quarta-feira, 28 de maio de 2008

o pODER dOS sONHOS

"Se sobrou alguém que não desistiu de sonhar coletivamente, este é o escritor paquistanês, radicado em Londres, Tariq Ali.
Seu caso, contudo, nada tem de onírico: "Ação!" é a palavra que traduz sua militância política desde 1968 - ano em que, literalmente, a humanidade decidiu se levantar contra o seu próprio sedentarismo. Mesmo que, novamente, tenha caído na rotina".
A matéria na íntegra sobre Ali, autor de O Poder das Barricadas - Uma autobiografia dos anos 60 (Street-Fighting Years, an Autobiography of the Sixties), lançado pela Boitempo Editorial, na próxima edição da revista Brasileiros.
Tariq conversou sobre sua amizade com John Lennon, expansão da consciência - & barricadas, sim. Generoso, permitiu de punho a reprodução de trechos da histórica entrevista PODER AO POVO! - John Lennon e Yoko Ono conversam com Robin Blackburn e Tariq Ali. Um anexo e tanto do livro.
Ele mesmo enviou a foto do post, direto da sua assessoria de imprensa em alguma barricada mundão afora. Brincadeirinha. Aproveita que está em alta!
Ali – Quando você começou a romper com o papel que lhe impuseram
como Beatle?
Lennon – Mesmo nos melhores dias dos Beatles eu tentei ser contra, George também. Fomos algumas vezes aos Estados Unidos e Epstein sempre tentou levar a gente no papo para não falar nada sobre o Vietnã. Aí chegou uma hora que George e eu dissemos: “Olhe, quando perguntarem de novo, vamos dizer que não gostamos dessa guerra e que achamos que vocês deviam sair de lá agora mesmo”. Foi o que fizemos.
Sondei o velho combatente:
O que a juventude pode aprender com o Maio de 68, se tiver algum interesse?
Tariq Ali - Pensar e agir por si mesmos, ser críticos com a política oficial e a mídia que a apóia.
Desafiar toda forma de ortodoxia, se opor à pobreza e à guerra.
Mais, só nas bancas.

domingo, 25 de maio de 2008

mOoOoOoOoOoOoOoOoOoG

"Inventado em 1964, o teclado Moog foi um dos primeiro sintetizadores a ser comumente aceito na música pop.
De Beatles a Mutantes, de Stereolab a Los Hermanos muita gente boa já se rendeu aos encantos do instrumento.
No começo dos anos 60, o então estudante secundarista americano Robert Moog publica numa revista de ciências um artigo explicando como construir em casa seu próprio theremin.
O theremin, inventado cerca de 40 anos antes pelo russo Leon Theremin, era um instrumento capaz de produzir sons eletronicamente.
Considerado o primeiro instrumento genuinamente eletrônico, o theremin era constituído de componentes eletrônicos guardados dentro de um gabinete de madeira, com duas barras verticais em cada uma das extremidades, que, ao aproximar de uma das mãos a uma das barras gerava a freqüência, enquanto a distância da outra mão para a primeira, determinava a sonoridade.
De som ímpar, porém de difícil manipulação, o theremin serviu mais aos sonoplastas de filmes de ficção científica – criando sons fantasmagóricos e espaciais - que aos músicos.
Em seu artigo, além de explicar como fazer um theremin, Bob Moog oferecia por cinqüenta dólares kits faça-você-mesmo do instrumento.
As encomendas superaram as expectativas do jovem inventor e em um ano, ele já tinha vendido um milhão de kits. Enquanto estudava na universidade de Columbia, EUA, Moog continuava fazendo experiências com instrumentos eletrônicos de sua criação.
Ele construiu o sintetizador que leva seu nome em 1964 atendendo a constantes pedidos de amigos músicos". De som modular extremamente característico, em pouco tempo o teclado Moog tomava o mundo de assalto. O Moog...

1977 kORG pS-3100 aNALOG

mOOG oN tHE rUN

dR. bOB mOOG

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tESTING wP-20

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a gAROTA "wHAM, bAM"*

Como uma Garota do Rock apaga as luzes depois do sexo? Ela fecha a porta do carro!
A primeira vez que vi uma Garota do Rock foi na primeira vez que caí na estrada com uma banda. A banda era Thin Lizzy, e o finado Phill Lynott, que era o mais gentil dos homens, decidiu cuidar de mim.
Passei muito tempo em sua acompanhia e logo percebi que, como um marinheiro, Phill Lynnot tinha uma garota diferente esperando por ele em cada cidade. E todas elas eram iguais. O visual era muito couro (calças ou saias - justas e curtas), meia-calça preta, muita maquiagem (rosto branco, boca vermelha) e sapatos de salto alto. A cor favorita delas era o preto. Cabelo tingido de preto ou loiro. Todas eram Garotas do Rock. Elas queriam sexo.
Isso foi em 1976 e a Garota do Rock estava nos seus anos dourados. Mas a Garota do Rock ainda existe em grandes quantidades. E elas ainda têm a mesma aparência, um amálgama cósmico de roupas justas, cabelo tingido e salto alto.
Você pode ver a Garota do Rock nas ruas de qualquer grande cidade do mundo ocidental, andando de lá e para cá em algum escritório com seus sapatos de salto alto que parecem dizer "Me Coma". A Garota do Rock tem sua renda pessoal. Dinheiro nunca é problema (apesar de ela preferir usar o dos outros).
Os empregos favoritos da Garota do Rock são trabalhar numa gravadora (departamento de imprensa), jornalista (imprensa musical) e publicidade (recepcionista). A Garota do Rock tende a trabalhar em meios minimamente criativos nos quais nenhuma criatividade é exigida dela.
Não que a Garota do Rock seja burra. Mas o seu hedonismo precede dos outros interesses maiores. Ela acredita em diversão, o tempo todo. A Garota do Rock tende a ser boa de copo e, apesar de às vezes ficar bêbada, nunca é chata. A bebedeira é só uma desculpa para uma risada áspera e insinuações sexuais. Ela gosta de drogas, mas nunca as compra. Ela toma o que quer que esteja à sua volta, mas pode viver feliz sem estimulantes artificiais.
Na cama, a Garota do Rock sempre faz duas vezes. E ela insiste que você faça duas vezes também. Ela parece achar falta de educação fazer uma vez só. A maneira como a Garota do Rock o encoraja a fazer duas vezes é estimulando você com a boca antes do seu segundo orgasmo. Toda Garota do Rock faz isso - elas devem aprender na Escola para Garotas do Rock.
Você vai estar sonolento quando a cabeça da Garota do Rock desaparecer sob os lençóis, com a boca em atividade. Mas a mensagem de sexo seguro foi transmitido e toda Garota do Rock carrega camisinhas.
Garotas do Rock não são groupies. No entanto, elas não são difíceis de levar para cama. Dormir com uma Garota do Rock é tão difícil quanto tirar as meias. E toda Garota do Rock já dormiu com pelo menos um homem famoso.
Um dia você estará olhando para o álbum de fotografias da Garota do Rock e de repente vai se deparar com um rosto famoso olhando de volta. Meu Deus, você vai dizer, o que ele está fazendo aqui? Mas você sabe exatamente o que ele está fazendo lá. E claro que as heroínas da Garota do Rock são mulheres como Jerry Hall e Yasmin LeBon, mulheres que foram modelos até se casarem com um astro do rock.
A Garota do Rock é um tanto retrô em seu gosto por música. A febre dance passou batida por ela (ela gosta de dançar - mas coisas como "All Right Now" e "Satisfaction"), mas é essencialmente uma fã de rock.
U2 (ela ainda tem uma queda por Bono), os Stones ("Ainda é a melhor banda de rock do mundo") e Springsteen (ela comprou álbuns novos sem tê-los ouvidos antes). Ela teria sido mais feliz nos anos 70. Sexo seguro e dance music realmente não são com ela. A Garota do Rock está sempre fora do seu tempo.
E para onde vão as Garotas do Rock? Para os bairros residenciais, para criar os filhos. Elas são sentimentais com animais, antigos namorados (a não ser que o relacionamento tenha terminado em aborto ou violência - infidelidade tudo bem) e bebês.
Enquanto volta cambaleando para casa depois de uma noite de sexo, drogas e rock'n'roll por conta da gravadora - a maquiagem desfeita, calcinha rasgada -, a Garota do Rock ainda sente um nó na garganta quando vê uma jovem mãe empurrando um carrinho de bebê.
E dizem que a Garota do Rock dá uma boa esposa. Quando ela pendura suas calças de couro e se muda para os bairros residenciais, a Garota do Rock ainda ouve música num volume alto demais, usa muita maquiagem e saltos altos.
Mas ela é sempre uma amante devotada e, apesar de ser às vezes bagunceira em casa, a Garota do Rock pode se tornar surpreendentemente domesticada. É assim com a Garota do Rock. Ela se torna uma boa esposa. E duas semanas depois do casamento foge com o seu melhor amigo.
* Arena, setembro/outubro de 1992
Tony Parsons em Disparos do Front da Cultura Pop (Barracuda)

