Romário já foi o melhor jogador de futebol do mundo. Hoje, fora do habitat, é um dos deputados federais de maior destaque em Brasília. Quantos gols mais ele ainda pretende marcar na vida?
POR CRISTIANO BASTOS
FOTOS: MURILLO MEIRELLES
Favela do Jacarezinho, zona Norte do Rio de Janeiro, meados dos anos 50. O rádio, aparelho sagrado nos lares brasileiros, está sintonizado no prefixo PRE-8, no programa César de Alencar, o mais ouvido do Brasil.
No horário das 15h, a grande atração era intelectual: o fenômeno "Romário, o Homem Dicionário", célebre pelo vasto vocabulário, que para amplificar o mistério em torno de si ornava a cabeça com turbantes indianos e se fantasiava com vestes exóticas.
A semana inteira, os ouvintes estudavam palavras difíceis para desafiá-lo.
Qualquer um do auditório podia perguntar: "Seu Romário, o que significa 'zíngaro'?"
Ele concentrava-se por instantes e respondia:
"Cigano, ou boêmio."
"Uma salva de palmas!", comandava Alencar. A claque delirava.
Outro desafiante tirava um papelzinho do bolso e investia:
"Me diga o que quer dizer 'helíaco'."
Em tom professoral, Romário respondia: "Diz-se do nascimento ou ocaso de um astro".
Ninguém jamais embolsou o polpudo prêmio que seria pago a quem apresentasse um vocábulo desconhecido para o craque das letras. Reza a história de que não houve sequer uma vez em que ele tenha errado. Romário era imbatível com as palavras.
Dono de espirituosas tiradas, o jovem Edevair de Souza Faria era tão fiel ao programa radiofônico quanto ao América Futebol Clube, seu time do coração. Recém-casado com Manuela Ladislau Faria, a dona Lita, ele buscava um nome importante para batizar o filho que se encaminhava. E não pensou duas vezes em batizar o rebento com o nome do ídolo do rádio.
Romário de Souza Faria foi escalado por "Papai do Céu" (como ele gosta de dizer) para entrar em campo no dia 29 de janeiro de 1966. E, tal qual seu homônimo, predestinava-se a acertar incontáveis vezes ao longo da vida. Mas, ao contrário do imbatível Homem Dicionário, a errar outras tantas também.
"Sou bem diferente do Homem Dicionário. Porque de vez em quando eu erro, né?", assume o baixinho, do alto de seu 1,69 m. Porém, não é preciso dizer que a fama do proverbial "peixe" foi bem mais longe.
Da Holanda ao longínquo Qatar, nos Emirados Árabes, o nome de Romário – e suas façanhas – correram o mundo. Apelidos não faltaram: "Gênio da Grande Área", "Reimário", "Romágico". Em 2001, sua marrentice foi satirizada na Escolinha do Professor Raimundo de Chico Anysio, com a paródia "Ramório".
Os fãs, para recordar os feitos heroicos nos 11 clubes para os quais o jogador emprestou sua arte (cronologicamente: Estrelinha, Vasco da Gama, PSV Eindhoven, Barcelona, Flamengo, Valencia, Fluminense, Al-Sadd, Miami, Adelaide United e, realizando o sonho do falecido pai, o adorado América, pelo qual disputou uma única partida), instituíram, em 11 de novembro de 2011, o "Romarian Day."
Atualmente fora dos gramados, palco habitado profissionalmente por mais de 20 anos, é no minado campo da política nacional que, até 2015, o deputado federal Romário disputará suas partidas. Em uma chuvosa tarde de terça-feira de março, ele está sentado relaxadamente em seu escritório abafado de 40 metros quadrados, no anexo da Câmara dos Deputados.
O número do gabinete (411) alude ao cabalístico 11 da camisa com que inúmeras vezes se sagrou campeão. Vestindo o amarelo da seleção, o centroavante – escudado pelo parceiro Bebeto – foi o expoente decisivo da conquista do tetra na Copa dos Estados Unidos, em 1994. Na estante no canto, descansa uma réplica da Taça Fifa que ele levantou em 17 de julho daquele ano.
Amaury Jr., veterano colunista televisivo, também está na sala, e quer saber de Romário se ele frequenta as baladas de Brasília. "Já tive bastantes fraquezas", ele confidencia.
