segunda-feira, 30 de junho de 2008

dIÁRIO dE pAÊBIRÚ

As filmagens inaugurais do documentário sobre o álbum Paêbirú, de Lula Côrtes & Zé Ramalho, na última sexta-feira, além de grandes imagens, promoveram um festivo encontro na residência do músico pernambucano Alceu Valença.
O casarão é dos pontos turísticos mais famosos da cidade. Do andar de cima dá pra ver o verdejante mar que rodeia o Brasil antigo.
Não é possível mirar o oceano sem, por instantes (ou a todos os instantes), pensar na história do país. Quando páro pra imaginar tudo o que de pior e de melhor, em 500 anos, entrou por essas divisas marítimas, fica difícil descrever a sensação.
Refregas, comércio de especiarias, tráfico de escravos - o traço holandês, cuja herança cultural se afeiçoa aos rostos, à arquitetura de prédios históricos (mal-preservados) e aos mínimos detalhes que compõem a colorida complexidade de Pernambuco.
Cabeludo, risonho e, de assalto, deliciosamente espalhafatoso ao contar suas histórias, Alceu Valença é um prosador nato. Da sacada do seu casarão, todos anos anima o carnaval da cidade histórica tocando frevos, toadas e contando animados causos de nordestinidade.
Alceu é o personagem de Olinda, do mesmo jeito que Côrtes é de Recife. Os dois não se encontravam pessoalmente há bom tempo, e aproveitaram pra soltar a lábia esperta. Tiraram sarro um do outro e rememoraram as participações vocais de Alceu nas gravações de Paêbirú (tocou pente envolto com papel crepom) na Casa de Beberibe, que foi o estúdio de gravações. Foi um bate-papo entre amigos, que foi das raízes musicais às vertentes sonoras formadoras da obra musical de ambos os artistas.
Numa das melhores partes da conversa, comentaram o disco Molhado de Suor (1974), de Alceu Valença, álbum no qual Côrtes pilota seu tricórdio psicodélico de efeitos elétrico-orientalísticos. A cada encontro desses, nova certeza cresce: o quanto ainda somos vergonhosamente ignorantes (jornalistas, imprensa em geral, formadores de opinião, público, crítica especializada) acerca do relicário musical do Brasil. Nem é bom penar sobre o "extemporâneo"...
Laudas & mais laudas se escreveu sobre a importância dos Os Mutantes. Todos estão pra lá de carecas de saber, por exemplo, que o modelo estético/psicodélico concebido pelos irmãos Baptista - a atropofagia tropicalista do rock estrangeiro -, inventou um gênero totalmente brasileiro. Mobral. E deixemos o cânon Beatles, por favor, dessa vez, fora da discussão.
Bem pouco, lamentavelmente, foi considerado a respeito de Molhado de Suor e de Paêbirú, nesse contexto histórico da arte brasileira. São discos que não estão inventariados como grandes discos da MPB.
Em Molhado de Suor, Lula Côrtes transforma o tricórdio no intrumento psicodélico brasileiro por excelência. Explica-se pelas navegações, onde o instrumento veio embarcado, do Oriente para Recife.
Psicodelismo pode ser intrepretado, na música, como o encontro entre o folk, o regional e as "experiências mentais suigeneres". Molhado de Suor vai além, ao revelar sua "exuberância tímbrica", como definiu Alceu Valença. Sem falar que foi gravado por boa parte da galera que tocou em Paêbirú, um anos antes.
Brincalhão e sagaz, Alceu Valença falou, negou e discutiu como o rock afeta sua música. O cara é simpático à beça: mudou o roteiro de compromissos pra receber a equipe da Flesh Nouveau! Filmes. Revelar as coisas mais bonitas que rolaram no encontro, seria entregar o ouro antes do tempo. Mas que elas rolaram, rolaram.
Atrás das câmeras, o músico comentou sua atual situação mercadológica. Alceu, que também é cineasta, pra quem não sabe, é dos primeiros artistas independentes do Brasil: "Não toco em rádio, não pago jabá e não estou em nenhuma grande gravadora. Com freqüência me perguntam: 'Por onde andavas que estavas desaparecido?!' Respondo assim: 'Tava dando show pra 150 mil pessoas em algum lugar por aí!', gargalha.
Após as filmagens "em casa de Alceu", rumamos pro Bar Pina de Copacabana, no Recife Antigo. Lá encontramos a gurizada da cena de rock pernambucana influenciada pela psicodelia nordestina e udigrudi.
As bandas Canivetes, Os Insites, Anjo Gabriel, O Gigantesco Narval Elétrico, Dunas do Barato e Malvados Azuis, entre outras, contaram como a geração 70 influenciou o rock atual feito em Recife; depois, claro, tiraram a maior sonzeira com Lula Côrtes. Canibal (Devotos), e Dirceu (Jorge Cabeleira), que conduziu o momento "mântrico" da noite, também foram ao set de gravação.
Lula Côrtes é o artista mais querido de Recife - sua popularidade escancara. Nos lugares onde entra e passa, o magnetismo de sua personalidade exerce incalculável (e mítico) poder sobre as pessoas - seja lá qual for sua classe social.
Artista como poucos no Brasil, a obra de Lula é vasta como o ocenao que se vê da sacada da casa de Alceu: na música, na pintura ou na literatura, na poesia, na prosa ou versos, ele é incomparável. E ainda é o frontman da banda que faz um baita rockão, a Má Companhia.
Dos artistas que tive a chance de perfilar em reportagens, não havia me deparado, até agora, com algo comparável à energia criativa deste homem.
PEDRA DO INGÁ - A expedição à Pedra do Ingá teve de ser adiada por uns dias. Razões logísticas. A programação vai incluir, entrte outras surpresas, uma big jam session no meio do sertão. Torcemos por uma noite estrelada e pela presença de Lampião & Maria Bonita, que naquelas terras marcaram suas pegadas.
Está confirmada a ida dos músicos Lailson (que tocou com Lula em Satwa), Zé da Flauta e Mãe da Lua - essa, inacreditável mulher que debulha instrumentos tão incríveis quanto ela mesma. Pra sentir o drama: Mãe da Lua toca desde violas nordestinas de dez e doze cordas, a la The Byrds, até flautas de encantar serpentes das 1001 Noites.
As filmagens na casa de Alceu Valença foram realizadas pela Cabra Quente Filmes, da profissionalíssima equipe comandada pelo Hamilton, com apoio da Arrecife Produções Cinematográficas, da cineasta Katia Mesel.
That's all folks!

domingo, 29 de junho de 2008

mAS qUE tUDO!