quinta-feira, 22 de maio de 2008

fANTÁSTICA fÁBRICA

Leo Felipe é apresentador e diretor do programa jovem Radar, transmitido diariamente pela TVE do Rio Grande do Sul.
Escritor e contista (lançou Auto em 2004), também faz parte do Trio Frictura, discotecando numa das festas mais bombadas de Porto Alegre, a Pulp Friction.
Leo co-apresenta, com a escritora Carol Teixeira, o sarau pop PapoCabeça. Aparentemente, a identidade é acima de qualquer suspeita.
Não fosse o fato de que, nos 90's, foi o cara que, ao lado de Ricardo Kudla (hoje a frente da Revoltz), criou um dos bares mais lendários da cidade, o Garagem Hermética.
De tudo um pouco rolou desde que o bar abriu as portas em 1992: um bocado de gente rolou ébria, feliz e enamorada pelos banheiros e escadarias e, outro, se não fosse o GH, hoje nem mesmo seria nascido.
Mas o Garagem foi além da farra pela farra, e da fanfarra. Apoiou fanzineiros, promoveu festivais, exibiu filmes e acolheu manifestações culturais que, fora do território under, jamais encontrariam espaço.
E shows, claro, muito shows no afamado casarão da Barros Casal. Leo Felipe está escrevendo um livro sobre as melhores histórias do Garagem Hermética (as que lembra). Devem virar livro em breve: "Faltam só 5 capítulos", avisa o escritor, que está em busca de editora pra lançar o precioso material.
Leo falou sobre o livro, o Garagem, jazz, personagens, e arriscou uma definição para a perigosa palavra "moderno". Também deixou listinhas com as suas melhores "pras pistas e pra todos os tempos & momentos".
Por último, a reprodução do capítulo Ah, Cês Querem Rock? Por inteiro.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Suas vivências no bar Garagem Hermética rendem muitas histórias pra um romance urbano. Já pensou na possibilidade?
Leo Felipe - Tudo o que escrevi até agora tem relação com a cidade. Não somente à cidade de Porto Alegre, mas à cidade em si, que é o ambiente que conheço e me sinto à vontade pra transitar, no sentido da literatura e da vida.
Um dos projetos que toco (a passos lentos, devo confessar) é o de um romance urbano com tons meio futuristas. Uma tentativa de fazer ficção científica que acabou dando em muito sexo, drogas e música eletrônica.
A cidade é quase um personagem da história. Inventei nomes de avenidas, de casas noturnas, de bairros. Botei cadilacs andando nas ruas.
[[DESORIENTAÇÃO]] - O que é mais legal em Porto Alegre?
Leo Felipe - O inverno. O centro da cidade. Amigos queridos. As garotas. Poder viver sem carro. Estar perto do Uruguai. Entrar sem pagar em todos shows e festas.
[[DESORIENTAÇÃO]] - E o mais deprimente?
Beatlemania. Grenal. Ricos burros. Os shows internacionais.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Na cidade, que te inspira na hora de escrever?
Leo Felipe - As ruas do centro e a agitação da vida noturna com todas suas deliciosas repetições. Além, é claro, das porto-alegrenses.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Você tá sendo o mais honesto possível no livro sobre o Garagem? Muitas coisas incríveis devem ter ficado de fora...
Leo Felipe - O livro é muito verdadeiro, ainda que nem tudo seja exatamente a verdade, mas uma versão dela. Fui sincero em relação a várias cagadas que cometemos na nossa trajetória. Não banquei o príncipe, como diria o Fernando Pessoa. Dei a cara pra bater. Mas também não saí queimando o filme de todos amigos. Só de alguns.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Tem alguma definição pra "moderno"? Qual seu antônimo? Metáforas liberadas.
Leo Felipe - Moderno entre aspas parece já vir carregado de preconceito, algo como modernoso, um troço forçado, meio panfletário até. Fashionista, talvez fosse uma definição.
Já definições pra moderno sem aspas têm várias no Houaiss (eletrônico, of course) e a primeira eu acho apropriada: relativo ou pertencente à época histórica em que se vive. Se bem que eu prefiro o termo contemporâneo que é pra não confundir com Idade Moderna ou Arte Moderna, que são coisas do passado.
Ainda segundo o Houaiss, os primeiros antônimos que aparecem são gasto e retrógrado e pra isso uma boa metáfora talvez fosse o Bush apertando a mão do Bento 16. Em termos de Porto Alegre a metáfora se transformaria num gurizinho em terno de brechó.
[[DESORIENTAÇÃO]] - Qual show mais se orgulha de ter produzido no Garagem?
Leo Felipe - Vai parecer piada, mas teve um tributo aos 30 anos do Peppers que foi incrível, com o Júpiter na fase power trio com o Gross e o Júlio Cascaes. Fritaram o cérebro da platéia com uma versão de 20 minutos de Mr. Kitte.
[[DESORIENTAÇÃO]] - É verdade que morava um surdo no subsolo do Bar?
Leo Felipe - Pra tu ver como se fazem as lendas: Seu Antônio é surdo. Tem um capítulo sobre ele no livro. A propósito, ele ainda mora lá.
[[DESORIENTAÇÃO]] - E o jazz, ainda é colecionador?
Leo Felipe - Não tenho ouvido muito jazz ultimamente. Mas olhando daqui a pilha de discos escutados nas últimas semanas vejo Miles, Mingus (o jazzista mais roqueiro de todos), Roland Kirk, Sonny Rollins, Gerry Mulligan, Dave Pike Set, Dexter Gordon, Albert Ayler, Coltrane, Jaco Pastorious. Pensando bem, acho que voltei a ouvir jazz...
[[DESORIENTAÇÃO]] - Quais outros projetos tão rolando?
Leo Felipe - Tem a festa, a Pulp Friction, o melhor emprego do mundo. A Pulp já completou 5 anos e agora acontece 3 vezes por mês, em 3 casas diferentes. Na cola disso, tem a história de discotecar (em outras festas também) que tenho curtido muito, ficar brincando com os cedejotas, colando e costurando músicas.
Acho que estou evoluindo de sound colocator pra DJ. Tem um projeto com uma amiga, a Carol Teixeira. É o PapoCabeça, tipo um sarau que ela me convidou pra co-apresentar.
Tem o República do Rock, um projeto da prefeitura pra qual estou fazendo a curadoria. Vão ser 30 bandas em 15 shows até o fim do ano e acho que a seleção está ficando bem interessante.
Além do trabalho diário da tevê, dirigindo e apresentando o Radar. Ufa!

gARAGEM 21tH cENTURY

DANCE!
Go Bang!" – Dinosaur L (jazzy-disco, Nova York, 1980, wow!)
"Phanton II" – Justice (o Black Sabbath da eletrônica)
"Street justice" – MSTKRFT (de fritar o cérebro)
"Blind” - Hercules & Love Affair" (bicharedo à loucura)
"Ma Baker" – Bonney M (piadas sempre funcionam na pista de dança)
"Give me love" – Cerrone (climão motel, 1978, o swing comendo solto)
"Off the wall" – Michael Jackson (só não dança que não tem alma)
"I got you under my skin" – Frank Sinatra (e ponto)
SEM PENSAR MUITO
Here come the warm jets – Brian Eno
The Velvet Underground and Nico
Remain in light – Talking Heads
The Beatles
Low – David Bowie
Surfer Rosa – Pixies
London calling – The Clash
Elephant – The White Stripes
Exile of Main Street – The Rolling Stones
The rise and fall of Ziggy Stardust
and the Spiders from Mars – David Bowie
EMOTIONAL
"Everybody is a star" – Sly and The Family Stone
"If you see her, say hello" – Bob Dylan
"Crazy" – Gnarls Barkley
"Losing my edge" – LCD Soundsystem
"A change is gonna come" – Sam Cooke
FODONAS
Billie Holiday
Elis Karen
Carpenter
FODÕES
Nat King Cole
Frank Sinatra
Ray Charles

