quinta-feira, 24 de junho de 2010

oS cINCO fABULOSOS

Também tenho minha história pessoal com os Jackson Five, assim como muitos daqueles nascidos no início dos anos 1970. Quando criança, minha mãe punha-me frente ao "Televisor" (novidade em cores recém chegada ao Brasil) para ver o homônimo desenho animado.
Nos primeiros anos de vida, os Jackson Five foram minha babá eletrônica. Segundo minha mãe, Beatriz, eu me vidrava nas aventuras dos cinco irmãos e deixava, assim, que ela fosse cuidar dos afazeres do lar.
Tecnicolor experiência, ainda hoje, difícil de apagar da memória rígida de meu (agora "adulto") cérebro.
Os Jackson Five foi o primeiro grupo norte-americano formado somente por negros a realmente "botar pra quebrar" nos Estados Unidos. Descomunal sucesso.
Dá até para dizer que os irmãos Michael, Marlon, Jermaine, Tito e Jackie lançaram bases da música produzida atualmente no país de Barack Obama, fã confesso da gravadora Motown, de Berry Gordy.
O sucesso chegou com as quatro primeiras canções: "I Want You Back", "ABC", "The Love You Save" e "I'll Be There". Todas escalaram o topo das paradas.
As performances dos irmãos encantavam a todos, em especial por serem todos tão novos. Claro que a forma ultra-profissional de se apresentarem também ajudou, e muito.
Nessa época, Michael começou a se destacar, também, como dançarino. Inocentes, as músicas, basicamente, eram sobre relações amorosas. Em 1966, Michael assumiu o posto de principal vocalista dos Jackson Five.
Ele tinha apenas oito anos de idade.
Os irmãos foram descobertos, em 1968, pelos grupos Gladys Knight & The Pips e Bobby Taylor & The Vancouvers, que os conduziram à Motown.
O "Chefe", como Gordy era conhecido por causa de seu faro e de sua ingerência, assinou com o quinteto em março do ano seguinte. Gordy levou-os, então, a Los Angeles para tranformá-los em astros mundiais. E não deu outra.

Os Jackson Five foram apresentados ao grande público pela "madrinha" Diana Ross. Na Motown foram lançados - literalmente - como a "next big thing" da gravadora. Gravaram 14 álbuns.
Ultrapassa 100 milhões de discos (em singles e álbuns, incluindo coletâneas), o total de discos vendidos pelo quinteto em todo planeta.

Em 1975, o sucesso declinou e os Jackson Five mudaram de gravadora (assinaram com a CBS Records) e, também, de nome: The Jacksons. A Motown ainda detinha o direito da "marca" Jacksons 5.

Michael Jackson ficou até 1984 como principal vocalista. O último disco de inéditas editado pelos Jackson Five foi 2300 Jackson Street, de 1989.
A idéia de criar o desenho animado Jackson 5 (que tinha as verdadeiras vozes de seus integrantes) rolou em 1970, após "I'll Be There" varrer os Estados Unidos.
Exibido pela Rede ABC, o desenho mostrava as aventuras da dançante e cantarolante família. Até hoje intrigante são os animais de estimação de Michael no desenho animado:
Ray e Charles, um casal de ratinhos e Rosie, uma cobra azul.
Nas estórias, o pequeno Michael metia-se em toda sorte de "enrrascadas". O design dos personagens é criação de Paul Coker, desenhista da revista Mad. A cantora Diana Ross tinha aparições especiais (veja no clipe).

Em alguns episódios, os olhinhos do menino ficavam radiantes quando encontravam os de sua madrinha Diana... No fim, sua transmutação para desenho foi apenas a primeira das tantas sofridas em sua atribulada e brilhante existência.

i wANT yOUR bACK

quarta-feira, 23 de junho de 2010

dESTROY aLL mONSTERS


The Best of Godzilla (1954-1975) es lo que podríamos considerar un grandes éxitos que tuvo continuación en un segundo volumen dedicado a la posterior etapa de la filmografía radioactiva (The Best of Godzilla 1984-1995).
La compilación propone un recorrido por casi todas las películas clásicas de la saga. Tan sólo Los Monstruos del Mar queda fuera (una pena, y desconozco el motivo).
La componen 43 cortes, pero no se asusten, muchas son pequeños fragmentos de efectos especiales: las pisadas, el célebre rugido, una llamada de S.O.S. lanzada desde un helicóptero, los rugidos del King Kong nipón, el chillido de Mothra mientras bate sus alas, platillos volantes y hasta los F/X mecánicos de CiberGodzilla y Jet Jaguar. Hermosos sonidos de destrucción casi todos.
Por lo que hace a la música, obviamente el gran Akira Ifukube se lleva la parte del león. Las bandas sonoras en las que participó son las más generosamente representadas. Y no es para menos.

Ifukube era el maestro de los scores japoneses y se entregó por completo al cine de monstruos gigantes con sus orquestrales temas repletos tensión, epicidad y, a ratos, tristeza, sin olvidar sus ya célebres marchas militares.

El tema central de Godzilla, creado para Japón bajo el terror del monstruo (1954) y repetido con variaciones (a veces sutiles y en ocasiones espectaculares) es un must que debe ser reivindicado siempre.

Además, el compositor tenía la sana costumbre de crear leitmotivs para cada uno de los monstruos que aparecían en los filmes y así, la partitura de Invasión Extraterrestre (donde salía todo el bestiario de la Toho) es una fiesta mientras que para The terror of Mechagodzilla la cosa adquiere (o mejor, recupera) tintes la mar de oscuros.

Pero no sólo de Ifukube vive el G-Fan. La canción original de Mothra cantada por las aelinas (compuesto por Yuki Koseki y único tema no procedente directamente de una peli de la saga propiamente dicha) o la hermosa tonada dedicada a la muerte de la polilla en Godzilla contra los monstruos son un buen reclamo para el pajero con criterio.

La decadencia del Godzilla de los 70 tiene buenos ejemplos sonoros. La isla de los monstruos sale más o menos bien parada, pese a su infantilismo inicial el tema central compuesto Kunio Miyauchi es una especie de lounge beat cercano al spaguetti western.