o hOMEM dA bOSSA*

POR CRISTIANO BASTOS
Começo de noite no Copacabana Palace, Rio de Janeiro. Quando Sérgio Mendes desce para a entrevista, pontualmente às 18h, os hóspedes ainda banham-se na imensa piscina do restaurante Pérgula.
Mendes trocou o Rio por Los Angeles há muito tempo. O pianista chega com os cabelos impecavelmente penteados para trás, ainda úmidos do banho.
Veste a combinação camisa branca e jeans. O perfume é uma fragrância masculina marcantemente cítrica.
O homem que tocou para o presidente Nixon na Casa Branca, em 1967, e ganhou o Grammy de melhor disco de World Music faz um pedido simples: água com gás e pedras de gelo. Seus olhos brilham quando fala do amor pela música brasileira.
Com o gravador desligado, diz que o segredo do sucesso é zelo: "É o músico estar a par de tudo que acontece". No meio da conversa ganhou um beijo na testa do filho Tiago, 14, roqueiro que chegou vestindo t-shirt dos Sex Pistols.
No final recebeu telefonema de Gustavo, filho mais velho do casamento com a segunda esposa, Gracinha Leporace – sua cantora favorita, como frisou na entrevista. Sérgio Mendes está no Brasil para o pré-lançamento do seu novo álbum de sucessos, Encanto.
A meta traçada é suceder Timeless, que vendeu mais um milhão de cópias. Assim como o anterior, Encanto é outra obra caleidoscópica de Mendes. Tem participações de Herb Alpert, Lannie Hall, Natalie Cole e de brasileiros, como Carlinhos Brown e Toninho Horta.
A recriação do maior hit da sua carreira, "The Look of Love", de Burt Bacharach, interpretada por Fergie, do Black Eyed Pea, produzido por will.i.am, é a grande promessa de estouro, e segue a fórmula de sucesso que reviveu "Mais que Nada" em Timeless.
No Japão, Encanto já é número 3 e, na Itália, começou a escalar as paradas. Depois de lançá-lo no Brasil, Sérgio Mendes planeja sair em turnê pela Europa, Ásia e, depois, voltar ao Cannegie Hall.
É lá que pretende repetir o êxito de 40 anos atrás, quando Herb Alpert Presents Sergio Mendes & Brazil 66 vendeu milhões de cópias e conquistou os Estados Unidos e o mundo.
*Entrevista realizada em maio de 2008. Crédito da foto: Universal Music

sábado, 28 de junho de 2008

sALAMANDRA pALAGANDA

oS mISTÉRIOS dE pAÊBIRÚ*

POR ASTIER BASÍLIO
A psicodelia estava no ar: no colorido das roupas, nas telas de cinema. Eram os anos 1970. Mais precisamente, 1975. Dois artistas, o paraibano Zé Ramalho e o pernambucano Lula Côrtes, juntos, conceberam Paêbirú, um álbum radicalmente experimental.
Boa parte das cópias do LP, gravado pela Rozemblit, se perdeu em uma cheia. Sobraram apenas 300 exemplares, que se tornaram raridades a preço de ouro, uma vez que, até hoje, Zé Ramalho não autorizou novas tiragens nem a distribuição oficial em CD. Muitas das lendas e histórias que envolvem esse emblemático disco serão contadas por Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim. Quem está a frente da produção em Recife é o filho de Lula Côrtes, Nemo Augusto.
Enfurnado na casa de Côrtes há alguns dias, no Recife, o gaúcho Cristiano está revirando gavetas e conversando com o músico. A história, além do documentário, renderá uma reportagem para a revista Rolling Stone.
"Eu percebi que o Paêbirú é um assunto muito conhecido aqui no Nordeste e até fora do país, como na Alemanha e Inglaterra, mas ainda não é tão difundido no restante do país", conta.Uma das fontes de inspiração da dupla Ramalho–Côrtes foram as insígnias e os emblemas cravados na Pedra do Ingá. O fascínio ainda se mantém sobre o pernambucano. O músico costuma ir para lá com freqüência.
Por telefone, Côrtes confirmou: "Estive lá no ano passado. Tenho um negócio com aquela pedra". Hoje, a equipe parte com Côrtes refazendo o trajeto que ele e Zé Ramalho fizeram quando da composição de Paêbirú. "Nossa idéia é acampar por lá e sentir o clima e a magia daquele lugar sagrado", conta Bastos.
As gravações do DOC Projeto Paêbirú tiveram início na última quinta-feira, na casa de Alceu Valença, que conversou com Côrtes. Após esta gravação, a equipe foi para o Pina de Copacabana (Recife), onde as filmagens serão feitas com as bandas da atual cena pernambucana, influenciadas diretamente pela psicodelia nordestina e pelo Udigrudi.
Autodenominado um "eterno 'futucador' de coisas, um 'factótum’, Lula Côrtes conta que, na época em que foi lançado, o Paêbirú não teve muita importância. “Mesmo após o lançamento, a recepção foi fria. As pessoas não estavam preparadas pro espírito do disco. Ele foi feito 'hoje', na verdade".
Sobre os efeitos utilizados no disco, Côrtes esclarece que "a maioria dos efeitos não são eletrônicos, como se costuma pensar. Tem panelas com água, pios de caça, vozes humanas, chocalho de cabras. A introdução que antecede o saxofone de 'Segredo de Sumé' é, na realidade, uma corneta de vender picolé".
Mas, quais foram as influências para a loucura musical do disco de Côrtes e Ramalho? "Os discos que mais nos influenciaram eram os temáticos, como Viagem ao Centro da Terra e Frank Zappa e Mothers of Invenvation. Dos brasileiros, basicamente Mutantes. Foi Duprat quem abriu nossas cabeças", informa Côrtes. Naquele tempo, diz o músico, o que se ouvia era It’s a Beatifull Day, Crosby, Stills & Nash, Tyranossaurus Rex, Neil Young, Captain Beefheart, The 13th Floor Elevators "e mais uma penca de coisas…".
Lula gravará com Júpiter Maçã
Cristiano Bastos revela que levará Côrtes a Porto Alegre para gravar com Júpiter Maçã, artista gaúcho que também trilha pelas linhas do psicodélico. "Vai ser uma coisa muito boa. O Côrtes já compôs algumas coisas, o Flávio Basso (líder da banda) já fez algumas bases para ele. Enfim, vai ser o encontro da psicodelia pernambucana com a psicodelia gaúcha", se entusiasma Cristiano.
O encontro dos dois é uma parceria com o estúdio Marquise 51 e a produção será do músico Marcelo Birk. O jornalista Cristiano Bastos, além de se impressionar com a psicodelia musical de Côrtes, está igualmente admirado com as histórias do pernambucano que "trabalhou além das fronteiras, viajou, entrou na casa do Salvador Dali", conta.
Na próxima segunda-feira, o multimídia Lula Côrtes lançará o livro O Lobo e a Lagoa, definido por ele como "uma espécie de conto de fadas para adultos". O pernambucano também é artista plástico. Todas estas facetas, a literatura, a música e as artes plásticas, estarão presentes no documentário.
*Jornal da Paraíba, 28/06/208, sábado. Crédito da foto: Cristiano Bastos. Locação: Casa de Beberibe, onde Paêbirú foi gravado nos anos 70.