aH, cÊS qUEREM rOQUE?*

Limbo. Desde o chamado boom do rock gaúcho dos anos 80, quando brilhou uma luz no fim do túnel para a (se é que podemos chamar de) indústria fonográfica deste que é o estado mais meridional do país, nada de espetacular acontecia na cena roqueira de Porto Alegre (minto, a aparição do Kingzobullshitbackinfullefects do DeFalla foi algo espetacular, um disco fundamental na história do rock brasileiro e também a última vez que o DeFalla tocaria com formação e repertório decentes, o Edu em sua melhor forma, todo o gás e a malemolência funk, gritos irados à la James Brown e uns dreads de fio de lã colorida colados com bonder direto na cabeça). Passada quase uma década do tal do boom, a luz no fim do túnel parecia ser o trem vindo contra.
Bandas cover. Esse era o boom do início dos anos 90. Boom-dão. U2 Cover, The Doors Cover, Legião Urbana Cover, Deep Purple Cover, os nomes eram originalíssimos e os vocalistas, normalmente, uns clones mal projetados dos frontmen das bandas as quais tentavam imitar. Então o Bono Cover era meigordinho e usava uns óculos escuros iguais aos do Bono; o Jim Morrison Cover tinha um cinto de medalhões prateados, calça de couro, bota de caubói, cabeleira; o Renato Russo Cover de barba, camisa branca, óculos de grau e assim por diante. Uma epidemia, as bandas cover se multiplicando de forma alarmante e tomando conta dos escassos lugares que havia pra tocar na cidade, até que não sobrasse quase nada para sinceros roqueiros interpretando composições próprias.
Alguns poucos artistas e grupos da década anterior ainda persistiam bravamente seguindo o ensinamento do ditado gauchesco que diz “não tá morto quem peleia”. Júlio Reny arrebatava corações apaixonados com uma repaginação do seu antigo Expresso Oriente e, logo depois, com uma guitar band; Wander Wildner trocara Os Replicantes pelo podresco Sangue Sujo e os Replis contra-atacavam com o Gerbase assumindo os vocais; o Defalla chegava ao ponto alto de sua carreira, culminando com uma apresentação polêmica num enorme festival com nome de marca de cigarro, no Rio; remanescentes do TNT se erguiam das cinzas num formato poser à la Guns’n’Roses muy em voga no período.
No submundo cultural, sobrevivia-se graças a (como sempre) iniciativas modestas como festinhas em estúdios e apartamentos, shows em butecos desqualificados e uma ou outra tentativa em alguma casa de show com maior infra-estrutura – tentativas estas fadadas ao prejuízo total, mediante as condições aviltantes geralmente impostas pelas casas (aluguéis de PAs carésimos, porcentagens injustas nas bilheterias, custos com divulgação exorbitantes). O Ocidente, um marco da resistência alternativa, passava por uma fase dance, tendo ampliado seu espaço com uma enorme pista de dança e fechado suas portas pro rock: nenhum show rolava por lá. No circuito estudantil, uma banda formada por uns estudantes de biologia da UFRGS, a Ultramen, agitava uns showzinhos bicho-grilo no campus central. Alunos das belas artes promoviam umas festas malucas, porém bissextas, no último andar do Instituto de Artes, um clima de liberou-geral entre estudantes, artistas, músicos e os freaks de plantão que podiam assistir a shows de bandas total arty, tipo a Pére Lachaise, do sydbarretiano Plato Dvorak ou a Aristóteles de Ananias Jr., uma versão mais hardcore (no sentido atonal) da Graforréia Xilarmônica.
A volta da Graforréia também foi um acontecimento importante pra cena da cidade. A banda tinha lançado há alguns anos uma fitinha demo – esses eram tempos pré-cd – que teve boa aceitação entre o público ligado na produção roqueira local. A Graforréia tinha um pequeno séquito de fiéis que comparecia religiosamente a seus shows, cantarolando e dançando todo o repertório da banda, umas canções neo-Jovem Guarda cantadas num sotaque tri-portoalegrense e repletas de trocadilhos infames, piadinhas sexistas e sacadas poéticas nonsense.
Eis que, do nada, a Graforréia decide pendurar as chuteiras e abandonar os palcos.
Após uma breve pausa, de um ano, mais ou menos, a banda volta pro segundo tempo com uma formação mais enxuta (de quarteto passou a trio), velhos sucessos rearranjados, todo o gás, prontos pra agitar a cena novamente.
O fim de semana de estréia foi bacana. Não foi fracasso, o que já consideramos sucesso. Na segunda noite, umas pessoas que tinham aparecido na inauguração repetiram o dose, alguns amigos a tiracolo. Noitada tranqüila, sem tumultos. Diversão na medida pra uma noite que é quase a ressaca da noite anterior – trago forte na véspera. Dentre aquele pessoal que aparecia no bar pela segunda vez, uns clientes assíduos potenciais, começavam a surgir os primeiros e legítimos garageiros, um público fiel e ao mesmo tempo transmutável que passaria a freqüentar o Garagem fazendo chuva ou sol, seja no inverno ou no inferno, na seca ou na ressaca, em noites movimentadas ou naquelas completamente vazias, em que somente eles próprios se revezariam entre os espaços desocupados do bar, uns deitados semi-adormecidos no sofá da sala dos fundos, outros em pé no patamar da escada tomando um arzinho e papeando à vontade, outros dançando excessivamente animados na pista e ainda os representantes do tipo mais clássico de personagem boêmio, o bêbado solitário: com o cotovelo colado no balcão por cinco horas consecutivas (pausas pra mijada), secando garrafa por garrafa, sabe tudo o que acontece no lugar, quem está afim de quem, quem ficou com quem, quem cheirou cocaína, quem vendeu cocaína pra quem cheirar cocaína, ele é o cara que salva o caixa em noites fracassadas, não come ninguém e chama o barman pelo nome. É o verdadeiro herói da noite. Anônimo, como deve ser o herói que se preze.
A seguir, alguns garageiros da primeira fase:
Drégus. Por um bom tempo foi o nosso Cliente Número 1. Graças a um descorno antológico que durou uma eternidade (love hurts, indeed), o Drégus mateve uma conta que, ao final de cada mês, praticamente cobria o aluguel da casa. Eu passava no banco em que ele trabalhava todo santo quinto dia útil do mês, pegava o cheque e depois repassava direto pra imobiliária. Nunca foi tão fácil. O que nos leva a uma das mais tristes constatações acerca das relações sócio-econômicas em nossa sociedade: é preciso um se fuder pro outro se dar bem. O Drégus apareceu com sua turminha na primeira noite. E na segunda, terceira, quarta e assim ad vomitum. De cliente passou a DJ, colocando som em festas, inclusive na concorrência. Sua canção-assinatura é I will survive, na voz de Tony Clifton.
Otto Guerra. Cartunista, cineasta e colecionador de ninfetas.
Cris e Guillermo. Namorados e artistas plásticos. O Guillermo era argentino e tinha um trabalho de pintura muito massa que deixou registrado em nossas paredes. A Cris era uma morena magrinha e pilhadíssima com uma voz estridente, adorava Sam Cooke. Uma vez ficou puta da cara porque eu disse pra ela a Factory é aqui, apontando pro papel laminado sujo e rasgado que cobria a parede dos fundos do palco. Vivem hoje nos States. Um em Nova York, a outra em Los Angeles.
Joy. Uma loira vamp e louca. Três em Uma: linda, rica e inteligente. Cocainômana empedernida.
Orson. O nome dele era Arthur, mas como era a cara do Orson Welles, virou Orson, de cara. Adotou o pseudônimo e viveu feliz pra sempre em meio à fauna (faina) garageira. Arthur era um pacato controlador de vôo no Aeroporto Salgado Filho.
Suzy Dolls. A mais célebre das groupies porto-alegrenses, imortalizada na canção do DeFalla.
Jimi Joe. O nosso Lester Bangs.
Teminha e Sonsinha. Duas meninas (hoje nem tanto) fiéis garageiras desde o começo. Eram irmãs.
Andréa e Carol. Idem. Só não eram irmãs. Amantes, i guess.
Márcio Ventura, o Rei Magro. Produtor cultural e vocalista da Nada Público – que, como o nome já indica, sempre padeceu por falta de... O Márcio inventou juntamente com o Fabriano (outro desses grandes músicos que abandonou o roquenrol) o Hermético Programa de Garagem, um show de variedades que estreou nos primeiros meses de 93, e agregava música, performances, esquetes, entrevistas, sorteios e o que mais pintasse. Mais tarde o Márcio se envolveu numa briga, foi expulso do bar e acabou virando persona non grata (por pura implicância, admito). Depois virou persona grata de novo e seguiu promovendo um monte de eventos no bar.
João Olair, vulgo João Palmeira, vulgo João Smog, vulgo João Vulgo. Baixista da Smog Fog, uma das bandas mais injustiçadas da história do rock gaúcho. Os caras nunca alcançaram o reconhecimento que mereciam. Eram geniais. Sozinho, o João era apenas um notório pentelho com uma cabeleira à Bob Smith (daí o Palmeira do vulgo) que mais tarde se tornou o operador de som do bar. Mesmo sendo um chato, falador compulsivo e bêbado invertebrado, pegava várias minas.