Resulta simpático y se salva de la quema. Para eso está Riichiroh Manabe, que en Hedorah, la Burbuja tóxica propone un tema ridículo que evoluciona hacia una bizarra pachanga (creo recordar que el tema central de los psicodélicos títulos de crédito estaba mucho mejor) y lo de Gorgo y Superman se citan en Tokio también chirria lo suyo, especialmente en el apayasado leitmotiv de Jet Jaguar (nos ahorran la canción, gracias a Dios).

La compilación ofrece también un horrosa canción de esas con los que acaban muchas series de animé y una versión orquestral bastante maja del tema clásico, el de toda la vida. Ese que tanto me gusta. El ideal para pisotear Tokio. Solo o acompañado.

oH nO! gODZILLA

fREE bORIS kARLOFF

domingo, 20 de junho de 2010

pLASTIC tANG

Por décadas (se a amenésia-global-coletiva permitir-nos ainda lembrar), a Bloch Editores foi um dos mais importantes conglomerados da imprensa brasileira. Grupo que começou a ser erguido pelo imigrante russo Adolpho Bloch, em 1952.

Na sua melhor fase, o império formado pela editora chegou a duas gráficas, uma fábrica de tintas e uma distribuidora de livros didáticos e revistas. Além de um teatro, 12 emissoras de rádio e cinco de TV, que compunham a Rede Manchete.

No começo dos 70, a Marvel Comics investiu pesado em gibis de terror e criou títulos bárbaros: Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider), A Tumba de Drácula (The tomb of Dracula), Lobisomem (Werewolf by Night), Frankenstein, A Múmia Viva (Supernatural Thrillers Featuring The Living Mummy).

O investimento da Marvel também marcou o aparecimento de novos personagens. Alguns deles: Simon Garth - o Zumbi; O Exorcista; Irmão Vodu; Morbius - o Vampiro Vivo; Homem-Coisa; Blade; e Lilith - a Filha de Drácula. Sem falar numa legião de almadiçoados esquecidos...

Nesta mesma época, o visionário Adolpho Bloch comprou direitos de publicação da Marvel Comics, no Brasil. A Bloch Editores criou o selo "Capitão Mistério" para enquadrar - mercadologicamente - suas revistas de terror.

Em média, os gibis Capitão Mistério tinham 68 páginas cada edição. Muito material de outras companhias também foi aproveitado, a exemplo da E.C Comics. Histórias curtas, a maior parte.

Alguns autores dessa leva (Jack Kirby, Stan Lee) hoje são sinônimo de arte HQ.

A Bloch também pôs nas bancas muitas historinhas feitas por artistas brasileiros. Júlio Shimamoto, com o tempo, assumiu títulos como Frankestein e Tumba de Drácula. Aos poucos, a série Capitão Mistério passou a ser produzida - quase inteiramente - por artistas daqui.

Conheça três historietas retiradas direto das páginas da Capitão Mistério. Na ordem: "A Vingança de Mary", "Traficantes do terror" e, por último, "Daruma - O criador do Kung Fu". Clique na figura para ampliar - e have fun!

terça-feira, 15 de junho de 2010

iVAN, o tERRÍVEL!

Com mais de 15 filmes na bagagem e 40 anos de estrada, Ivan Cardoso não perde a juventude

POR CRISTIANO BASTOS
"Sou um cineasta por acidente. Minha vocação é mais para subversivo cultural do que para qualquer outra coisa. Vim para desatinar o côro dos contentes."
A autodefinição é própria de um dos diretores mais ativos - e malditos - do cinema brasileiro, o carioca Ivan do Espírito Cardoso Filho, vulgo Ivan Cardoso, inventor do gênero batizado por ele próprio de "terrir" (crossover de terror com comédia).
Para definir Cardoso, o poeta do Kaos Jorge Mautner "vai na alma" do maldito:
"Cineasta profundo, voraz, antropofágico, injetado por estranha melancolia. Poesia tristonha e dourada, cintilante como a loucura. O mundo pop de suas imagens é revestido de uma camada de extasiante e permanente de beleza".
Ivan Cardoso tem história.
A partir de 1970, o cineasta começou produzir vários filmes em super-8, como a série Quotidianas Kodak, na qual faz paródias dos formatos de uma sessão tradicional de cinema no formato de traillers, cinejornais e documentários.
Em 1982, Cardoso realizou O Segredo da Múmia, seu primeiro longa-metragem. O filme começou a ser feito sem história definida, apenas com algumas idéias do diretor e do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, seu amigo pessoal desde o colégio.
O Segredo da Múmia é estrelado pelo lendário ator Wilson Grey, pela primeira no papel de protagonista de um filme. Cardoso também lançou vários "atores", como o maestro Julio Medaglia e o advogado Felipe Falcão.
A película foi grande sucesso de público no Brasil e no exterior e amealhou 20 prêmios, inclusive de melhor filme no Festival de Cinema Fantástico de Madri.
As Sete Vampiras, segundo longa-metragem de Ivan, de 1986, também foi grande sucesso de público. O filme foi visto por mais de um milhão de espectadores.
Nessa entrevista, o sempre agitado Ivan Cardoso falou sobre indústria cinematográfica, leis de incentivo e condena:
"O cinema brasileiro é um cipoal de problemas".
Qual seu vampiro predileto do cinema?
De fato, o vampiro que mais gosto é o Bela Lugosi. O Christopher Lee também é fabuloso, porém, você fecha os olhos e a imagem de vampiro que primeiro vem a mente é a de Lugosi.
Seus filmes têm sido exibidos nos festivais?
Sim, isso me dá muita satisfação. Mas é querer curar a ferida com band-aid. Ainda prefiro fazer dez mil espectadores no cinema Ipiranga num fim de semana, como antigamente.
Por quê?
O cinema brasileiro é um cipoal de problemas. A gente sempre esteve ligado à coisa da indústria nacional, de reserva de mercado. Por outro lado, a economia liberal quebrou o mundo.
As leis de incentivo ajudariam nas suas produções cinematográficas?
Artista é artista ou é funcionário público? O último ministro da Cultura foi Gilberto Gil. Sempre perguntei a ele porque queria ser ministro quando podia ser cantor. O Estado não vai resolver o problema do cinema. Com o dinheiro público não se faz "cinema". Consegue-se realizar outro tipo de cinema. E qual o problema de lançar O Lobisomem? Não tenho grana, embora o filme tenha custado em torno de R$ 1 milhão.

aS sETE vAMPIRAS

tERRINDO

uM aSTRO cHAMADO rAULZITO*

A primeira vez que Ivan Cardoso topou com Raul Seixas foi nos corredores da recém-inaugurada gravadora WEA, em 1977. Cardoso era fotógrafo oficial das capas dos discos.