pARA jAIRO cAVEMAN

sexta-feira, 27 de junho de 2008

fLYNG V:INNERSPACE

Drink, Fight and Fuck!"
G.G.Allin
...1980. Enoc, juvenil e pobretão guitarrista, some da face da terra. A história a seguir, são relatos deste jovem, vindos do além, e foram transmitidos por ele mesmo, oralmente, por meio do avançado sistema Spitz Uranium, um redutor sônico que converte freqüências anos-luz em mensagens taquigrafadas
À semelhança do pai, Enoc era alto, lacônico, invertebrado e quase anoréxico. A exemplo da mãe, um proscrito. A mais estimada companhia que arrumou em sua bólida passagem pela terra, foi um negro e reluzente topete, que lhe dava simetria à cabeça. Para compensar a falta de talento legada pela mãe, bêbada e azarada, uma pin-up que terminou a vida se virando na Venezuela, a sua madrasta, a natureza, lhe muniu de uma fabulosa capacidade de adaptação a estranhas e máximas realidades. O pai, errático ator de filmes pornôs sórdidos no auge da guerra fria, aficionado a personagens do Velho Testamento e a Deuses Astronautas, ejaculara Enoc acidentalmente, durante tomadas para uma produção cinematográfica de sexo gang-bang, rodadas em um estúdio portátil.
Em mil novecentos e oitenta os dias iam e vinham, insensatos, em ziguezague, boogie woogie. Certa feita, amanheceu. E espertamente veio a tarde, dando no pé com a rapidez de uma amante noturna que vai embora de manhãzinha e te surrupia todos os tostões. Quando chegou a noite, Enoc olhou-se no espelho, colocou a franja para esquerda e cerrou o pulso – sinal de que estava pronto para perambular nas entranhas do perímetro urbano. Antes de sair, esgueirou o olho esquerdo no retrato de Joan Jett dependurado na parede do muquifo em que habitava – seminua, sexy, fácil –, e amou-a. No caminho, entre casas de alvenaria inacabadas e latidos de cães, não soube explicar, objetos anexos no céu, as estrelas, lhe lembraram uma canção, que para ele era a mais emblemática dentre todas: "Baby I fell good, from the moment i rise! Fell Good from morning, till the end of the day!". Naquela noite o firmamento estava especialmente crepuscular, travestindo astros em notas musicais, suspensas em partituras de constelações. No quadrante esquerdo da Via Láctea, um agrupamento estelar formava uma progressão de acordes: dó, lá menor, fá e sol. "Fuckingreat!", maravilhou-se, "o universo é do-it-yourself!"
A cosmonáutica moderna e os propulsores a jato completaram a cena punk celeste. Um objeto voador, em forma de bastonete, semelhante ao bacilo de Kock, apareceu cumprindo uma trajetória espiral. Milionésimos depois estava flutuando há poucas polegadas do chão, silenciosamente. O ovni abriu então uma escotilha, e dela saíram feixes infravermelhos que acertaram Enoc em cheio, sugando sua esquálida estrutura para uma infalível e magnética sedução luzidia. Velozmente, todas as suas moléculas se desintegraram como ladrilhos despedaçando-se e, velozmente, a matéria estava sendo refeita novamente, pululando na atmosfera como elétrons de raios catódicos emitidos do tubo de um televisor. Em pleno trânsito molecular, Enoc ainda sentiu a felicidade de se despedir do gênero humano, que julgava imprestável e incompatível para ele. Enfim, algo sobrenatural acontecia, e ele sorriu ao espaço sideral pela primeira honraria que estava recebendo nos milhares de dias em que caminhava por este planeta calçando sapatos de terceiros.
Deslizando em círculos vertiginosamente através de vastas dimensões coloridas, Enoc foi levado a uma espécie de limbo neutro no espaço, onde permaneceu até que fluísse novamente para outro plano. Da fluorescência foi arremessado direto ao interior de uma ampla sala, onde tudo era branco, sintético, impecavelmente limpo e economicamente decorado. A propagação de um som, próximo ao displicente rock progressivo da década anterior (que ele detestava), para piorar híbrido de cold age e plastic soul, enchia o ambiente de climas com intenções sofisticadas. Mas ele, no entanto, nada tinha a fazer. Então ficou ali, aguardando, até o momento em que uma trombeta sintetizada, de péssimo timbre, soprou, anunciando a chegada de alguém, ou talvez máquinas inteligentes e malvadas querendo subjugá-lo. Jamais pôde esquecer o que viu, e que por momentos fez sua euforia parecer uma piada interplanetária. Um ser – mezzo alienígena, mezzo humano –, cabelos lambidos, exalando lavanda e vestido numa roupa de banho estampada com alegres ideogramas japoneses, materializa-se em frente a Enoc num teletransporte típico de Irvin Allen. O sujeito calçava chinelas e pitava cigarrilhas. Sem titubear, ele abriu a boca e disse:
Caro senhor Enoc, me chamo Telecaster, e como você já deve imaginar, algo que não é terrestre está lhe acontecendo. Você já deve ter ouvido falar de abdução, de pessoas que são submetidas a experiências com seres extraterrenos malévolos e sem escrúpulos, não é mesmo? - disse isso enquanto ajeitava sua cigarrilha.
- Ouvi falar... - balbuciou Enoc laconicamente, mais curioso, na verdade, em saber por que diabos, afinal, ele tinha nome de guitarras fabricadas na terra.
- Na verdade, não fazemos parte da desalmada facção de planetas que deseja tirar proveito dos humanos... - sibilou o ser, largando uma baforada de essências desconhecidas. Ao contrário, nosso objetivo é causar prazer à sua raça – não dor. Queremos é um tipo de amizade, uma amizade muito íntima, será que compreende?
- E todos aqueles casos descritos nas revistas Ellery Queen, de cilindros inseridos nos orifícios das pessoas e partes do corpo extirpadas como dentes cariados? - questionou o outsider.
- Ora - disse Telecaster, enquanto servia um drink de coloração violeta e oferecia a Enoc. - Isso faz parte de uma opção sexual particular. Nós, nômades, renegados das mais longínquas plêiades do universo, obtemos sensações pan-sexuais buscando espécimes diversas na fauna planetária. Você, meu amigo, é um sortudo, foi eleito pela minha companheira ¾ gesticulou com o ar blasé de quem aprecia "observar". - Garanto – melhor –, dou minha palavra, que terá a mais significativa experiência da sua vida. Eu, já não passo de um indivíduo sem forças, estou liquidado. Minha mulher, pelo contrário, está sempre querendo mais e mais e mais e mais... Mas ela tem um único problema, no entanto. Seu maior defeito é a predileção por rock barulhento. Minha esposa gosta das guitarras apitando o tempo, de sujeitos que quebram guitarras, de coisas desagradáveis como a versão de "Born to be Wild" do Slade naquele disco vermelho – saca? E eu, entretanto, sou apenas um pós-pós-moderninho, desses adeptos da new romantic e da eurobeat. Oh!, este paradoxo está arruinando nosso matrimônio - lamentou-se, choramingando à beira das lágrimas.
- Por favor! - pediu indiferente o terráqueo, experimentando uma embriaguez sobrenatural em apenas um gole. - Pode me servir mais dessa bebida azulada? - disse, enquanto via mini-estrelas supernovas fazerem divertidas picardias ao redor de seu topete, sem dar a mínima para a miséria de Telecaster.
- Com certeza, meu jovem. De agora em diante, este será um templo de luxurias cósmicas só para você. É só pedir, e terá. Mandarei vir minha esposa - e assim Telecaster retirou-se da mesma maneira como havia surgido.
Enoc, meditando, concluiu que aqueles seres eram uma espécie de milionários do espaço. Magnatas extravagantes que bebem champanhe no café da manhã. Uma sub-raça de alienígenas libertinos em busca de contatos imediatamente promíscuos. Estava aí a grande chance de sua vida. Tinha que dar o golpe. A especialidade dos pais corria nas suas veias, e não podia escapulir disso.
- Abdução. Este é o estilo de vida definitivo. Dessa vez, quem vai enfiar algo neles sou eu. Ser abduzido pode até ser legal, mas abduzir é melhor ainda! - maquinou.
Enquanto esperava a chegada da vassala sexual intergaláctica prometida por Telecaster, do vácuo um horripilante estrondo penetrou como uma agulha nos seus tímpanos. O corpo sonoro vibrou e reverberou muito alto. Em seguida, amplificou-se docemente na silhueta de uma entidade quase poética, vaporosa, envolta em sedas transparentes, remetendo Enoc à sensação de leveza e melancolia causada pelo outono nos dias refestelantes que antecedem o inverno. A moça tinha feições assustadoramente humanas, com a exceção dos peitos e do traseiro. Ao invés de seios, dois cones pontiagudos sustentavam-se horizontalmente na altura do tórax, dando a ela classe e um rígido designe extraterrestre. Nas parte superior das nádegas, alinhadamente robustas e carnudas, esculpia-se um pequeno e sensual rabo. Ela levava consigo uma guitarra modelo Flyng V, prateada – como Marc Bolan naquele Velho vídeo de "Children of the Revolution". Um misto de ereção e repulsa apoderaram-se do astronauta Enoc. A garota, finalmente refeita, apresentou-se, gracejando em boas-vindas:
- Sou Loraine. Quiche Loraine, e sou ligada em aventuras anos-luz e rock’n’roll. "Não me importa quanto combustível possa gastar para encontrar novos amantes, desde que os encontre" – este é o meu lema. Seu planeta, porém, ainda é muito mesquinho para o clamor e a plenitude do sexo - condenou. - Ainda assim, sinto-me atraída por alguns de vocês, especialmente pelas qualidades naturais que têm, como desempenho e exotismo. Ilustres terráqueos, até hoje julgados desaparecidos, na verdade vivem conosco, e se sentem mais felizes aqui. E-n-o-c... - pronunciou sensualmente -, justamente por isso você foi capturado. É um cara de sorte, pois não será apenas um títere ao meu governo. Estou à procura de amor, mas só o rock – o rock, captou? – é sobre amor. Faça parte da banda que estou montando, The Pretty Cosmic Things of Love. Um grupo para levar ao universo a catarse das guitarras com potência sônica jamais sonhada: Punch! Abduções da platéia! Riffs cáusticos! sodomia! Amor! ¾ exaltou-se, por pouco não desfalecendo num terno gozo.
Eis que nesse exato momento ressurge Telecaster. Num átimo imperceptível, sumariamente, Loraine empoe a Flyng V e a pluga em um robusto amplificador valvulado, ajustando-o na regulagem máxima. Em um ato de insânia e sanguinolência desmedida, a garota do espaço desfere uma implacável pancada com o instrumento na cabeça do pobre alienígena.
Telecaster, por tratar-se de um sujeito anódino ao rock e as atitudes dele depreendidas, terminou sacrificado em virtude dessa música violenta praticada com ardor pelos humanos. Da cabeça rachada do alienígena, estirado e sem vida, afloraram miolos verdes, semelhantes a fitoplânctons, que jorraram como lavas e quebraram a harmonia asséptica do ambiente. Da guitarra despedaçada zuniram ruídos viscerais e mortais, como petardos, ecoando muito alto e excruciando os ouvidos de Enoc. Ironicamente, Telecaster acabara morto e imolado por uma Flyng V.
- Pronto. Já podemos começar nosso ensaios - conclamou Loraine, com um meio sorriso de satisfação.
- Sim belezoca, mas quem cantaria na Pretty Cosmic? - quis saber Enoc.
- Elvis Presley, respondeu a algoz. - Elvis não morreu, foi abduzido.
- Sempre pensei que Elvis tinha morrido por causa de barbitúricos - disse confuso o terráqueo.