Big Ant. Um negão desdentado, malandro pra caralho, que vendia a cocaína mais malhada da cidade.
Fabinho. Morador do Edifício São Paulo, um prédio quase em frente ao bar. Com o passar dos anos, o Fabinho se tornaria o nosso braço direito. Coitado. Tudo sobrava pra ele: esperar a cerveja, fazer a limpeza, quebrar um galho no balcão, dar um jeito na elétrica. Valeu, Fabinho!
Gabardine. Um caso triste. Essa figura apareceu logo nos primeiros dias e a gente presenciou a trajetória descendente do cara. No começo era apenas um alcoólatra chato. Usava sempre uma gabardine creme. Aos poucos foi ficando um alcoólatra chato violento. Filão de cerveja, já não tinha dinheiro pra comprar sua própria bebida e uma noite agrediu uma menina depois de ter tentado tomar o copo das mãos dela. Foi expulso do Garagem e mais tarde, naquela mesma noite, vimos o Gabardine desmaiado no vão da escada que dava acesso ao bar, um buraco onde todo mundo mijava pra evitar a fila no banheiro, a gabardine creme encharcada e um cara em pé mijando em cima dele enquanto outro dizia mira da cara. O Gabardine sumiu completamente depois dessa noite, até que um dia eu e o Ricardo vimos a figura no centro. Tinha um olhar perdido e não nos reconheceu quando pedia a esmola, uma mão aberta e esticada pra frente e a outra na altura do peito, fechando a gabardine sem botões, preta de sujeira.
A gente tinha feito um acordo com o Vilson, um cara que tocava bateria em várias bandas e era a cara do Mick Finn, o parceiro do Bolan no T.Rex. O Vilson tinha um estúdio de gravação com equipamentos razoáveis (em termos de qualidade e bolso) e nos alugaria um PA por uma quantia justa, que seria paga com uma pequena parcela da bilheteria, o equivalente a 30 ingressos. Vo Vilson seria também o nosso operador de áudio oficial. Com um PA decente, capacidade pra 150 pessoas (mais tarde, com todas as mudanças e reformas, esse número quadruplicaria) e uma proposta justa de divisão dos lucros: 100% da bilheteria pros músicos, menos o custo do som. Óbvio que todas as bandas da cidade iriam querer tocar no Garagem.
Todas as bandas da cidade
O primeiro show aconteceu exatamente uma semana depois da inauguração: Graforréia Xilarmônica. Foi um show barulhento, o PA do Vilson ainda se ajustando à acústica da velha casa. No palco – usando ternos e gravatas completamente demodês, shorts de educação física, chinelos de dedo e óculos escuros do tamanho de morcegos de asas abertas nas caras intencionalmente panacas – Carlo Pianta, Frank Jorge e Alexandre Ograndi comandaram por quase três horas, com a maestria dos grandes, a catarse coletiva que é um bom show de rock. Um calor infernal e os janelões abertos impunemente como se não houvesse vizinhos. Tenho uma cena muito nítida dessa noite, o Carlo suando feito um camelo febril, gotas brotando em cascata da cabeça e dos braços, escorrendo pelos dedos e molhando as cordas da guitarra. O Carlo tocando e chegando perto de uma janela aberta ao lado do palco pra se refrescar. O som amplificado pra todo o bairro ouvir, explodindo pra fora da janela que mais tarde seria lacrada pra sempre com espuma e compensado naval.
A platéia, umas cento e poucas pessoas se acotovelando em frente ao minúsculo palco, era composta por obstinados fãs da banda, virtuais garageiros e diversas figurinhas fáceis do under, os-de-sempre, gente sem nada melhor pra fazer na vida do que sair de segunda a segunda percorrendo a ronda noturna dos bares, galzinhas de vestido tubinho e bota de cano longo, roqueiros tatuados e cheios de couro & estilo, minas de roqueiros tatuados tatuadas e cheias de couro & estilo, grunges de camisa de flanela, poetinhas mal vestidos, nerds de óculo de grau e pulôver azul bebê, mulheres barangas de colã branco decotado, tipos invisíveis com roupas absolutamente ordinárias.
Vendemos toda a cerveja de nosso (único) freezer.
Graças ao respaldo que a Graforréia tinha com a imprensa local, o show obteve uma ótima divulgação, a custo praticamente zero – apenas uns poucos trocados pros cartazes A3 e pros panfletinhos em xerox, chamados também de felipetas, mosquitos ou flyers: a mídia garageira por excelência. O principal jornal da cidade estampou uma fotografia da banda, destacando o show de estréia na programação de final de semana. Desde cedo estava traçada a nossa trajetória de menina-dos-olhos de segundo caderno.
Depois que a Graforréia tirou o cabaço, os shows continuaram em série. Geralmente às quintas, sextas e sábados, mas também nas segundas, terças ou quartas, conforme a demanda. As principais bandas do guetinho cultural da província, desfilando uma após a outra em nosso pequeno palco. Guitar bands, bandas punk, de rock retrô, de metal, de funk-metal, hardcore, new wave, experimentais, instrumentais, com letras em inglês, bandas de blues, jazz, reggae, bandas-cover, bandas de outros estados, de outros países, de outros planteas, bandas efêmeras e outras como Ultramen, Space Rave, Walverdes e Comunidade Nin-Jitsu, que fizeram seus primeiros shows por lá e seguiram tocando por muito tempo, bandas de dois ensaios, bandas de nenhum ensaio, bandas que terminaram após seu primeiro show, bandas que nunca gravaram, bandas que ninguém sabe que existiram, bandas cujos integrantes abandonaram o roquenrol e hoje trabalham como consultores administrativos em firmas multinacionais, bandas só de minas, bandas de um-homem-só, trios, quartetos, quintetos, big-bands, Academias Chiquérrimas, Acretinice Me Atray, Aristóteles de Ananias Jr., Barba Ruiva & Os Corsários, Barkley House, Benedyct, Borboleta Negra, Brigitte Bardot, Chapman, Colarinhos Caóticos, Cosmonauta Spiff, Coupe de Ville, Cowabunga, Crushers, Dellips, Experience, Funkenstein, Hip Horse, La Infâmia, Lovecraft, Mais Umas Coisas, Maldoror, Marmanjados, Mequetreques Suplicantes, Molly Guppy, Moses, Motor Mojo Junkie, Musical Spectro, Nada Público, Narciso, Omstrons, Pére Lachaise, Psicopompos, Qual?, Smog Fog, Spiders, Tarcísio Meira’s Band, The Clones, Undisco Bones...
Um rol de bandas mortas.
Shows inesquecíveis que pouca gente lembra, dispersos nessa coisa enganosa chamada memória, meleca super seletiva de imagens, sons e cheiros, sabão escorregadio que pra ser agarrado tem que se moldar no formato da mão.
Lembranças tópicas de eventos superespecíficos.
Por exemplo, o solo do Frank Jorge no show do Frank & Plato no festival Monterey Popstock durante aquela música: “Rod Stewart é amigo do Roger McGuinn”. A guitarra tremendo, rangendo, zunindo, vibrando e absorvendo a atenção da platéia delirante como a flauta que hipnotiza a serpente mais pelo movimento que pelo som que produz.
Ou a testa postiça de Frankenstein feita de espuma que o Chico Machado usava nas apresentações dos Omstrons e as luzinhas e engenhocas eletroacústicas e brilhantes que deixavam o show com um jeitão de performance multimídia de puteiro do interior e os acordes dissonantes que não saíam de cinco mil alto-falantes mais dos seis que compunham o PA do Vilson.
Ou o show da Experience, power trio com a legendária dupla Mitch Marini e Schneider, uma parede de amplificadores importados expelindo Jimi Hendrix e Cream a todo o volume, participação especial de Luizinho Louie com seu enorme kit de percussão, o Luizinho quase chorando emocionado em perfeita sintonia com as ondas sonoras que saíam dos potentes amplis importados, batucando em transe toda a parafernália de tambores, pandeiros e sininhos, sem a mínima noção que ninguém ouvia nada porque o Mitch tinha dito que não precisava microfonar a percussão.
Mas tem microfone sobrando. Argumentava o Vilson, durante a passagem de som.
Nã, nã, nã, não precisa. Replicava o Mitch, de cantinho, fazendo um sinal de quem diz não dá nada, enquanto ao fundo o pobre Luizinho, na maior das compenetrações, edificava passo a passo sua complexa traquitana percussiva.
Ou o show da banda Pirâmide, de Santa Catarina, uma cousa assim mezzo progressivo, mezzo Iron Maiden – fase Powerslave – com direito a cenário de esfinges e pirâmides de isopor, palmeiras de plástico e tochas de celofane emoldurando o palco numa recriação patética e totalmente fundo de quintal de algo que só com muito esforço poderíamos chamar de Egito Antigo.
