A corrupção faz parte da rotina da sociedade brasileira há mais de 500 anos. Será que um dia o país se permitirá extrair esse mal de suas entranhas?
POR CRISTIANO BASTOS – ROLLING STONE
POR CRISTIANO BASTOS – ROLLING STONE
ILUSTRAÇÃO: LÉZIO JÚNIOR
"Se há reis ladrões, é questão muito arriscada. Certo é que os há e que não furtam ninharias. Quando empolgam, são como as águias reais, que só em coisas vivas e grandes fazem presa".
Atribuída ao jesuíta Manuel da Costa (1601-1667), a obra A Arte de Furtar, de 1652, foi oferecida ao rei D. João IV e a D. Teodósio, o príncipe do Brasil. Seus manuscritos, como sugere o título, não ensinam a roubar.
Denunciam, todavia, que a malversação de dinheiro público era prática comum no Brasil Colônia – a corrupção veio a bordo das caravelas e ancorou-se na história do país desde o Descobrimento.
Em 1516, empossado capitão da Costa Brasileira, o lusitano Pero Capico foi enviado pela coroa portuguesa à novíssima terra com a missão de evitar desvio de direitos reais sobre o comércio de açúcar, pau-brasil e escravos.
A passagem é emblemática. Capico desembarcou pobre no Brasil e, dez anos depois, voltou rico a Portugal. Com muita ironia, o padre Antônio Vieira (1608-1697) também escreveu sobre os governantes coloniais:
"Eles [as autoridades] chegam pobres nas Índias ricas e voltam ricos das Índias pobres".
Passaram mais de 500 anos de história, mas o quadro ainda é, praticamente, o daqueles tempos. Se não piorado. A despeito da estabilidade econômica e dos inegáveis avanços sociais conquistados pelo Brasil, a corrupção continua reinando firme no "país do caixa 2".
Em pouco mais de nove meses de mandato, a presidente Dilma Rousseff teve de nadar contra a corrente de indesejáveis crises políticas, em virtude de sucessivos escândalos motivados por denúncias de corrupção. Nessa gestação inicial, cinco ministros "bailaram".
Último a entrar na dança, Pedro Novais (PMDB-MA), do Turismo, foi derrubado na chamada "Operação Voucher" deflagrada pela Polícia Federal (que prendeu mais de 30 pessoas acusadas de desviar R$ 3 milhões, dentre elas o secretário-executivo do Ministério, Frederico Silva da Costa).
Novais sucumbiu após denúncias, entre outras, de que pagava empregados domésticos com dinheiro do Congresso Nacional. Sua bancarrota moral, porém, foram os R$ 2.156 que pediu de reembolso à Câmara dos Deputados para pagar a conta de um motel usufruído por ele em São Luís (MA).
Caíram antes dele os ministros Wagner Rossi (PMDB-SP, da Agricultura), Antonio Palocci (PT-SP, Casa Civil), Alfredo Nascimento (PR-AM, Transportes) e Nelson Jobim (PMDB-RS, Defesa). Importante observar que três deles pertencem ao principal partido da base aliada do governo, o PMDB.
O único que não tombou pelos mesmos motivos foi Jobim, o qual, literalmente, "morreu pela boca" após "declarações polêmicas". A respeito do vendaval de escândalos que varreu a paz do primeiro ano de seu mandato, Dilma declarou que o real desafio de seu governo consiste em defender os interesses brasileiros – muito mais do que "solucionar as crises da Esplanada".
"Meu maior objetivo é desenvolver o país e distribuir renda. O resto eu faço por 'ossos do ofício'. Prioridade são as condições de vida do povo. Faxina é contra miséria", declarou a presidente.
Ossos do ofício à parte, o custo médio da corrupção no Brasil é altíssimo. Tão elevado que daria para resolver o problema da miséria de uma vez por todas. Segundo estudo realizado em 2010 pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), financeiramente, esse "preço" é estimado entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Ou seja, de R$ 50,8 bilhões a R$ 84,5 bilhões. Com os R$ 50,8 bilhões (estimados em um cenário realista) se poderia, por exemplo, aumentar em 138,1% os quilômetros de rodovias brasileiras – as quais passariam, de acordo com a meta estabelecida no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), de 45 mil para 107,9 mil quilômetros.
O número de aeroportos, por sua vez, se elevaria de 20 para 327 unidades. Entretanto, a corrupção não é uma exclusividade brasileira. O Banco Mundial estima que US$ 1 trilhão seja tragado todos os anos pelos corruptos em escala planetária.
Correspondente a 1,6% do PIB mundial em 2010 (US$ 63 trilhões), o valor supera em 43% o gasto dos Estados Unidos com armamentos (US$ 698 bilhões).
Paradoxalmente à guerra, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que US$ 30 bilhões por ano são suficientes para acabar com a fome de quase 1 bilhão de pessoas ao redor do globo terrestre.
Assim, uma "faxina mundial" em favor da moralidade poderia sumir com a miséria da face da Terra. A berrante diferença entre corrupção no Brasil e nos países mais sérios, contudo, é uma já velha e bastante conhecida: a impunidade.
*Você continua lendo esta matéria na edição 61 da Rolling Stone Brasil, outubro/2011