quarta-feira, 30 de abril de 2008

o sUL iNVADE rECIFE

A coordenada da invasão é Sul e avante pelo Nordeste. A conquista parte do Rio Grande do Sul e tem escala no Planalto Central do Brasil – mas o destino é a Capitania de Pernambuco: o alvo é o rock. As armas são guitarras, baixos e baterias.
No Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, embarco para Recife.
Destacado por APLAUSO, vou ao front investigar porque os artistas gaúchos são maioria numérica no renomado festival Abril Pro Rock – cuja criação, na década de 90, eclodiu com a explosão do Manguebit e revelou Chico Science & Nação Zumbi, Eddie e Mundo Livre S/A.
Na edição de 2008, a curadoria do festival quis voltar às "origens rock" e alistou as duplas geracionais – Wander Wildner/Júpiter Maçã e Pata de Elefante/Superguidis – para engrossar as camadas de guitarras na terra dos ilustres Joaquim Nabuco, Paulo Freire e Reginaldo Rossi.
Na cidade, a chegada da gauderiada foi saudada, óbvio, como "Invasão Gaúcha" – alusão à britsh invasion, da qual, no Brasil, desde os anos 60 e até hoje, o Rio Grande do Sul é um dos maiores aliados.
Por coincidência, tomo a conexão aérea que leva parte da combo roqueiro e outra, com maior quórum no interior da aeronave, políticos sulistas e pernambucanos.
Numa sexta feira à tarde, a parada na Capital Federal, como praxe, faz o transporte (quase especial) dos políticos recifenses de regresso aos seus lares; os gaúchos desembarcavam para um fim de semana no perímetro do poder.
Marco Maciel foi sentado ao meu lado – por precaução, preferi não arriscar um bate-papo.
O político dizia alguma coisa ao vizinho de poltrona. Juro que me esforcei para não ouvir.
Acomodado à janela, Pedro Porto, que era da Ultramen, seguia quieto para o destino rock. Além de artistas nacionais do "mainstream independente", como Céu, Autoramas e Lobão, a viagem serviu para assistir três atrações de fora: os veteranos dos New York Dolls e Bad Brains, dos Estados Unidos, e os jovens neozelandeses dos The Datsuns.
No entra e sai de passageiros, ainda na Capital Federal, uma figura cuja compleição física, por pouco, não atinge o teto do avião se movimenta pelos corredores.
Cabelos compridos ajeitados numa franja esquisitona, paletó mod, estava vestido para o frio londrino-portoalegrense – o jeitão é de roqueiro. O sujeito vai até a poltrona do baixista da Ultramen, se inclina um pouco e, alto, escancara: "Enton tá, vômo tocá nesse tal de Abril pro Rock!".
É Lukas Hanke, o "Cabelo", baixista que acompanha Flavio Basso, o Júpiter Maçã. O sotaque é por causa da sua outra banda, a Identidade, que saiu do interior do Estado para bater-bola no campinho roqueiro de Porto Alegre.
Basso também está no avião e exibe seu novo look – agora uma espécie de Twiggy dark (de preto da cabeça ao pés), cabelos desengrenhados e oxigenados e botas de couro bico-fino.
*Aventura completa no número 92 de APLAUSO. Em breve nas melhores bancas perto da sua casa - sim, se você mora no Rio Grande do Sul. Ou assine a revista, que vale a pena!

domingo, 20 de abril de 2008

mIMSEYS'S dANCE

cARTAS dE lONDON

Apesar da curta vida, Jack London (1876-1916) foi um operário prolífico da epístola. Entre 1897 e 1916, escreveu milhares de cartas - até um mês antes da sua morte.
A correspondência foi reunida no volume Cartas de Jack London (sem edição no Brasil), e revela o retrato de um homem confiante e sensível, com rasgos de coragem e generosidade - mas também ferozmente obstinado e capaz de brutal franqueza.
Escritor-aventureiro, London critica as contrariedades de uma era dinâmica, os milagres tecnológicos e "a profunda instabilidade cultural e espiritual da humanidade".
As cartas levam-nos a viajar pela América do Big Business e dos novos meios de massas - e expõem a imagem mítica que London cultivava de si mesmo, a capacidade de autopromoção e luta pela sobrevivência, o respeito sempre demonstrado pelos valores da amizade.
Jack London foi implacável com os editores: achava-os todos inescrupulosos e não depositava neles sua valorosa confiança. Acreditava mais nos vagabundos das ruas.
As cartas de amor são das mais reveladoras. A correspondência com Anna Strunsky, o segundo grande amor de London, mostra que era um apaixonado - pelas mulheres, pela vida e pela escrita. Nunca deixava uma carta por responder…
Nada surpreendente para o homem que, segundo ele mesmo, aos 10 anos vendia jornais e, aos 15, já se governava sozinho.
O conto A Lei Da Vida é apenas uma amostra da sua inesgotável sagacidade. Vire a página.