Ou o show da Psicopompos. Uma data especial, aniversário de uns poucos anos. Eles tinham uma música que chamava Garagem Hermética e dizia no refrão algo como “beber e cheirar no corredor”. A música virou tipo um hino interno e resolvemos convidar a Psicopompos pra fazer esse show especial, o bar superdecorado pra ocasião, centenas de balões dependurados sobre as portas e espalhados pelo chão, os balões espalhados pelo chão estourando durante o show e enlouquecendo os músicos da Psicopompos, banda poética, intimista e até meio chata como dá pra imaginar só pelo nome psicopomposo.
Ou o show da Luciana Pestana, uma roqueira folka de voz grave e feiúra tipo Janis Joplin que, terminada a apresentação fracassada com pouquíssimos pagantes, pega seu violão, diz só vou comprar cigarro e dá no pé sem pagar o aluguel do PA.
Ou o show da Space Rave em que o Edu, vocalista, guitarrista e compositor que nos próximos dez (quinze?) anos ainda montaria as bandas Hip Horse, Musical Spectro, Undisco Bones, The Clones, Celophanes, Planondas, Dirty, Autobahn e sabe-se lá quantas mais, o incansável, merecia uma medalha de honra ao mérito under, o Edu resolve colocar pólvora na frente do palco pra queimar em efeito noise-pirotécnico, no auge de um solo explosivo. Quando a coisa explode, explosão mixuruca, quase um peido, um fumacê medonho toma conta do ambiente com um fedor de enxofre ou qualquer outra coisa diabolicamente fedorenta. Toda a platéia se vira de costas instantaneamente e sai em direção à rua, mão no rosto tapando nariz e boca, tosse, tosse, tosse. E m seguida, a própria banda foge também, sufocada.
Ou o show da Brigitte Bardot, a banda do Ricardo e do Marcos, o Ricardo de vestido longo da avó tocando uma guitarra completamente desafinada. O Marcos desce da bateria cuspindo palavrões e atira as baquetas no Ricardo.
Ou o show da Mais Umas Coisas (outra banda do Ricardo e do Marcos), o Ricardo saindo do palco bem no meio de uma música, sem razão aparente, louco de qualquer coisa ou várias, arrastando nos pés um emaranhado de cabos de instrumentos e microfones, fios e pedais. O Vilson indo atrás dele puto da cara pra cobrar o prejuízo. O Marcos roendo as baquetas de ódio depois de uma cusparada de palavrões.
Ou o show da Benedyct, outra banda do Marcos. Ele me diz:
Corta o som que nós já vamos começar.
E eu esqueço completamente e quando termina a primeira música do show todo mundo escuta de fundo o som mecânico que não tinha parado de tocar, quer dizer, todo mundo menos eu, que chapado demais não escutava nada, a não ser uma música interna que tocava dentro de mim lá-lá-ri-lá e o Marcos larga a bateria, sai do palco e me fustiga com um olhar de fúria extrema muito cuspe verbal.
Ou um outro show dessa mesma Benedyct. A vocalista, a Gaby, dá três pulinhos performáticos pra trás e cai por cima da bateria, e do Marcos.
Ou outra envolvendo o Marcos, só que dessa vez num show da banda Qual?. Por alguma razão (grana ou trago, decerto), o Marcos se desentende com um dos caras da banda e lá pelas tantas, no furor da discussão, saca um tubo de gás lacrimogêneo (o Marcos era meio extremado, se é que isso existe) e lava a cara do cara com aquele jato corrosivo, borrifando o infeliz como quem extermina uma barata no canto da cozinha. O troço quase deixou o cara cego, o rosto queimado, uns pedaços de pele despregados da carne e balançando pra baixo. No final da noite o cara que quase perdeu a cara foi visto sentado no meio-fio, rindo e chorando ao mesmo tempo, chapado até os ossos de gás lacrimogêneo. Na semana seguinte foi preciso o Fabriano intervir e dissuadir a figura de nos meter um processo por dano físico e moral, o qual (Qual?) perderíamos na certa.
Ou a brincadeira de amigos premiando amigos: o Garagito, troféu de nome simpático de tão simplório constituído de uma boneca Susy de atacadão do centro, fixada num pedestal de gesso e colorida por imersão. Low budget tosco de gaulês com inclinações artísticas. O Garagito premiou, de 93 a 2000, alguns dos mais obstinados roqueiros da cidade (a escolha da categoria principal, a de melhor banda, ilustra bem a preferência dos garageiros: Graforréia e Ultramen levaram três Garagitos cada, no ano em que não foram premiadas foi a vez do meteórico Júpiter Maçã levar o seu).
Ou o advento dos tributos. Pra ocupar datas vazias, homenagear cultuados artistas mortos (ou não) ou apenas se divertir tocando as músicas prediletas, a gente inventou essa modalidade de evento. Geralmente no aniversário de algum herói do ronquerol. Quando morria alguém também era tiro-e-queda: a gente tributava logo em seguida. Por exemplo, na semana da morte do nosso papa junkie William S. Burroughs, quando armamos o William Burroughs Last Words, uma homenagem sincera com show de bandas, performances literárias, exposição e venda de livros e drogas. Ou no mês do suicídio (esse sim, tiro-e-queda) do último mártir do roquenrol Kurt Cobain, um acontecimento que abalou toda uma geração que acreditava na indissociação do rock e da camisa de flanela. A figura central nessa história dos tributos era o Tavares. Alcoólatra byroniano, com um estilo de tocar que sintetizava John Lennon e Paulinho da Viola – ainda que totalmente desafinado quando muito bêbado ou sóbrio demais – o Tavares tirava tudo de ouvido, na hora, sem frescuras, sem nem mesmo ouvir.
Kurt Cobain foi deste prum Nirvana melhor?
Chama o Tavares.
Um bando de saudosistas ligeiramente góticos e bichas morre de saudades dos Smiths, Echo, Cure ou qualquer merda dos anos 80?
Call Tavares.
30 anos de Sgt. Peppers?
Ô Tavares, cê não tá a fim de?
Ano que vem tem Álbum Branco?
Já combinei com o Tavares.
Ou ainda uma história clássica envolvendo este sincero narrador: é sobre um show que não houve. Episódio sinistro. Envolve também uma banda de Santa Catarina que eu não lembro o nome. Os caras ligaram de Floripa querendo uma data pra se apresentar. Expliquei as condições e eles reservaram uma quarta. Pensei que era conversa furada e que eles nunca se abalariam lá de Floripa pra tocar em Porto Alegre numa quarta. Uns quinze dias antes da tal quarta chega pelo correio uma caixa contendo centenas de cartazes da banda. Uns cartazes de xerox em folha A3 com o nome que eu não lembro, uma foto da ponte de Florianópolis e um espaço em branco pra preencher à mão com data, horário e local do show. Um pincel atômico vermelho estava incluído n o pacote. Daí lembrei de uma vaga conversa telefônica, alguma coisa sobre a gente colar os cartazes, e eu dizendo claro, sem problemas, me lembrava dizendo convicto, afinal, eles nunca se abalariam de Floripa pra tocar em Porto Alegre numa quarta. Por via das dúvidas, na fatídica quarta, convoquei o Vilson e ele prontamente montou o PA e ficamos à espera da banda de Floripa. Tomei o cuidado de esconder a pilha de cartazes que não tinham sido colados, muitos, quer dizer, TODOS, camuflados em meio ao caos da salinha dos fundos. A menos que eles tivessem algum parente ou amigo na cidade, ninguém em Porto Alegre sabia do show. Como de praxe, a passagem de som foi marcada pras cinco da tarde. Esperamos até as oito. Nada. Decidi fechar o bar e ir pra casa: show cancelado. O Vilson desmontou a aparelhagem, apaguei as luzes e na hora de trancar o portão pra ir embora, estaciona um carro cheio de gente e instrumentos e amplificadores.
A gente tá procurando uma vaga pra estacionar já faz quase uma hora. Diz o motorista.
Olha, sinto muito, mas o show foi cancelado. Tão pensado o quê? Se cumpre horários aqui.
Mas a gente veio dirigindo lá de Floripa com todo o nosso equipamento, vocês não podem cancelar o show desse jeito.
Podemos sim. Tchau.
Fechei o portão e subi a Barros Cassal pra pegar o ônibus. Os caras ficaram ali parados, entre perplexos e putos da vida, sem acreditar no que tinham acabado de ouvir. Não sei como um deles não desceu do carro e me rachou os cornos com uma guitarrada, o mínimo a se esperar diante de tamanha filhadaputice. É que na hora eu só pensava nuns filmes pra devolver na locadora. Dei no pé. Mas a consciência pesou. Uma barra. Puta remorso por tamanha sacanagem com os caras. Porra, eles tinham se abalado lá de Floripa pra tocar numa quarta em Porto Alegre, isso não se faz! Naquela noite, revirando na cama, penei a insônia dos injustos. Tempos depois apaguei o episódio da memória, com remorso e nome da banda junto. Já a banda, tenho certeza que lembra direitinho de tudo o que rolou, meu nome e fisionomia inclusos. Algum guitarrista à espreita numa esquina qualquer da Ilha, pronto pra me rachar os cornos com uma guitarrada, enquanto eu passeio lindo, leve e solto de bermuda e havaianas em pleno feriadão.
*Leo Felipe

