domingo, 25 de abril de 2010

jIMI hENDRIX: uM mESTRE sEM dISCÍPULOS

POR CRISTIANO BASTOS - Especial para O Estado
Hendrix será sempre imbatível, mesmo porque as novas bandas não ligam muito para solos de guitarra
Califórnia, Estados Unidos, 18 de junho de 1967.
Clímax do verão do amor. No backstage do Monterey Pop Festival, os guitarristas Jimi Hendrix e Pete Townshend tiram cara ou coroa para saber qual banda sobe ao palco primeiro:
The Who ou Experience?
A face da moeda pendeu para o Who, que, literalmente, demoliu tudo com a estridência de "My Generation" - instrumentos, palco, amplificadores.
Diante tal espetáculo, o que qualquer guitarrista da face da terra poderia fazer para impressionar o público depois de um Pete Townshend no auge de sua forma?

Hendrix não deixou "pedra sobre pedra". Aliás, deixou o britânico "comendo poeira".

Engendrada nos três poderosos acordes de "Wild Thing", a performance de Hendrix é icônica. Talvez a mais grandiosa da história do rock e, com certeza, a mais majestosa.
Ao tocá-la, tirou um isqueiro do bolso, jogou o fluído sobre a guitarra, ateou-lhe fogo e fez lenda com sua Fender Stratocaster agonizando em chamas.

Em seguida, quebrou a guitarra em pedaços. Depois os distribui à pasma audiência.
Gesto que significou tanto a consagração como a destruição do solo (na próxima postagem assista as duas performances, filmadas por D.A Pennebaker).
Quarenta anos após a morte de James Marshall Hendrix, em 1970, o guitarrista é recolocado novamente em cena por força de lançamentos que, ao contrário de efemérides recentes como a dos Beatles, vem com combustível inflamável, bem ao gosto de Jimi Hendrix.
Em julho, a gravadora Sony vai reeditar o catálogo com quatro álbuns oficiais de Hendrix remasterizados:
Are You Experienced?, Axis: Bold As Love, Cry of Love (também conhecido como The First Rays of New Rising Sun, que vem com outakes) e Eletric Ladyland.
Os discos serão acompanhados de um documentário contando a história das gravações dos álbuns, com direção de Bob Smeaton, o mesmo que fez Anthology, dos Beatles.
E desde março, começou nos EUA a Experience Hendrix Tour 2010, com guitarristas como Joe Satriani, Kenny Wayne Shepard e o baixista Billy Cox, ex-parceiro de Hendrix.

Apesar de ter guitarristas de mãos cheias celebrando vida longa a Hendrix, os solos de guitarra não têm mais tanta importância.
As décadas que separam o guitarrista de Seattle de bandas insípidas como Vampire Weekend e Coldplay fazem perguntar, afinal, por onde andam as viagens em notas pelas quais Hendrix tanto batalhou?
As bandas se cansaram dos solos? Ou os jovens não querem mais ouvi-los?

Voltemos a Monterey. Se alguma vez na história houve um "duelo mundial de guitarristas", decididamente, a magna batalha foi travada na noite de 18 de junho de 1967, no palco do Monterey Pop Festival.

Colossal era habilidade de Hendrix, que, em meio ao caos sônico de "Wild Thing" (projétil proto-punk dos The Troggs), seus dedos ainda encontraram fresta para solar "Strangers in the Night", do old blue eyes Frank Sinatra.
Ainda que o rock revisite-se o tempo todo, em 2010 o estilo não mais se emoldura nessa "tela" de 40 anos atrás. O espírito, muito menos, é igual. Natural.
Nesses esdrúxulos tempos de Lady Gaga, as lições transmitidas pelo guitarrista, porém, ainda flamejam como em Monterey.
O fogo hendrixiano jamais esvaneceu. É perene.
Com deferência e idolatria, novas gerações de bandas, mundo adentro, retroalimentam o planetário fascínio por Jimi Hendrix.
Numa era movida a "hype", que, às vezes, se confunde com "rock", e de alta descartabilidade pop, surge o terrível dilema: a insígnea maior de Jimi Hendrix – o solo de guitarra – estaria reduzido a indolente cadáver?
A mais óbvia resposta seria a de que Hendrix, mesmo enterrado há quatro décadas, teria chegado a algum lugar do futuro com seu instrumento que até hoje guitarristas não conseguiram atingir.
"Ainda sinto 'emanações espirituais' de Hendrix toda vez que tocamos com o grupo Hendrix Experience Tour", diz ao Estado Billy Cox, baixista que tocou com Hendrix na formação Band of Gypsys.
Cox apresentou-se ao lado de Hendrix nos célebres concertos Live at the Isle of Wight e Woodstock.
Dentre todas as canções do amigo, elege a sensual "Red House", do álbum Are You Experienced?, de 1967, sua favorita – número que também era o predileto de Jimi.
O escaldante solo de guitarra do blues "Red House", segundo a antropóloga Priscila Borges, é perfeito para fantasiar eroticamente. Priscila revela que a melodia lhe atiça a libido:
"O solo inicial tem uma ambiência que me dá vontade de tirar a roupa. Cada vez que ouço "Red House" penso logo em tesão, paixão, sensualidade, mistério ou amor".
Sua canalha letra – que diz: "Cause if my baby don't love me no more, i know her sister will" (Porque se o meu amor não me ama mais, eu sei que a sua irmã vai) – só coloca mais "lenha na fogueira", confidencia a antropóloga.
Longe do sexo, outra resposta à crise dos solos pode estar na origem dos novos guitarristas. Jack White, ícone dos anos 2000 com seu White Stripes, é uma referência atual sem nunca ter colocado fogo em seu instrumento.