a lEI dA vIDA

O velho Koskoosh ouvia ansioso. Enfraquecida a visão, aguçara-se o sentido da audição e o menor ruído penetravaa luminosa inteligência oculta sob a testa encanecida, jádesiludida das coisas do mundo.
Ah! Sit-cum-to-ha, esbravejava com os cachorros, metendo-os nas rédeas. Sitcum-to-ha, sua neta, estava ocupada demais para perdertempo pensando no velho avô abandonado na neve, solitário, sem esperanças.
Tinham que desmontar o acampamento. Esperava-a a longa trilha e o dia curto recusava-se a durar um pouco mais que fosse. Chamavam-na a vida e os seus misteres, não a morte. E ele estava agora às portas da morte.
Por um momento, esta idéia encheu o velho de pânico e fêlo esticar a mão trêmula e paralítica sobre o pequeno feixede lenha seca ao seu lado. Certificado de que em verdade láestava, recolheu a mão ao calor das peliças e pôs-se à escuta.
O rangido dos couros semi-congelados contava-lheque o abrigo de pele de veado do chefe estava a serdesmontado e enrolado num pacote portátil. Era o seu filho,o chefe, forte e valente, cabeça da tribo e poderoso caçador.
Enquanto as mulheres ocupavam-se com a bagagem doacampamento, ele elevava a sua voz, ralhando com elas pela sua vagarosidade. O velho Koskoosh aguçou os ouvidos.
Era a última vez que ouviria aquela voz! Lá ia agora o abrigo de Geehow! E o de Tusken! Sete, oito, nove; restava somente o do sacerdote. Pronto! começavam adesmontá-lo! podia ouvi-lo gemer, enquanto o acomodava no trenó.
Uma criança chorou e a mãe embalou-se com sons guturais. O pequeno Koo-tee, pensou o ancião, uma criança irritadiça e fraca. Morreria logo, talvez e, sobre a cova na tundra gelada, empilhariam pedras para afugentar os lobos.
No fim, que importava? Mais uns anos, no máximo, e abarriga ora cheia ora vazia. A morte esperava, semprefaminta. Que seria aquele som?
Os homens amarrando as correias dos trenós, apertando-as! Ouvia-os agora, logo não mais osouviria. Os chicotes zuniram entre a cachorrada. Comolatiam! Que raiva lhes inspirava a estrada e o trabalho!Largaram! Um após outro, foram os trenós mergulhando no silêncio.
Partiram. Tinham desaparecido da sua vida e ele enfrentaria a sua última hora de amargura. Não. A neve esboroou-se ao peso dum mocassin. Um homem estava ao seu lado. Sobre a sua cabeça desceu uma carinhosa mão. O seu filho era bondoso a este ponto.
Lembrou-se de outros anciãos, cujos filhos não tinham tido a coragem de deixar partir a tribo. Mas o seu filho tivera. Divagou, então, pelo passado, até que a voz do moço o fez voltar."Está tudo bem?" - perguntou. O velho respondeu: "Sim, tudo está bem.""Há madeira a seu lado", continuou o jovem, "e o fogo está forte.
A manhã está cinzenta e começou o frio. Vai nevar, jáestá a começar.""Sim, percebo que já está a nevar."
"O pessoal da tribo vai depressa. As suas cargas são pesadas e os estômagos estão murchos de falta de comida. O caminho é longo. Eles apressam-se. Agora, eu vou. Está tudo bem?"
"Sim, está bem". Eu sou como uma folha do ano passado, presa de leve ao galho. Ao primeiro vento que der eu cairei. A minha voz ficou igual à de uma mulher velha. Os olhos não mostram mais o caminho aos meus pés; eles sãopesados e eu sinto-me cansado. Está tudo certo.
Inclinou a cabeça em sinal de aprovação até que o último ruído da neve pisada desapareceu e certificou-se de que o seu filho ia longe. Então a sua mão estirou-se depressa paraa madeira. Era tudo o que restava entre ele e a eternidadeque o reclamava.
Por fim, a medida da sua vida era umpunhado de gravetos. Um a um, alimentariam o fogo, eassim, passo a passo, a morte acercar-se-ia. Quando oúltimo graveto tivesse esgotado o seu calor, o gelocomeçaria a ganhar forças. Primeiro sofreriam os pés, depois as mãos.
O entorpecimento, vagarosamente, iria subindo das extremidades do corpo. A cabeça cairia nos joelhos e ele repousaria. Era fácil. Todo homem tem que morrer. Não se queixava. Era o modo de ser da vida e estava certo. Nascera perto da terra, perto da terra vivera e aquela lei nãoera para ele nenhuma novidade.
A lei da carne. A natureza não é bondosa para com a carne. Não tinha a menor consideração por aquela coisa concreta chamada o indivíduo. O seu único interesse eram as espécies, a raça. Esta era amais profunda abstração de que a bárbara imaginação deKoskoosh se sentia capaz e a ela se agarrou firmemente.
Os exemplos abundavam na própria vida. O aparecimento da seiva, a verdura do broto, a queda da folha amarela, nisto continha toda a história. A natureza preparava o homem para um determinado fim. Cumprindo-o ou não, morreria do mesmo jeito. A natureza não se importava, pois havia muitos obedientes, obediência exclusivamente neste assunto, que viviam para sempre.
A tribo de Koskoosh era muito velha. Os anciãos que conhecera ao nascer lembravam-se de ter visto outros na sua meninice. Em verdade a tribo vivia e mantinha-se pela obediência de todos os seus membros, desde o passado remoto, de origens desconhecidas. Eles não entravam em linha de conta; merosepisódios.
Passavam como nuvens no véu de verão.Também ele era um episódio e logo se teria acabado. Anatureza não se importava. Estabelecia uma tarefa para avida e impunha-lhe uma lei. A tarefa era a perpetuação da espécie, a lei a morte.
Uma donzela era criatura bonita de sever, peito largo e forte, primavera na alma e luz no olhar. Ainda não cumprira a sua tarefa. Depois, aumentava o brilho dos olhos, o passo apressava-se, tornava-se confiada comos rapazes até então tímidos e trazia-lhes inquietação.
Cada vez mais crescia a sua beleza e melhor era o seu aspecto, até que algum caçador, incapaz de se conter por mais tempo, levava-a para a sua casa, a trabalhar e cozinhar paraele, para se tornar a mãe dos seus filhos. Com a chegadados descendentes, a beleza ia murchando.
Os membros arrastavam-se e atrapalhavam, os olhos enfraqueciam e escureciam e somente os netos se compraziam perto das faces murchas da velha, ao lado do fogo. Terminara a tarefa.
Dentro de pouco, ao primeiro sinal da fome ou a iniciar-sequalquer viajem mais longa, seria abandonada, como elepróprio, na neve, com um pequeno feixe de lenha.
Era a lei. Colocou cuidadosamente mais um graveto ao fogo e resumiuas suas meditações. Era o mesmo sempre, com todas as coisas. Os mosquitos desapareciam com as primeiras neves. O pequeno esquilo arrastava-se para morrer.
Quando a idade avançava, o coelho tornava-se pesado e vagaroso e não mais podia escapulir dos seus inimigos. Até os grandescara-pelada ficavam desmazelados, cegos e briguentos, para no fim serem sobrepujados por um punhado de filhotes barulhentos.
Lembrava-se de como abandonara o seu próprio pai, num lugar distante do Klondike, num inverno, exatamente no inverno anterior à chegada do missionáriocom os seus livros e a sua caixa de remédios.
Muitas vezes lambera os lábios à lembrança daquela caixa, embora agora eles não mais se umedecessem. O "tira-dor" fora muito bom. Mas, no fim de contas, o missionário era uma amolação, pois não trazia alimento ao acampamento e comia desesperadamente. Os caçadores começaram a murmurar.
Terminara por gelar os pulmões numa divisa perto do Mayoe os cachorros tinham derrubado as pedras com o focinho para brigarem pelos seus ossos. Koskoosh pôs mais lenha ao lume e mergulhou de novo no passado.
Recordou-se da grande fome, quando os velhos se amontoavam de barriga vazia perto do fogo e relatavam histórias antigas, de quando o Yukon correra livremente portrês invernos e depois se congelara por três verões.
Naquela ocasião perdera a sua mãe. A pesca do salmão, no verão, fracassara e a tribo esperava o inverno e a chegada dos caribus. Mas veio a estação e nada da caça. Nunca se ouviracontar de algo semelhante, nem mesmo os anciãos.
Os caribus não apareceram e era o sétimo ano; os coelhos nãotinham dado crias, os cachorros não passavam de feixes de ossos. Através da longa escuridão as crianças choravam epereciam, assim como as mulheres e os velhos.
Nem ao menos um em cada dez dos componentes da tribos obrevivera para enxergar o sol na primavera. Aquilo tinha sido fome!Felizmente vira também épocas de fartura, quando a carnes e entregava nas mãos, os cachorros engordavam e ficavam imprestáveis de obesos; deixava-se a caça fugir sem tentar matá-la, as mulheres eram fecundas, nas cabanas meninos e meninas agitavam-se.
Os homens, bem nutridos,começaram a relembrar antigas querelas e cruzaram a divisa ao sul para matar os Pellys e ao oeste para poderem sentar ao lado das fogueiras de Tananas.
Lembrou-se de que, quando menino, numa época de fartura, ter visto um veado agarrado pelos lobos. Zing-ha - observara-a junto a ele, na neve - Zing-ha que mais tarde se tornaria o mais hábil dos caçadores e terminaria por cair num buraco no Yukon.
Encontraram-no um mês depois, exatamente da maneira que caíra, metade para fora e congelado.Mas quanto ao veado, naquele dia, ele e Zing-ha tinham saído para caçar à maneira dos seus pais.
No leito de um regato, divisaram as pegadas frescas dum veado, junto comos rastros de lobos. Zing-ha, hábil na leitura de vestígios debichos, disse: "É um veado velho, que não pode acompanharo passo do rebanho.
Os lobos cortaram-lhe o caminho e não o deixarão em paz." Era certo. Assim era o que faziam. Noitee dia, sem cessar, rosnando aos seus pés, avançando sobreo seu focinho, perseguí-lo até o fim. Como ele e Zing-hatinham ficado inquietos!
O final seria coisa digna de servista!De pés ligeiros, seguiram a trilha; e até ele, Koskoosh, devista curta, perseguidor de caça, teria, seguido perfeitamente, tão larga era. Estavam quase ao pé da caça, lendo a tragédia recém escrita em cada passada.
Chegaram ao lugar onde o veado fizera alto. A neve fora revolvida e pisada, num espaço três vezes a altura dum corpo de homem. No meio havia as profundas impressões da caça perseguida, e em volta, por todos os lados, as leves pegadas dos lobos.
Enquanto uns atacavam a presa, outros se tinham deitado de lado, para descansar. A impressão dos seus corpos na neve era nítida, como se deixada um momento antes. Um lobo fora apanhado num bote da vítima enfurecida e pisoteado até morrer.
Ossos esparsos otestemunhavam. Outra vez cessaram as pisadas de seus sapatos de neve numa segunda parada. Neste lugar, o grande animal lutara desesperadamente. Como atestava a neve, por duas vezes fora derrubado e por duas vezes sacudira longe os seus atacantes e ganhara de novo a estrada.
Embora a sua tarefa já tivesse sido cumprida, a vida continuava para ele um bem muito caro. Zing-ha disse que era estranho um veado, umavez derrubado, levantar-se de novo; mas aquele de certo oconseguira. Quando contassem ao sacerdote, ele de certo descobriria nisto presságios e milagres.
Chegaram ao ponto em que o veado conseguira escalar amargem e fugir para a mata. Mas os inimigos caíram-lhe por detrás até que ele se voltou e deu-lhes em cima - comprimindo dois contra a neve.
Era evidente que a presa estava ao seu alcance, pois os outros lobos nem os tocaram.Mais duas pausas, breves em tempo, e muito perto uma da outra. Agora o rastro estava sangrento, e as largas passadas do grande animal tinham encurtado e ficado sujas.
Aí ouviram os primeiros sons da batalha - não a gritaria retumbante da caçada, mas latidos curtos que denotavam luta encarniçada e dentes mordendo a carne. Contendo arespiração, Zing-ha atirou-se na neve e arrastou consigoKoskoosh, que no futuro seria chefe da tribo.
Juntosa partaram os galhos inferiores dum pequeno pinheiro eespiaram. Viram então o fim. Aquele quadro como todas as impressões da mocidadeestava ainda nítido, e sem olhos enfraquecidos, observaramo final tão vivamente como naquele tempo longínquo.
Koskoosh maravilhava-se com isto, pois nos diassubseqüentes, quando era chefe dos homens e o principaldos conselheiros, praticava grandes atos e tornou o seunome uma maldição na boca dos Pellys, para não mencionaro homem branco que matara, faca contra faca, em luta aberta.
Ponderou tanto tempo sobre os dias da mocidade,que o fogo diminuiu e o frio começou a castigá-lo mais. Reacendeu-o com dois gravetos desta vez, e mediu o seu tempo de vida pelo que restava. Se Sit-cum-to-ha se tivesse lembrado do avô e colhido uma braçada maior, as suas horas teriam durado um pouco mais.
Teria sido tão fácil!Mas fora sempre criança descuidada e não honrava os seus ancestrais desde que Beaver, neto de Zing-ha, lançara os olhos nela. Bem, que importava? Ele próprio não fizera o mesmo na mocidade?
Por um momento, ouviu o silêncio.Talvez o coração do seu filho se abrandasse e voltasse com os cães para levar o seu velho pai com a tribo, onde o caribu abunda e a sua gordura é muita. Aguçou os ouvidos, o cérebro irrequieto por um momento e fez uma pausa. Nem um rumor, nada.
Somente ele respirava no meio daquele silêncio. Era muito solitário. Ora!O que seria aquilo? Um arrepio correu-lhe o corpo. O uivo familiar quebrou o vácuo e estava bem perto. Em seguida, nos seus olhos obscurecidos projetou-se a visão do veado -o velho veado macho - os flancos feridos e sangrentos, acrina perfurada, quebrada a galhada, cabisbaixo e nas últimas arremetidas.
Viu as reluzentes formas cinzentas, os olhos brilhantes, as línguas de fora, a baba escorrendo. O círculo inexorável ia-se fechando até se tornar um pontonegro no meio da neve pisada. Um frio focinho chegou-se à sua face e àquele contacto a sua alma imediatamente retornou ao presente.
A sua mão avançou para o fogo e pegou numa acha em brasa. Vencido pelo medo hereditário do homem, o bruto retirou-se, uivando em chamada dos seus Irmãos. Avidamente, eles responderam até que uma roda de animais agachados, bocas salivando, fizeram-lhe cerco.
O velho ouvia o círculo diminuindo sobre ele. Brandiu o tição desordenadamente e o resfolegar transformou-se em ganidos; mas os arquejantes brutos recusavam-se a se espalhar. Agora um adiantou ocorpo, arrastando a traseira, depois um segundo e um terceiro, mas nenhum se retraía.
Por que se apegaria ele á vida? Com esta pergunta, deixou cair a acha em brasa sobrea neve. Chiando, apagou-se o fogo. O círculo grunhiu, com inquietação, mas não desistiu.
De novo o viu e à última parada do velho veado. E, cansado, apoiou Koskoosh a cabeça nos joelhos. Que importava, no fim de contas? Não era esta a lei da vida?

