quarta-feira, 23 de março de 2011

eNTREVISTA: eU

POR LAFAIETE JR - PROGRAMA AUTO-FALANTE

Lançado em 2001, o livro Gauleses Irredutíveis: Causos e Atitudes do Rock Ggaúcho transformou-se de imediato em uma espécie de primo do já clássico Mate-me Por Favor: uma história sem censura do punk, de Legs McNeil e Gillian McCain, só que sobre o rock produzido no Rio Grande do Sul.

Escrito por Alisson Avila, Cristiano Bastos e Eduardo Müller, Gauleses irredutíveis apresenta entrevistas com mais de 160 pessoas envolvidas com o rock gaúcho, entre jornalistas, produtores e, claro, músicos recontando 40 anos de rock no estado.

Atualmente o livro virou uma espécie de lenda e não é fácil de ser encontrado para venda – e ainda não existe previsão de lançamento de uma segunda edição.

Hoje, dez anos depois do lançamento do livro, a revista Aplauso aproveita o gancho de uma matéria ("Por Favor, Sucesso!") escrita pelo jornalista Cristiano Bastos (um dos autores do livro Gauleses irredutíveis), e coloca no "mercado" a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso.

A coletânea, que é dividida em dois volumes (cada um com 30 músicas) mais um com faixas bônus (com 10 músicas), está disponível para download gratuito e traz músicas em versões oficiais, acústicas, demos e ao vivo.

Muitas vezes com qualidade de áudio nem tão boa, claro. Mas vale levar em consideração mais o caráter de registro histórico da coletânea. Deleite para iniciados e didática para iniciantes.

Liverpool, Os Brasas, Bixo da Seda, Astronauta Pinguim, Bidê ou Balde, Procura-se Quem Fez Isso, DeFalla, Pública, Video Hits, Cachorro Grande, Superguidis e Júpiter Maçã são alguns dos nomes que marcam presença na coletânea, produzida com a intenção de "atingir o coração e os ouvidos das pessoas", segundo Cristiano Bastos, responsável pela curadoria musical da compilação.

Se o livro Gauleses irredutíveis: causos e atitudes do rock gaúcho tem como primo famoso o livro de Legs McNeil e Gillian McCain, a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso pode ser vista como prima made in Brazil da clássica Nuggets: Original Artyfacts from the First Psychedelic Era, coletânea lançada no início dos anos 70 pela gravadora Elektra Records.

Cristiano Bastos até a cita no encarte do álbum virtual como uma referência para Gauleses Irredutíveis: "Fazemos votos de que esta tentativa possa ser, ao menos em espírito, nosso Nuggets".

Tivemos um bate papo com Cristiano Bastos a respeito da coletânea. E se você quiser iniciar o download de Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso antes de ler a entrevista, o caminho é este aqui.

Como surgiu a ideia da coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso?

O insight para a coletânea surgiu com a reportagem de capa que escrevi para a revista Aplauso "Por Favor, Sucesso!", cuja abordagem é um debate mercadológico, no estilo "longe demais das capitais", sobre o rock no Rio Grande do Sul e todas as suas históricas peculiariedades, no que diz respeito ao resto do Brasil. Calhou de o livro Gauleses Irredutíveis – Causos e Atitudes do Rock Gaúcho, que apurei com os jornalistas Alisson Avila e Eduardo Müller, em 2001, está fazendo dez anos este ano. A obra (trabalho de investigação jornalística realizada com 167 músicos, jornalistas e produtores culturais, que enfoca 40 anos de história da música pop gaudéria), está com sua edição esgotada há muitos anos. A procura pela obra, porém, é grande. Recebo e-mails dos mais distantes recantos do País me perguntando sobre uma nova edição do livro. É fácil, igualmente, deparar-se com gente procurando pelo livro na internet – sem achá-lo. Dias desses, um amigo disse que achou um exemplar de Gauleses custando R$ 70 num sebo do Rio de Janeiro… Na Internet ele também não é facilmente "achável". O exemplar que tenho comigo, aliás, tive de pegar de minha mãe, pois o meu havia sido roubado por algum espertinho. Sei também de uma porção de histórias de gente que teve seu Gauleses surrupiado. Além de ser uma forma de lembrar essa uma década do livro, a coletânea Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso é um presente tanto para o fãs como para as bandas presentes. Sobretudo, como escrevi na apresentação da coletânea, foi uma tentativa de reunir mais de cinco décadas de produção pop gaúcha. Não foi fácil. Pencas de boas bandas ficaram de fora.

