Na última Rolling Stone, o jornalista Marcelo Ferla acessou à intimidade do jovem Vinícius Gageiro Marques (16), o Yoñlu.
Ele foi o talentoso menino de Porto Alegre que não só discutiu como deu o "clique final" em sua própria vida auxiliado por internautas de uma comunidade de suicidas.
Yoñlu se foi no dia 26 de julho de 2006 e deixou seu precoce legado de música e uma porção de coisas escritas e registradas na rede.
Suas opiniões ainda podem ser lidas em fóruns de música que ele participou na internet.
Após leitura de algumas dessas intervenções de Yoñlu, fica ainda mais difícil saber o que mais impressiona nele: seu pendor musical, a confusão ou o medo de viver.
Num desses fóruns ele diz sobre Porto Alegre - May 24 2006, 02:36 PM: "It's a southern-Brazilian town that the name translates as Gay Harbour".
Ferla já foi editor de música do Segundo Carderno do jornal Zero-Hora, editou a revista Frente! com os jornalistas Emerson Gasperim e Ricardo Alexandre, e publicou vários livros sobre música.
O jornalista foi convidado pra escrever "o perfil de um músico que se suicidou" - e não sobre sucídio, propriamente dito - e faz questão de frisar:
"Tanto que não falei com a polícia, por exemplo, embora tenha sido jornalisticamente inevitável falar do assunto pra traçar o perfil do Yoñlu", justifica Ferla.
Leia trechos da reportagem "Canções para Viver Mais" no site da Rolling Stone. Um trechinho aqui:
"(...) O quarto de Vinícius fica no meio do corredor, à esquerda. É lá que estão o violão, as partituras, a coleção refinada de CDs: Beatles, Radiohead, R.E.M., Flaming Lips, Tom Waits, Jeff Buckley, Strokes, Air, Beastie Boys, Billie Holiday, Caetano Veloso, Vitor Ramil, João Gilberto.
As fileiras são desordenadas e alguns discos cobrem os demais, mas nem preciso revirá-los para ver melhor. Já deu para entender as referências dele. Ao lado da cama de solteiro, coberta por uma colcha do Grêmio, estão um pôster do vocalista do Radiohead, Thom Yorke, o mais brilhante artista da música pop do século 21, e outro do grupo escocês de pós-rock Mogwai, autografado.
Na cabeceira da cama repousam, sobre um travesseiro, o terço da primeira comunhão e um CD que estampa na capa a foto de Vinícius – bonito e concentrado, com headphones e agasalho esportivo vermelho abotoado até se formar uma gola alta.
'Yoñlu' é o que está grafado na capa do disquinho digital. O estúdio caseiro onde as 23 faixas do CD foram gravadas, entre 2004 e 2006, fica no meio do mesmo corredor, à direita. Abriga o aparelho de som do garoto, mais discos, uma guitarra, um teclado e o seu computador, um PC onde os sons foram registrados com um aplicativo básico de áudio, o Cool Edit Pro, e um microfone".
É uma infeliz coincidência que Porto Alegre tenha sido cenário de duas das histórias mais chocantes de suicídio de jovens nos últimos anos no Brasil.
O outro caso foi o de Felipe Klein, filho do deputado federal Odacy Klein, cuja história contada pelo jornalista Renan Antunes de Oliveira ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo. Leia a íntegra da reportagem.
"Eu acredito que a cadência e a harmonia certas no momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o da felicidade nos momentos mais sombrios".
Esse é um excerto da carta que Vinícius deixou pros seus pais antes de abandonar o mundo aspirando concentrações letais de monóxido de carbono dentro do seu próprio quarto.
Marcelo Ferla falou sobre o desafio de fazer a reportagem para a Rolling Stone, sobre o talento de Yoñlu - que foi não inteiramente desperdiçado, afinal - e nos arrumou esse texto incrível de Vinícius, a ficção "Dor, Agonia e Angústia".
[[DESORIENTAÇÃO]] - Fazendo a reportagem, qual foi sua conclusão: quem era Vinícius Gageiro Marques?
Marcelo Ferla - Vinícius era um garoto muito inteligente e sensível - emocional e artisticamente -, filho de pais bem-dotados intelectualmente, inserido num contexto de classe média de Porto Alegre. Ele tinha uma depressão profunda e, embora tenha se tratado desde pequeno, não conseguiu vencê-la.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Foi difícil fazer essa matéria?
Marcelo Ferla - Foi difícil, apesar da colaboração dos entrevistados. O tema é delicado e, desde o começo, tomei muito cuidado pra não ferir ninguém, não fazer julgamento de valores, não tentar explicar causas e, sim, expôr fatos, pra evitar o tom sensacionalista e não glamourizar o suicídio. O fato é muito triste e foi tocante falar com todo mundo a respeito do garoto.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Qual era o talento musical de Yoñlu?
Marcelo Ferla - Yoñlu tinha muito potencial e deixou um legado de alta qualidade. Acho que ele tinha ótimas referências, grande aptidão pra escrever letras e compor músicas e dedicação na hora de gravar (ele começou com 2 canais eterminou com 36, sempre só).
Tudo isto somado a uma sensibilidade visceral que ele só conseguia expôr na música. Tudo indica que ele seria um grande artista. O CD que foi lançado é uma boa amostra.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Ele se encaixa na "cena" gaúcha?
Marcelo Ferla - Partindo-se do pressuposto que ela exista, não.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Você acha que se Vinícius não tivesse cometido suicídio sua música, ainda assim, seria conhecida?
Marcelo Ferla - Tudo indica que ele seria um grande artista. E ao mesmo tempo em que se pode afirmar que a maneira trágica como ele morreu contribuiu para que a sua música fosse conhecida (embora tivesse um séquito considerável em vida), é possível supor que, vivo, poderia ter hoje um hype parecido com o da Mallu Magalhães.
[[DESORIENTAÇÃO]] - A música de Vinícius vai viver mais que ele?
Marcelo Ferla - Tem tudo para viver, o contrato da Luaka Bop é um indício.
DOR, AGONIA E SUICÍDIO
De: Yoñlu
Sobre Big Brother Brasil 2
Nota: 0,0
Pouco antes da intimidante faca dilacerar seu pescoço, Jorge, lixeiro de 45 anos, revê a causa de tal situação. Era uma terça-feira. Jorge chegara exausto, porém empolgado, do trabalho. O dinheiro que estava guardando para comprar um armário finalmente seria usado a fim de enfeitar a casa, mas o verdadeiro motivo de sua empolgação era apenas por estar a caminho do quente abraço de sua querida esposa.
Esposa essa que o aguardava nos braços de outro rapaz. Como a Jorge não fora dada a força para suportar a perda de um amor, ele recorreu à vodka mais próxima. Ao ver que todo o dinheiro que tinha havia sido utilizado na compra de um armário, Jorge teve de arcar com uma sangrenta e dolorosa luta corporal que só o arranjou hematomas e cortes.
Entorpecido pela dor da condição humana e também pelas frenéticas luzes automobilísticas que banhavam a rua húmida, Jorge caiu no meio da calçada. Paralelamente a isso, as lágrimas inconsoláveis de certa personagem do Big Brother Brasil, por sentir-se rejeitada (e com excesso de rímel), são acompanhadas fielmente pelos olhos atentos de Janaína, estudante de15 anos, sentada há uma hora à frente da TV.