- O abduzimos antes de isso ocorrer - foi o que teve como resposta.
Subitamente, outro teletransporte começou a se incorporar na nave. Primeiro, micropontos de matéria começaram a fervilhar na atmosfera. Logo, veio uma cabeleira negra, seguida de um rosto escondido em óculos escuros com aros ao estilo de Buddy Holly. Um terno vermelho bem cortado e uma camisa tecida em fina malha, trouxeram juntos a metade superior de um corpo. As calças eram pretas, e de pregas. A seguir, sapatos bicolores, preto e branco – brancos em cima e pretos nos lados –, sapatos de rock’n’roll, completaram a configuração. O cara tinha elegância. Era ninguém menos do que o Elvis Presley. A abdução devia ter feito bem a ele, a julgar pela boa forma, como nos tempos de "Blue Sued Shoes" e "Hound Dog", quando ainda não estava metido com bolinhas. Elvis ficou ali, calado e cordial, querendo permanecer cool e guardar sua garganta para o momento exato.
- Quem vai tocar bateria? - foi a dúvida de Enoc.
- Já vai saber.
Nova materialização. Desta vez, um indivíduo de meia estatura e atarracado apareceu. Era menor, portanto sua materialização foi mais rápida. Quando viu de quem se tratava, Enoc foi às lágrimas. Mais um milagre se descortinava, e ele entendeu que milagres, no fim das contas, são apenas a interferência de mundos na realidade de outros mundos. Nesse caso, a abdução era o milagre. Enoc iria tocar com seu maior herói: Keith Moon. O baterista veio sorrindo, com as baquetas em punho, e logo perguntou:
- E aí, velhinho, como vai Pete, Ray, Ringo Starr e toda moçada?
- Infelizmente, estão todos demodés - sentenciou Enoc. A onda agora é tecnopop.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

pROCURADO nÚMERO 1

pAÊBIRÚ eM oLINDA

Nesta quinta-feira iniciam as filmagens do documentário sobre o álbum Paêbirú & Vida e Obra de Lula Côrtes. As filmagens iniciam pela tarde, na casa de Alceu Valença em Olinda. Valença e Côrtes vão se encontrar pra bater um papo e, quem sabe, tocar alguma coisa juntos.
No mesmo dia, a equipe filma bandas da atual cena pernambucana influenciadas diretamente pela psicodelia nordestina e pelo udigrudi. Canivetes, Os Insites, Cabelo de Sapo, O Gigantesco Narval Elétrico, Dunas do Barato e Malvados Azuis darão depoimentos de como a geração dos 70 chegou ao rock atual feito em Recife.
As tomadas serão feitas no bar Novo Pina, no Recife Antigo, ponto no qual a cena independente do Recife transita. Posteriormenete, as bandas vão interpretar músicas de Lula Côrtes, as quais serão apresentadas num show que será promovido para fazer as gravações do Doc.
As filmagens serão feitas em parceria com Cabra Quente Filmes e Arrecife Produções Cinematográficas, de Katia Mesel.