Apesar de ter técnica de sobra e atacar a guitarra com ferocidade, não dá a mínima a viagens hendrixianas.
Hendrix, por sua vez, bebeu em um lago que só fica mais raso a cada geração: o blues, gênero que fez existirem Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page.

"Nosso pai tinha uma imensa coleção de álbuns de artistas de blues. Jimi ficava ouvindo e estudando dia e noite. Em cada uma das audições, ele alimentava sua inspiração", conta Janie Hendrix, irmã de Jimi.

Ela lembra que, nos tempos de garoto, o irmão queria mesmo era se formar em publicidade e propaganda. "Ele adorava desenhar enquanto escutava os velhos bluesmen na vitrola."

Nativo de Seattle, cidade natal de Jimi Hendrix, nos Estados Unidos, o produtor Jack Endino (Mudhoney, Nirvana, Titãs) é um nome associado ao grunge – "salvação" do rock, nos anos 1990, tal qual o punk em 1977.

Endino sublinha que a genialidade de seu conterrâneo transcende o mise-en-scéne do solo.
Hendrix, para o produtor, sobretudo criou "O" padrão para tocar e gravar o som da guitarra: "Jimi realizou façanhas em estúdio que jamais haviam sido alcançadas antes".

Os predicados musicais de bandas do mainstream, como Franz Ferdinand e os The Strokes -para ficar em dois exemplos nem tão contemporâneos assim - resumem-se a timbres, batidas e riffs. E na canção em si, também.
Quase não há espaço para o solo.
Na verdade, na dinâmica pop de ambas as bandas não existe lugar para arroubos instrumentais solitários – tanto do guitarrista como dos demais instrumentistas.

O solo está fora de moda, Jack?

Ele é reticente, mas deixa pistas boas:
"Eu não sei... Só sei que estou indo assistir o show da volta do Soundgarden esta noite!", exulta.

Estranhamente, o canhoto e autodidata Jimi Hendrix aprendeu manejar sua guitarra Fender Stratocaster (para destros) invertendo as cordas do instrumento.
Antes dele, e do rival Towshend, além dos virtuoses Eric Clapton e Jeff Beck, solos guitarrísticos tinham valor mínimo na música pop sessentista.
O beatle Sir George Harrison é uma das exceções que se faz, embora não solasse heroicamente e, sim, para sortir com variedade sonora as composições do fab four.
O "toque de Midas" de Hendrix revolucionou, também, o instrumento, cujo manejo aperfeiçou com artifícios técnicos como o uso da alavanca e, especialmente, dos pedais fuzz e wha-wha.
Sozinho, "Ele" personifica imagem, semelhança e paternidade do guitarrista-solo. Ou seja: é o verdadeiro Deus da guitarra.
Lucio Maia, guitarrista da Nação Zumbi e do projeto Maquinado, conta que, desde criança seu estilo foi abençoado por tal divindade.
"Só ouvindo Hendrix compreendi o real significado do solo de guitarra", compartilha Maia, que lançou, recentemente, Mundialmente Anônimo – O Magnético Sangramento da Existência.
As "soladas" de seu mestre reverberam do início ao fim do disco.

Em 60 anos de rock'n'roll (levando-se em conta "Rocket 88", primeiro registro do gênero, gravado pelos The Kings of Rhythm, em 1951), as guitarras cansaram de sair e entrar em voga.
Nos anos 1970, elas se lambuzaram nas vertentes dos rocks progressivo/hard.
A ressaca veio na posterior década, com a invasão pausterizada dos sintetizadores que, por detalhe, não baniram as guitarras do código linguístico do pop.
Escura noite quase recaiu sobre o instrumento.

Turbinadas pelos excruciantes não-solos de Kurt Cobain, mártir grunge do Nirvana, nos anos 90 as guitarras voltaram a cena potentes.
Em 2010, outra vez, parece que o rock recrudesceu aos 80:
"Aqui no Reino Unido, as guitarras perderam novamente o lugar para os sintetizadores dos anos 80. É parte do revival que está rolando agora", contemporiza o baterista da da indie Shadow Riots, Gaylord Knott, de Manchester.