Durante o expediente, de terça a quinta-feira e sem hora para terminar, o gabinete é assolado constantemente por políticos, representantes de entidades e toda sorte de pessoas em busca de algum tipo de apoio.
Pedem desde autógrafos, cessão de imagem, passagens e, se for possível, até dinheiro vivo. Em cima da mesa, uma pilha de objetos (livros, fotografias, fardamentos oficiais) o aguarda para que neles Romário eternize o autógrafo. A maior parte do material é relacionado ao Vasco, flâmula com a qual os torcedores mais o identificam.
O telefone toca intermitentemente. Uma das ligações, revela a secretária, é de Andrew Parsons, presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro. "Precisa urgentemente falar com o deputado", ela explica.
Coberta por fios prateados, a cabeça de Romário não esconde a calvície. Em 2007, quando atuava pelo Vasco, a queda de cabelo chegou a levá-lo à suspensão de 120 dias nos jogos do Campeonato Brasileiro. Tudo por causa da loção Propécia (para o combate da queda de cabelo), que contém a substância finasterida, proibida pelo Controle de Dopagem da CBF.
"Se [o remédio] fazia algum efeito era ao contrário, pois eu corria cada vez menos e fazia menos gols. Até brinquei, na época, que era o 'doping do Paraguai'", diz, acariciando a cabeça e esboçando um raro sorriso (na verdade, ele é “tímido”, garante a assessora).
Na ocasião, Romário está trajando um bem cortado terno Armani azul-petróleo riscado com listras brancas. Embora tenha cursado dois períodos de educação física na Universidade Castelo Branco (RJ), poucos sabem que ele também estudou Design de Moda na faculdade Estácio de Sá, visando ser "estilista de moda masculina e feminina".
É elegante e vaidoso, mas não se considera metrossexual. E, ainda que carregue marca de furo na orelha, ao menos na vida pública dispensou o clássico brinquinho. Ligeiramente caídos e avermelhados, os olhos estão sempre atentos, como se vigilantes, e a língua, levemente presa, permanece afiada. Romário atende o celular, fala rapidamente e, após desligar, volta-se em minha direção.
"O cara ligou pra avisar que hoje vai ter uma reunião pra decidir se vai ter uma reunião amanhã. Foda, né?"
*Leia a reportagem na íntegra.
POR CRISTIANO BASTOS
FOTOS: MURILLO MEIRELLES
Favela do Jacarezinho, zona Norte do Rio de Janeiro, meados dos anos 50. O rádio, aparelho sagrado nos lares brasileiros, está sintonizado no prefixo PRE-8, no programa César de Alencar, o mais ouvido do Brasil.
No horário das 15h, a grande atração era intelectual: o fenômeno "Romário, o Homem Dicionário", célebre pelo vasto vocabulário, que para amplificar o mistério em torno de si ornava a cabeça com turbantes indianos e se fantasiava com vestes exóticas.
A semana inteira, os ouvintes estudavam palavras difíceis para desafiá-lo.
Qualquer um do auditório podia perguntar: "Seu Romário, o que significa 'zíngaro'?"
Ele concentrava-se por instantes e respondia:
"Cigano, ou boêmio."
"Uma salva de palmas!", comandava Alencar. A claque delirava.
Outro desafiante tirava um papelzinho do bolso e investia:
"Me diga o que quer dizer 'helíaco'."
Em tom professoral, Romário respondia: "Diz-se do nascimento ou ocaso de um astro".
Ninguém jamais embolsou o polpudo prêmio que seria pago a quem apresentasse um vocábulo desconhecido para o craque das letras. Reza a história de que não houve sequer uma vez em que ele tenha errado. Romário era imbatível com as palavras.
Dono de espirituosas tiradas, o jovem Edevair de Souza Faria era tão fiel ao programa radiofônico quanto ao América Futebol Clube, seu time do coração. Recém-casado com Manuela Ladislau Faria, a dona Lita, ele buscava um nome importante para batizar o filho que se encaminhava. E não pensou duas vezes em batizar o rebento com o nome do ídolo do rádio.
Romário de Souza Faria foi escalado por "Papai do Céu" (como ele gosta de dizer) para entrar em campo no dia 29 de janeiro de 1966. E, tal qual seu homônimo, predestinava-se a acertar incontáveis vezes ao longo da vida. Mas, ao contrário do imbatível Homem Dicionário, a errar outras tantas também.