São de Cardoso as fotos usadas nas capas dos LP's Respire Fundo, de Walter Franco, e A Peleja do Diabo com o Dono do Céu, de Zé Ramalho.

Na WEA, Raul assinara contrato para gravar o álbum O Dia em Que a Terra Parou. Detentor de mais 70 mil negativos, que guarda em seu acervo, Cardoso considera Raul "o melhor modelo de rock que fotografou":

"Raul tinha vocação para ser ator. Tanto que dizia: 'Sou um ator representando o papel de cantor'. Era tão bom ator que enganava todo mundo".

Segundo o cineasta, frente a lente Raul imitava perfeitamente as poses dos astros de rock dos anos 1950, como Buddy Holly e Elvis Presley, dos quais era ardoroso fã.

"O que sempre resultava numa tremenda foto de cantor de rock. Ele metamorfoseava-se em Elvis e não media limites".

Cardoso lembra que, nessa fase, era impressionante como Raul voltara a comportar-se  do "jeito de antigamente". "Até no vestuário Raul estava novamente igualzinho ao Raulzito dos tempos de produtor na CBS", rememora.

O big boss André Midani, revela Cardoso, também ficara surpreso com o novo visual: terno branco, botas no mesmo tom e camisa de gola rolê azul.

"Estava ali o coringa do baralho, o lendário band leader dos Panteras".

Ivan Cardoso também traça outro perfil sobre Raul Seixas:

"Campeão de vendas. Ídolo das empregadas domésticas. Produtor de iê-iê-iê romântico. Cantor de rádio. Herói/marginal. Irresponsável. Drogado. Pirado. Anarquista. Ele era o artista que fazia o tipo de música que eu gostava de ouvir: rock-and-roll".

Outra coisa que deixava Cardoso era a ingenuidade do baiano.

"Raul se vestia de pop star e tinha um Ford Galaxie preto. Era quase um 'meta-cantor'. Ele dizia: 'Eu gosto mesmo é quando me chamam de Elvis!' E vivia intensamente essa realidade. Ou esse sonho...".

Nas sessões de fotos clicadas por Cardoso, Raul Seixas faz várias trocas de roupas e, na mais provocativa delas, fica só de cueca (estampada por coelhinhos da Playboy), meias pretas e vestindo um curtíssimo petit poá.

Poucos artistas "no mundo", grifa o cineasta, prestariam-se ao mesmo:

"Chico Buarque, por exemplo, nunca faria igual.

Raul estava há dez mil anos na vanguarda de qualquer cantor ou compositor brasileiro", afirma.


ESCORPIÃO ESCARLATE - Durante as filmagens de O Escorpião Escarlate, de 1990, Ivan Cardoso reencontrou Raul Seixas. Fez fotos da volta aos palcos do cantor e pediu a ele que ele compusesse a trilha-sonora do filme. Raulzito aceitou.

Mas o tempo passou, e nada. Um dia o cineasta encontrou Raul, já altamente debilitado pelo álcool que aniquilara sua saúde.

Ele murmurou para Cardoso: "Nego... tô sem inspiração".

Em agosto de 1989, após a morte de Raul sua viúva, Kika Seixas, entregou a Cardoso os versos de uma canção que Raul escrevera - "Escorpião Escarlate".

Versos que, chorando copiosamente,  Cardoso recita-me por telefone:

"Escorpião Escarlate/ Bandido do rádio/ Que não sai do rádio/ Pra vida real/ Bandido astuto/ Atrás de um capuz/ Maquina seus crimes / E o faz sem igual/ Escorpião Escarlate".


*Fotos de Ivan Cardoso

sábado, 5 de junho de 2010

qUASE sEM qUERER

Vladimir Carvalho, 75 anos, estava lá quando tudo começou e agora vai levar essa história ao cinema

CRISTIANO BASTOS, especial para O Estado

BRASÍLIA - Manhã de sábado em Brasília. O cineasta paraibano Vladimir Carvalho, 75 anos, flana pelas cercanias do desértico setor de Rádio e Televisão, no centro da capital do País. Lugar hoje bem mais pacífico do que há duas décadas, quando as nuvens da ditadura estacionavam por ali.

Vladimir fala sobre o seu novo longa-metragem, o documentário Rock Brasília, Ninguém Segura Essa Utopia.

Em 1988, Vladimir, à época catedrático da Universidade de Brasília (UnB), surpreendeu-se com a febre que assaltava a juventude daquela cidade. Teve então a ideia de filmar a cena roqueira do Distrito Federal.

Em 80 minutos, Rock Brasília captura a insurgência de três das fundamentais bandas 'candangas' surgidas ali: Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial, das quais possui íntimo e valioso arquivo contendo oito horas de imagens nunca antes exibidas.

"O filme costura largamente a história do rock brasiliense. Dos derradeiros resquícios de ditadura à democrática virada", diz Carvalho.

É documento para a posteridade dos 50 anos do Distrito Federal. Sua estreia será na 43.ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em novembro.

Os jovens universitários de classe média, alcunhados sob a nomenclatura de 'Turma da Colina' (ou 'Geração Coca-Cola'), alojavam-se nos prédios-dormitórios da UnB. Destes, muitos atraíram popularidade e fanatismo.

Vladimir conta que, há 22 anos, havia um exército de 200 bandas alistadas pela cidade. Porém, não se sabe onde nem como viabilizavam espaços para tantos shows ou se havia público para tal. É dessa leva que surge o 'trovador solitário' Renato Manfredini Júnior, Renato Russo.

O documentário trará outros personagens da cena, como Phillipe Seabra, da Plebe Rude, e Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, flagrados em momentos cruciais de suas carreiras.