sexta-feira, 16 de maio de 2008

a aMARGA sINFONIA dO sUPERSTAR

Andrio Maquenzi, guitarrista e vocalista da Superguidis, liberou "segredos" dos bastidores de gravação do álbum A Amarga Sinfonia do Superstar.
Relato completo nas postagens de 1 a 8.
Picardias sobre sexo & drogas, não têm, mas sobram causos sobre "pajelanças e festinhas", como Andrio definiu o clima das gravações. "Num fevereiro brasiliense, chuvoso e sombrio de 2007", relembrou.
É importante salientar essa condição climática predominante, observa o guitarrista, pois refletiu no resultado da obra, em comparação ao "ensolarado e dantesco janeiro sulista de 2005", época na qual o primeiro disco - dos sucessos "O véio máximo", "Malevolosidade" e "Coraçãozinho" - foi concebido.
As sessões de gravação e mixagem duraram cerca de 12 dias. "Ou seja, o ócio foi regra a metade do tempo", confessa o guitarrista, que considera a produção de A Amarga "um disco de estréias". E segue o baile...
"Pra começar, foi nosso primeiro segundo disco (até aí nada de novo... piada sem graça); foi o nosso primeiro Disco de Gente Grande GRANDONA, cheio de preparos, com uma demo feita em Guaíba antes, pra mostrar pros 'patrão' (Fernando Rosa e Philippe Seabra), a fim de que eles não tomassem um susto ao chegarmos lá: preparar terreno, saca?
Outra(s) novidade(s): foi nosso primeiro trabalho com um 5º elemento dando palpit...digo, sugerindo algumas idéias no decorrer das gravações, agindo como produtor afu, colocando a cerejinha em cima do bolo.
Ele, Philippe Seabra da Plebe Rude, o cara que eu cresci vendo no Programa Livre, do Serginho Groismann, pulando e gritando que não era nossa culpa, nos anos 90: o Butch Vig Candango.
Foi também nossa primeira gravação (beeeem) longe de casa: até então gravávamos tudo na casa do amigão e conterrâneo Rafael Sonic (e quando falo TUDO é tudo mesmo: desde que eu comecei a achar que compunha alguma coisa ["Quem te disse semelhante mentira, Quase Nada?"], no comecinho dos anos 2000, com outra formação, cabelos compridões e cara de protestante-grunge-dedo-na-ferida à la Eddie Vedder".

1) o nOME

Até a escolha definitiva, que só foi se concretizar quando já estávamos em nossos lares após a gravação, passávamos algumas horas em claro, no quartinho reservado às bandas de longe, que gravam na casa do Philippe.
Perdíamos o sono, num brainstorm doido (protagonizado principalmente pelo Diogo) que gerou pérolas como Adeus, Máquina de Lavar (esse foi quase vencedor, já tínhamos até idéia de capa, com um pé chutando uma lavadora de roupas, que rolava escada abaixo), Reset (muito proto-punk moderno, quase emo até...Deus nos livre), Assim é Que Eu Me Lembro, Arrependimentos de um Bom Rapaz (aí já começávamos a pensar nas frases das músicas)...
Tinha uma idéia do Marco que eram três adjetivos como "Pueril, não-sei-o-quê e não-sei-o-quê-mais", tinha outra do Lucas que passava uma coisa de humildade-quase-auto-flagelação, no bom sentido.
Isso tudo rolava já num momento em que estava um pouco estressante o convívio entre a gente: quando isso ocorria não rolavam brigas, mas absolutamente tudo era motivo pra piada, até os improvisos hip-hop atravessados do Diogo, como "Pá! Pá! Pá! Pá! TRÊS tiro no pulmão", etc.

2) a aRTE

Não tínhamos muita idéia do que queríamos em se tratando de encarte, capa e rótulo do disco. Até que o nome Amarga Sinfonia... veio e Eureka!
Começamos a divagar sobre uma dissecação da suposta vida de rockstar: ora, todo mundo tem defeitos, problemas, contas a pagar, inclusive as imagens que a gente idolatra (ou malha) nas mídias.
E para humanizar os ídolos, veio a sugestão Livro Velho de Medicina, com músculos e partes do corpo, tudo cheio de detalhes (como todo encarte legal deve ser, pra gente ficar horas olhando).
E como não somos melhor do que ninguém, não fazemos nada de super-especial, por que não cifrar as músicas, pra quem estiver com o disco em casa tocar um pouco?
O resultado final ficou muito massa (valeu, André Ramos). Imagina como seria em vinil...(fica a sugestão aí, Fernando).

3) dISCO-cABEÇA

Besteira minha, ainda bem que fui podado logo no início. O fato é que eu, fãzoco de Beck Hansen e toda aquela genial reciclagem sonora Lo-Fi, própria dos seus discos, queria utilizar meu gravador de bolso com uma fita mini-K7 e costurar as músicas com acordes perdidos de algum instrumento, frases de outras pessoas (como existe, por exemplo, na obra-prima The Dark Side Of The Moon, do Pink Floyd [olha a prepotência do menino...], onde diversas pessoas respondem e têm diferentes pontos de vista sobre uma mesma pergunta), ruídos estranhos, sons em diferentes rotações...qualquer merda que viesse à mente. Que coisa, não?

4) pAJELANÇA e fESTINHAS

Regularmente, Philippe era anfitrião de alguns encontros que ocorriam em sua casa. Era muito legal, porque iam pessoas que a gente conhece e gosta muito, como os guris da Prot(o), o Piu e a Fê (Lucy & The Popsonics), Beto Só, Disco Alto, Fernando Rosa (claro) e Beth, Pedro Brandt.
O clima de camaradagem era tanto que, num desses encontros, Pinduca (Prot(o)) e Fernanda (Lucy & Popsonics) fizeram a gratidão de colocarem backing vocals em Riffs, a faixa escondida.
Porém, numa dessas a gente ficou com vergonha por não conhecer ninguém (era numa partida de pôquer, se não me engano), e nos trancamos no quartinho pra jogar videogame (falarei mais sobre esse precioso brinquedo, posteriormente), e fomos arrastados que nem guri relutante em tomar banho, pelo Philippe.
Bichos-do-mato total. Aí, depois dessa, comparecemos pra fazer sala e conversar amenidades com quem não estava jogando.
Não posso deixar de registrar aqui a overdose de carboidratos que o magro-de-ruim Lucas tomou, comendo batata assada dentro de um pão, numa noite de batatada. Também o vinagrete e os molhos supimpa da Fernanda, a senhora Seabra.
Os assados de Philippe eram bons, mas o preparo era meio burocrático. Tinha todo um complicado ritual para fazer o fogo na churrasqueira (coisa que a gauchada aqui, modéstia à parte, tira de letra), e quando dava algo errado, a culpa era de quem? Da pobre da churrasqueira...
Falando em comilança, teve um certo momento em que nos sentíamos como pinto no engorde, saca? Comíamos pra caralho e não fazíamos nada. Incrível. Quando estávamos loucos pra jogar bola e queimar um pouco da graxa (até pelo convidativo gramado que havia nos fundos da casa), eis que Philippe aparece com um...frisbee.
Não tinha bola no recinto, uma pena. O jeito era o frisbee mesmo. E toma-lhe disquinho voando pro pátio do vizinho.Ah, sim. Freqüentemente éramos agraciados com algumas cervejas e Smirnoff. Mas eu não dispensei meu sagrado e diário chimarrão, sob pena de sofrer incontroláveis crises de abstinência caso não o levasse pra Brasília.
Além do mais, era divertido ver alguns brasilienses com cara de quem chupou limão, ao tomar umas cuias. Cebion efervescente era constante, também (Marco sofreu uma constipação, e eu tomava pra garantir).

5) nEVERMIND

Tá, pode ser (e é) coisa de abobado fã de Nirvana, mas preste atenção nas observações que faço ao abrir esse parêntese. Já alcunhei Philippe Seabra de Butch Vig Candango, e não por acaso, ele consegue deixar o som lapidado, pop, e com pegada;

A canção que abre o disco, Por Entre As Mãos, foi composta alguns dias antes de a gente gravar (o mesmo ocorreu com Smells Like Teen Spirit); é também o nosso segundo trabalho; as condições de produção elevaram-se drasticamente em relação ao primeiro (olha a tosqueira que é o Bleach);

o disco, oficialmente – esqueça Riffs, fecha com uma canção-balada triste (ou vai dizer que tu esquenta as pistas com Something In The Way?). Mas não, ninguém da banda vai estourar os miolos.

6) sUPER nINTENDO

Ó presente divino, entregue em mãos por Fernando Rosa ainda no começo das gravações (ele o havia seqüestrado das filhas, desculpem-nos). Foi a redenção de quatro bundões! O videogame naqueles dias foi, pra nós, o bode expiatório, o exorcista, o ombro amigo, o feijão da mãe.
Eu, jogador inveterado, não ousava piscar sobre o ronco dos motores de Super Mario Kart, ou ainda desbravava e atravessava mundos nas 96 fases do quase eterno Super Mario World.
"Vamo virá o Mario!" era a tônica daqueles dias, a frase constante, dita com o peito inflado, a postura ereta, os dedos ágeis, o ar confiante.
Claro que haviam outros jogos, o que diminuía um pouco o meu interesse, mas não o dos guris: Mortal Kombat (Marco ganhou uma partida do Diogo, jogando só com os pés...), Top Gear, Rushin' Beat (joguinho estilo beat ‘em up chato pra cacete), The Legend Of Zelda (esse sim é eterno!), entre outros.

7) pIADINHA iNTERNA

Riffs, pra quem não sabe, foi feita num take só. Houve um deslizezinho no baixo do Diogo, logo no começo do primeiro refrão. Mas pra não refazer o take, e abrir mão da regra sagrada, eu e o Lucas repetimos o "floreio" com as guitarras.
Como o Lucas não quis gravar os backings, eu tentei emular outra voz ("ele que é o cara" e "obras autografadas"). Na primeira frase dessas, fiquei com a voz parecida com a do Belchior.