O que você espera atingir com a coletânea? E o que espera dela?

Com a seleção que fiz para os três discos, espero atingir o coração e os ouvidos das pessoas. As pessoas, naturalmente, querem "A" coletânea perfeita, assim como esperam pelo livro mais irrepreensível, segundo, claro, seus gostos e critérios de importância. Também sempre procurou-se fugir do óbvio ululante na escolha das músicas. Ou seja, fica aquela sensação, como ocorre em muitas compilações, mesmo as mais respeitosas, de que alguma coisa ficou de fora. Para ambos, livro e coletânea, a resposta é a mesma: um livro ou uma coletânea não são a Bíblia. Não conheço uma coletânea sequer que seja absolutamente "perfeita". Nem os box set's Nuggets, com toda sua exuberância, o são. Mas Gauleses Irredutíveis Merecem Aplauso tem recebido excelentes críticas. O Twitter é um dos termômetros desse feedback.

O que você acha que a coletânea representa para a música do Rio Grande do Sul?

Espero que possa significar "respeito", no sentido de valorizar, através dos tempos, a "protéica" produção de rock no Rio Grande do Sul. Nesses estranhos dias, nos quais arte é mais volátil que gás hélio, ainda faz-se necessário, acredito, que os velhos suportes com os quais o rock nasceu – os circunferentes discos – sejam preservados. Por isso a ideia do trabalho completo, em que os leitores poderiam imprimir a arte, recortar e montar seu álbum em casa. Quase como nos "velhos tempos". Clicar um mp3 ainda não matou a tátil sensação de inserir um disco no compartimento e botar para tocar. É de um erotismo que os computadores, essas frias máquinas, nunca emularão.

Você é responsável pela curadoria musical. Quanto tempo levou para selecionar as músicas? Como foi esse processo?

Demorou cerca de dois meses, tempo levado na apuração da reportagem "Por Favor, Sucesso!". Foi um trabalho divertido e trabalhoso de ser feito, mas muito gratificante. O trabalho compreendeu desde a curadoria das canções que formam os três sets, a apuração envolvendo as canções selecionadas e, depois, escrever a respeito das 70 músicas. Por fim, a formatação das artes gráficas dos discos, feita com a equipe da revista Aplauso.

Depois que a coletânea ficou pronta, alguma banda te mandou música mas não dava mais tempo de entrar?

Não, isso não aconteceu. Rolou de algumas bandas não responderem ao "chamamento" para entrar na coletânea. Outras não enviaram suas músicas a tempo do fechamento.

Por algum motivo ficou alguma faixa de fora que você queria muito que entrasse?

Claro que eu gostaria de ter na coletânea gravações de bandas como Engenheiros do Hawaii e TNT, mas no caso dessas duas, por exemplo, os fonogramas teriam de ser licenciados por grandes gravadoras. Embora a indústria fonográfica esteja falida, é bom não mexer nesse vespeiro, motivo pelo qual todas as 70 músicas presentes na coletânea foram liberadas pelos seus autores. A Graforréia [Xilarmônica], provavelmente, foi a grande banda em falta na coletânea. Foi outra que não atendeu ao “chamado”, infelizmente.

Qual o critério para selecionar as músicas que entraram no "volume bônus"?

O critério foi envenenar ainda mais o “creme” com raridades. Dentre as quais, "Aquarianas da Rua 20", "Cartas de Playground" e "Desconstruções do Acaso", as quais foram pinçadas do ensaio pós-álbuns Sétima Efervescência / pré-Plastic Soda, do Júpiter Maçã. Algumas bandas que cederam seus sons na última hora, como os Telecines, entraram no terceiro volume.

Para você, quais as três músicas mais “lendárias” que entraram na coletânea?