o rOCHEDO e a eSTRELA

terça-feira, 24 de junho de 2008

pROTETORA dE uMA oBRA cLÁSSICA*

A cineasta Kátia Mesel era esposa de Lula Côrtes na época. Sua influência na confecção de Paêbirú, no entanto, ultrapassou largamente o papel de musa. A casa de seus pais funcionou coimo abrigo para muitos freakes da contracultura - incluindo o marido e seu parceiro Zé Ramalho - que lá encontravam desde um ombro amigo até equipamentos de fotografia e de som.
Ela também abriu as portas da gravadora Rozemblit às experimentações do udigrudi, sempre atuando como uma espécie de produtora executiva dos grupos, através da Abracadabra, empresa (jamais formalizada) que dividia com Lula Côrtes. Mais: é dela a assinatura do ousado projeto gráfico de Paêbirú.
A hoje cineasta Kátia Mesel lembra das sessões de gravação com jam-sessions onde, a partir das bases traçadas por Lula Côrtes e Zé ramalho, construiam-se as tramas instrumentais com a participação de convidados como Alceu Valença e Zé da Flauta. "Era uma coisa muito tribal", relembra. "E tivemos que enfrentar uma barreira técnica. Tem música que tem 20 instrumentos gravados na mesa de dois canais da Rozemblit. Era playback em cima de playback!".
Abracadabra - Paêbirú, junto com outros artistas ou projetos ligados à Abracadabra (Flaviola e Bando do Sol, Marconi Notaro) foi lançado com um show no Teatro Valdemar de Oliveira. "Foi uma coisa bem mística, com incenso no palco, projeções de Super8..."
Paêbirú deve, ainda, outro favor a Kátia Mesel: as 300 cópias que escaparam da cheia de 1975 estavam abrigadas em sua casa. Esses e outros percalços do nosso clássico psicodélico máximo estarão no documentário que a equipe de Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos começa a rodar a partir de julho. O segundo, que também é jornalista, também prepara reportagem especial sobre Paêbirú para a edição brasileira da revista Rolling Stone.
*Segunda parte, Diario de Pernambuco, 20/06/2008

sAGA dE pAÊBIRÚ sERÁ rECONTADA*

Documentário de Leonardo Bomfim e Cristiano Bastos vai refazer os passos do disco mais pisicodélico de underground brasileiro dos anos 70
Renato L
Da Equipe do Diario, Recife
É a hora e a vez do cabelo crescer novamente! É tempo de acender o incenso e meditar ao som de uma raga indiana! Paêbirú está de volta! O mais psicodélico dos discos registrados pelo underground brasileiro dos anos 70, produto das mentes lisérgicas de Lula Côrtes e Zé Ramalho, terá sua misteriosa saga recontada em um documentário.
Por trás do projeto, estão o diretor Leonardo Bomfim, editor a revista virtual Freakium , e o diretor e jornalista Cristiano Bastos, co-autor do livro Gauleses irredutíveis – Causos e atitudes do rock gaúcho (Editora sagra Luzzatto), os dois sonham com uma espécie de mix entre Don´t look back (relato da turnê de Bob Dylan `a Inglaterra em 65) e A grande trapaça do rock´n roll (a ascenção e queda do punk na visão de Malcom Mclaren).
Se o leitor faz parte da maioria que desconhece a mitologia dos tupis e dos guaranis, vale explicar que “o caminho do sol” (Paêbirú) está relacionado às lendas em torno de Sumé, entidade mitológica daqueles povos. Ele teria aberto uma trilha que levaria ao Paraguai e depois, ao Peru. Traços de sua presença estariam registrados no sitio arqueológico de Ingá do Bacamarte, na Paraíba, onde está abrigada a Pedra do Ingá de supostos poderes mágicos.
Quando Zé Ramalho encontrou Lula Côrtes em meados de 1974, os dois foram contagiados pelo fascínio pela região de um amigo em comum, o artista Raul Córdula, cujo pai era ligado à sociedade Arqueológica da Paraíba. Eles resolveram fazer um disco conceitual ligado ao tema. Lançado em 1975 como um LP duplo instrumental, Paêbirú. Teve quase toda sua tiragem destroçada pela cheia daquele ano. Sobraram 300 cópias, vendidas como diamantes raros nos sebos, apesar dos relançamentos em CDs por selos estrangeiros.
Na manhã da última quarta-feira, a reportagem do Diário pegou a trilha do sol até a praia de Cadeias para visitar Lula Côrtes no seu apartamento/ateliê e recuperar fragmentos da aventura vivida mais de três décadas atrás. ”Aquela era uma época propícia ao som instrumental, Pink Floyd, Rick Wakeman...”, contou ele. Discos conceituais também estavam na moda. Some a estes dois fatores uma overdose de misticismo psicodélico e não fica difícil compreender o poder de atração da Pedra do Ingá.
Udigrudi - Lula Côrtes e Zé Ramalho pesquisaram os ritmos indígenas e as lendas da região. “Nós demos uma roupa nova a essa coisa de lenda, trazendo sempre a carga instrumental da variedade pernambucana de ritmos”. Afirmou nosso anfitrião.
Eles resolveram também transformar o disco numa espécie de quem é quem no Udigrudi pernambucano da época numa trip coletiva, também de acordo com a ética hippie. “Zé Ramalho foi de uma importância fundamental, por que ele tinha uma experiência muito grande com bandas. Então ele, era uma pessoa que tinha certa disciplina em conduzir os ensaios.”
O senso de disciplina de Zé Ramalho era fundamental ainda por outro motivo: uma larga fatia dos músicos do projeto estava envolvida com experimentações lisérgicas da contra ventura. Lula Côrtes conta que “a gente ia até a Paraíba e no caminho, parava, comia cogumelo, era uma coisa astral”.
A droga possuía um conceito diferente não tinha o banditismo reinante de hoje. Era voltada para te sensibilizar não para te tornar uma pessoa grosseira e estúpida”. Durante as sessões de gravação, os músicos tomaram apenas pequenos fragmentos de LSD para que, como lembra Lula, “ficassem pelo menos em condições de trazer todos os instrumentos afinados e criar uma harmonia entre nós.
Paêbirú, no entanto, não virou uma lenda apenas por ser um disco “chapado”. Seus quatro lados, dedicados aos elementos básicos Terra, Fogo, Água e Ar, misturam percussão tribal, guitarras elétricas e experimentações de estúdio que ainda hoje, espantam pela radicalidade.
Melhor: uma pegada roqueira corta os excessos e rende faixas como Nas paredes da pedra encantada, regravada em meados da década de 90 por Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Inúteis.
*Diário de Pernambuco, 22/06/2008

segunda-feira, 23 de junho de 2008

bIDÊ oN gLOBO

Nesta sexta-feira, 27/06, depois do Programa do Jô, vai ao ar na Rede Globo o programa Som Brasil com participação da Bidet or Bucket, associação músico-roqueira onde Carlos Carneiro executa a função de "vocaleiro".
O programa, que a cada edição homenageia a obra de um artista da música brasileira, será dedicado ao Cazuza - a Bidê toca três músicas: "Ideologia", "Maior Abandonado" e "Exagerado".
Além dos Bidê, também fizeram parte da festinha o mestre Ney Matogrosso, a cantora Ana Cañas e o ex-hojerizah Tony Platão. O Som Brasil também é reapresentado, em mais de um horário e dia, no canal Multishow.
A Bidê ou Balde (sim, o nome ainda é esse) foi ao programa com as participações especialíssimas dos maestros Leo Boff no teclado e Rodrigo Siervo no sax barítono e do baterista/guru/ídolo Sandro Ribeiro, o Caveira.
Leandro Sá e Rodrigo Pilla, nas guitarras, a multifuncional Vivi Peçaibes, cantando, tocando teclado, buzina, apito e percussão e Carlinhos Carneiro, cantando as letras de Cazuza.
"Foi trimassa!", garante Carlinhos.
Assista ao Making Of