Assistíamos muito às audições do programa Ídolos, pelo YouTube. E foi um cabeludo meio frangote, da versão portuguesa do programa, que deu o toque que faltava na música. "Tá fort, tá! Tá muito fort!"

8) a gRAVAÇÃO oU o qUE rEALMENTE INTERESSA

Curioso é que eu gravava a maioria dos vocais durante as manhãs. Geralmente, manhã é inimiga mortal da voz, e não foi diferente comigo. Talvez o fazia por superstição inconsciente, sei lá.
Ainda bem que deu certo, exceto no último refrão de "Mais do que isso", onde, confessadamente, a voz me engana e dou um tropeço. No fim das contas, ficou legal e natural, sem besteiras tecnológicas.
Outra confissão: ficava visivelmente nervoso e desconfortável ao gravar a voz, pelo posicionamento em que me encontrava: bem na frente do Philippe Seabra, na frente do nosso 5º elemento supra-citado, separados apenas por um grosso vidro.
E o cara ficava hiper-atento, a qualquer sílaba, a qualquer tom. Pior do que teste de direção, pior do que o peso da responsabilidade de não errar um pênalti, na decisão do campeonatinho inter-séries da escola.
A garganta secava, como aquelas engolidas a seco do Seu Madruga...foi dose. Mas o resultado foi bem bacana. Ainda bem...
Tenho que falar de Rodrigão: um sujeito que é do tamanho e do peso da própria pronúncia de seu nome. Técnico de batera, que já trabalhou com caras como João Barone, Rodrigão deixou as peles tinindo, trincando.
Vivemos o momento Trakinas Power da gravação, com mais recheio, onde o que já estava bom ficou ainda melhor. Corriam lágrimas do Marco a cada golpe. Valeu, Rodrigão!

terça-feira, 13 de maio de 2008

gOIÂNIA rOCK ciTY*

POR CRISTIANO BASTOS
A nona edição do Bananada – como de praxe – foi de alta octanagem roqueira. Mas, curioso: num festival em que parte das atrações são bandas novas, quem roubou a cena foi um remanescente da velha guarda de Belém do Pará, o carismático Mestre Laurentino.
Aos 82 anos, Laurentino tem fôlego comparável a Jerry Lee Lewis quando moçoilo. Ele dançou e tocou sua harmônica, contente como um fauno, acompanhado pela banda Coletivo Rádio Cipó, e matou de vergonha a moleirice showgazer dos indies criados em apartamento.
O sinhozinho fisgou o público com seu traquejo malandro de jazz, rock, bolero, valsa e a mazurca, o louco ritmo do Pará. Na primeira noite, abafando com um dos seus rocks, "Lourinha Americana" (gravado pelo Mundo Livre), o mestre conduziu a incauta platéia à catarse.
Depois, distribuiu autógrafos às moças, recebeu congratulações dos rapazes e, não satisfeito, subiu ao palco da Born a Lion e lançou candidatura ao posto de "Bez" dos portugueses. "O negócio é não cair em bandalheira!", segredou o velhinho ao público.
Este, a propósito, é capítulo à parte na história do festival. Sua presença maciça, a cada edição, perpetua uma das missões do Bananada: ser uma alternativa barulhenta ao Festival Agropecuário, que todo ano entope Goiânia de agrogirls, cowboys e atrações da dimensão paralela da música sertaneja.
Embora a maioria do público seja de apóstolos fervorosos do hard rock (o Grand Funk Railroad já foi canonizado por aqui), nenhum show deixa de ser prestigiado por eles. Com ardor, sobem no palco, cantam com os artistas, dão malfadados stage divings e se quebram no chão.
A banda Mechanics exortou a turba para sua festa de microfonias, e a vibração noise foi às alturas. A Graforréia Xilarmônica, pela primeira vez em solo goiano, encarou uma massa sedenta que tinha o repertório da banda na ponta da língua.
A Pública, de Porto Alegre, prendeu a atenção com um show barulhento, pop e de inclinações ao britpop. No Bananada, Fabrício Nobre, o grande pastor desse culto, é reverenciado como um deus pagão. A MQN, sua banda, nem precisou medir esforços para ter o público na mão.
Dedo em riste e banhado a ouro com a cerveja derramada sobre ele, Nobre prova que é licenciado na arte de surrar o próprio rebanho: entra em luta corporal com os maníacos da primeira fila, distribui cusparadas e manda a platéia se foder.
Só assim, afinal, todos podem dormir felizes e sonhar com mais rock'n'rol ultrajante no ano que vem.
*Publicado na última edição da Bizz, julho de 2007. Aqui Bananada 2008.

wHITE zOMBIE

sábado, 10 de maio de 2008

iNVASÃO

POR CRISTIANO BASTOS
A coordenada da invasão é Sul e avante pelo Nordeste. A conquista parte do Rio Grande do Sul e tem escala no Planalto Central do Brasil – mas o destino é a capitania de Pernambuco: o alvo é o rock. As armas são guitarras, baixos e baterias.
No aeroporto internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, embarco para Recife.
Destacado por APLAUSO, vou ao front investigar porque os artistas gaúchos são maioria no renomado festival Abril Pro Rock – cuja criação, na década de 90, eclodiu com a explosão do Manguebit e revelou Chico Science & Nação Zumbi, Eddie e Mundo Livre S/A.
Na edição de 2008, a curadoria do festival quis voltar às "origens rock" e alistou as duplas geracionais – Wander Wildner/Júpiter Maçã e Pata de Elefante/Superguidis – para engrossar as camadas de guitarras na terra dos ilustres Joaquim Nabuco, Paulo Freire e Reginaldo Rossi.
Na cidade, a chegada da gauderiada foi saudada, óbvio, como "invasão gaúcha" – alusão a britsh invasion, da qual, no Brasil, desde os anos 60 e até hoje, o Rio Grande do Sul é um dos maiores aliados.
Por coincidência, tomo a conexão aérea que leva parte da combo roqueiro e outra, com maior quorum no interior da aeronave: políticos sulistas e pernambucanos.
Numa sexta-feira à tarde, a parada na capital federal, como praxe, faz o transporte (quase particularizado) dos políticos recifenses de regresso aos seus lares; os gaúchos desembarcavam para um fim de semana no perímetro do poder.
Marco Maciel foi sentado ao meu lado – por precaução, preferi não arriscar um bate-papo. O político dizia alguma coisa ao vizinho de poltrona. Juro que me esforcei para não ouvir.
Acomodado à janela, Pedro Porto, que era da Ultramen, seguia quieto para o destino rock. Além de artistas nacionais do "mainstream independente", como Céu, Autoramas e Lobão, a viagem serviu para assistir três atrações externas: os veteranos do New York Dolls e Bad Brains, dos Estados Unidos, e os jovens neozelandeses do The Datsuns.
No entra e sai de passageiros, uma figura cuja compleição física, por pouco, não atinge o teto do avião, movimenta-se pelos corredores.
Cabelos compridos, ajeitados numa franja esquisitona, paletó mod, estava vestido para o frio londrino-portoalegrense – o jeitão é de roqueiro. O sujeito vai até a poltrona do baixista da Ultramen, inclina-se e, alto, escancara: "Enton tá, vômo tocá nesse tal de Abril pro Rock!".
É Lukas Hanke, o "Cabelo", baixista que acompanha Flavio Basso, o Júpiter Maçã. O sotaque é por causa de sua outra banda, a Identidade, que saiu do interior do estado para bater bola no campinho roqueiro de Porto Alegre.
Basso também está no avião e exibe seu novo look – agora, espécie de Twiggy dark (de preto da cabeça ao pés), cabelos desgrenhados e oxigenados e botas de couro bico-fino.
No desembarque, o clima quente e úmido de Recife sorri de forma selvagem – sensação térmica comparável, digamos, no verão, ao calor máximo de Porto Alegre, ao quadrado.
A mesma tropicaliência que deve ter posto os portugueses em pânico há mais de 500 anos e a bela paisagem do mito popular da vizinha Olinda, cujo nome teria origem em suposta exclamação do donatário Duarte Coelho: "Oh, linda situação para se construir uma vila!"
Júpiter parece fora de órbita no aeroporto: a combinação preto e calor deve tê-lo desorientado. O termômetro marca mais de 36 graus. Não fica gota sobre gota de suor.
Só que não é a primeira vez que Júpiter aterrissa em Recife. Ele é que talvez não lembre, mas, na última vez, no Abril pro Rock de 1998, deixou um bando de filhotes:
"Muitos que viram os shows dele e do Wander, há dez anos, fizeram uma banda. A Volver, por exemplo, é a maior banda de rock gaúcho de Recife", brinca um dos curadores do Abril, também editor do site Recife Rock, Guilherme Moura.
Por isso, Júpiter fez uma das apresentações mais aguardadas. Embora em fase crooner, apenas cantando e sem empunhar a guitarra em nenhuma canção – o que deixou todos a desejar –, o público fez coro para rezar seu terço de hits psicodélicos.
No palco, afetou trejeitos de Madonna e ensaiou passos de Mick Jagger nos anos 80. Da ala feminina, arrancou ovações e, da masculina, risadinhas de escárnio.
Comprovando a própria lenda, depois do show Flávio Basso era o artista mais requisitado para autógrafos e fotos.
Nessa cidade edificada às margens do Oceano Atlântico, Wanderley Wildner é outro não marinheiro de primeira viagem.
Acompanhado dos músicos Arthur de Faria e Jimi Joe, o ex-replicante aproveitou a popularidade no festival para lançar La canción inesperada, quinto disco de sua carreira. Comentário geral: "O melhor show do festival".
Diferentemente de Júpiter, que apostou nos hits, Wander colocou-se na postura de surpreender a todos – e surpreendeu. Em versão gaudéria, tocou Amigo punk com o público recifense cantando junto.
Para o jornalista Fernando Rosa, proprietário do selo SenhorF Discos, Wander superou-se a cada música: "Nesse show, ele ampliou o público, já grande em Recife, correndo riscos – prática em sua carreira. Tocou as velhas canções e trouxe as novas à baila, sem medo", observou.
Ousado, Wander terminou a apresentação com uma banda de frevo em cima do palco: rabeca de um lado e sanfona de outro, conduzida por Arthur de Faria.
O resultado foi o saudável meio termo entre Recife-Olinda-Porto Alegre-Buenos Aires – claro indicativo de que a integração musical sul-americana é um plano culturalmente viável. Durante a apresentação dos New York Dolls, Wildner era um dos mais animados na pista, dançando ao som dos velhos punks.
Ainda perseguindo o caminho do reconhecimento (embora, em certa medida, já o encontrara), a Superguidis não decepcionou o público curioso por vê-la pela primeira vez.
Os insepáráveis Andrio, Lucas, Marcos e Diogo – cujo visual high scholl 90's destoava das tendências fashion do emo, hard core e mangue beat imperantes no festival – eram assediados por menininhas de faixa etária “abaixo da média”.
O detalhe é que as adolescentes nem sabiam que os quatro rapazes (potenciais capa de Capricho) tocavam numa das bandas atualmente mais faladas do Brasil.
"Depois dos Dolls, não queremos decepcionar o pessoal. Afinal, somos os Bonequinhos de Guaíba", brinca Lucas antes de subir ao palco.
Humor é a marca nos shows da Superguidis, um contraste irônico com as letras, por vezes tristes, da dupla Andrio/Lucas. Mas a apresentação dos Guidis não foi piada.
Em Recife, tocaram mais alto que nunca e anunciaram a canção, que vai estar no terceiro álbum, "Não fosse o bom humor".
A Pata de Elefante foi a última banda de gaudérios elétricos a pisar no palco do Abril Pro Rock 2008. Na verdade, não pisaram só patas, mas toneladas sonoras.
O trio Gabriel Guedes, Daniel Mossmann e Gustavo Telles confirmou os excelentes predicados da banda ao vivo. Como costumeiro, Guedes e Mossmann se revezaram no baixo e guitarra – sem jamais darem um pio em cima do palco. O porta-voz da banda é o baterista Gustavo "Prego" Telles.
Em pouco mais de meia hora de show, o público não desgrudou olhos e ouvidos das canções de Um Olho no Fósforo, Outro na Fagulha.
A Pata de Elefante prendeu a atenção de todos – e o Lobão Acústico, que subiria ao palco logo após, teve que esperar mais dois números de bis antes que a invasão gaúcha debandasse da cidade, levando um rastro de novos fãs.