"Adeus, Meu Chiripá", do grupo Rebenque, "Sobre Amanhã", DeFalla e "Lobo da Estepe", Cascavellettes (ao vivo em 1991). A folkezinha "Adeus, Meu Chiripá", do desconhecido grupo Rebenque, foi recuperada do álbum Som Grande do Sul, produzido pelo lendário Airton dos Anjos em 1978, época em que a produção discográfica andava francamente em baixa. Essa nem muitos de meus próprios conterrâneos conheciam… Com exceção do Gordo Miranda [o produtor Carlos Eduardo Miranda], que vibrou quando eu lhe disse que ela entraria na coletânea. O registro de "Sobre Amanhã", remasterizado pelo Flavio Santos, o Flu, não deixa esquecer que o DeFalla, até hoje, é uma das melhores bandas brasileiras de todos os tempos, muito embora muitos torçam o nariz para os feitos musicais de EduK & Cia. No caso de "Lobo da Estepe", para quem adolescia em Porto Alegre no começo dos anos 1990, meu caso, é um déjà vu e tanto. Os Cascavelletes foram, para muita gente no Rio Grande do Sul, um misto de Beatles, por causa da legião de fãs, com Rolling Stones, em razão de suas picardias dentro e fora dos palcos. Em Gauleses Irredutíveis… o registro de "Lobo da Estepe", que emula vocalizes de Simon & Garfunkel, também é lendária. Tem o climão das velhas bootlegs empoeiradas. Na gravação, Flavio Basso, também conhecido pela alcunha Júpiter Maçã, resume para o ensandecido público viamonense: “É muito bom tocar canções da banda quando a gente sente que vocês fazem parte dela”. Há muitas gravações que poderiam levar o timbre "lendárias".

Tem mais algum outro projeto parecido com esse?

Desde o tempo em que [o livro] Gauleses Irredutíveis foi lançado existe a ideia de se fazer um documentário tendo o livro como ponto de partida, obviamente, atualizando-o. Antes, contudo, estou finalizando, com Leonardo Bomfim, o road doc Nas Paredes da Pedra Encantada, que viaja pelas lendas do mítico Paêbirú – Caminho da Montanha do Sol, álbum lançando em 1975 por Lula Côrtes e Zé Ramalho. O filme, que deve estrear em 2011, investiga não só a riqueza musical de Paêbirú, mas também o imaginário particular do interior da Paraíba e o momento psicodélico dos anos 70 na ponte entre Recife e João Pessoa. Depois que terminar essa jornada de “nordestinidade”, voltarei novamente o olhar para o rock do Cone Sul. Assim como foi Gauleses Irredutíveis, tanto a coletânea quanto o livro, um filme que retrate a sempre ardente produção de rock no Rio Grande do Sul precisa ser rodado. A história não pode se perder.

quarta-feira, 2 de março de 2011

pOR fAVOR, sUCESSO!

Fama, arte e reconhecimento: que fenômeno leva bandas gaúchas à paulicéia em busca do desvairado sonho rock-and-roll?

POR CRISTIANO BASTOS - (De São Paulo, Goiânia e Brasília – menos de Porto Alegre)

A mais de 3 mil léguas submarinas, o telefone ringe: de Brasília, capital federal, a ligação soa em algum endereço incerto de Tapes, bucólico recanto irrigado pela Lagoa dos Patos.

Peço por Marco Antônio Figueiredo, vulgo "Fughetti Luz".

Trata-se do pioneiro homem, que, pode-se pontificar, desferiu para o Brasil a "palhetada fundamental" de um cancioneiro pop sul-rio-grandense.

Dos versos "Ouça menina, essa nova música/ Que será sucesso durante um mês", "Por Favor, Sucesso" virou fenômeno entre a magrinhagem setentista gaúcha.

Composto em 1969, o hino do Liverpool leva assinatura do poeta Carlinhos Hartlieb, jovem agitador das concorridas Rodas de Som daquele tempo.

Por Favor, Sucesso


Presentemente, Luz – cuja idade é mistério maior do que ele próprio – faz outro tipo de súplica: "Por favor, me deixem em paz!".

Calejado, antes mesmo que eu me identifique como repórter, o cantor adivinha o mote da prosa. Malfadado, o bate-papo deveria ser a respeito da profusão de bandas gaúchas que batem em retirada para tentar a sorte em São Paulo, centro econômico-cultural do país.

Tal como o Liverpool fez ao pôr o pé na estrada rumo ao Rio de Janeiro 40 anos atrás – quando a fuga tinha no eixo Rio-São Paulo o destino mais cobiçado. Majestade que, de certa forma, os cariocas perderam. A Meca do rock, hoje, é São Paulo.