quarta-feira, 16 de abril de 2008

aRNALDO: "tO bURN oR nOT tO bURN?"

Às vésperas dos 60 anos, Arnaldo Dias Baptista mantém o mesmo espírito inquieto e anárquico da juventude.
Depois de participar da festejada volta dos Mutantes aos palcos brasileiros e internacionais em 2006, despediu-se, mais uma vez, do irmão Sergio Dias. Foi cuidar de projetos pessoais.
Em 2008, uma nova surpresa: Arnaldo Baptista está lançando seu primeiro livro, Rebelde entre os Rebeldes (Rocco).
Apaixonado por ficção-científica desde a infância, Arnaldo estréia na literatura com as aventuras interplanetárias de um casal que foge da Terra e vaga pelo tempo e pelo espaço em busca de paz.
A mesma paz que o autor diz ter encontrado ao trocar sua cidade natal, São Paulo, por um sítio em Juiz de Fora, em Minas Gerais.
O livro inicia com a descoberta de um segredo guardado nos subterrâneos de uma antiga casa na Califórnia, Estados Unidos.
Especialista em engenharia nuclear, Maggie descobre acidentalmente em seu banheiro uma passagem para os laboratórios do Dr. James Harness, um genial cientista, morto há mais de cem anos.
Agora, arriscando-se na pele de escritor, Arnaldo Baptista nos oferece mais uma faceta de seu extraordinário talento.
[[DESORIENTAÇÃO]] - No Brasil e no exterior, você é um ícone da música. O que público e crítica podem esperar de seu primeiro romance?
Arnaldo Baptista - Rebeldia à direção tomada pela evolução. To burn or not to burn. What is the question?. Romance vem a ser a palavra, que sendo o primeiro, acende uma esperança; que nos ascende a algum Deus.
[[DESORIENTAÇÃO]] - O nome Mutantes foi inspirado no famoso livro de ficção científica do francês Stefan Wul. Você sempre foi um entusiasta do tema?
Arnaldo Baptista - Sim, pois escritores como Ray Bradbury encontraram essa acertada direção da evolução. Na minha juventude creio ter lido todos os livros da série Futurâmica...
[[DESORIENTAÇÃO]] - Como foi o processo de escrita de Rebelde entre os Rebeldes?
Arnaldo Baptista - Encontrei-me, após ler a Bíblia, perante um desafio de colocar-me num livro. O processo de criação tem a ver com quem sou. Através da escrita, consegui me expressar, explicar minha opinião.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Escrever um livro é mais trabalhoso do que gravar um disco?
Arnaldo Baptista - Um livro é mais fácil, pois você só precisa de uma caneta e papel para mostrar sua mente. E quanto ela mente. Ficção pode ser mentira, Científica, nunca. Um músico depende de outras pessoas. A música e a poesia existem para explicar o inexplicável.
[[DESORIENTAÇÃO]] - No livro, um computador superinteligente chamado Horácio é programado para ajudar a humanidade. Você acha que um robô pode ser o melhor amigo do homem?
Arnaldo Baptista - Pode ser, pois sua memória é algo bem importante. Além da filosofia, da Inteligência Artificial (Vida). Quanto a isso, enveredo-me pelos caminhos de Cristo, nos quais a amizade é assexuada (Filosofia).
[[DESORIENTAÇÃO]] - Em Rebelde entre os Rebeldes, a música de Beethoven ainda é capaz de fazer diferença em um universo dominado pela alta tecnologia. Na sua opinião, qual o papel do artista no século 21?
Arnaldo Baptista - O papel do artista no século 21 é alcançar uma hiperconsciência dos governos. O artista deve conseguir definir, entretendo e sendo agradável, a diferença entre certo e errado.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Você sempre foi um símbolo de irreverência na música brasileira. O que significa para você hoje a palavra rebeldia?
Arnaldo Baptista - Para ultrapassar a velocidade do som (1200 km/h) houve dificuldade. Para ultrapassar a luz também. Minha rebeldia alcança a fórmula criada por mim da viagem no Tempo, que é: T = M > C (T = tempo; > = maior, acima; C = velocidade da luz).
[[DESORIENTAÇÃO]] - Às vésperas dos 60 anos, longe dos Mutantes, quais seus planos para o futuro?
Arnaldo Baptista - Pesquisas na Tecnologia-Definitiva. Provar meus pontos de vista; fictícios ainda. E, também, expor minhas obras de arte como artista plástico que sou.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

gLAUCO mATTOSO: pÉS, pÉS, pÉS!