As cenas de shows capturadas por Vladimir, às quais o Estado assistiu com exclusividade, são impressionantes. Uma delas mostra o pandemônio no qual se converteu o show da Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha.

No dia 18 de junho de 1988, fazia um ano que a banda não pisava na cidade. Antes de enfrentar a desvairada turba de 50 mil pessoas, Renato Russo - no auge de seu messianismo involuntário - concedeu a Carvalho uma entrevista que está no longa.

Altamont - Outra imagem mais nonsense é a filmagem do pomposo casamento de Philippe Seabra, líder da Plebe Rude. "O documentário foca no mais genuíno produto da cultura brasiliense. Ou seja: o rock", defende o diretor.

O Estádio Mané Garrincha foi o cenário em que centenas de fãs se digladiaram durante o fatídico concerto da Legião Urbana 'não ocorrido', no dia 18 de junho de 1988. Nessa noite, a turba de 50 mil pessoas fez Brasília viver seu dia de Altamont.

Cerca de um ano e meio após a última passagem da Legião pela cidade natal, ninguém queria perder a volta de Renato Russo. "Eram milhares dispostos a sangrar em nome do 'salvador'", lembra o editor do magazine franco-brasileiro Brazuca, o brasiliense Daniel Cariello.
"A Legião era amada tal qual os Beatles em Liverpool", compara.

Um fanático conseguiu invadir o palco e enlaçar Renato Russo na metade da música Conexão Amazônica. Está tudo filmado. "Renato xingou a plateia e a plateia devolveu. Clima de guerra civil", diz a testemunha ocular, que tinha 14 anos à época.

O guitarrista e um dos fundadores da Legião, Dado Villa-Lobos, não comenta o episódio. "Para não macular a biografia da Legião Urbana", diz.

Outro lance polêmico do rock federal envolveu a novata Plebe Rude e a Legião num festival em Patos de Minas (MG), em 1981. Ao final das apresentações todos foram para o xilindró. Alegação: teor contestatório das composições.

No show, a Plebe tocou Voto em Branco e a Legião atacou de Música Urbana 2. Foram soltos após a polícia ser informada que todos ali eram rebentos de políticos e diplomatas da capital do Brasil.

O fundador da banda, Phillipe Seabra, que também é consultor do filme, conta que esta seria a primeira vez que a Plebe tocaria fora do Distrito Federal.

"O Renato viu na oportunidade a première de sua nova banda e resolveu nos chamar", pontua Seabra, elemento que vinha sendo sondado para ser o guitarrista da Legião.

A equipe de Vladimir vai agora retornar a Patos de Minas com a banda para recontar a história.
"Seria a oportunidade de fazermos as pazes com a cidade", afirma Seabra, que chama o acontecimento de "a maior operação policial da história de Patos de Minas desde que a comitiva de Getúlio Vargas passou por lá a caminho de Barbacena."

Eduardo e Mônica - Outro 'causo' a ser retratado é sobre as lendas por trás do hino de amor que embalou uma geração, Eduardo e Mônica. O artista circense Marcelo Behr é um dos Eduardos nos quais Renato buscou inspiração.

A canção baseia-se em três Eduardos e três Mônicas diferentes. "Renato tinha bloquinhos nos quais anotava tudo para depois editar", revela Behr.

Sempre que via um casal que dava certo, segundo o amigo, o cantor regozijava-se. Mesmo se não fosse com ele. Os traços da personalidade do amigo estão em estrofes como "e ele jogava futebol de botão com seu avô".

O camelinho citado na canção, na verdade, é a bicicleta que ainda hoje Behr pedala no Parque da Cidade, igualmente referendado na composição. Marcelo, entretanto, afirma que Russo inspirou-se totalmente nele para compor Acrilic on Canvas, escrita na casa de Behr:

"Conversávamos muito sobre história da arte, pontos de fuga, Renascença, perspectiva. Ele me perguntava a respeito dos pigmentos e misturas das tintas e assim nasceu a música", relembra.

A artista plástica Leo Coimbra era amiga íntima de Renato e foi uma das musas inspiradoras de Mônica. Leo nunca estudou Medicina, como diz a letra. Mas, por conta de suas vaciladas no manuseio dos pincéis, estava sempre "com tinta nos cabelos". Os dois eram bons amigos e passavam até cinco horas falando ao telefone.

"Grande parte dos momentos mais especiais passei ao lado dele", conta Leo. Enquanto a movimentação rocker se desenrolava, Leo, com 20 e poucos anos à época, cuidava de dois filhos pequenos e fazia traduções para um jornal da cidade.

"Não participei e não influí nele. Claro que frequentando a nossa casa, Renato escreveu algumas letras lá e fomos, durante certo tempo, um bom e fraternal refúgio para ele." Algo que se pode vislumbrar além da suposta musa. Saudosa, a pintora fala do amigo com saudade:

"Na minha casa ele era pessoa da família. Nem já famoso deixava de me acompanhar à escola de meus filhos. Tinha, claro, que dar muitos autógrafos no caminho. Nossa convivência era bem tranquila. Durante a temporada em que morei em Washington, passei a escrever para ele com frequência. Mas o Renato preferia me telefonar".

fRAME-a-fRAME

dIA dE aLTAMONT


POR DANIEL CARIELLO*
Nem parece, mas já faz 22 anos que Brasília viveu seu dia de Altamont
Para quem não conhece a história, o Festival de Altamont reuniu, em 1969, bandas seminais como Jefferson Airplane, The Flying Burrito Brothers e os Rolling Stones.

E foi no show do grupo de Mick Jagger que a confusão rolou: durante uma briga, os motoqueiros Hell’s Angels, que cuidavam da segurança, espancaram um fã até a morte.

Em Brasília, em 1988, o tumulto não chegou a esse extremo. Mas também não ficou muito longe. E as conseqüências foram semelhantes.

O cenário era a Capital Federal, estádio Mané Garrincha. E a banda era a Legião Urbana, comandada pelo redentor Renato Russo e seus três apóstolos.

Juntos, lideravam uma turba de 50 mil pessoas. 50 mil fanáticos. 50 mil dispostos a dar o sangue pelo salvador. E foi o que acabou acontecendo.