Em seu intratável, mas divertido, azedume, Fughetti Luz reina ao telefone: "Não quero mais falar sobre o Liverpool, não". A negativa só faz mitificar a reputação de punk por natureza do autor de hits como "Olhai os Lírios do Campo", "Bixo da Seda" e "Trem".

Em 1964, ainda crooner do conjunto Flamboyant, Elis Regina também deu no pé. Do IAPI, em Porto Alegre, direto para o Rio de Janeiro. Atitude rock, sem dúvida. ainda mais para uma mulher cuja arte estava recém começando a amadurecer naquele primeiro ano de chumbo.

Bandas e artistas pop (Os Cleans, Os Brasas, Almôndegas, Hermes Aquino, Rosa Tattooada, Garotos da Rua – e muitos outros), em suas respectivas épocas, nem pestanejaram quando convidados a sair de Porto Alegre.

E, nesse segundo decênio, nossos artesãos do pop, outra vez, estão na crista da onda. Na eleição dos melhores de 2010 feita pela revista Rolling Stone, três álbuns gaúchos aparecem no top 25: Fresno, Superguidis e – ora, veja só – Vitor Ramil.

Afundado num sofá da casa da Pública, a conversa que levo com Pedro Metz, cantor e letrista, versa justamente sobre este ir ou não ir. Na capital paulista, o casarão onde os guris da banda residem, ensaiam e compõem, fica em meio à boemia da Vila Madalena. 

CARA, CORAGEM E ERVA DE CHIMARRÃO - Mas o papo, assim como o rock de agora, muito pouco tem de novo. No gaulês Rio Grande do Sul, historicamente afeito a pelejas de toda sorte, o debate existe desde o dia em que cunharam a alquebrada insígnia "rock gaúcho".

Nos áureos anos 1980/1990 (boom do rock brasileiro, como gostam de chamar), muitas bandas gaúchas dançaram embaladas pelo suingado esquemão bancado pelas grandes gravadoras. Como destino, as selváticas plagas cariocas e paulistas.

Cara, coragem e, no alforje, a erva de chimarrão.

Grande parte dos retirantes, porém, como  bons filhos à casa retornaram. Em 2001, confessa o frontmen da Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro, o conjunto passou por altos e baixos em sua estadia paulista.

Dos mais aplaudidos da cena contemporânea do rock nacional, os guaibenses do Superguidis se apoderam da famosa frase de Dom Pedro II:

"Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que ficamos!",  diz o guitarrista Lucas Pocamacha, parafraseando a História para justificar permanência em terra pampeana. Ainda.

Em solo bandeirante, Pedro Metz ajeita um carreteiro – "só para não perder o costume". Conta que a escolha por São Paulo foi, acima de tudo, profissional.

O perfil macro da cidade pareceu ideal para as ambições criativas da Pública. Louros, inclusive, repousam na "estante de prêmios" dessa (Re)Pública, onde com alta rotatividade recebem visitas de congêneres paulistanos. Como os músicos das bandas Biônica e Rock Rocket.

Entre os troféus, a estatueta arrebatada com o videoclipe de Casa Abandonada na edição de 2007 do Video Music Brasil. “Nos sentimos desafiados a tentar”, ressalta Metz, que arremata: "Não curtimos a situação cômoda que ficar no Rio Grande do Sul representa".

E logo se reconcilia: "Amamos Porto Alegre".

Parceiro de empreitada, o baixista Guilherme Almeida (filho do nativista Iraci Rocha) também discorre sobre o autoexílio. E fala por todos: "A escolha foi importantíssima em nossas vidas".

No caso dele, a brincadeira ainda tem rendido novos sons: além da Pública, Almeida anda enredado em projetos com Martin (guitarrista da banda de Pitty) e com Tita Lima – cantora paulistana que é acompanhada pelo guitarrista Guri Assis Brasil, outro integrante da Pública. 

Agora façamos o favor: o caso desfraldado pela banda porto-alegrense Fresno, estampado em todas as possíveis mídias, merece ser narrado. Em tempos que a indústria fonográfica agoniza em mortal concordata, a façanha conseguida por esses nativos da capital é um admirável triunfo. Autodefinida como "powerpop-rock-shoegaze"...

Mais só nas bancas!

rOCK nA pONTE aÉREA

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