O paulista Glauco Mattoso, além de poeta, é ficcionista, ensaísta e articulista em diversas mídias. Glauco Mattoso é pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva.
O nome artístico, segundo o sonetista, trocadilha com"glaucomatoso" (portador de glaucoma, doença congênita que lhe acarretou perda progressiva da visão, até cegueira total em 1995).
O nome também alude a Gregório de Matos, de quem é herdeiro na sátira política e na crítica de costumes. Nos anos 70, Glauco participou, entre os chamados "poetas marginais", da resistência cultural à ditadura militar.
Nessa época, residindo temporariamente no Rio de Janeiro, editou o fanzine poético-panfletário Jornal Dobrabril (trocadilho com o Jornal do Brasil e com o formato dobrável do folheto satírico).
Na mesma época, começou a colaborar em diversos órgãos da imprensa alternativa, como Lampião (tablóide gay) e Pasquim (humorístico).
Na década de 80 e início dos 90, continuou militando no periodismo contracultural, desde a HQ (gibis Chiclete com Banana, Tralha, Mil Perigos) até a música (revista Som Três).
Glauco já foi fonte em algumas reportagens que fiz, como a especial - e polêmica - publicada na revista Aplauso em 2000 - Perversões e Arte. Nessa matéria, Glauco fala do seu maior fetiche, que lhe fez famoso até fora do Brasil: a podofilia - ou seja, sua predileção por pés.
No caso dele, masculinos e, de preferência, com chulé. Preferência que ele não esconde em livros como Manual do Pedólatra Amador - Aventuras e Leituras de um Tarado por Pés.
Em 2001, Glauco Mattoso lançou o cedê Melopéia pelo seu selo, o Rotten Records. A brilhante capa é assinada pelo quadrinista (hoje festejado romancista e ator) Lourenço Mutarelli. No clima dos sonetos e músicas, ele faz uma releitura antropofágica em cima de uma tiração de onda com a capa do Panis et Circensis, disco-manifesto dos tropicalistas.
Vale tudo. O que mais chama a atenção no disco, além da diversão poético-roqueira, é a face bocagiana dos sonetos de Glauco, como na sensacional "Flatulento", dos Billy Brothers.
Melopéia traz a participação de bandas e cantores/compositores dos mais variados estilos (do punk ao samba, passando pelo rockabilly, blues, jazz, funk, folk e techno), que musicaram e interpretam sonetos do poeta maldito. Participam bandas como Inocentes, 365, Devotos, Elefunk e Laranja Mecânica, além de Wander Wildner, Humberto Gessinger e Ayrton Mugnaini.
Caetano Veloso (ele, sempre) o homenageou na canção "Língua": "Adoro nomes/ Nomes em ã/ De coisas como rã e ímã/ Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã/ Nomes de nomes/ Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé e Maria da Fé.
Ao "pé do página", para usar um trocadilho ao gosto do poeta, a reprodução de dois sonetos punk-roqueiros enviados pelo autor.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Tudo beleza, Glauco? Tu gosta só de sapatos ou se amarra nuns cadarços também?
Glauco Mattoso - Beleza não posso dizer que tá tudo. Primeiro, porque fiquei cego. Segundo, porque só gosto de pé feio e pisante sujo.
[[DESORIENTAÇÃO]] - É por isso que deves adorar punk rock, né? Todas aquelas botas Doc Martens suadas de tanto pogar...
Glauco Mattoso - Claro! O punk é o rock mais podrão e podólatra, mais chulepento que existe, principalmente quando as letras vão no vão do dedão! Veja, por exemplo, aquele soneto que fiz pro Grievance Committee: é lambeção de bota na marra! Mas também curto rockabilly, que já falava no sapato de camurça azul...
[[DESORIENTAÇÃO]] - Você deve amar o disco "Kick out the Jams", do MC5. Vai dizer que você não queria ter o seu traseiro chutado pelo pezão do Fred Sonic Smith?
Glauco Mattoso - Não só por ele: até dos skinheads levei bica! Eles têm fixação em bota, você sabe! Adoram dar nome de Boot Boys, Kicker Boys, às bandas. Por isso é que se ligaram tanto no filme "Laranja Mecânica": muito chute e lambeção de sola, do jeito que me acostumei a ser tratado.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Lembrei das suas "Dicas para tirar uma onda de um ceguinho": "Leva o cego numa danceteria e larga no meio da pista, ou num concerto de rock, com muita gente e empurra-empurra, ou atrás do trio elétrico no carnaval, ou num baile funk, bem no caminho dos chutes... Dançou, ceguinho!" Não tem medo de levar uma bengalada na cabeça, não?
Glauco Mattoso - Morro de medo! E até já estaria morto, se eu fosse pôr em prática tudo aquilo que a molecada sugeria que um cego fizesse, ou fosse obrigado a fazer... Mas muita coisa eu cheguei a praticar, principalmente coisas feitas com a boca...
[[DESORIENTAÇÃO]] - Dentre os gêneros rockeiros mais tribais, não é só o psychobilly que se faz notar como zona franca das taras e dos maníacos: também o punk rock, desde sua raiz setentista até as derivações do Oi! ou do Hard Core, às vezes faz uma pausa na pauta anarquista e no temário sociopolítico para tirar seu sarro em termos de perversões e tabus sexuais.
O sadomasoquismo é, de todas as modalidades de sexo bizarro, aquela que vai mais fundo no território da transgressão e do abuso, podendo chegar aos extremos da tortura e do homicídio. Sendo anárquico e subversivo, o punk teria que, mesmo de passagem, esbarrar nessa matéria.
Você falou isso. Ainda concorda, Mattoso?
Glauco Mattoso - Sim! Teorizei porque andei preparando textos virtuais sobre sadomasoquismo no rock. Mas na prática é isso mesmo: a molecada não perde chance de zoar com quem tá por baixo.
Eu senti isso na pele quando era moleque, por causa do defeito no olho, e o rock tá cheio de letras que falam como um "loser" é zoado pelo resto da turma. Tenho que encarar a realidade. Por isso acabei virando masoca. Se o estupro é inevitável, "relax and enjoy", como diria a Marta...
[[DESORIENTAÇÃO]] - Um dos mais remotos registros do temário Sado-Maso na música punk é a faixa "I need a slave" do primeiro LP da banda inglesa Vibrators, Pure Mania, de 1977. A letra sugere algo explícito:
Well I'm getting hung up,
With all this hangin' around.
I'm gettin' tied up,
When I wanna be tyin' it down.
It always goes wrong,
Can't seem to get it right.
Yeah come on girl,
I need a slave tonight.
I need a slave tonight
Já arrumou o seu escravo? Ou o seu lugar é ao pés do "mestre"?
Glauco Mattoso - Eu, arrumar escravo? Cego não tem escravo, cego na Índia vira felador, no Japão vira massagista! Aqui vira também chupador de dedão e lambedor de sola, como eu! Até já tive escravo e escrava, quando enxerguei.
Agora não tenho escolha: é obedecer ou obedecer. O mais irônico é que sempre fui mandão pra caralho, exigente, rigoroso com todo mundo que trabalhasse pra mim.
E agora qualquer cara folgado me põe pra chupar e ainda tira sarro porque não estou em condições de reclamar de porra nenhuma, principalmente da porra que desce pela garganta...
[[DESORIENTAÇÃO]] - Cita os 10 melhores discos de Punk.
Glauco Mattoso - Fora de ordem cronológica ou de preferência: "Never mind the bollocks", dos Sex Pistols, "London calling", do Clash, "Inflammable material", do Stiff Little Fingers, "Fat Bob's feet", dos Toy Dolls (aliás uma faixa-título bem podólatra), "The crack", dos Ruts, "Rocket to Russia" e "Road to ruin", dos Ramones, "Fresh fruit for rotting vegetables", dos Dead Kennedys, "Beer sex chips'n'gravy", dos Macc Lads e "Pure mania", dos Vibrators, incluindo as variações e derivações do punk.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Os coturnos de quem representam o seu sonho de consumo?
Glauco Mattoso - Acho que o pé rockeiro nacional que mais me desperta o vício solitário é o do João Gordo, inclusive porque, segundo me contaram, é bem chato e tem o dedão mais curto, formato que me atrai por causa duma lembrança de infância, quando fui abusado por outros moleques que tinham pé de pato.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Qual é o pé mais sexy do Brasil?
Glauco Mattoso -
Se for feminino, concordo com o falecido Henfil: teria que ser duma jogadora de basquete, quem sabe o da Magic Paula. Se for masculino, já falei: é o do João Gordo. Mas o Ayrton Senna e o Zico também teriam dedão mais curto, segundo me buchicharam.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Certa vez, você disse que tinham umas chulapas 44 gaúchas com as quais seguidamente você se "relacionava". Também disse que adora os pés dos gaúchos. Por quê? Será que por causa da indefectível bota? Conta sobre aquele evento no Gasômetro, em Porto Alegre, em que decoraram com botas por toda parte...
Glauco Mattoso - Tenho, sim, um amigo gaúcho cujos pezões já lavei com a língua, e posso garantir que me deram trabalho. Quanto às botas, me parece que o gaúcho as usa com mais gosto, não só as típicas, de montaria, mas aquelas pesadas, de montanhês ou lenhador, talvez porque o clima favoreça.
Quando estive em Porto Alegre, palestrando no Gasômetro, os organizadores do evento me destinaram uma sala sem outra decoração que não fossem sapatos e botas, até sobre a mesa que ocupei.
Por um triz não interrompi a palestra para lamber um borzeguim de sola gasta, tamanho 43. Disseram-me que fora emprestado dum funcionário da Usina.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Como os pés tornaram-se o centro da sua vida sexual?
Glauco Mattoso - Bom, tudo veio como uma lenda de Cinderela pelo avesso. Quando criança, já meio ceguinho e indefeso, fui abusado por outros moleques, que me fizeram lamber e chupar, inclusive pés descalços e fedidos.
Um deles tinha pé chato e com dedão mais curto, e até hoje guardo e persigo essa imagem de pé folgado. Depois descobri o sadomasoquismo, e tudo se explicou, mas não se resolveu.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Qual sua opinião sobre o conteúdo podófilo na obra A Pata da Gazela, de José de Alencar?
Glauco Mattoso - Ele releu a saga da Cinderela com bastante argúcia, mostrando que o estereótipo do pezinho feminino, delicado e belo, nem sempre se justifica, pois no caso a musa tinha pé pequeno porque era atrofiado, coisa que o podólatra não suspeitava.
Em compensação, a outra personagem tinha pé grande e foi amada mesmo assim, o que põe uma azeitona na minha empada...
[[DESORIENTAÇÃO]] - O escritor gaúcho Donaldo Shueller, tradutor de Finnegans Wake, de James Joyce, falou algo sobre "velar e desvelar" - artifício do qual a literatura romântica vale-se para resguardar um sentido oculto na obra.
Esse princípio (que disse ser teorizado por Roland Barthes em O Prazer do Texto), pode ser aplicado na podofilia enquanto arte?
Glauco Mattoso - Tanto pode, que Alencar o emprega, quando faz a dona do pé pequeno usar vestido longo, de modo que o podólatra nunca consegue conferir se é mesmo dela a botina achada na rua.
Eu mesmo usei desse artifício em meu livro, quando deixo na dúvida se tudo aquilo que passei foi verídico ou exagerado. Faz parte do ofício de escritor alimentar a lenda do autor-personagem, não só fazendo suspense como sendo ambíguo.
Por exemplo: será que o Glauco não gosta mesmo é de pé de donzela e finge gostar de pé de marmanjo só pra avacalhar? Mistééério...

sONETAGEM

SONETO PARA UM ROCKZINHO ANTIGO [1730]

"Entrei na rua Augusta a cento e vintepor hora...",
é o que cantava o Ronnie Cord.
Já foi aquela rua de requinte,
justificando quem assim a aborde...