terça-feira, 6 de maio de 2008

nEW tHING

Gauleses Irredutíveis & jazz, cultura negra, política, violência. Por mais estranha que pareça, a ligação com o livro que conta histórias sobre o rock gaúcho foi possível em New Thing (Conrad Editora), novo romance do coletivo italiano Wu Ming.
Na trama, o jazzista John Coltrane, o controverso líder islâmico Louis Farrakhan e o reverendo Martin Luther King são personagens que se cruzam no tempo e pelas bocadas onde rolava o jazz.
Ao estilo dos livros de reportagem, New Thing tece depoimentos simulados e em conjunto dos narradores-personagens. Se obtém disso a versão fictícia de uma história oral.
A obra foi escrita por Wu Ming 1, denominação dada ao integrante que - na vida em "sociedade" - se chama Roberto Bui. No italiano mesmo, ele conta como se fez a conexão entre New Thing e Gauleses, citado no pósfacio, e também com outros livros de rock:
"L'idea di fondo mi è venuta nel 2000 leggendo Please Kill Me: The Uncensored Oral History of Punk, poderosa opera di Legs McNeil e Gillian McCain (Grove Press, New York 1996). Più tardi ho letto altri due libri scritti in quel modo:
We Got the Neutron Bomb: the Untold History of L.A. Punk, di Marc Spitz e Brendan Mullen (Three Rivers Press, New York 2001) e Gauleses Irredutíveis: Causos e Atitudes do Rock Gaúcho, di Alisson Avila, Cristiano Bastos e Eduardo Müller (Sagra Luzzatto, Porto Alegre 2001).
Grazie ai tre autori per avermi accolto, ospitato, accompagnato in giro per la loro città e avermi fatto conoscere la scena rock'n'roll del Rio Grande do Sul. Sono opere che discendono dal New Journalism americano nato nei Sixties".
Temário Wu Ming (em mandarim: "sem rosto"): propriedade intelectual, direito autoral, reconhecimento nominal da produção artística, ações contra a centralização da agenda da mídia global, design literário e guerrilha psíquica.
Nos anos 90, o projeto político-cultural se alastrou mundo afora por força de um conglomerado de pessoas anônimas que, livremente, utilizavam o nome múltiplo Luther Blissett (pré-Ming)para "instigar a resistência contra a pasteurização da cultura".
A internet fez a identidade vingar, disseminou as idéias do grupo e conclamou ações pelo mundo, e também foi cenário do "seppuku", o ritual suicida transmitido online, em 2000, que acabou com a raça de Blisset.
*Trecho de New Thing
Já fazia algum tempo que gente como Cecil Taylor estava agitando, mas foi o quarteto de Ornette, no Five Spot, que nos desentupiu os ouvidos. Parecia uma briga de cachorros, ou melhor, os instantes que precedem uma briga de cachorros, você os ouve na esquina e imagina a cena, os donos puxando as guias e chamando os cães, e os dois bichos mordendo o ar, tentando voar um pra cima do outro, eles puxam, rosnam, latem, babam, e as vozes dos donos mandando parar, flexionando os bíceps, falam com os cães como se fossem gente, mas sem convicção: no fundo estão fingindo, a verdade é que estão orgulhosos da força e dos colhões de seus animais, riem por baixo dos bigodes…

sexta-feira, 2 de maio de 2008

dIAS esTRANHOS*

Precisou o The Doors (ou melhor, o Riders on the Storm) tocar no Nilson Nelson para tirar o roqueiro brasiliense de casa.
O grupo californiano levou quase 5 mil pessoas ao ginásio na sexta-feira, 11 de abril.
O projeto liderado pelo tecladista Ray Manzarek tinha tudo para não ser um simples caça-níquel, mas quem foi ao show pôde comprovar que a idéia não é essa.
Performance, interação com a platéia, timbre dos instrumentos, tudo soava estranho, premeditado e previsível.
A impressão era de uma banda cover no palco, e não de um grupo com dois dos responsáveis pelo som inconfundível dos Doors (Manzarek e o guitarrista Robbie Krieger).
Parecido com um show do Doors mesmo, só a presença da polícia (andando em grupinhos de cinco, seis policiais), o que inibiu quem quisesse abrir as portas da percepção com menos discrição.
Brett Scallions, escalado para o cargo que um dia foi de Jim Morrison, não se sustenta por seus próprios méritos.
Não canta mal, mas também não se impõe no repertório da banda (como fez Ian Astbury, do The Cult, integrante do Doors of the 21st Century, que passou pelo Brasil faz uns anos), limitando-se a macaquear o "rei lagarto".
O solo de baixo em Light my fire, os comentários em "portunhol" de Scallions ("Catchaça! Catchaça!"), Manzarek tocando seu instrumento com o pé, a simpatia exagerada dos músicos… tudo destoava do que poderia ter sido uma apresentação honesta de uma banda veterana.
Muito diferente do evento realizado no último sábado no Arena Futebol Clube, quando subiram ao palco os jamaicanos do Skatalites. Pioneiros do ska (gênero musical que originou o reggae), fizeram um show alegre, dançante e caloroso para aproximadamente 2 mil pessoas.
Sem pirotecnia, tocaram clássico atrás de clássico com muita técnica e carisma – sem forçar a barra. Prova de que idade (quase todos na banda são sexagenários) não é justificativa para um show ruim.

*Texto assinado pelo jornalista Pedro Brandt, da equipe do Correio Braziliense.

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