quarta-feira, 2 de março de 2011

pOR fAVOR, sUCESSO!

Fama, arte e reconhecimento: que fenômeno leva bandas gaúchas à paulicéia em busca do desvairado sonho rock-and-roll?

POR CRISTIANO BASTOS - (De São Paulo, Goiânia e Brasília – menos de Porto Alegre)

A mais de 3 mil léguas submarinas, o telefone ringe: de Brasília, capital federal, a ligação soa em algum endereço incerto de Tapes, bucólico recanto irrigado pela Lagoa dos Patos.

Peço por Marco Antônio Figueiredo, vulgo "Fughetti Luz".

Trata-se do pioneiro homem, que, pode-se pontificar, desferiu para o Brasil a "palhetada fundamental" de um cancioneiro pop sul-rio-grandense.

Dos versos "Ouça menina, essa nova música/ Que será sucesso durante um mês", "Por Favor, Sucesso" virou fenômeno entre a magrinhagem setentista gaúcha.

Composto em 1969, o hino do Liverpool leva assinatura do poeta Carlinhos Hartlieb, jovem agitador das concorridas Rodas de Som daquele tempo.

Por Favor, Sucesso


Presentemente, Luz – cuja idade é mistério maior do que ele próprio – faz outro tipo de súplica: "Por favor, me deixem em paz!".

Calejado, antes mesmo que eu me identifique como repórter, o cantor adivinha o mote da prosa. Malfadado, o bate-papo deveria ser a respeito da profusão de bandas gaúchas que batem em retirada para tentar a sorte em São Paulo, centro econômico-cultural do país.

Tal como o Liverpool fez ao pôr o pé na estrada rumo ao Rio de Janeiro 40 anos atrás – quando a fuga tinha no eixo Rio-São Paulo o destino mais cobiçado. Majestade que, de certa forma, os cariocas perderam. A Meca do rock, hoje, é São Paulo.

Em seu intratável, mas divertido, azedume, Fughetti Luz reina ao telefone: "Não quero mais falar sobre o Liverpool, não". A negativa só faz mitificar a reputação de punk por natureza do autor de hits como "Olhai os Lírios do Campo", "Bixo da Seda" e "Trem".

Em 1964, ainda crooner do conjunto Flamboyant, Elis Regina também deu no pé. Do IAPI, em Porto Alegre, direto para o Rio de Janeiro. Atitude rock, sem dúvida. ainda mais para uma mulher cuja arte estava recém começando a amadurecer naquele primeiro ano de chumbo.

Bandas e artistas pop (Os Cleans, Os Brasas, Almôndegas, Hermes Aquino, Rosa Tattooada, Garotos da Rua – e muitos outros), em suas respectivas épocas, nem pestanejaram quando convidados a sair de Porto Alegre.

E, nesse segundo decênio, nossos artesãos do pop, outra vez, estão na crista da onda. Na eleição dos melhores de 2010 feita pela revista Rolling Stone, três álbuns gaúchos aparecem no top 25: Fresno, Superguidis e – ora, veja só – Vitor Ramil.

Afundado num sofá da casa da Pública, a conversa que levo com Pedro Metz, cantor e letrista, versa justamente sobre este ir ou não ir. Na capital paulista, o casarão onde os guris da banda residem, ensaiam e compõem, fica em meio à boemia da Vila Madalena. 

CARA, CORAGEM E ERVA DE CHIMARRÃO - Mas o papo, assim como o rock de agora, muito pouco tem de novo. No gaulês Rio Grande do Sul, historicamente afeito a pelejas de toda sorte, o debate existe desde o dia em que cunharam a alquebrada insígnia "rock gaúcho".

Nos áureos anos 1980/1990 (boom do rock brasileiro, como gostam de chamar), muitas bandas gaúchas dançaram embaladas pelo suingado esquemão bancado pelas grandes gravadoras. Como destino, as selváticas plagas cariocas e paulistas.

Cara, coragem e, no alforje, a erva de chimarrão.

Grande parte dos retirantes, porém, como  bons filhos à casa retornaram. Em 2001, confessa o frontmen da Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro, o conjunto passou por altos e baixos em sua estadia paulista.

Dos mais aplaudidos da cena contemporânea do rock nacional, os guaibenses do Superguidis se apoderam da famosa frase de Dom Pedro II:

"Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que ficamos!",  diz o guitarrista Lucas Pocamacha, parafraseando a História para justificar permanência em terra pampeana. Ainda.

Em solo bandeirante, Pedro Metz ajeita um carreteiro – "só para não perder o costume". Conta que a escolha por São Paulo foi, acima de tudo, profissional.

O perfil macro da cidade pareceu ideal para as ambições criativas da Pública. Louros, inclusive, repousam na "estante de prêmios" dessa (Re)Pública, onde com alta rotatividade recebem visitas de congêneres paulistanos. Como os músicos das bandas Biônica e Rock Rocket.

Entre os troféus, a estatueta arrebatada com o videoclipe de Casa Abandonada na edição de 2007 do Video Music Brasil. “Nos sentimos desafiados a tentar”, ressalta Metz, que arremata: "Não curtimos a situação cômoda que ficar no Rio Grande do Sul representa".

E logo se reconcilia: "Amamos Porto Alegre".

Parceiro de empreitada, o baixista Guilherme Almeida (filho do nativista Iraci Rocha) também discorre sobre o autoexílio. E fala por todos: "A escolha foi importantíssima em nossas vidas".

No caso dele, a brincadeira ainda tem rendido novos sons: além da Pública, Almeida anda enredado em projetos com Martin (guitarrista da banda de Pitty) e com Tita Lima – cantora paulistana que é acompanhada pelo guitarrista Guri Assis Brasil, outro integrante da Pública. 

Agora façamos o favor: o caso desfraldado pela banda porto-alegrense Fresno, estampado em todas as possíveis mídias, merece ser narrado. Em tempos que a indústria fonográfica agoniza em mortal concordata, a façanha conseguida por esses nativos da capital é um admirável triunfo. Autodefinida como "powerpop-rock-shoegaze"...

Mais só nas bancas!

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