Butiques, lindas gatas,
isso o ouvintepodia até supor,
pois quem recordebate no velocímetro nem vinte
aninhos tem, e seu papai é lorde...

No tempo dos playboys,
foi cadilaqueo carro cobiçado,
e inda de fraquevestia-se um rapaz na cerimônia...

Agora a rua ostenta apenas putas,
enquanto quem tem carro faz disputas nos rachas,
bem além da Vila Sônia...

SONETO DO ROCK PANFLETÁRIO [1380]

O Lennon parodia muito bem
a capa dum jornal,
e mete o pau naqueles tais que, então,
poder detêm num mundo dividido em bom e mau...

Montagem fotográfica faz quem
coloca os dois dançando nus: o Maoe o Nixon!
Nos desenhos há também
mulher esfaqueada... E o som, uau!

Achei melhor aquela em que ele advoga
a causa dum detento que, por droga,
sentença recebeu muito severa...

O nome é John Sinclair: foi como o Fio,
que Jorge Ben transforma em rei do Rio...
Sair do anonimato? Quem nos dera!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

mAGIC kOMBI

Fecho o blog e me vou pra Recife, acompanhar as atrações do festival Abril Pro Rock, nos dias 11 e 12.
Ver se descolo um autógrafo do David Johansen e Syl Sylvan se desdobra por Johnny Thunders, assistir aos Dead Brains.
Vai ser massa.
Claro! Curtir todas as bandas brasileiras que vão se apresentar por lá. Se der, pegar uma prainha evitando os tutubarões.
Volto com reportagem pra Revista Aplauso sobre a invasão sulista no festival recifense. Os invasores são quatro cavaleiros: Wander Wildner, que lança disco novo no Abril Pro Rock, Superguidis, Pata de Elefante e Júpiter Maçã.
Mas, até o dia 13, ainda dá pra tentar ganhar a promo(d)ção The Who-Volksvagen. As duas empresas se uniram pra ajudar a Teenage Cancer Trust, entidade que auxilia adolescentes com câncer.
Comprando um rifa de 5 libras (R$ 16,78), além da chance de ganhar a kombona autografada por Roger Daltrey e Pete Townshend, ainda leva-se o direito de fazer download de uma versão ao vivo de "Magic Bus", de 1968.
A Kombi foi o símbolo motorizado da ripongagem. Os hippies sabiam fazer de tudo dentro de uma delas: filhos, música, arrrte, mais filhos e a puta duma fumaceira.
Inclusive os lariquentos Salsicha & Scoobydoo, a duplinha que não engana ninguém. Mas acho que eles tinham um Furgão. Não dá nada, tudo a mesma coisa.
No ano passado, o Who tocou no aniversário da sexagenária Kombi, em Hannover, na Alemanha. Até o sorteio, o automóvel fica exposto - e desenfumaçado - no lado de fora do Royal Albert Hall, em Londres.
Faço mandinga pra que um fazão do The Who seja agraciado com a Magic Kombi. Imagina só, o cara ira pirar com um presente desses!
Acende uma velinha pro Moon, que talvez ele te enxergue lá no céu dos bateristas malucos.

bIRCK: "tIMBRES sÃO oRÁCULOS"

A foto da Aristóteles de Ananias Júnior saiu do arquivo pessoal do músico Marcelo Birck.
Retrata show perdido feito na Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), por volta de 95.
Quase o tempo em que ficou afastado dos palcos de Porto Alegre.
Semana passada, ele renasceu pro público apresentando Timbres Não Mentem Jamais, o novo disco da sua carreira solo, no Teatro do Sesc.
No segundo álbum, Birck - "sobrinho do Peréio" junto com o Alemão da Graforréia - vai fundo nas viajens jovenguardianas, surf music, Beatles e brega setentista - modelos para os quais sempre volta, como de praxe, pra subverter/desconstruir.
Funde recursos computadorizados, colagens sonoras e técnicas ultrapassadas de gravação: os resultados são tortos & excêntricos - pouco se encaixam nos arcabouços pop ou vanguardistas nacionais (a vanguarda brasileira existe?).
Cantor, compositor e guitarrista, Marcelo Birck, não esqueça, também é fundador-honorário da Graforréia Xilarmônica. "Eu", um hit que não foi hit, de sua autoria, foi coverizada pelo Pato Fu.
Timbres Não Mentem Jamais tem patrocínio da Petrobras, como o seu primeiro disco, cujas músicas podem ser ouvidas integralmente no site dele - recomenda o artista.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Como se sabe que os timbres não mentem jamais?
Marcelo Birck - Os timbres funcionam que nem oráculos: a resposta depende da formulação da pergunta certa.
[[DESORIENTAÇÃO]] - O que você faz quando não está no estúdio?
Marcelo Birck - Elaboro projetos pra financiar minha carreira. Assisto muitos filmes pra clarear as idéias. Faço caminhadas longas.
Quando possível - o que tem acontecido pouco nos últimos tempos -, me retiro pra locais com muita natureza e árvores.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Você ainda tem algum paradigma na música?
Marcelo Birck - Com o advento do digital, os paradigmas tornaram-se muito relativos. Período de transição bastante difícil, este que atravessamos.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Que som sempre muda tua cabeça?
Marcelo Birck - Beatles ainda muda: a cada nova audição faço novas descobertas. Inigualável capacidade de ser elegante apenas por um ou dois detalhes durante a música.
[[DESORIENTAÇÃO]] - O que foi a Graforréia Xilarmônica em sua vida?
Marcelo Birck - Em muitos sentidos, uma escola. Mas hoje é passado.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Que tipo de louco é você?
Marcelo Birck - Um cara sem muita paciência pra criar mundos paralelos imaginários.

dESMONTANDO tIMBRES nÃO mENTEM jAMAIS

1. Ouça Esta Canção
Procurei fazer uma composição onde estrofe e refrão se confundissem. A sucessão entre as partes não segue uma ordem previsível - creio que seja esse o motivo pelo qual já ouvi os comentários mais variados sobre esta faixa.
2. Rastros de um Tempo Vertical
Um arranjo vanguardista com sonoridades eletrônicas misturadas a um embalo beatle, criado através de um método de tentativa e erro.
3. Ié-Ié-Ié
Esta eu já havia gravado no álbum anterior, numa versão mais eletrônica. Para os shows, busquei soluções que pudessem ser executadas por músicos.
No final das contas acabou por gerar uma versão que, ao mesmo tempo que é reconhecível, se distingue da original o suficiente pra ser regravada. Quem se dispuser, é um exercício de comparação interessante.
4. Em Amplitude Modulada
Começou quando li um livro sobre criptografia, e pensei: "o que aconteceria se ao invés de palavras, eu criptografasse notas?".
5. Muito Mais Além
Uma letra nonsense, baseada em diálogos de métodos de francês que estudei na adolescência. Procurei seqüências harmônicas não exatamente convencionais para uma canção Jovem Guarda.
6. Cybersurf
Colagem de riffs de surf music alternados com trechos eletroacústicos. A passagem de uma seção para outra foi um desafio e tanto.
7. Passing By
Bossa nova romântica com letra entre inglês e português. Busquei uma sonoridade camerística, utilizando um naipe de fagotes para alcançar esse objetivo.
8. Os Inimitáveis em Ritmo de Ornitorrinco
Totalmente inspirada por uma canção do Reginaldo Rossi gravada pelo Paulo Sérgio. Utilizei seqüências de acordes que fugissem do normal, como um saxofone no estilo dos grupos de surf music dos anos 60 e um arranjo para naipe de sax-tenor baseado nas big-bands de jazz.
9. Eletrolas
A partir de um riff central de guitarra, fui gerando novos trechos sem pensar muito em coerência ou continuidade. Depois de criadas as partes, fiz várias edições no computador até chegar à versão executável.
Fluidez Borbulhante
Experiência com duas bandas executando simultaneamente a mesma composição em duas tonalidades diferentes.
Vanguarda Jovem
O nome é trocadilho com duas das minhas principais referências. A introdução retoma uma frase musical que já havia sido apresentada na faixa "Em Amplitude Modulada".
Reminiscências de um Ruído Branco
Retomada de pesquisas harmônicas realizadas nos anos 80, utilizando a totalidade de notas da escala cromática.
Skylab
Sonoridade festiva criada pela sobreposição de elementos díspares. Busquei equilíbrio entre o tocado e o programado, com ampla margem pra improvisos - em especial o fagote.
Tchap Tchura
Mesmo caso de "Ié-Ié-Ié": já havia sido registrada no disco anterior com uma versão mais editada do que tocada. Mas as soluções criadas para a execução ao vivo mostraram-se tão interessantes que mereceu novo registro em Timbres Não Mentem Jamais.
Filme Surf
Introdução com colagens de várias fontes. A banda entra um pouco depois da metade da faixa, a princípio interagindo com a base eletrônica que vai sumindo de cena aos poucos.