domingo, 22 de junho de 2008

fREE jAZZ a bOLONHESA*

Um trecho que é uma boa definição da estrutura de New Thing, um estranho romance policial - escrito por Wu Ming 1, pseudônimo chinês para o fundador de um grupo de escritores anarquistas italianos chamado Wu Ming [sem nome], anteriormente reunidos sob o nome-guarda-chuva Luther Blisset.
Roberto Bui, seu nome real, é um cara evidentemente influenciado pelo Gil Scott-Heron de O Abutre e suas vozes múltiplas, se harmonizando às dentadas como em um free jazz.
Este bolonhês que escreve sobre assassinatos em série na cena jazz da Nova York de 1967 também leu o clássico punk Please kill me [Legs McNeil & Gillian McCain] e ainda, conforme confessa no posfácio, o divertido Gauleses irredutíveis [Alisson Ávila, Cristiano Bastos. Eduardo Müller], que passeia pelo rock gaúcho dos anos 80.
*No blog do Ronaldo Bressane

sábado, 21 de junho de 2008

nO jB

Disco brasileiro mais caro nos sebos e leilões de vinil, o álbum duplo Paêbirú, gravado na finada gravadora Rozenblit, do Recife, em 1974, por Zé Ramalho e Lula Côrtes, vai virar documentário sob a batuta do jornalista, diretor e roteirista Cristiano Bastos, da Flesh Nouveau! Filmes.
O registro do disco psicodélico (cujas 300 unidades remanescentes da enchente que vitimou a fábrica valem mais de R$ 4 mil cada) está sendo filmado em Brasília, Porto Alegre, Rio e Recife.
Lula Côrtes prepara uma trilha para o filme, que já tem gravadoras interessadas em lançar o respectivo DVD.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

tHE fALL

pREPÚCIOS tEXTICULARES*

Leopoldo

Sentados numa praça do shopping. Leopoldo e Rubens. Ambos já lá pela quinta idade. Moraram nos EUA durante a infância. Para se ter noção, assistiram “Branca de Neve e os sete anões” na matiné de lançamento. E já não eram tão pequenos! Discutem sobre São José da Arimatéia na história do Cordeiro. Sobre ele e sobre a imaculada. Acham que não se discute virgindade. "Ela era virgem e ponto".

Estão cansados dos jovens e até hoje não aceitam o suposto homossexualismo de Liberace.

- Eles vestem-se mal, molambentos, calças caídas e aspecto sujo. Não reconhecem a sabedoria dos mais velhos e se julgam modernos. – resmunga Leopoldo.

- Não acredito e deu! Pelo menos a Mae West ele deve ter comido. Ela devia ser muito vagabunda. Não é possível que o Liberace, com toda aquela bossa, tenha sido fresco. E digo outra coisa, ele nem sequer morreu. Liberace vive! Acho que virou vendedor de telefone celular, isso dá grana e ele sempre foi um gênio! – retruca o amigo.

- Não respeitam nem a eles mesmos. Andar por aí deste jeito não vai chamar a atenção de ninguém. Os jovens de hoje espantam a todos aqueles que prezam por uma sociedade justa e livre dos arrenegados pela graça de todos os bens totais.

- Cala a boca, Poldy! Vamos ver se aquele CD dos Sonics não tá em promoção na Multisom. Eu tô muito velho pra agüentar as tuas reclamações.

Julie

Mais ou menos quatorze cantores de Viena sentados naquela sala de espera. Esperam. Do alto-falante, uma música. Aparentemente, o vocalista acaba de descobrir que uns certos rumores sobre a atriz Julie Christie eram verdade. Mas nenhum dos jovens cantores de Viena se preocupa com a atriz de Doutor Jivago, e parece que ela concorreu a um Oscar estes tempos. Era com ela aquele O céu pode esperar, onde toca a musiquinha do programa do Jaime Copstein. Mas eles não conhecem a rádio Gaúcha, tanto os que estão naquela sala quanto os integrantes da banda americana. Esperam; os cantores. Gostam é da Romy Schneider. Disputam por um papel na remontagem austríaca de Cats. Todos se conhecem, mas não se cumprimentam. Alguns cresceram juntos e estudaram juntos, mas hoje preferiram este silêncio que, por sua vez, deu lugar à música sobre a tal atriz. De certa forma, ainda se sentem estigmatizados por serem conterrâneos de Hitler, o que é curioso. Definitivamente não parece que nenhum deles vá se levantar e perguntar aos outros: “Afinal de que rumores sobre Julie Christie este infeliz tá falando?” – até por que os vienenses são assim.

Como será que está a música na Áustria hoje em dia?

Rubens

Continuavam sendo Binho e Poldy, Rubens e Leopoldo. Seguindo naquela odisséia diária. Esperando apenas para voltarem para o lar geriátrico onde dormiam. Onde mulher alguma os trairia. Onde a comida é quentinha e gratuita, mas mesmo assim preferem pagar um McLanche Feliz do Praia de Belas. Discutiam a infeliz constatação masculina de se ter as costas peludas. A partir da negação do fato de já terem perdido muito do pêlo que ostentaram no passado, examinavam todas as possibilidades perdidas pela existência infame destes infernais seres que vivem perpendicularmente, em sua maioria, ao corpo do homem não depilado.

Estavam transtornados com os beijos estalados dos jovens. Estalavam-se rapazes e garotas por todos os lados do shopping. Estavam abobalhados com o estabelecimento comercial da maionese, com a popularização do patê e o apelo surpreendentemente saboroso da mortadela.

- São beijos mal dados de quem pouco ama, de quem pouco conhece a vida e as belezas do sexo oral. É ostentação de adolescente mal vestido, destes que nunca reconheceram o potencial de Thales Pan Chacon. – resmunga Rubens.

- Há 50 anos atrás estas coisas eram em sua maioria caseiras. Minha esposa fazia. Agora maionese vem em, como é mesmo o nome? Ah! Sachês. Sábio aquele que dizia: “A maionese é o ópio do povo.” – ou ainda – “O meu cachorro é sem ervilha e com bastante maionese, por favor.”. Eu acho que a salmonela foi uma criação dos fabricantes de margarina. – retruca o amigo.

- Acho que eu só precisava de mais um beijo estalado em praça pública, antes de morrer.

- Deixe de bobagem, Binho, eu ainda te amo tanto. Agora vem, vamos para casa, aqui não tem aquele tipo de danoninho que tu gostas. Vamos ver o Jornal Nacional e dormir no quentinho da nossa cama.

Heleno

Heleno, o Apicultor, dizia ao Vinícius: “Sabe Moraes, nós somos os maiores estrategistas, maiores que Hitler e Stalin.” Grande cara, ele. Não me lembro de alguma vez ter lhe visto pagar para entrar num lugar na noite. E sempre estava nas melhores festas. Uma vez lhe perguntei: “E aí Apicultor, o que tu faz no exército?” - prontamente ouvi a resposta – “piloto de coronéis”, eu ri.