Do outro lado do Atlântico, no cerrado do planalto central do Brasil, o guitarrista do duo electro rock brasiliense Lucy and The Popsonics, Pil Popsonic, aposta que, se estivesse vivo, o inventivo Jimi estaria fazendo música no computador – ao invés da guitarra.
"Hendrix adorava experimentar com as tecnologias da época", observa Pil.
Não só os solos, mas, também, os riffs de guitarra ainda estão bem vivos no playlist da Rádio Cultura FM (100.9), de Brasília, no Distrito Federal.

De acordo com o diretor da estação de rádio, Marcos Pinheiro, Hendrix é nome fundamental na programação, que desfila no dial canções como "Hey Joe", "Purple Haze" e "Fire", além da nova "Valleys of Neptune".

Pinheiro não tem dúvida: "Os solos de guitarras fazem muito a felicidade dos ouvintes".

"O rock revisita-se o tempo todo. Chegará o dia em que os guitarristas haverão de ressurgir como solistas outra vez", prediz o ex-Ira! Edgard Scandurra, instrumentista canhoto tal como o ídolo Jimi Hendrix.

No século 21, representando a velha escola, Scandurra menciona o múltiplo Jack White, dos White Stripes, cujo "tímbrico" estilo de tocar mostra, também, vocação para solos e improvisos.

O fato de Jimi Hendrix, em 1966, ter se mudado para a Inglaterra (país em que, ironicamente, veio a morrer, aos 27 anos), onde finalmente foi descoberto pelo ex-The Animals Chas Chandler, tem como viés o extremo conservadorismo dos EUA.

Jimi foi parar em Londres, situa o baterista dos Shadow Riots, Gaylord Knott, porque, naquela época, a cidade era considerada a "mais cool do planeta" com a swinging london e as loucuras de Carnaby Street.

"Hendrix era um jovem negro, chocante e desafiador. Seu estilo de tocar e de solar era extravagante demais para a caretice norte-americana", critica Knott.
Diretamente, assume o baterista, o som mezzo eletrônico dos Shadow Riots não refulge reflexos hendrixianos.

Porém, segundo ele, estão lá:
"É impossível ter uma banda de rock, tocar guitarra e não ter sido 'tocado' por Jimi".
Na opinião da vocalista da banda Loomer, Liege Milk, de Porto Alegre, no sul do Brasil, diz que as levas de bandas, no mundo todo, praticamente aposentaram os solos de guitarra.
"De certa forma, isso é ótimo: na realidade, um grande desprendimento", condera Liege, que também é baixista.

O som da Loomer tem vocação para o "barulho", portanto, a baixista reconhece que, graças a Jimi, guitarristas "nonsense" como J. Mascis, do Dinossaur Jr., também tiveram sua vez na história do rock.

"Não temos cacife pra solar. Pensamos em elaborar mais as bases mesmo e os riffs que conversam entre si", diz o jovem Andrio Maquenzi, guitarrista da banda gaúcha Superguidis, que acaba de lançar seu terceiro CD.

Fernando Catatau, cabeça da banda Cidadão Instigado, guitarrista e produtor ícone da nova geração de cantores e compositores que surgem em São Paulo, vai no mesmo tom.
"Ainda tem bandas muito voltadas para o solo, como Mars Volta. Mas é um lance que, na real, foi largado. Antigamente, era todo mundo solando. Hoje, os solistas são do segmento da música instrumental. Os grupos capricham mais nas bases."

Se a guitarra vive dias de ressaca, o que explicaria então o sucesso mundial de um jogo como o Guitar Hero, em que a graça é fazer o solo dos grandes mestres o mais fiel possível ao original, usando uma guitarrinha de plástico?

O músico Gustavo Martins, do Ecos Falsos, faz a associação.

"O solo clássico, aquele momento em que a banda para e o guitarrista tem seu momento de glória, caiu mesmo em desuso com o fim dos rock stars. Na maioria dos casos também, convenhamos, não era nada que servisse à música: era mais um negócio de 'eu consigo, você não'. Daí o sucesso do Guitar Hero e do Rock Band, que permitem às pessoas experimentar essa egotrip."
De volta à Inglaterra (onde começou toda essa história), o guitarrista Frank Gannon, a frente do power trio de surf-garage que leva seu nome, exclama com veemência – por e-mail.
"Não, o solo não morreu!"
Para Frank, é Chuck Berry nos anos 50, Jimi nos 60, Ry Cooder nos 70, Stevie Ray Vaughan nos anos 80, Kurt Cobain nos 90 e e Jack White agora.
"Enquanto houver bandas tocando ao vivo e um garoto enfiado no quarto aprendendo a tocar guitarra, o solo estará lá: eles saem da alma e do coração, crus e sem controle".

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