sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

iSSO é rOCK gAÚCHO

Quando ouvi pela primeira vez "Quarenta Anos", da Graforréia Xilarmônica, pensei: é o epitáfio perfeito para o Rock Gaúcho.
Coisa linda finalizar uma cena tão rica, criativa e anárquica sob versos como “impressionante ver que ainda toco esta guitarra, minha laringe com ternura ainda escarra, em prosa e verso, melodias e ruidos”.
É simbólica. Toda uma geração jovem (em todos os sentidos da palavra) que, ainda nos anos 80, cantou sobre mortes por tesão, bailarinas assassinadas, surfistas calhordas e amigos punks, está realmente com quarenta anos na cara e já perdeu espaço dentro do próprio Estado.
Alguns já deixaram a carreira um pouco de lado, muitos seguem estabilizados como mitos eternos do underground e outros tocam para meia dúzia de fãs saudosistas. De alguns anos para cá, as novidades roqueiras do estado apareceram muito preocupadas em negar as gerações anteriores; o que é absolutamente normal. O conflito de gerações acontece desde os primeiros passos do rock.
Há uma clara necessidade de derrubar o estigma de "rock sessentista". O curioso é que, apesar do discurso pomposo, a nova cena ainda parece muito travada. Em boa parte das rupturas da história do rock, o grande “problema” das novidades foi exatamente a obrigação em chutar o balde, ter que mandar o ídolo anterior para o inferno e assumir o trono do novo.
Essa necessidade de se afirmar como o autor trouxe obras ricas em personalidade, mas musicalmente irregulares. O que acontece na renovação da cena proto-alegrense é exatamente o contrário.
Falta coragem. Nos anos 90, por exemplo, a maioria das bandas soube lidar com a referência inevitável que eram Júpiter Maçã e Graforréia Xilarmônica. Tanto que a última geração realmente interessante do Rock Gaúcho surgiu ali, com Bidê ou Balde, Cachorro Grande, Vídeo Hits, entre outras.
O problema começou com uma das últimas bandas-referência da cena de Porto Alegre; a Cachorro Grande. Era aquele esquema do ame (daí vieram os chamados “mods genéricos” que ainda perambulam pela cidade um pouco envergonhados) ou odeie (a chamada cena jaquetinha, bastante influenciada pelos Strokes, que abraçava uma estética supostamente nova-iorquina e mais crua). Quando a Cachorro Grande estourou e foi de vez para São Paulo, deu-se início ao caos. Praticamente um Iraque logo após a prisão de Saddam Hussein.
A cena ficou desorientada. Enquanto vários contrabaixos viola eram doados a instituições de caridade, figuras antes ridicularizadas por todo mundo passaram a ganhar status... o comentário era comum: "poxa, agora eu ouvi a banda com atenção, até que são bons, tem bastante influência do Velvet". Nota-se que o Velvet Underground era uma saída fácil para abraçar bandas que anteriormente eram abomináveis por seguir uma cartilha meio indie-rock. Foi bem nessa época que o Superguidis começava a estourar na cena local e prometia ser a bola da vez.
E foi a bola da vez e a nova banda-referência. No início, o Superguidis fazia um som que mesclava diversas influências sixties com uma pegada moderna. Estava sugerido aí um caminho natural para a renovação do Rock Gaúcho. Afinal, atualizar as referências sessentistas, em poesia & música altamente contemporâneas, foi algo que as bandas sulistas sempre souberam fazer com muita classe.
Depois de certa badalação, o Superguidis começou a mudar. A banda se situava de forma magistral exatamente no meio da modiocridade que ainda não tinha conseguido sair da sombra da Cachorro Grande e da outra mediocridade que queria derrubar os anos 60 de qualquer maneira. Kinks e Pavement cabiam na mesma canção.
A mudança do Superguidis reduziu praticamente ao nada a influência dos anos 60, tanto que eles mudaram visual, trocaram de instrumentos, refizeram letras e até abandonaram algumas músicas festejadas. E foi bem nesse período que os caras se consolidaram como a banda-referência de Porto Alegre, algo que dura te hoje.
Há alguns anos pipocam grupos imitando praticamente tudo do Superguidis, as piadas, as letras, o jeito de cantar, as guitarras oitavadas, o baixo retão... Lógico que ainda há alguns resistentes sixties, mas são irrelevantes, algo que não tem nada a ver com a criatividade de outros tempos.
Na nova cena, há uma preocupação muito grande com o discurso, a pose e o release, mas falta essência. Assim como não preciso esperar 30 anos e bajulações do David-Byrne-da-vez para afirmar de boca cheia que Júlio Reny, Flávio Basso, Frank Jorge, Marcelo Birck, Edu K, Plato Divorak, entre outros, são gênios; não preciso de mais nenhum minuto para sacar que nenhuma das novas bandas vai fazer diferença.
O que dizer de uma cena que conseguiu movimentar os subterrâneos de um país inteiro sem ter praticamente nenhum apoio comercial? Pode ser um show antológico do Júpiter Maçã lá no Planetário do Rio de Janeiro, em 1997, assunto de bar até hoje entre figuras como Kassin, Gabriel Thomaz, integrantes dos Los Hermanos...
Ou um show catártico da Graforréia lá no festival Upload de Sampa, em 2001, que deixou muito marmanjo chorando... São obras-primas como o antológico disco solo de Marcelo Birck, Atonais Em Amplitude Modulada, Os Iluminados Monstros do Amor Frank & Plato, Júlio Reny & Seu Último Verão, TNT & Cascavelletes chupando os Stones quando o Brasil inteiro chupava o Police e U2, Replicantes, De Falla, os trabalhos magníficos dos irmãos Dreher na produção e por aí vai.
Passe no Museu do Rock Gaúco, situado em Chapecó, para ouvir o fino da bossa. E nasceram filhotes em todo o país. São candangos-gaúchos, niteroienses-gaúchos, recifenses-gaúchos, paulistas-gaúchos, curitibanos-gaúchos, chapecoenses-gaúchos, gaúchos-gaúchos...
Certa vez, conversando com o gaúcho-candango André Vasquez, citei o rock inglês como a grande fonte de inspiração para algumas bandas do Rock Gaúcho. Ele rebateu na hora: "que nada, ouve 'Eu e Minha Ex', isso não é rock inglês, é Rock Gaúcho!".
É verdade. Aquele jeito Flávio Basso de cantar, arranjos de Marcelo Birck, pelas alamedas de Poooorto Alegre, naipe de sopros altamente dissonante, do Mercadão até o Bom Fim, coro desengonçado, o refrão explodindo eu e minha eeeeeeeeeeeex... Realmente. Isso é Rock Gaúcho.

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