Uma integração extremamente profissional se afirma a cada dia na cena do rock independente sulamericano. A música latina, enfim, se movimenta para transpor a fissura geocultural que aparta os países da América do Sul.
Brisas continentais sopram a favor do rock. É a política da boa vizinhança entre as bandas, que vem ajudando a estreitar relações.
Cambiando experiências e sonoridades, roqueiros argentinos, uruguaios, brasileiros, colombianos e de outras nacionalidades ganharam o trânsito sulamericano.
É possível que, em nenhum outro momento da história, as fronteiras dos países de língua espanhola tenham ficado tão receptivas ao livre ingresso da música jovem como hoje estão.
O filão é festa garantida para o rock independente. Passaporte na mão (talento e um mínimo de estratégia) e as bandas brasileiras podem sonhar, inclusive, com a viabilidade de uma carreira internacional. Para não dizer continental - essa é a palavra. A junção bilateral de esforços em prol do rock já deixou de ser um projeto, em curso nas décadas passadas, para se tornar prática com alto grau de profissionalismo no século 21.
O intercâmbio entre as bandas funciona e, por sua conta e risco, os grandes festivais independentes, em especial os brasileiros, têm se mostrado os maiores interessados na abertura cultural. Na última edição do Goiânia Noise, um dos maiores festivais do país, duas atrações sulamericanas foram escaladas: Rubin & Subtitulados (Argentina) e Perrosky (Chile). Na verdade, o rock latino vai bem - mas, como Cuba, tem de conviver com os embargos culturais de sempre.
Ser ignorado pela mídia e passar batido pelo gosto seriado do grande público são apenas os desafios mais prosaicos. No Brasil, o desafio dos artistas latinos com interesse no nosso mercado musical não é apenas grande - tem proporções monstruosas. Fora toda sorte de peculiaridades da nossa indústria.
Para vingar por aqui, antes, os artistas hermanos vão ser obrigados a solucionar a velha charada, aquela que ainda faz sua troça dissimulada pelos Pampas: como, em nome de Che Guevara e de todos os heróis revolucionários, seria possível cativar a audiência brasileira (numerosa, mesmo nas comarcas indies), pouco familiarizada com os enlevos lingüísticos do castelhaño?! Enquanto não aparece a fórmula perfeita para resolver a equação pop, a solução mais sensata também seria a mais justa. É simples, mas teria que partir de nós: parar e ouvir a música dos nossos vizinhos.
O jornalista e proprietário do selo SenhorF Discos, Fernando Rosa, é um estudioso da história do rock da América do Sul. Ele também não tem a chave para o enigma, mas faz muitas apostas no rock latino-americano – mesmo com o cenário adverso, embora promissor, que caracteriza o mercado das bandas independentes. Uma das suas cartadas será dada com o projeto SenhorF Festival – El Mapa de Todos, que vai reunir artistas de diversos países da América do Sul para tocar no Brasil esse ano, ainda sem data marcada.
Para Fernando, El Mapa de Todos traduz para o rock independente o sentimento, cada vez maior, de integração que está rolando entre países e culturas da América do Sul. Em outros segmentos da sociedade esse sentimento, inclusive, já deu frutos. Rosa cita a recente criação do Parlamento do Mercosul e do Banco do Sul, e emenda: "A integração, para ser duradoura e verdadeira, tem de ocorrer no terreno social e cultural. A música é um dos principais caminhos", aponta.
A integração da América do Sul, explica o jornalista, acontece por várias rotas. Vai desde a criação do Parlamento do Mercosul até o projeto de uma rodovia de ligação com o Pacífico, via Peru, e outras iniciativas fundamentais no terreno da infra-estrutura. "A integração para a qual ninguém dá muita bola avança pelo terreno cultural, onde a música possui grande força pela sua natureza imediata de comunicação", observa.
É nesse espírito que, no rock, as iniciativas proliferam. A plataforma de festivais independentes organizada e estimulada pela Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) e pelo Núcleo Fora do Eixo vem promovendo a vinda regular de bandas sulamericanas ao Brasil. A política integracionista dos festivais independentes já levou aos palcos brasileiros bandas como Los Natas e Satan Dealers (Argentina) e Supersónicos (Uruguai).
Na edição passada, uma das grandes atrações do festival acreano Varadouro foi a peruana Turbopótamos. Em 2007, Brasília recebeu Rubin & Subtitulados (Argentina), Motosierra (Uruguai) e Perrosky (Chile).
A mesma força é dada do outro lado da fronteira. No ano passado, a gaúcha Superguidis realizou uma mini-turnê pela Argentina e pelo Uruguai. Na Argentina, o selo Scatter Records, da brasileira Sylvie Picolloto, organiza o ciclo Music is My Girlfriend, onde integração é a força- motora do movimento. Sylvie leva bandas nacionais para tocar na Argentina, e vice-versa, e lança discos de independentes brasileiros no país como fez com Autoramas, Superguidis e MQN.
Al otro lado del río – Toda a movimentação de bandas e artistas nas fronteiras atraiu a atenção da Petrobras. Em recente edital de apoio aos festivais independentes, a empresa estipulou, entre as exigências contratuais, a inclusão de bandas independentes do Mercosul na escalação dos festivais aprovados.
Com isso, a partir desse ano, grande número de artistas e bandas dos países sulamericanos circulará pelos festivais independentes do Brasil. "Em contrapartida, os brasileiros também cruzarão as fronteiras dos países vizinhos", coloca Rosa.
Criada no final dos anos 90, desde que entrou no ar, a Agência SenhorF divulga o rock da América do Sul nas suas páginas eletrônicas com biografias, resenhas de álbuns e textos históricos sobre as bandas. O site também edita split-singles virtuais binacionais por meio da iniciativa SenhorF Sem Fronteira.
A última dobradinha foi o lançamento do EP Los Porongas/Turbopótamos, com duas canções de cada banda. Turbopótamos é de Lima, Peru, e Los Porongas é a uma das grandes revelações nacionais surgida do Acre.
Em outros momentos da história, Roberto Carlos, Charly Garcia, Paralamas do Sucesso e Soda Stereo abriram as fronteiras dentro da velha lógica do mercado das majors. Só que agora o intercâmbio é mais profundo: envolve troca de informações, de tecnologias e contribui para a construção de um novo tipo de mercado. "Um processo que artistas pioneiros como os gaúchos Vitor Ramil e Arthur de Faria, por exemplo, conhecem bem, mas que precisa se tornar uma prática comum na região", lembra o jornalista.
Fique por dentro de todo o contexto do rock latino-americano na entrevista exclusiva de Fernando Rosa para o [[DESORIENTAÇÃO]]. Siga o post abaixo.