Analisada em perspectiva histórica, dá pra dizer que essa noite mudou a trajetória do mais famoso grupo de rock brasileiro em todos os tempos. E eu estava lá.

Faroeste Caboclo - Tinha 14 anos. Era o primeiro show de rock que assistia na vida. A Legião Urbana era amada na cidade mais ou menos como os Beatles em Liverpool.

Todo mundo foi ao Mané Garrincha. Todo mundo mesmo. Os 50 mil presentes compraram ingressos, ou não, e lotavam o gramado, as cadeiras e as arquibancadas do estádio.

Foi uma noite tensa. A polícia montada avançava com os cavalos sobre as transamazônicas filas que se formavam do lado de fora. A cidade estava extasiada.

Ninguém queria perder a volta do ídolo, um ano e meio depois. O caos era tão grande que tiveram a brilhante idéia de liberar as roletas. Quem tinha ingresso entrava. Quem não tinha entrava também.

A aparição da banda no palco pareceu a volta do messias. E, de certa forma, era mesmo. A multidão gritava enlouquecidamente, e o show começou, triunfal, com "Que País é Esse?", música de mesmo nome do recém-lançado disco, que até então já tinha vendido mais de 400 mil cópias.

O que aconteceu naquela noite muita gente ainda se lembra: bombinhas explodiram no palco, um louco agarrou Renato Russo no meio de Conexão Amazônica, brigas por toda parte, o cantor xingou a platéia, a platéia xingou o cantor. Um clima de quase guerra civil.

A banda saiu do palco depois de 50 minutos de apresentação. O público, indignado, iniciou um quebra-quebra. Eu estava nas arquibancadas.

E dava para ver a multidão correndo de um lado para o outro no gramado do estádio. A polícia, claro, não conseguiu controlar a catarse coletiva.

No dia seguinte, prometi pra mim mesmo que ficaria 10 anos sem ouvir as músicas deles. Fiquei uma semana. E a Legião nunca mais tocou em Brasília.

Geração Coca-Cola - Antes da Legião Urbana, nenhuma banda da cidade tinha conseguido projeção nacional. Outras vieram depois. Mas a diferença é que o quarteto tinha Renato Russo, um professor de inglês que gostava de Bob Dylan, Beatles, Stones e Sex Pistols.

Naqueles anos, ninguém mais estava a fim de ouvir Absyntho, Metrô, Sempre Livre e outros grupos que, felizmente, apareceram e desapareceram na década de oitenta. Era hora de escutar músicas que contavam o que acontecia no dia-a-dia da gente.

Renato sabia o que dizia. E sabia o que o seu público queria que ele dissesse. Suas letras iam da desilusão amorosa entoada em Ainda é Cedo à revolta em ver a pátria sem rumo, gritada em Que País É Este?.

Ele tinha a poesia dos trovadores. Foi o maior letrista do rock brasileiro em todos os tempos, mas com alma punk. Quando parava pra falar, todos ouviam. Por isso mesmo falava o que queria.

Uma mistura explosiva do poeta francês Baudelaire com Sid Vicious, o polêmico baixista dos Pistols.

Será? - Naquela noite de 18 de junho de 1988, isso tudo veio à tona. A idolatria pela Legião e especialmente pelo vocalista estavam no auge.

A expectativa era muito grande, tanto do público quanto do grupo. A banda prometia revolta e energia em suas músicas e foi isso que levou 50 mil pessoas ao estádio. Quando as coisas começaram a dar errado, ficou impossível controlar os ânimos.

Assim como a tragédia de Altamont marcou a transição dos sonhadores anos 60 para a barra pesada dos anos 70, o show do Mané Garrincha foi também um divisor de águas na carreira do grupo e na história da cidade.

A partir daquele momento, o quarteto passou a evitar longas turnês e deixou de lado o discurso político. As letras tornaram-se mais introspectivas.

Brasília nunca mais juntou tanta gente em uma apresentação de uma só banda e a segurança da platéia passou a ser levada mais a sério nos shows (ou você acha que 700policiais e seguranças dariam conta da multidão?).

Renato Russo também deixou de lado o discurso messiânico. Não queria mais mudar o mundo. Passou a querer apenas cantar suas próprias aflições e angústias.

Naquela noite Brasília perdeu um punk. E muito da inocência também.
*Brasiliense, editor da revista franco-brasileira Brazuca

quarta-feira, 2 de junho de 2010

o cANTOR dO bRASIL*



Dez anos sem Nelson Gonçalves, o mito sem medo e sem limites da música brasileira

POR CRISTIANO BASTOS


Rio de janeiro, 16 de abril de 1998, quinta-feira. No apartamento da filha e empresária, Margareth, o cantor Nelson Gonçalves atende ao telefonema do presidente da gravadora BMG (antiga RCA Victor), Luiz Oscar Niemeyer. A ligação trazia boas novas. Uma festa, em alto estilo, programada para dali alguns dias, celebraria os triunfantes 58 anos do astro na companhia.
Recorde inigualável da fonografia brasileira – quiçá, mundial. Em seguida, Nelson recebeu felicitações pelo álbum Ainda é Cedo que, editado havia três meses, já vendera mais de 150 mil cópias. Foi o último, porém, de uma odisséica carreira de sucessos. No sábado, dois dias após o telefonema de Niemeyer, nocaute. Aos 78 anos, o coração impávido do “Metralha” beijava a lona: a morte desferia seu golpe baixo contra o maior cantor do Brasil. “Fui à padaria, e quando voltei, meu pai não estava mais lá”, retrata a caçula Margareth.

O boêmio tinha jurado cantar até 2001. Dessa vez, porém, se fora para sempre. Os dez anos sem Nelson serão bem recordados com o lançamento de jóias revolvidas diretamente de sua majestosa arca de sons e histórias. Certamente, a peça de maior valor documental é o DVD Eternamente Nelson – Especial e Registros Raros da Carreira de Nelson Gonçalves, espetáculo de gala produzido pela Rede Globo cujo som e imagem (de 1981) foram remasterizados.

