quinta-feira, 22 de novembro de 2007

aRTE, vIDA & mEDITAÇÃO

"Vocês podem dizer: 'Ok, David Lynch é maluco. Então eu digo: porque não experimentar!?'". É assim que o realizador de Twin Peaks chama a atenção das pessoas sobre a sua militância pela meditação transcendental. Lynch define-se como engajado praticante há mais de três décadas.
Para o cineasta, a meditação conduz à felicidade universal: "Um oceano de consciência sem limites - eterno, profundo", comparou.

No último domingo, 18, o diretor norte-americano David Lynch esteve em Estoril (Portugal) para receber o Prêmio de Carreira do European Film Festival, onde foi saudado com uma completa retrospectiva da sua carreira cinematográfica. Lynch deu ensinamentos de meditação transcendental à imprensa e chegou mesmo a criar uma típica "atmosfera lynchiana". A começar pela sua masterclass de produção: A Arte, a Vida e a Meditação Transcendental.
Meditação transcendental não é religião, deixou bem claro: "É uma técnica meditativa que abre as portas que nos levam ao mais profundo dos estados da consciência", disse o cineasta. E lembrou a todos com a estranha sabedoria que lhe é peculiar: "Estamos na superfície da vida. Todos temos consciência, mas nem todos em um mesmo nível".
Lynch acredita que a prática da meditação transcedental (que ele descreveu como uma "claridade doce e elétrica que traz ondas de felicidade") leva à paz real. Aos atores, recomendou a meditação como ferramenta de busca de criatividade, felicidade e disponibilidade. E para afastar a negatividade – o pior dos venenos, expressou o cineasta.
Sobre os seus filmes, falou que as idéias sempre surgem em fragmentos e brincou que, depois de descobrir o paraíso das câmaras digitais, durante sua última produção, Inland Empire (2006), ficaria doente se fosse obrigado a rodar outro filme em celulóide. Lembrou que cinema não é só intelectualidade: "Boa parte deve ser intuição", defendeu.
Há dois anos, David Lynch organizou uma fundação para financiar pesquisas sobre os efeitos positivos da meditação transcendental (ouça aqui a entrevista que ele deu para a World Radio sobre o assunto). Um dos planos mais ambiciosos é a construção do complexo "Palácios da Paz", cujo projeto inclui a edificação de sete centros inteiramente voltados à disseminação de técnicas avançadas da disciplina. Antes de seguir ao aeroporto, Lynch hasteou civicamente uma "bandeira da invencibilidade da meditação trancendental" ao som do Hino Nacional de Portugal. Nada menos estranho e mais apropriado.

fILMOGRAFIA dAVID lYNCH

Curtas
2002 - Darkened room
1995 - Lumière: Premonitions Following an Evil Deed
1990 - Industrial Symphony No. 1: The Dream of the Broken Hearted
1989 - The Cowboy and the Frenchman
1974 - Amputee, The
1970 - Grandmother, The
1968 - The Alphabet
1966 - Six figures getting sick

Televisão
1990 - Twin Peaks
1990 - American Chronicles
1992 - On the Air
1993 - Hotel Room

Longas
2006 - Inland Empire
2001 - Mulholland Drive (Mulholland Drive)
1999 - The Straight Story (História real)
1997 - Lost Highway (A estrada perdida)
1992 - Twin Peaks: Fire walk with me (Twin Peaks: Os Últimos dias de Laura Palmer)
1990 - Wild at Heart (Coração Selvagem)
1986 - Blue Velvet (Veludo Azul)
1984 - Dune (Duna)
1980 - The Elephant Man (O Homem Elefante)
1977 - Eraserhead