Quando vinha para Porto Alegre, ele pegava o carro da vó dele, um Voyage, e saíamos, ele, sempre com um inconfundível boné do Quércia (para presidente). E onde passávamos as pessoas se perguntavam quem seriam aqueles bagaceiros do interior liderados por um fã do ladrão do Quércia. Era muito preza! Ele é um daqueles caras que eu nunca vou me esquecer. Agora tá casado, ou algo assim, e parece que entrou numas de ir para bosques, meditar. De vez em quando os guris encontram ele e tomam uns baita trago juntos de novo. Daí eu fico sabendo das novas do Apicultor. Faz tempo que eu não vejo o Heleno. Acho que já faz dois carnavais.

Orestes

Duas amigas, suponhamos Márcia e Ana Carolina:

Sabe aquele cara, o Leonardo, de quem eu te falei?

Tô ligada!

Esses dias eu saí com ele e com uns colegas dele, da agronomia de Santa Cruz. Fomos num daqueles barzinhos da República. Os guris são trilegais e daí – conversa vai, conversa vem – acabei ficando com um deles. E agora eu tô ficando com ele - direto.

Que massa! E como é que ele é?

Ele é súperdéiz! Tipo – mmm – é loiro, cabeludo, toca flauta e se chama Orestes.

Orestes?!

É. Por que?

Eu sempre sonhei em ter um primo chamado Orestes.

Um primo?! Por que Orestes?

Sei lá, ele seria tipo um primo quietão que vem de Montenegro nas férias. E daí ele sempre sairia comigo, iríamos no Cais, e daí eu apresentaria ele pra a Lúcia ou pra a Lisi, e uma delas ficaria com ele e daria pó pra ele. Seria, sei lá, diferente. Eu tô cansada dos meus primos de Alegrete.

Tô ligada!

Marco

Duas amigas, suponhamos Márcia e Ana Carolina:

De quem é esta frase na tua agenda?

Que frase?

Essa aqui: “Vivemos para sobreviver aos nossos paradoxos.”. O que significa isto?

É daquela banda que o meu irmão escuta, que eu te falei.

E por que tu não coloca mais as frases do Bob?

Sei lá, acho que eu nunca gostei muito da qualidade das traduções. Além do mais, palavras tipo JAH, parecem coisas não-brasileiras. E eu tô tri numas de Brasil depois da Copa.

É mesmo!

Chega o gerente da Renner. Que se chama Marco é fácil de se saber, pois está escrito no crachá, entretanto, poucos sabem que na verdade ele é o Homem-Gafanhoto Americano travestido de gerente da Renner:

As senhoras me desculpem, mas nenhum dos cartões de vocês tem crédito.

Bah, que merda!

Ta, deixa assim. Obrigada, - mmm – Marco.

Afastam-se da loja, põem seus respectivos cartões em suas respectivas carteiras:

Bem gatinho esse gerente, né?

É. E bem elegante, ele.

Todas são ludibriadas pelo Homem-Gafanhoto Americano.


*A sessão "ginecológica" que Carlinhos Carneiro tinha nos tempos da REVISTA ZE, agora de volta neste blog periodicamente. Dê uma folheadinha.

aMOR & mORTE

mAIS uM cORPO qUE cAI*

Sim, houve outro. Foi numa dessas noites loucas que contando ninguém acredita, tão inverossímeis quanto a realidade. Era comum o pessoal sentar no parapeito da janela pra tomar um arzinho, obrigatório em se tratando de verão, no bafo asfixiante de casa lotada e sem ar-condicionado. Nunca tinha acontecido de alguém cochilar bêbado e desabar lá de cima, do segundo andar do sobrado de pé direito alto, em queda-livre até o chão do pátio: ploft! Nunca até o Ned sentar no parapeito no maior porre e invariavelmente cometer a façanha. O Noites já tinha pulado dessa altura, mas ele era um bêbado consciente: entrou no banheiro, passou a chave, abriu a janelinha e se atirou lá de cima. Depois voltou pro bar, mancando, joelho detonado, entrou na fila do banheiro e ficou rindo enquanto o povo esmurrava a porta xingando o cheirador que supostamente se trancara lá dentro. Mas o Ned, coitado, não teve motivo pra rir. Era um publicitário gordinho, garageiro assíduo que não fazia parte do nosso círculo de amizades. Um desses tipos que a gente nunca nota a existência, não lembra o nome e sempre estende a mão dizendo muito prazer quando encontra. O Ned era tão invisível que não me surpreenderia se ninguém notasse a queda. Um mês depois eu perguntando pro Ricardo:

Tu já tinha visto aquele cara deitado no pátio?

Quem? Responderia ele.

Mas pra sorte do Ned alguém viu o acidente e espalhou a notícia. Daí o rebuliço de salvamento, o diz-que-diz que distorce a história até deixar as cinco vítimas paraplégicas e finalmente as piadinhas sarcásticas que transformaram a queda no assunto da noite.

Enquanto isso eu curtia minha folga com a namorada no quarto-e-sala dividido com um chiuaua, dois gatos siameses fake e uma ninhada de gatinhos. What a life! Só fui saber do acidente no dia seguinte, quando o Ricardo contou a história: um gordinho bêbado tinha despencado da janela do bar até o chão do pátio: ploft! Lá embaixo, todo quebrado, foi socorrido, por um grupo de prestativos, gente que se entusiasma com qualquer desgraça, só pelo prazer da prontidão. Removeram o Ned inconsciente e o levaram pro hospital. Climão pesado que durou meio minuto até alguém gritar drogas! e tudo voltar ao normal.

*

Anos depois. Festinha boca-livre de produtora. No meio daquele mundaréu de chope sou apresentado a esse gordinho publicitário, o Ned:

Muito prazer.

Te conheço há anos, ele diz. E emenda:

Eu sou o cara que caiu do Garagem.

Ploft!

Então o Ned me contou a sua história:

– Esse era o primeiro trabalho legal que eu pegava em publicidade, uma conta que ia render grana, status, mulheres, a guinada na minha vida que até ali andava meio meia-boca. Fechei o contrato e fui comemorar no Garagem. Tomei todas e tu sabe o resto.

O que eu não sabia era que o Ned tinha quebrado a clavícula e não sei mais quantos ossos e ficou de cama durante seis meses e acabou perdendo a grande chance da vida porque o cliente do Ned rescindiu o contrato logo depois do acidente. Mas o Ned era um cara sortudo. Só perdeu um cliente no fim das contas. Melhor do que perder a vida, que, mesmo sendo meio meia-boca, era a única que ele tinha.

– O médico disse que só não me fodi completamente porque tava muito bêbado e inconsciente na queda. Se eu tivesse caído lúcido, tinha enrijecido o corpo e o estrago podia ser bem maior. Fatal, disse o médico.

Brindemos!

Foi a única coisa que me ocorreu dizer. O que não mata, salva.

*Mais um capítulo da saga do bar Garagem Hermética, por Leo Felipe.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

mENSAGEM dEL cOMANDANTE eN cHEFE

Edição do jornal Gramma, veículo oficial do comitê central do partido comunista de Cuba. Matéria sobre o show de João Donato foi publicada na mesma edição em que Fidel Castro se despede com um último discurso:

"Não quero mais!" Chegou desse negócio! Vou pra casa cuidar dos meus cães, fumar meu charuto e não perder mais nenhum capítulos da novela das 8h".