Os extras são "de verter lágrimas": clipes do Fantástico, aparições na TV e duetos com artistas como Martinho da Vila e Alcione – fora os francos (e divertidos) causos sobre vida e obra que ele desfia dentro de um ringue, seu habitat fora dos palcos. A Sony&BMG, detentora dos fonogramas do cantor, também prepara reedição especial de seu primeiro LP, Nelson interpreta Noel (1954).


Contudo, o regalo mais intimista do pacote é a publicação de O Canto que Me Embalou – Poemas para meu pai, Nelson Gonçalves, livro escrito por Marilene Gonçalves, sua filha com a primeira esposa, Elvira Molla, em que reparte detalhes subjetivos da sua intimidade paterna.


Da educação sexual à literária, o pai ensinou-lhe tudo, reverencia a filha mais velha: "Fomos morar juntos quando ele se divorciou de Lourdinha Bittencourt. Nos domingos, a gente ia à TV Rio, para ver as lutas de boxe. Íamos a pé, conversando. Papai me contava sobre os rendevouz da Avenida Atlântica e o que as meninas virgens faziam lá... Ele falava comigo como se fosse um amigo e não a filha de 17 anos".


Cantando para seis gerações, Nelson Gonçalves entrou, saiu e voltou à moda. Na vida, os ambivalentes arquétipos de "decaído" e "campeão" servem-lhe como luva de boxe: gozou sucessos, amargou ruínas e se redimiu na sarjeta.


"A morte do Nelson desfez a trindade dos artistas do rádio – soberania que ele tinha com Orlando Silva e Francisco Alves – e encerrou a era mais mítica da música brasileira", estima o produtor e amigo José Messias, hoje jurado do programa Raul Gil.


A estatura da obra de Nelson Gonçalves assombra: são 70 milhões de discos vendidos – média espetacular de mais de um milhão anuais. Nos cálculos do próprio cantor, da gravação de estréia, a valsa "Se Eu Pudesse Um Dia" (outubro de 1941), ao derradeiro Ainda Cedo (1997), são mais de dois mil registros fonográficos, sulcados em 183 discos de 78 rotações, 100 compactos, 200 fitas cassete e 127 LPs. Só o compacto de "A Volta do Boêmio" faturou dois milhões de exemplares.


Gravou sambas-canções, marchinhas de carnaval, foxes, tangos, boleros, valsas, serestas, jazz, bossa nova. Interpretou Wilson Batista, Herivelto Martins, Mario Lago, Noel Rosa, Silvio Caldas, Cartola e, na maturidade, engatou fugaz romance com o pop. Teve discos lançados na Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, Alemanha e China. Mas, nem tudo foram só flores. "O início, como papai bem dizia, 'foi osso duro'", cita Marilene.


Os pais, imigrantes portugueses de Vizeu, na bagagem trouxeram apenas a tradição dos cantores ambulantes. Nasceu Antônio Gonçalves Sobral, das andanças do casal por Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, em 21 de junho de 1919. Quando a criança completou dois anos, a família seguiu para São Paulo e se instalou no bairro do Brás.


O pai, Seu Manoel, tirava o guri da cama cedo para cantar em feiras livres e praças da metrópole. O menino se apresentava do alto de um caixote de bacalhau – seu primeiro palco – companhado, ao violão, por um cego. Antes da consagração, o "Metralha" (apelido que ganhou por conta da gagueira) foi de tudo: jornaleiro, mecânico, engraxate, garçom, polidor, tamanqueiro, gigolô e boxeur.


Aos 17, após vencer 24 lutas por nocaute, se sagrou campeão paulista dos meio-médios. A carreira nos ringues terminava aí. Na temporada seguinte, perdeu do uruguaio Costa e pendurou as luvas: "Vou é cantar no rádio", anunciou. E foi.


Surfando nas ondas radiofônicas, Nelson iniciou uma gloriosa escalada de fama – é coroado "Rei do Rádio". Em 1943, vira crooner do Cassino do Hotel Copacabana Palace, mas, levado por Carlos Galhardo, logo assina com a Rádio Mayrink Veiga. Os sucessos abrolham: "Normalista", "Ciúme", "Espanhola", "Marina","Serpentina" e o foxtrote "Renúncia". Da Mayrink para o lendário Cassino da Urca foi um pulo.


O clima é totalmente de "A festa nunca termina". O cantor de boleros Roberto Luna foi parceiro de Nelson em farras na ponte aérea Rio/São Paulo. Jovens de vozes consagradas, os dois viviam assediados. Tanto que se estranharam por causa da mesma fêmea: a bailarina cubana Nancy Montez. "Ainda casado, Nelson a apresentava como sua 'namorada'", relembra o próprio Luna.


"Porém, ela não conhecia absolutamente ninguém no Brasil". Por força de uma turnê pelo Nordeste, sem ter com quem deixá-la, Nelson pediu ao amigo (único homem no qual confiava) que tomasse conta dela enquanto estivesse fora.


"Nancy sentia-se solitária e, seguidamente, me telefonava para jantarmos. Nas primeiras vezes, comemos 'respeitosamente'. Um uisquinho a mais, numa dessas noites, ela me convidou para subir". A notícia correu aos ouvidos de Nelson. E, ainda mais velozmente, às antenas da Revista do Rádio, poderosa central de fofocas daqueles tempos. Nelson comprou um revólver e espalhou que pegaria o traidor: "Fiquei muito assustado", admite Luna.


Até que Adelino Moreira, recorda, arranjou um encontro para resolvessem a contenda de "homem para homem". Resumo da ópera: num bar, após três brindes, restaurava-se a paz. Nelson terminou seu caso com a vedete dias depois. Mas não Luna. "É, voltamos a ter um 'romancinho': Nancy era um pecado", assume o cantor.


Diferente, no entanto, do final trágico que envolveu a história de Betty White, linda crooner que Nelson Gonçalves conheceu no golden room do Copacabana Palace. "Nunca a frase que ele cunhou b – para ser adorado por uma mulher convém amá-la pouco, prometer muito e fingir sempre' – fez tanto sentido", repara Marilene.


Betty morreu apaixonada por Nelson, que não dava a mínima para ela – a não ser quando estavam rolando na cama. No desenlace de uma noite de volúpias, a transtornada Betty ameaça tacar fogo em si mesma se o amante que a abandonara não retornasse aos seus braços.