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

fLU

O baixista Flávio Santos, o Flu, é da formação clássica do De Falla, nome que a banda gaúcha escolheu para homenagear o erudito Manuel De Falla (1876-1946). Ou, sabe-se lá, simplesmente por causa da excentricidade melódica do nome do compositor espanhol.
Entre as décadas de 80, 90 e 00, o De Falla manufaturou hits em série - "Não Me Mande Flores", "Repelente", "It´s Fuckin Borin to Death", "Screw You, Susie Doll", "Popozuda Rock’n’Roll". Músicas que nunca desfilaram entre as mais pedidas, mas financiaram o lugar da banda na história do rock brasileiro. Desafiadoras e potentes, as releituras infernais que o De Falla fez pros balanços "Sossego" e "Como Vovó Já Dizia", anteciparam em uns bons anos a colisão explosiva entre hard rock, funk e mpb.
Quando o De Falla se desintegrou, Flu dedicou-se à novidade dos softwares de gravação. Experiência que, no De Falla, foi testada com o piloto Kingzobullshit Backinfulleffect, de 92, ao flertar rock com eletrônica. No seu primeiro álbum solo, E a Alegria Continua, de 1999, Flu combinou bossa nova, rock experimental, psicodelismo e lounge music com o slogan "uma idéia na cabeça e um computador na mesa".
Em 2003, lançou na praça No Flu do Mundo, disco editado pelo selo Instituto/YB com distribuição da Trama. "O rock foi minha escola. Só aprendi a gostar de mpb depois de velho, quando comecei a ouvir música instrumental dos anos 60. Coisas tipo Miltinho, Oscar Castro Neves, Soul Bossa Trio e Tamba Trio", conta o baixista que, atualmente, mora e trabalha no Rio de Janeiro.
Como sócio e produtor da Deff Produtora de Áudio, Flu remixou faixas de Otto, Bidê ou Balde e Nervoso e fez a direção musical do filme Tolerância. Um novo disco, ainda sem selo, deve ser lançado em março do ano que vem. A participação do velho parceiro Edu K não está descartada: "Acho difícil - não impossível. Musicalmente a gente anda meio distante. Talvez role algum encontro maluco. Quem sabe...".
[[DESORIENTAÇÃO]] Você disse que tá fechando parcerias pra lançar um novo disco ainda esse ano. Algum paralelo com os anteriores?
Eu vim pro Rio de Janeiro em 2004 com o objetivo de fazer um trabalho novo. Já estamos 2007... Estamos numa nova era de produção. Tem que se dedicar totalmente ao trabalho ou ir fechando algumas idéias com o tempo. Optei pela segunda opção, pois sempre é preciso correr atrás dos pilas. Tenho feito contato com muitas pessoas pra firmar parcerias de composição e produção. Duas delas já estão prontas, outras duas encaminhadas e várias estão por começar. Já fechei com Rafael Crespo (ex-Planet Hemp) e com os Ritmistas (Dany Roland, Stephan San Juan e Domenico Lancelotti). Estou produzindo com o Gordo Miranda e com o João Brasil. Já fiz contatos com Dado Villa Lobos, o estúdio Toca do Bandido (que era do Tom Capone), Marcelo Fruet, BNegão, a banda Do Amor (Rio de Janeiro) e Junior Tolstoi (guitarrista do Lenine).Estou sempre à procura de um som. Me descobrir, descobrir influências e achar caminhos. Nesse processo, as coisas ficam com uma cara. Mesmo que seja a minha.
[[DESORIENTAÇÃO]] Porque a idéia de gravar cada música num estúdio diferente?
Principalmente pra deixar registrado esses encontros e pra mostrar o som e o estilo de produção de cada parceiro. Claro que sempre vai ter um pouco do que penso sobre produção. Tenho deixado rolar. Ainda não consigo ter idéia de como vai ficar o resultado final, mas com certeza terá uma interessante característica de junções e pensamentos. Pelo menos é isso que procuro.
[[DESORIENTAÇÃO]] Como anda Porto Alegre pra música? O mercado está melhor no Rio?
Com a invenção da banda larga, muita coisa mudou. A troca de arquivos de músicas na internet é intenso. Muita gente descobrindo coisas novas. Isso faz com que o dito mercado musical tenha uma drástica mudança. Não se fala mais em preços abusivos de cds, pois não vendem mais. A pirataria também já está em queda. Sou muito a favor da democratização da cultura. Que o povo tenha acesso fácil ao novo. Só assim é que algo realmente pode mudar na cultura contemporânea. Porto Alegre sempe foi do rock. Tem rádios e uma forte ligação com o rock. Isso é legal até o ponto de se tornar preconceito. Lá, me senti muito "estranho no ninho" com o som que faço. Minha banda acabou virando de rock. Não que não gostasse, mas parece que tava sendo induzido a isso. Mesmo assim, não consegui fazer parte das turminhas alternativas. E nem de música eletrônica. Mesmo incoscientemente, o pessoal da música é bem careta na maneira de olhar pro seu trabalho. Eles se dedicam mais as influêcias e idolatrias do que exatamente procurar por arte. Aqui no Rio, como samba e chorinho são muito fortes, a mistura de estilos é natural. Se vê muitas bandas misturando muita coisa e não se fala muito em estilo. Não existem os gravatinhas, os jaquetinhas e nem a turma mod. Têm muitas pessoas fazendo música. Se vai ficar bom ou ruim só o tempo mostrará.
[[DESORIENTAÇÃO]] E a versão de "Não me Mande Flores" que você regravou, o que tem de novidade?
Inclui uma versão da música no repertório dos shows com Os Dubem, que era minha banda em Porto Alegre. Eu senti que a canção tinha muito a ver com o que estava fazendo, manipulando rock com outros elementos. Daí rolou o primeiro arranjo. A versão que gravei com o Rafael Crespo ainda tem resquícios desse arranjo. Tem a pegada rock, mas a maluqueira ficou mais forte. Tem intervenções de eletrônicas e guitarreiras doidas. Acho que ficou bem diferente das versões do De Falla e do Urubu Rei.
[[DESORIENTAÇÃO]] O novo disco vai mesmo se chamar Di-Versão?
Di-Versão foi o nome que pensei caso o disco fosse todo de versões de músicas que gosto. Mas vai ser variado. Ainda não pensei no nome. O conceito vai ser da destruição total de preconceitos. Quero mostrar que o Século 21 tem que se render ao bom senso. Nada é bom ou ruim. Ambos tem seu valor!
[[DESORIENTAÇÃO]] Saudades dos tempos do De Falla?
Gosto muito de história. Adoro meus companheiros de banda. De todas que já tive e de todas que terei. Acho sempre importante o aprendizado que as pessoas trazem pra nossas vidas. Mas não sou saudosista. Já fizemos uma volta em 2005. Foi divertido. Estamos conversando pra, talvez, dar uma nova ativada. A gente gosta do que fez e sempre é bom tocar com os amigos. Espero que role muitas reuniões – até porque, a gente nunca falou que a banda acabou. Volta o e meia alguém se adona do nome e lança alguma coisa...
[[DESORIENTAÇÃO]] Alguma parceria com o Edu K?
O Edu K é um parceiro musical e amigo muito importante. Aprendi muita coisa com ele. Mesmo sem ele saber disso. O cara sempre foi um criador e destruidor – quase ao mesmo tempo. Estávamos sempre nos recriando no palco e nos discos. Ele era o cabeça. Claro que, depois de um tempo, ele tomou conta geral de tudo. Daí ficou meio chato. Mesmo assim, achei importante fazer parte de todos os momentos dessa convivência. Muito do que sou hoje veio dessa época. Vem de muitos fatores, mas Edu K é um fator importantíssimo! Acho uma parceria meio difícil, mas não impossível. Musicalmente a gente está meio distante. Talvez em algum encontro maluco. Quem sabe...

