Antes de falar de rock, essa eterna festa que tecnologia, ideologia ou estética alguma jamais conseguirão dar fim, é melhor acautelar o leitor sobre o campo minado em que vai pisar nessa edição especial do blog [[DESORIENTAÇÃO]]: o Rio Grande do Sul – cenário de bravatas sangrentas & beligerâncias históricas.
Evocação forte e pomposa, mas que explica paixões que movem as peleias gauchescas. Parafraseando César Oliveira em "Milonga Maragata", o sangue farroupilha galopa até mesmo nas veias do rock gaúcho. Paralelo que, pro gaúcho, não é impossível:
Tenho sangue farroupilha
Galopando em minhas veias
Nos arrancos de trinta e cinco
Andei trilhando coxilhas
Enredado nas flexilhas
Tramando aço em peleias
Galopando em minhas veias
Nos arrancos de trinta e cinco
Andei trilhando coxilhas
Enredado nas flexilhas
Tramando aço em peleias
Olha que rola um punk rock Oi! dessa letra. No rock, é melhor que seja assim - sangue beligerante correndo nas veias. Guerra é movimento. Paz é anemia. Um roqueiro não pode ter patchouli a circular nas veias. Glitter & purpurina é enfeite. E o vocabulário do Oliveira? Daria tudo pra saber o que são "flexilhas", mas estou com preguiça de ir ao dicionário. Aposto um churrasco de costela uruguaia que a maioria dos gaúchos não sabem o que, por Bento Gonçalves, significa isso.
A coisa é séria. A vocação beligerante do Rio Grande do Sul cruza as fronteiras do continente. De 1835 a 1845, a Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha, a maior guerra do país e o mais longo conflito armado das Américas, sangrou o Estado. Um título muito trash metal. Aliás, o Rio Grande do Sul é um celeiro de tipos mutcho lôcos: Elis Regina, Brizola, Vargas, Quorpo-Santo, Padre Landel de Moura, Tony da Gatorra... Cada qual com sua beleza, talento, inteligência e estranheza.
As contendas sempre tiveram dois lados bem definidos no Rio Grande do Sul. Chimangos (republicanos que apoiavam o governo central) enfrentaram os maragatos (partidários da revolução rio-grandense de 1893), e vice-versa, várias ocasiões durante a história. Avante no tempo, marcharam lado a lado na revolução que derrubou o presidente Washington Luiz e colocou Getúlio Vargas no poder.
Nos gramados, o duelo mortal entre gremistas e colorados, o Gre-Nal, divide torcidas em êxtase doentio. Até pra saber quais são as "cores bonitas" se discute: se o Claudiomiro, com a camisa vermelha, ou Baltazar, com os seus tons azulados?
O gaúcho foi criado na peleja. Vive à espreita da guerra até mesmo nas suas festividades. Vai à luta, mas isso não quer dizer que leva todas. Todos os anos comemora a Revolução Farroupilha, uma guerra perdida - mas não importa: é melhor comemorar um levante derrocado pampa abaixo do que se acovardar diante dos inimigos. Essa não é uma atitude de gaúcho - isso é espírito punk, pelo que sei.
Uma coisa é certa, no Rio Grande sempre está rolando alguma discussão importante: nas rodas de chimarrão, nas estâncias, nos ermos rincões, nos bolichos do interior, nos botecos fétidos de Porto Alegre, nas quebradas sujas do under, nas universidades, nos programas de rádio, nos porões & garagens onde se toca rock. Por todos os lados se discute alguma coisa a respeito da província. Não importa se presta, nem é isso o relevante. Importa é que sempre vai mudar os "rumos do Estado". Esse, para mim, é o significado mais preza de se "ser gaúcho", mesmo que não dê em nada.
Fazer rock no Rio Grande do Sul sempre foi uma grande batalha. Como todas as refregas travadas no Estado, essa guerra precisa ser pensada. A batalha continua, como a nossa história.
LEIA NESSA EDIÇÃO
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