iÉ-iÉ-iÉ dO oIAPOQUE aO cHUÍ

terça-feira, 8 de abril de 2008

zIGGY mORREU

No palco do Hammersmith Odeon, David Bowie encerrou sua mais grandiosa fase - das inúmeras assumidas por ele nas décadas de 70 e 80.
Atmosfera gótica, teatralidade e adolescência em pânico: cenário perfeito para Bowie assassinar Ziggy Stardust.
Ziggy foi seu alterego de rokstar alienígena, o qual levou à ascensão e queda no showbisness.
O filme-concerto Ziggy Stardust & the Spiders from Mars – The Motion Pictures, em cartaz nos cinemas em 1973, registra a última aparição do alien no star-system terrestre.
Nos seus anos como extraterrestre, Bowie, em alguns momentos deve ter se sentido "extraplanetário" - nada que a cocaína não venha a multiplicar numa mente fértil.
Em 2003, numa jogada de marketing comemorativa dos 30 anos de lançamento do filme, a EMI trouxe, remasterizado, o personagem de volta do Vale da Morte. O esquálido Ziggy ressuscitou restaurado nas versões Cd/Lp (edição limitada) e Dvd.
Mais um trabalho de Tony Visconti, produtor dos discos essenciais de Bowie, que remixou as matrizes do espetáculo. Mick Ronson (guitarra, piano e vocais), Woody Woodmansey (bateria) e Trevor Bolder (baixo) – a banda Spiders from Mars – também foram redivivos.
O filme é marco da jurássica era pré-pré-MTV, quando a indústria fonográfica nem sonhava com manufatura videocliptica para promover artistas em larga escala. Arte e estratégia de marketing conseguiam ocupar o mesmo pacote.
Filmes como The Songs Remains the Same (1976), do Led Zeppellin (no Brasil lançado como Rock é Rock Mesmo), e Born to Boogie (1972), de Marc Bolan & T-Rex, dirigido por Ringo Starr, ambos e ao seu modo são conceituais - não desprezam, no entanto, o mote promocional de venda da imagem da banda.
Filmado pela lente 16 milímetros do diretor D. A. Pennebaker – no currículo Monterey Pop Festival (1969) e Don't Look Back (1967), sobre Dylan –, Ziggy Stardust é o espetáculo grandiloqüente da estridência.
O auge dos excessos de Bowie: anúncio do fim das plumas & dos paetês, mas sem suspender o champagne & a coca.
David Bowie chegou ao codinome Ziggy Stardust picoteando e depois juntando os diminutivos Twiggy (a beleza esquelética dos 60's), Iggy Pop, Jimi Hendrix (canhoto, como o alienígena) e Alvin Stardust, o cantor de western & country.
O filme comprova que a grande "sacada genial" de Bowie foi a apropriação. Reproduzindo idéias de Bolan, Pop e Reed, revestiu bases alheias com uma visão estética pessoal - e especial.
O aperfeiçoamento feito por Bowie gerou sonoridades completamente novas pros próprios imitados. Os principais discos-solo de Iggy & Lou, na ordem, The Idiot e Transformer tiveram mão, cabeça e espírito do camaleão.
Atualmente ele anda por aí, totalmente orfão de modelos - o que talvez explique a andropausa criativa. Mas é outro que cumpriu sua missão, com eficiência maior que o astronauta viciado Major Tom na sua odisséia pelo espaço.
No trabalho de recuperação das imagens originais de Motion Picture, foi preservado o clima gótico e abusou-se de fotogramas estourados. Propositalmente, a produção parece de terceira.
Tudo é proposital, a propósito, até as "falhas". A fotografia escura, em constraste com o brilho e toda escuridão que oprime o espetáculo numa claustrofobia dark, introduziu o rock nas terras sombrias que Ian Curtis explorou no Joy Division.
Antes do espetáculo começar, a turma jovem espera o ídolo em frente ao Odeon, a maioria "querendo ser Bowie". Ansiosos, aguardam o glamouroso messias do rock: querem, ao menos, vê-lo pisar com os saltos de plataforma para fora da limousine.
A figura do astro intimida. Andrógino, cigarro pendendo da boca, um anoréxico de cabelos vermelhos e o desleixo típico do astro publicamente "viciado em drogas". Marketing e verdade nunca caberam tão bem na vida de uma pessoa.
Dentro do Hammersmith Odeon, o insuportável frisson. Jovens acotovelam-se por um milímitro cúbico nas primeiras fileiras do teatro. Luzes apagadas, tudo, enfim, conspira para a catarse anunciada.
A introdução da "Nona Sinfonia de Bethoveen" e "March from a Clocwo", do compositor transexual Wendy Carlos - que um dia foi Walter Carlos - preludia o fervoroso psychobilly de "Hang to Yourself". O rock é executado com possessão pelo assustador Mick Ronson.
Logo de cara, Bowie descarta "Ziggy Stardust", tratada com certa indolência pela banda. "Watch the Man", de Aladin Sane, é tocada com malevolência.
"Wild Eyed Boy from Freecould" retoma os early hippies de "Space Odditty" e vem moldada à "All The Young Dudes" - aquela mesma, de Juno. Bowie compôs o sucesso pra ajudar o Mott a sair do buraco e a canção escalou as paradas até o primeiro lugar.
"Oh! You Pretty Things"' é de Hunky Dory. Em "Moonage Daydream", Bowie avisa que é um invasor do espaço - uma "puta do rock'n'roll": luzes para Mick Ronson exibir fabulosas habilidades à guitarra. Em "Space Oddity, as saturações são trocadas por arranjos espaciais/intimistas.
A primeira parte do espetáculo encerra com melancolia de "My Death", pérola depressiva escavada na obra do francês Jacques Brel.
Ao violão, Bowie verte emocionantes lágrimas cenográficas. O recurso dramático é fake, mas não chega a constranger - só um pouquinho.
A introdução de "William Tell Overture", de Rossini, inicia a parte seguinte do espetáculo emendado o clássico às microfonias de "Cracked Actor".
Ziggy Stardust tem a cena considerada como uma das mais famosas da história do rock, na épica "Time", na qual Bowie simula a cena do felatio na guitarra de Ronson.
Na época, só fez aumentar as fofocas a respeito da comentada "possível bissexualidade" de Bowie - hoje, tipo de discussão já superada na sociedade, prova de quanto a militância deu duro nas últimas décadas pra se livrar do preconceito.
"Width of a Circle" é a hora do medo: o jogo de luzes estroboscópicas conspiram a favor da performance satânica de Mick Ronson. Distorções sonoras e visuais talham nos jovens rostos expressões contorcidas, que vão do beatificante ao mortificador.
Ronson é um algoz com a sua guitarra. Seu açoite é uma Gibson em volume desumano.
As Aranhas de Martem aliviam a sofreguidão com um pouco de pop, a versão tutti-frutti de "Let’s Spend the Night Together" e o feminismo incendiário de "Suffragette City".
Perto do final, mais uma homenagem, "White Light/White Heat", ao Velvet Underground.
Nenhum otimismo na despedida, "Rock'n'Roll Suicide".
Time takes a cigarette, puts it in your mouth
You pull on your finger, then another finger, then your cigarette
The wall-to-wall is calling, it lingers, then you forget
Ohhh how how how, youre a rock n roll suicide
O panteão do rock não foi mais ocupado por um personagem como Ziggy Stardust - e nem será, não com os mesmos trejeitos. O maior dos imitadores não aceita imitações.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