Embora ela implore, ele dá as costas e se vai. Ela encharca as vestes com álcool e risca um fósforo. Já no leito de morte, quase sem voz, ela ainda balbuciou para Nelson: "Que bobagem eu fiz... Não é, amor?".


Na fase áurea, o cantor Paulo Rodrigues, hoje crooner na casa Bar do Nelson, em São Paulo, viu o histórico encontro entre Nelson Gonçalves e Frank Sinatra no Radio City Music Hall de Nova York. De passagem pelos Estados Unidos, em 1961, o Metralha assistia o "Old Blue Eyes" como convidado da RCA Victor.


Cantor juvenil da gravadora, Paulo também estava lá. "Alguém falou pro Sinatra que 'o terrível cantor brasileiro' se encontrava na platéia. No meio do show, ele o chamou ao palco e eles encararam o dueto de 'Girl From Ipanema'", relembra Rodrigues.


José Messias é outro que testificou o arrebatamento de Sinatra. No lobby do hotel Copacabana Palace, ele flagrou o "The Voice" perguntando à gerência sobre o paradeiro do "grave mais bonito do mundo". "Ele não conseguia dizer 'Nelson Gonçalves', mas queria escutar o famoso grave do Nelson", explica o produtor.


Um radialista ajudou a encontrá-lo no Rio de Janeiro. O boêmio ensaiava no Morro da Urca e de lá mesmo sacou o número perfeito para emitir o seu famoso "ré-gravíssimo": "Maria Bethânia", do recifense Capiba – grave do início ao fim.


Nos idos de 1950, o "furor uterino" era a latente bomba-relógio prestes a detonar na sociedade. De norte a sul, milhares de lares (e vestidos) adentro, a extensão máscula do timbre vocálico de Nelson Gonçalves penetrava na reprimida libido das brasileiras.


Em 1953, qual não foi o efeito surtido pelos versos sensualmente licenciosos de "Camisola do dia"? "A camisola do dia/ Tão transparente e macia/ Que eu dei de presente a ti/ Tinha rendas de Sevilha/ A pequena maravilha/ Que o teu corpinho abrigava/ E eu, eu era o dono de tudo/ Do divino conteúdo/ Que a camisola ocultava".


É nessa fase que Nelson é apresentado a Adelino Moreira, amigo e letrista em mais de 370 canções. "O Nelson tinha a vivência das ruas que ele botava nas suas músicas. A parceria rendeu composições de popularidade descomunal: "Negue", "Meu Vício é Você", "Fica Comigo Esta Noite" e "A Volta do Boêmio" – a mais emblemática.


Interpretações que desagrilhoaram Nelson das comparações com Orlando Silva. Reza a lenda que, ao ouvir a interpretação de Nelson para "Chora Cavaquinho", que também havia gravado, Orlando teria perguntado: "Sou eu?".


No prelúdio da fama, Nelson rodou o submundo carioca e ganhou o respeito da malandragem, após a surra histórica que deu no temido Miguelzinho, bandido que apavorava a Lapa. Miguelzinho está eternizado na música "História da Lapa", junto dos malandros Meia-Noite e Camisa Preta. Na época, contou o Metralha, para circular na área "tinha que ser ou malandro, ou valente, ou trouxa: eu apenas andava por ali".


Certa vez, ele comia (uma sardinha) e bebia (cachaça) acompanhado do ator Rodolfo Arena, no Bar Petisqueira. De repente, adentra o recinto um mulato forte que, com uma trombada, derruba-lhe o minguado aperitivo.


O boxeur vinha arisco de São Paulo: "Ô, crioulo, que negócio é esse?!", intimou. Viu nos olhos de Miguelzinho que ele iria atacá-lo e não esperou – lançou seu fulminante jab de direita e ele espatifou no chão.


"Apanhei o revólver que tinha caído e corri para os Arcos da Lapa. Dei de cara com o famoso travesti Madame Satã. Falei: 'Satã, dá um pulo na Petisqueira pois acho que apaguei alguém'". O travesti retornou dizendo: "Rapaz, sabe em quem você bateu? No Miguelzinho. O cancan, o bravo da Lapa, o matador!".


Nelson ficou aterrorizado e rogou-lhe que retornasse lá e pedisse desculpas ao bandido. Satã voltou com o sujeito à tira-colo, que falou: "ostei de você. Caí e você não me chutou a cara e nem as costelas. Você é homem. Toca aqui!".


O extra mais impressionante do DVD Eternamente Nelson é o depoimento tragicômico do astro sobre a ruína que atravessou nos anos em que ficou “na roda do pó”, entre 1958 e 1966. De todos os enredos "não-autorizados" já fantasiados sobre a história, possivelmente seja esta a versão mais definitiva e "romanesca" – justamente por tê-lo como protagonista-narrador.


"É mais fácil sustentar dez crianças a um vício", comparou. "Cheirei mais de 50 quilos." O eclipse total teve início em 5 de maio de 1966, quando ele foi preso, sob acusação de tráfico de cocaína. Na hora, não houve ajuda do meio musical: os maiores solidários foram os três mil presos da Casa de Detenção de São Paulo, que oferecem um dia a mais em suas penas “para que o cantor Nelson Gonçalves seja libertado".


Em sua primeira noite de cárcere, o famoso preso escutou as milhares de vozes que, emocionadas, ressoaram "A Volta do Boêmio" pelos corredores. Nelson comprou seu bilhete para o inferno no mictório do restaurante El Greco, em Copacabana.


Extenuado de uma longa turnê, o boêmio foi espairecer por lá e encontrou um velho conhecido. Vendo-o desanimado, o sujeito disse a mágica frase: "Até para o cansaço há remédio...". "Me envolvi a tal ponto que fiquei totalmente dependente da droga", relatou Nelson. Desquitado de Lourdinha, ele se devotou ao vício.


Literalmente, o dinheiro foi aspirado para sua narina: "Acabaram-se os apartamentos e os carrões. Show, eu não fazia. Disco, não queria gravar. Só pensava no tóxico. Minhas amizades eram apenas traficantes ou da patota que cheirava: os 'nariguetes'".