"Sou bem diferente do Homem Dicionário. Porque de vez em quando eu erro, né?", assume o baixinho, do alto de seu 1,69 m. Porém, não é preciso dizer que a fama do proverbial "peixe" foi bem mais longe.
Da Holanda ao longínquo Qatar, nos Emirados Árabes, o nome de Romário – e suas façanhas – correram o mundo. Apelidos não faltaram: "Gênio da Grande Área", "Reimário", "Romágico". Em 2001, sua marrentice foi satirizada na Escolinha do Professor Raimundo de Chico Anysio, com a paródia "Ramório".
Os fãs, para recordar os feitos heroicos nos 11 clubes para os quais o jogador emprestou sua arte (cronologicamente: Estrelinha, Vasco da Gama, PSV Eindhoven, Barcelona, Flamengo, Valencia, Fluminense, Al-Sadd, Miami, Adelaide United e, realizando o sonho do falecido pai, o adorado América, pelo qual disputou uma única partida), instituíram, em 11 de novembro de 2011, o "Romarian Day."
Atualmente fora dos gramados, palco habitado profissionalmente por mais de 20 anos, é no minado campo da política nacional que, até 2015, o deputado federal Romário disputará suas partidas. Em uma chuvosa tarde de terça-feira de março, ele está sentado relaxadamente em seu escritório abafado de 40 metros quadrados, no anexo da Câmara dos Deputados.
O número do gabinete (411) alude ao cabalístico 11 da camisa com que inúmeras vezes se sagrou campeão. Vestindo o amarelo da seleção, o centroavante – escudado pelo parceiro Bebeto – foi o expoente decisivo da conquista do tetra na Copa dos Estados Unidos, em 1994. Na estante no canto, descansa uma réplica da Taça Fifa que ele levantou em 17 de julho daquele ano.
Amaury Jr., veterano colunista televisivo, também está na sala, e quer saber de Romário se ele frequenta as baladas de Brasília. "Já tive bastantes fraquezas", ele confidencia.
Durante o expediente, de terça a quinta-feira e sem hora para terminar, o gabinete é assolado constantemente por políticos, representantes de entidades e toda sorte de pessoas em busca de algum tipo de apoio.
Pedem desde autógrafos, cessão de imagem, passagens e, se for possível, até dinheiro vivo. Em cima da mesa, uma pilha de objetos (livros, fotografias, fardamentos oficiais) o aguarda para que neles Romário eternize o autógrafo. A maior parte do material é relacionado ao Vasco, flâmula com a qual os torcedores mais o identificam.
O telefone toca intermitentemente. Uma das ligações, revela a secretária, é de Andrew Parsons, presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro. "Precisa urgentemente falar com o deputado", ela explica.
Coberta por fios prateados, a cabeça de Romário não esconde a calvície. Em 2007, quando atuava pelo Vasco, a queda de cabelo chegou a levá-lo à suspensão de 120 dias nos jogos do Campeonato Brasileiro. Tudo por causa da loção Propécia (para o combate da queda de cabelo), que contém a substância finasterida, proibida pelo Controle de Dopagem da CBF.
"Se [o remédio] fazia algum efeito era ao contrário, pois eu corria cada vez menos e fazia menos gols. Até brinquei, na época, que era o 'doping do Paraguai'", diz, acariciando a cabeça e esboçando um raro sorriso (na verdade, ele é “tímido”, garante a assessora).
Na ocasião, Romário está trajando um bem cortado terno Armani azul-petróleo riscado com listras brancas. Embora tenha cursado dois períodos de educação física na Universidade Castelo Branco (RJ), poucos sabem que ele também estudou Design de Moda na faculdade Estácio de Sá, visando ser "estilista de moda masculina e feminina".
É elegante e vaidoso, mas não se considera metrossexual. E, ainda que carregue marca de furo na orelha, ao menos na vida pública dispensou o clássico brinquinho. Ligeiramente caídos e avermelhados, os olhos estão sempre atentos, como se vigilantes, e a língua, levemente presa, permanece afiada. Romário atende o celular, fala rapidamente e, após desligar, volta-se em minha direção.
"O cara ligou pra avisar que hoje vai ter uma reunião pra decidir se vai ter uma reunião amanhã. Foda, né?"
*Leia a reportagem na íntegra.