOU"

POR CRISTIANO BASTOS

Nos anos 80, Lobão foi o "jovem artista" que conviveu mais próximo a Nelson Gonçalves. Dele, o Metralha gravou a sob medida "A Deusa do amor" e a lupina "Me chama".

Lobão nunca vai esquecer o dia em que conheceu o baluarte: "Todo deferente fui me apresentar": 'Como vai, Seu Nelson?' O velho malandro emendou:
"Seu Nelson é o caralho! Sou você anteontem", não poupou - alusão óbvia à queda que ambos um dia tiveram pela cocaína. E que, Lobão, naquele tempo ainda tinha...

Divertida foi a circunstância na qual o diálogo (trocadilho a parte) "se travou". A finada Revista Manchete os uniu num típico fait-divers sobre "artistas que tinham cheirado pó". Lobão acabara de sair da prisão.

Tornaram-se chapas. Ainda hoje, se delicia com o lema do seu "amigão": "Onde houver botequim, puteiro e violão haverá Nelson Gonçalves cantando uma canção", ele declama ao telefone, emulando o vozeirão de Nelson.

Enquanto falamos de Nelson (tema de seus prediletos), ele aproveita para narrar um caso, segundo ele, contado pelo próprio boêmio - o episódio no qual, em seus seus "tempos de ventura", Nelson teria seqüestrado um colombiano por dois meses e, sob a mira de um revólver, obrigado o homem a produzir dois quilos de cocaína pura.

Detalhe "divertido": sempre há um revólver nalguma clássica história de Nelson...

"Ele ficou dois anos sem sair de casa, cheirando. Simplesmente não saía de casa. Cheirou os dois quilos inteiros. Isso no tempo em que a cocaína ainda não era 'escândalo'. Hoje é um tabu muito maior. Antigamente se comprava na farmácia".

Segundo Lobão, Nelson, que até o final gravou na "RCA Victor", mantinha a voz muito boa até pouco antes de morrer. Outra memória é ter regravado com ele "Normalista", embora desconheça o paradeiro do registro fonográfico.

"Para gostar do Nelson tem que se entender o Nelson. E, para se entender o Nelson, tem que se conhecer o Nelson. Eu mesmo, só vim a conhecer seu fabuloso repertório quando fiquei amigo dele", conta.

Atualmente, na opinião de Lobão, a dificuldade maior é o tipo de música que Nelson fazia: ficou reservada a uma época, a uma maneira de cantar, assim como as terminologias utilizadas nas canções, muitas pertencentes a determinado período.

"Nelson era parte de uma geração que foi atropelada pelo cool jazz e pela bossa nova. Quando cantores como Dick Farney, Tom Jobim e João Gilberto começaram, meio que deram uma sacudida em Orlando Silva e Francisco Alves.

Desde então, o gênero de cantor sangüíneo não voltou à voga. Inclusive, os cantores com 'personalidade'. Todos eles, aliás, personalidades conturbadíssimas. Acabou a figura do cantor masculino no Brasil. O resto é mulher".

Nelson Gonçalves deveria ter sido o "milionário da canção no Brasil", como Elvis e Sinatra: "Na RCA, ele escarrava no tapete, talagões enormes, depois dizia: "Posso cuspir nesta porra à vontade. Fui eu mesmo que paguei por isto".

O roqueiro retrata uma história que ilustra bem a personalidade de Nelson - afável com os amigos e punk quando achava que tinha de ser:

"Dia desses fui a São Paulo e, coincidentemente, peguei o mesmo chofer que conhecia Nelson Gonçalves e o tinha transportado algumas vezes. Ele me contou que, certa vez, já de saco cheio, a caminho de um show, o Metralha perguntou:

"Eu quero saber a quantos quilômetros fica o local do show". O motorista respondeu: "Fica a 200 km, Seu Nelson". E ele: "Você jura que é 200 km mesmo?!". O motóra: "Sim, claro".

Seguiram viagem batendo papo - Nelson "co-pilotando". No meio da estrada, entre vales e montanhas, de repente ele metralhou: "Pára, pára, pára!". No meio do nada, abismado o cara só consegiu falar: "Mas porque, Seu Nelson?!". Ele respondeu: "Eu estava contando o velocímetro. Aqui são 200 quilômetros. É aqui que vou cantar. Não vou mais a lugar nenhum". Abriu a porta e começou: "Boêmia...".

Ele tirava muita onda Lobão?

Lobão - Muita. Teve uma vez que eu e ele fomos fazer um Globo de Ouro. A gente ia apresentar "A Deusa do Amor" (veja essa cena no clipe mais abaixo), que na época fazia o maior sucesso e, um dia antes ele falou assim pra mim: "Porra, de qual roupa você vai vestido amanhã Lobão?" Disse: "Ora, vou vestido de Lobão. Vou botar uma parada lá e tal". "Há, também vou", disse ele. No dia seguinte, chegou ele lá: cabelo pintado de cajú, calça de lamê, todo 'embesoarado': "Você vai ver quem é Nelson Gonçalves. Vou te foder, Lobão. Vou roubar o seu show!".

Eu: "Não precisa isso, Nelson. Qualé..."A gente entrava no placo um atrás do outro. A orquestra tocando aquela introdução Frank Sinatra (imita o som). Ele veio e deu uma tropeçada, rapaz... Aconteceu que ele chegou atrasado e a orquestra já tinha começado e, de propósito, pois ele sabia que estava errado, provocou um desencontro. Ohou pro maestro e disse assim: "Porra, maestro, assim não é possível!". Mas quem tinha errado era ele. Cheio de manha, o cara. Uma figura...

O Nelson queria que tu parasse de cheirar?

Lobão - Não...Imagina! (ri) Ele era um homem esclarecido.

Conversei com um velho amigo dele, o crooner Paulo Rodrigues, que me contou que Nelson disse pra ele, certa vez: "Se te pegar cheirando cocaína ou fumando maconha te cago a pau, rapaz!".

Lobão - Comigo, não. Ele só ficava tirando onda do tempo em que cheirava: "Porra, meu, na minha época, sim, a cocaína era boa. Não esse pó de maizena que vocês cafungam por aí. Ele ficava puto não pelo fato da gente cheirar cocaína, mas, por cheirararmos de má qualidade, sacou? (risos). Aí ele contava as peripécias dele. Nos sentíamos amadores. Seguido vinham me falar, não sei porque cargas d'água: "Você é filho do Nelson Gonçalves?" Chegou rolar essa lenda...

Devia ter sustentado em nome da farsa! (risos)

Lobão - Minha relação com ele foi muito bacana. Durou 10 anos. Até ele morrer. Ouvi falar que ele cantou com o Frank Sinatra...

Pois é. O cantor Paulo Rodrigues testemunhou o fato. Eles atacaram de "Garota de Ipanema", no Radio City Music Hall de Nova York.

Lobão - É. O cara ficou embevecido com a voz do Nelson: "Um dos maiores cantores do mundo". Exatamente.
    
 







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