dE fALLA (1988)

O segundo álbum o do De Falla, apelidado pelo vocalista Edu K de It's Fuckin Boring to Death (controverso, pois o nome só é perceptível na lombada do vinil), é o último disco da banda pelo selo Plug da major BMG.
Cercados pela crítica, que aguardava novo sopro de criatividade, o DeFalla não frustrou as expectativas: do pós-punk do primogênito LP, partiram pro crossover maluco de rap, funk e heavy metal, em 1988 - o que prova que estavam ligados nas últimas tendências estrangeiras que, há vinte anos, recém saíam do berço.
São perceptíveis as influências de Run-DMC, Beastie Boys e Red Hot Chili Peppers, sem que a banda perdesse de vista microfonias, vinhetas absurdas e letras fundindo português e inglês (como em "I Have to Sing a Song"). O De Falla também não fez concessões à peculiar obssessão pelos temas sexo & violência. O disco é um dos pioneiros do uso do sampler no Brasil. Entre outras colagens, quem prestar atenção pode sacar uma fala de Denis Hopper no filme Veludo Azul, de David Lynch.
Logo na abertura, a versão upgrade de "Como Vovó Já Dizia", de Raul Seixas, numa versão rap com muitos escratch e batidona arrasa quarteirão. Na opinião do guitarristra Mini, dos Walverdes, esse disco sintetiza parte importante do espírito do rock gaúcho - que é estar extremamente conectado no que está rolando mas, ao mesmo tempo, cultivar certa atitude de "não tô nem aí para nada": "Nesse álbum, a mistura de pop, hip-hop, rock, pós-punk e funk soa incrivelmente chinela e sofisticada ao mesmo tempo".
A insanidade prossegue faixa após faixa, como na versão desconstruída de "Revolution" (que era pra ser uma versão dos Beatles e, como não ficou nada semelhante à original, virou música do De Falla mesmo) e no hit "Repelente". O "lado B" começa com "It´s Fuckin Borin to Death" - cuja letra cita o filme Nascido para Matar, de Stanley Kubrick - e prossegue com o groove demoníaco de "Satã (é coisa do diabo)". Tonho Croco, da Ultramen, confirma a diversão: "Gastei o vinil e a fita cassete de tanto ouvir!".

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