cHALAÇA tOTAL

Ainda não vi, mas a fotinha e a empolgação dos comentários confirmam: O Império da Lã é a grande febre/farra musical de Porto Alegre.
O maior barato da cidade, me contaram, é sair pra dançar, namorar e mandar o tédio às favas ao som dos embalos imperiais de sábado à noite.
A banda é um projeto amigável, não tem pretensões mercadológicas - apenas por diversão.
Vários músicos de Porto Alegre já tocaram no combão: Pedro Petracco (Cartolas), Gustavo "Prego" (Pata de Elefante), Guri Assis Brasil e Guilherme Almeida (Pública), Chico Berlota (Groove James), Julio Porto (Ultramen) - e outros muitos.
E tem uns nomes incríveis, como esse - saca só: Clint Não-Eastwood, no sax barítono. Não sei a mínima idéia de quem seja. Outro, mais enigmático ainda: no trompete, PC Gambá.
Quem faz a voz feminina no Império é a artista plástica Nina Moraes. O crooner é Carlinhos "Imperador", também da Bidê ou Balde - parodoxalmente, ele mesmo, a um só tempo Carneiro e pastor do rebanho. Verdadeiro recorde, o rapaz.
Não tem muita estória. O bando se junta pra tomar várias cevas e, no meio da bebedeira, elege Classic Albums - que podem ser inter/nacionais, só depende do grau da borracheira. Depois vão disse(cár)-los, os álbuns, por inteiro - sem pular nenhuma faixa. Decidem, tiram e tocam os discos sempre borrachos - "norma da banda", solicitam que seja frisado.
"É som de cerveja. Tem gosto de cerveja, embalo de cerveja, refrescância de cerveja, sensualidade de cerveja, emoção de cerveja, esperança de cerveja, tesão de cerveja, porre de cerveja. Viva a cerveja!", empolga-se o líder, quase um Viking.
Sem a mão de dejotas, o O Império da Lã exorta seu público, obviamente educado no mesmo escalão borracheiro que o deles, pra cantar & dançar "organicamente", como nos bailes 1de antigamente. Essa rimou.
O primeiro dissecado foi Magical Mistery Tour, o próximo da fila é Roberto Carlos em Ritmo de Aventura.
Uma entrevista en passant com Carlinhos, El Imperador, e não perca, logo abaixo, a premiére do videoclip de "Sexx Laws" - O Império da Lã (Ao Vivo no Bar Dr. Jeckyll). Vê se não é bem "som de cerveja".
[[DESORIENTAÇÃO]] - O que o Sr. compreende como o reinado do Império da Lã?
Imperador - O império é uma junção de amigos, bando de borrachos tocando pela diversão. Onde dá-se mais bola ao fato de não faltar cerveja do que ao negócio da grana.
Uma anarquia. Nos juntamos com amigos - e alguns dos melhores músicos de Porto Alegre - pra fazer a título de esculhambação. Quanto mais gente melhor. Quanto mais gente bêbada, melhor ainda.
É um entreter-se para entreter. O público tem entendido e se identificado com isso, e realmente se diverte junto.
Tem dado certo graças a isso. Rolaram vários shows e respostas entusiasmadas, mas não é uma coisa séria. Nossas prioridades são as nossas bandas oficiais.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Quais os álbuns a banda quer fazer ao vivo?
Imperador - No dia 10 de abril, vamos tocar o Roberto Carlos em Ritmo de Aventura inteiro. Em maio, voltaremos aos internacionais - talvez com London Calling.
Na comunidade no orkut dão ótimas idéias: Thriller, Nós Vamos Invadir sua Praia, Erasmo, Tábua de Esmeraldas, o Back to Black da Amy Winehouse, The Slider...

sEXX lAWS

sexta-feira, 4 de abril de 2008

aLL tHE yOUNG dUDES

Com delay de semanas, finalmente assisti Juno – numa cópia perfeitamente pirata, pra dizer a verdade, e no cinema privê da minha casa.
Se as salas da Capital Federal não baixarem os preços absurdos dos ingressos (entre R$ 16 e 20 a inteira), não vou mais.
Cinema em Brasília é só pra quem tem grana, como quase tudo. O populacho não vai. Saudades do cineminha a três pilas.
Até gostaria de ter visto Juno no cinema, mas, além dos valores abusivos, tempo anda mais curto que música dos Ramones.
Mal sabia sobre o enredo: como muitos, fui seduzido pela boataria. Não pelo falatório da imprensa; pelo dos espectadores, quase sempre mais sensato que algumas resenhas.
Uma colega soltou a frase aparentemente comum – "ainda se vai ouvir falar muito da Ellen Page". Pensei: "não é clichê, não, é definidor". Ainda vamos ouvir falar muito dessa talentosa guriazinha.
Um tempão já faz que consegui me libertar da necessidade de ver, ler ou ouvir qualquer coisa antes ou no mesmo timing que ela tá rolando.
A última coisa que acompanhei quando estava acontecendo foi Front 242, e nem gosto mais. Tudo o que veio depois, saquei anacronicamente, e sem vergonha. Cansa "ficar por dentro". Atualizar-se, ainda mais hoje, é penoso como correr a São Silvestre – por isso admiro o Lúcio Ribeiro, pra mim um atleta. Estou falando isso com todo o respeito. Eu mesmo não conseguiria. Teria que treinar muuuito.
Quando se é jornalista, então, se informar de tudo-que-rola-no-circo-freak-do-bizz é quase obrigação. Não acredito nesse princípio, e nem que tudo é um circo freak, necessariamente - a não ser que o assunto seja pauta, ou, saber antes de todo mundo, "o seu lance". Não sou talhado pras tendências, mas alguém precisa mapeá-las, não é?
Entendi o primeiro disco dos Stone Roses com dez anos de atraso. Quando caiu a ficha todo mundo já tava noutras. O único problema disso é passar por estúpido. Saquei a jogada dos Roses e o álbum foi direto pra minha heart list.
É quando você se sente meio do dono da banda. Ninguém tá mais ouvindo aquilo - só tu. Com Juno não foi assim, foi quase, porque até o atraso de hoje diminuiu com avanço & mudança tecnológica das mídias.

Provavelmente sou eu o errado, mas imagino pré-estréias desse jeito: as portas do cinema se abrem, vai começar a sessão. Pouco antes, monte de gente aglomerada no saguão se prepara pra enfrentar duas horas de aeróbica intelectual coletiva. Mentes privilegiadas em sintonia estésico-xamânica.
Muitos colegas de profissão rodam por ali, claro – faz parte do jogo. "Que cabelo mais gozado o daquele sujeito", você pensa meio deslocado, quase um misantropo em síndrome de pânico. As pessoas te dão medo, com o detalhe que o esquizo, no fundo, é você.
Descolados profissionais, publicitários embalados em gravatinhas com ideogramas chineses, fashionables fora de moda e fashionables além da moda, pessoas bonitas a granel, garotas tão lindas, produzidas e perfumadas que chegam a lhe desviar a atenção pra volúpia das lustrosas pernas à mostra.

Juno é dos melhores filmes que vi nos últimos tempos, pode crer. Como Bruxa de Blair, não existem segredos de produção. Uma metáfora roqueira o explica muito bem: assim como o Aerosmith jamais gravaria um disco como Nevermind, roteiristas putas-velhas de Hollywood nunca escreveriam um filme como Juno. Eles não são mais jovens.
A responsável pelos crocantes diálogos que deram a Juno o Oscar de Melhor Roteiro é Diablo Cody, blogueira e ex-stripper. A cada frame, como uma metralhadora de frases, Diablo nos diz, mediada pela cativante personagem de Juno, coisas que fazem parar pra pensar - e quase se perde o próximo diálogo. Tive de usar o rew umas vezes.
Bleeker é um cara legal e tem bem cara de Bleeker. Mais legal é a maneira como tudo se resolve no final. Faltam no mundo mais mulheres como Juno, eu pensei, menos beautyzadas e mais inquietadas. Queria deixar claro: todas as mulheres não são assim, antes que alguma Valerie Solanas bata na minha porta querendo me castrar. Morro de medo, mas várias são.
Juno é esperta. Com 16 anos, sacava que não é fácil superar o que Iggy já fez pela humanidade: não precisa fazer mais nada por nós, Iggy, nós e que precisamos por você! Pode até fazer discos ruins que tá liberado.
Agora, me perdoem: sou obrigado a concordar - quase inteiramente - com ela: Sonic Youth é chato. Gosto muito do Sister e do Go, mas não tenho saco pra coisas noise progressivas dos outros disco. "Quando é que vai entrar aquela parte barulhenta, caralho?".
Acho que o Pop pensa o mesmo. Falou isso quando veio ao Brasil:
Sabia que vinha o Sonic Youth, que tem um som mais cabeça, e sei que aqui existe o "intelectual latino-americano superprotegido" [risos] — em todo país tem sempre um grupinho de gente com grau universitário que nunca é ameaçado... Pensei: "Bem, se eles gostam de Sonic Youth, o que vai ser de nós?
E a mulher daquele cara, o roqueiro dos jingles? Lembrou uma namorada que tive uma vez, tão bonita, chata e controladora quanto. Com a diferença que jamais vestiria uma t-shirt do Alice in Chains.
Tá certo que a moça do filme seria ótima mãe, mas, chata seria pro resto da vida. Mulheres adoram reclamar dos homens. Segundo o olhar feminino, homens são seres dotados de defeitos históricos que, heroicamente, elas "têm" que mudar seja lá qual for o custo - ainda que o custo seja o amor.