No auge do vício, o cantor mandava pelo menos dez gramas de cocaína por dia. "Muitas vezes cantei em troca de pó na casa de um malandro qualquer do subúrbio", confessou. "A coisa foi num crescendo tal que minha mulher apanhava de coronhada de 45, rezando." Em casa, ele guardava quase um quilo.


Farto daquela vida, um dia anunciou à Maria Luiza Ramos, a terceira esposa, sua decisão de "parar de estalo". Ordenou que ela despejasse o pó no vaso sanitário. Depois, ela o trancafiou no célebre quartíbulo (onde ficou por quatro meses sem ver a luz solar) por onde recebia "comida por debaixo da porta".


Marilene lembra do pai se recuperando no cômodo. "Um dia fui visitálo e ele estava bastante sedado. Compreendo o quão difícil sua abstinência deve ter sido, afinal, os atuais recursos médicos não existiam. O que torna a superação dele exemplo para todo mundo", enaltece.


Uma certa manhã, Nelson viu a cena prosaica que simbolizou sua liberdade: o padeiro entregando pão, o leiteiro deixando o leite e uma mulher varrendo a rua. "aí está a vida de verdade", soube às lágrimas. Havia se restaurado: "Sou o cantor que veio do inferno", asseverou a si mesmo.


A reentrada no mainstream, todavia, demorou mais um tempo. O público, que antes o assediara, agora o olvidava completamente. Quem de novo abriu-lhe as portas foi Silvio Santos, lembra Marilene. "Silvio, inclusive, o ajudou quando ainda estava querendo parar, pois ninguém mais o contratava. Drogado, numa dessas apresentações papai chegou a cair no palco. Mas, se levantou e continuou o show. Coisa de boxeur."


Ao saber que o boêmio renascera das trevas, o apresentador ordenou: "Se o Nelson voltou a cantar, contratem o homem!". O vigor físico, contudo, foi recobrado com a tenacidade de ex-pugilista. O boxeador Éder Jofre (campeão mundial dos pesos médios, em 1961) relembra que o artista, ainda em reabilitação, matriculou-se na academia na qual treinava.


"Ele lutava para fortalecer o corpo. Era um pugilista disciplinado. Tinha o braço direito pesado e batia forte! Até parece que o vejo agora, todo metido, brincando de luva e se esquivando das minhas investidas", descreve Jofre, quase num déjà vu. Com apoio do campeão mundial, para ratificar ao público que estava 100% recuperado, o cantor organiza uma luta-exibição no Ginásio do Ibirapuera: Nelson Gonçalves x Éder Jofre.


Lotação máxima para ver a "A Luta do Século no Brasil". Teimoso, o Metralha leva o certame – meramente promocional – a sério. Após bater insistentemente em Jofre, no sétimo round o lutador desfecha uma investida que faz o adversário tombar desfigurado no ringue. Catarse.


Cambaleante, Nelson se ergue heroicamente e – em êxtase – canta "Castigo", de Lupicínio Rodrigues: "Homem que é homem faz qual o cedro que perfuma o machado que o derrubou".


Nos anos 80, Lobão foi o músico que conviveu mais próximo do baluarte. Dele, Nelson interpretou "Deusa do amor" e "Me Chama". Os dois "foras-da-lei" se conheceram por causa da revista Manchete, que os unira em artigo sobre "artistas que tinham cheirado cocaína". Lobão saíra da prisão recentemente. Ficaram chapas um do outro.


Ele garante que jamais o boêmio afetou falsos moralismos com o pupilo. "Ele só dizia: 'Porra, na minha época, sim, a cocaína era boa. Não esse pó de maizena que vocês cafungam por aí!'. Ele ficava puto não por cheirararmos cocaína, mas, por cheirararmos da ruim", se diverte Lobão.


"O Nelson era uma figura passional. Homem boníssimo e, ao mesmo tempo, casca-grosíssima – punk total. Por outro lado, aquele ser da maior delicadeza e afetividade".


Nos seus "tempos de ventura", Lobão admite que "fazia muitas cagadas". "Eu chegava no estúdio bêbado com uma garrafa de uísque debaixo do braço. Daí, sim, ele me 'passava uns conselhos'":


– "Porra! Porque tu faz essa merda, rapaz?".
– "Pô...Nelson, passei uma semana fora de casa.
O que vou dizer à minha mulher?", Lobão lamentava.
– "Faz como eu" – ele sugeriu.
– "Na última vez, quando ela me ligou, avisei: '
Não venho porra nenhuma! Agora estou em Paris, casado.
Vá tomar no seu cu!' E desliguei na cara dela".


Margareth Gonçalves passou o último ano e meio da vida do pai ao lado dele. Nos últimos tempos, a filha desmistifica: Nelson não tinha nada de boêmio. "Ele deitava e acordava cedo. E, pontualmente, às oito já estava na [gravadora RCA] Victor, a postos para gravar". O avô era muito ligado ao neto, Pedro, ao qual deu o carinho que não teve dos pais na infância, ela lembra.


Aos 78, orgulhava-se da voz que não baixara um tom sequer. Até o final, Nelson cultivou opiniões controvertidas sobre tudo. Machão, dizia nunca livrar-se do "três-oitão" que levava à cintura, e que mantinha sua saliente prótese peniana guardada num coldre feito sob medida. Achava Michael Jackson "um tremendo viado". Óculos escuros, que jamais usou, também era "coisa de viado".


Não interessava a ele ser número 1 em Miami ou segundo em Veneza. "Para ser feliz, quero o quinto lugar nas paradas de Madureira ou o terceiro na periferia de São Paulo", ajuizava. O "Cantor do Brasil" nunca temeu nada: guerra, bomba, morte, bandido, revolução ou desaforo.
"Durmo como um anjo. Sou desassombrado. O último dos moicanos".


*Reportagem publicada originalmente na Rolling Stone 27. Em junho de 2011, Nelson Gonçalves faria 93 anos. Esse ano são 13 anos sem a voz mais destemida do Brasil de todos os tempos. Assista a reportagem histórica da Rede Globo que foi ao ar no dia de sua morte.

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