Não há nada pior na vida do homem que a mulher que lhe aporrinha o tempo inteiro por qualquer coisinha. Os homens possuem milhões de defeitos (que nós até reconhecemos), mas, me desculpem, o defeito da chatice é quase exclusividade delas. Elas sabem disso e nisso tem a expertise.
Pior ainda é a mulher que se investe da missão de mudá-lo. Um dia a namorada chegou pra mim, num momento de desestabilização financeira e soltou essa, imperativa: "Não precisa comprar mais discos. Já tem o bastante. Pra que mais? Chega!". Aonde que já se viu uma coisa dessas?
Onde quer que esteja, espero que tenha encontrado um homem-massinha de modelar pra montá-lo e remontá-lo ao bel-prazer. "Só o masoquismo salva", seu lema.
O filme também é sobre isso: o cara que se libertou do casamento frustrado pra viver o sonho juvenil que ainda vivia nele, e a mulher que queria ser mãe, mas não podia.
É compreensível o fato das mulheres, que amadurecem antes de nós, varões, não verem mais graça em barbados que ainda curtam ouvir Melvins e assistir filmes gore. Agora, nos achar infantilizados por isso e querer que abandonemos nossas paixões é o cúmulo.
Depois, querem encontrar respostas pra sua cantilena amorosa na auto-ajuda: "Porque, Deus do Céu, meus relacionamentos nunca dão certo?!".
Quando Juno dança a lentinha com o grunge boa-praça ao som de "All the Young Dudes" - do Mott the Hoople* -, é que a coisa se complica: apaixonar-se por Juno ou por Diablo – afinal, todas aquelas frases maravilhosas sairam da cabeça dela.
Então, não sei se me decido entre pedir uma ou outra em casamento. Juno não dá - é de menor. Com a Diablo, pré-balzaquina, rola. Será que ela abre meu e-mail? Deve ser quente como o inferno.
*O termo "punk" foi usado numa canção da tradição rock em "Wizz Kids", do Mott the Hoople: "her father was a street punk and her mother was a drunk" (o pai dela era um punk das ruas e a mãe, uma bêbada )

quarta-feira, 2 de abril de 2008

sUBWAY tRAIN

Com espera de mais de 30 anos, o mundo presencia a volta de uma das grandes lendas do rock: os New York Dolls – ou, pelo menos, o que sobrou deles.
O Brasil poderá vê-los em ação no festival recifense Abril pro Rock, no dia 11, ao lado de mais um monte de atrações.
Da formação original sobrou apenas o vocalista David Johansen e o guitarrista Syl Sylvan. Os outros morreram nas piores circunstâncias possíveis.
Piores até prum astro do rock: o ídolo Johnny Thunders, irrecuperável viciado em heroína (cuja morte comoveu até mesmo Keith Richards) se foi em 1991, quando levou gato por lebre, ou melhor, ácido por herô.
Thunders, provavelmente o maior junkie da história do rock, comprou uma superdose de LSD com traficantes pilantras em New Orleans, onde estava produzindo um disco de jazz (!). Injetou o barato nas detonadas veias, fritou e viajou até morrer.
Segundo o laudo policial, o corpo do guitarrista se contorcera a ponto de ficar na forma de V, tão inimaginável fora a viajem. Pobre Johnny Thunders - pobre mesmo.
A diferença entre ele e Richards, seu ídolo, é que não tinha grana mal pra comprar a próxima dose, quanto mais para pagar um médico pra andar na cola o dia inteiro, caso tivesse uma over.
Arthur Kane Killer, Jerry Nolan e Billy Murcia (o primeiro baterista foi vítima de uma overdose de boletas numa festa de embalos na Inglaterra), todos eles, se degradaram nas drogas ultrapesadas.
Nenhuma banda foi mais delinquente e drogada que os New York Dolls; poucas foram tão arrasadoras quanto.
A essa altura do campeonato, 2008, dificilmente repetirão ao vivo o som & a fúria do primeiro disco, homônimo, e do derradeiro - Too Much Too Soon. Porém, só pela oportunidade de ver dois sobreviventes dos Dolls, nem pense muito: vá! Chance única.
São tantas canções inesquecíveis. Vou recordar algumas, só pra excitar:
Trash
Jet Boy
Chatterbox (de novo)
Sem falar no fantástico documentário All Dolled Up.
Bom assim?
Todo jovem que se interessa por rock e tá pensando em montar uma banda deveria ouvir os Dolls. Mas, se quiserem seguir o estilo de vida deles, a responsabilidade é inteiramente de vocês.
Junto com os Stooges, eles praticamente inventaram o punk. O que são os Pistols, senão uma "corruptela" dos Dolls? Pergunte pro Mclaren que ele vai te dizer – não eu. Muito melhor ouví-los e, de preferência, bem alto pra não perder o sentido. Ou para perder os sentidos mesmo.
SPEED FREAKS - Os NYD eram um bando egresso da cena dos speed freaks, onde tipos deserdados, heroinômanos, michês, artistas sem reconhecimento e criminosos perambulavam ao redor dos pontos de pico de Nova Iorque.
Um desses points era o Hotel Chelsea, célebre moquifo em que Nancy Spungen, a namorada vela preta de Sid Vicious foi achada morta em circunstâncias estranhas, jamais elucidadas pela polícia.
Os New York Dolls faziam parte da turma chamada Amphetamine Set, voraz consumidora de barbitúricos – por isso, speed freaks.
A banda "inovou" no visual ao se trajar como mulheres, evidenciando afetações transexuais e conduta tresloucada, embora os caras pegassem todas as gatinhas que faziam a logística sexual.
Definindo-os além do barulho: os New York Dolls tocavam o rock mais vigoroso do monótono período sobre o qual o rock andava gravitando, com certas excessões.
Guitarras flamejando riffs torpes, vocalista com falsete de negro Black Panther e um baterista que estocava seu instrumento tal qual uma britadeira.
Johnny Thunders, como alguém disse, "toca sua guitarra como quem solta cusparadas". Pegou? Tem que ouvir.
Habitués da loja de Malcon McLaren em Nova York, a banda se formou, inicialmemente, usando roupas da estilista Vivienne Westwood.
Nos EUA, os Dolls apareceram como salvação. Na época, Stooges - que voltou só em 1973 com Raw Power - e Velvet Underground não apitavam mais no underground novaiorquino. O MC5, então, nem mais existia.
Os Dolls foram a grande banda - que nunca fez o sucesso merecido.
Seu último disco é One Day It Will Please Us To Remember Even This, de 2006. Tem a forcinha de Morrissey, presidente do fã-clube na Inglaterra milhões de anos atrás.
Não ouvi – nem quero, pra não estragar com a eterna magia.

sO aLONE

Quando se fala de rock, Johnny Thunders é outro capítulo. Mais um daqueles personagens cujo "fracasso" de vida encanta, é verdade – infelizmente, como F. Scott Fitzgerald.
Fracasso relativo, ora, como o do autor de The Great Gatsby.
Além dos discos dos Dolls, Thunders deixou muitos álbuns-solo; uns excelentes, outros apenas vagabundices de viciado que precisa arrumar um troco pro próximo pico.
A vida de Johnny Thunders foi praticamente essa: o próximo pico. Antes de virar junkie profissional, foi jogador de baseball e, no pretérito da fama dos Dolls, ganhou fama de grande amante com as groupies.
No livro Please Kill Me há depoimentos emocionados de Sable Starr, a famosa groupie que namorou. Ela conta que, nos últimos tempos, dava dó o estadinho do cara. Pobre John Anthony Genzale Jr. - Johnny Thunders.
Depois que abandonou os Dolls, Thunders cooptou Jerry Nolan e, com Ricard Hell no baixo, saído do Television, formou os Heartbreakers. Legaram L.A.M.F, certamente um dos melhores discos de punk já gravados em todos os tempos.
Só que Hell não güentou o hype de Thunders e abandonou o barco pra formar os Voidoids. Em turnê pela Inglaterra, os Heartbreakers lançaram L.A.M.F, onde fizeram (má) fama e amigos na cena britânica.
Back to USA, no final de 1979, Johnny Thunders começou o projeto Gang War com John Morgan, Ron Cooke e Wayne Kramer - o ex-MC5, recém saído da prisão por tráfico de heroína. Gravaram alguns demos e tocaram em alguns shows. Não durou nada, mas também pudera, com tanta drogadição.
A grande gema da carreira solo de Thunders é o álbum So Alone, de 1978, que tem participação de uma porção de gente legal, como Chrissie Hynde, Phill Lynott e Glen Matlock. Numa dessas conheceu Sid Vicious.
A dupla formou a banda Living Dead, mas também não poderia dar certo. Quando Vicious morreu, Thunders deixou a canção "Sad Vacation", que sempre dedicava ao amigo de picos nos shows.
Mais um encontro - outro predestinado a não dar certo - foi quando, numa viagem à Inglaterra, conheceu Dee Dee. Thunders pretendia montar uma banda com o ramone e chegaram a ensaiar juntos.
Até tentaram gravar um álbum, mas Johnny, na fissura, roubou o casaco de Dee Dee pra trocar por pico nas ruas.
Dee Dee, revoltado, arrebentou a guitarra de Thunders, o único bem que ainda lhe restara. Seu único ganha pão. O que veio depois foi apenas queda e solidão.
Johnny Thunders
Julho, 15. 1951-1991. Nova Orleans, Louisiana
Born to Loose
You Can't Put Your Arms Around a Memory: française clip
Pedras chinesas
Death Report
Para Syd
Dolls ao som dos Kinks

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