No site da Rolling Stone, uma turma de respeito faz tributo ao "encantador de cadeiras de massagem". Fã assumido, Luis Fernando Verissimo deixou palavras sábias sobre Donato:

“Segundo o Louis Armstrong, quem precisa que alguém lhe explique o que é jazz, nunca saberá o que é jazz. Quem precisa que alguém lhe explique o que é ‘balanço’ tem mais sorte – basta ouvir João Donato. Ele não é uma pessoa, é uma definição”.

Também passaram por lá, o produtor Bernard Ceppas, artistas como a atriz e cantora Talma de Freitas e Arnaldo Antunes. No andar de baixo, reprodução da reportagem sobre o músico acreano.

a dOMICILIO

sábado, 14 de junho de 2008

o pAÊBIRÚ é nOSSO!

Profissionais de quatro estados (Rio Grande do Sul, Brasília, Rio de Janeiro e Pernambuco) unem talentos e esforços para documentar obra-prima perdida da música brasileira

As fabulosas histórias e lendas por trás da produção e gravação do álbum Paêbirú, de Lula Cortês & Zé Ramalho, em 1974, em Recife, são roteiro de documentário.

Infelizmente, o mitológico álbum duplo nem chegou a ver lançamento em CD no Brasil, enquanto sua música é prestigiada por colecionadores mundo afora.

A equipe de documentaristas da produtora Flesh Nouveau! Filmes assumiu com paixão a responsabilidade de contar esse fabuloso pedaço “naufragado” da musicologia brasileira. Está em fase apurada de pré-produção o Projeto Paêbirú, nome provisório do documentário feito em quatro bases: as cidades de Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife, onde tudo começou.

Pelo que se tem notícia, será o primeiro registro cinematográfico sobre um disco "psicodélico" gravado no Brasil. Os envolvidos no projeto acreditam que a obra seja a "a mais psicodélica".

Mais do que gênero pontual, Paêbirú é um tratado sobre botânica, história, folclore, sonoridades, signos, ritos e ancestralidades.

O documentário também fará um resgate audiovisual da explosão criativa de Lula Côrtes, um dos artistas magistrais de Pernambuco.

Segundo o jornalista, diretor e roteirista Cristiano Bastos – ganhador do prêmio de melhor Vídeo Experimental no Gramado Cine&Vídeo de 1999, com 5 Minutos –, a equipe trabalha com o prazo de pouco mais de um mês e meio para a pré-produção, que inclui pesquisa histórica, regional e estética, produção e pesquisa de trilha sonora: “O Doc é sobre um período 'hippie' da história, só que o ritmo da produção é punk", compara Bastos, atualmente mergulhado na obra de Côrtes.

O jornalista explica que a referência cinematográfica é o documentário Don’t Look Back, de
D.A Pennebaker, a idéia da câmera observadora, mas o espírito da produção é na linha de Great Rock’n’Roll Swindle, sobre os Sex Pistols.

Lula Côrtes já trabalha na criação de uma trilha para o filme.

PAÊBIRÚ - Hoje, o LP Paêbirú, do qual sobraram apenas 300 cópias da tiragem original (1000 foram na enchente que inundou Recife em 1975), perdidas pelo mundo, vale mais do que o primeiro LP de Roberto Carlos. Um único exemplar está avaliado em mais de R$ 4 mil.

Cristiano passou dias ao lado do artista em Recife, conversando e entrevistando. Também produziu uma sessão de fotos com o músico na casa onde o disco foi gravado, na década de 1970.

As filmagens em Recife e no interior da Paraíba iniciam em meados de julho, conforme o cronograma estabelecido. A equipe está reunindo recursos e apoios nas diversas partes do país onde encontram-se os realizadores.

Alguns selos e gravadoras, como a Monstro Discos, já manifestaram interesse em lançar o material em DVD.

Os produtores pretendem angariar apoios e recursos, principalmente, na região Nordeste. O documentário Paêbirú vai reunir músicos da velha e da nova geração recifense para tocar e contar boas histórias.

BAIXE O DISCO
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eQUIPE dE pRODUÇÃO

CRISTIANO BASTOS (direção, produção e roteiro)
Jornalista, autor do livro Gauleses Irredutíveis – Causos e Atitudes do Rock Gaúcho (Editora Sagra Luzzatto). Colaborava com a BIZZ. Faz reportagens para a Rolling Stone. Foi repórter da revista Bien'Art (Fundação Bienal de São Paulo). Escreve no site SenhorF e para a Revista Brasileiros. Colabora com a revista de cultura e artes Aplauso, de Porto Alegre. Prêmio de melhor vídeo no Festival de Cine&Vídeo de Gramado em 1999, categoria experimental, com “5 Minutos”, julgado pelo diretor Jorge Furtado.

LEONARDO BOMFIM (direção)
Editor da revista virtual Freakium www.freakium.com
Diretor do videoclipe "A Marchinha Psicótica de Dr. Soup", do artista Júpiter Maçã.
Curador e produtor da mostra Cinema Marginal – 40 anos de 1968, em Porto Alegre, 2008. Guitarrista da banda Plato Dvorak & Os Exciters.

O que diz sobre o DOC Paêbirú: “A referência no documentário é o trabalho do D.A Pennebaker, a idéia da câmera observadora de Don't Look Back – os gestos, olhares, pequenos momentos. O legal é que pretendemos mostrar as coisas e não dizê-las todas ao tempo todo, só para deixá-las mais intrigantes no desenrolar do filme. O disco é muito expressivo, o uso dos instrumentos inusitados, sons, letras, é muito atmosférico. Até vejo relação entre a psicodelia de Paêbirú com o som árido da psicodelia texanados. Há relação com bandas como 13th Floor Elevators, que colocam regionalidades na mistura.

CARLINHOS CARNEIRO (co-roteirista)
Vocalista da banda Bidê ou Balde. Roteirista do vídeo “5 Minutos”. Colega de Cristiano Bastos na Faculdade dos Meios de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica (Famecos/PUC). Editaram juntos a Revista ZE.
www.bideoubalde.com.br
www.revistaze.com

Carlinhos Carneiro: "Préééza!"

FLAVIO SANTOS – FLU
Em 1986, Flu (ainda Flávio Santos) ingressa na banda DeFalla, uma das mais cultuadas do Brasil até hoje. Com o DeFalla, gravou 6 discos, excursionou o Brasil todo e fez show no festival Hollywood Rock, em 1993, ao lado de Red Hot Chili Peppers, Nirvana, entre outros.

Em 1999, já fora do DeFalla, Flu lançou pela gravadora Trama seu primeiro disco solo, "...e a alegria continua". Além disso, trabalha em composições de trilhas para cinema e TV. Também alguns longas como Tolerância (Carlos Gerbase), Wood & Stock (Otto Guerra), Anjos do Sol (Rudi Lageman). Trilhas para TV como Histórias Curtas da RBS TV e XPress da MTV internacional.
www.myspace.com/flufli

FERNANDO ROSA (consultoria histórica)
Jornalista. Dono do selo SenhorF Discos (Superguidis, Graforréia Xilarmônica, Los Porongas) e editor do site SenhorF. Maior autoridade no mercado de música independente nacional. Historiador do rock brasileiro e sul-americano.
www.senhor.com.br

O que Rosa escreveu sobre: “A indústria discográfica brasileira perde uma boa oportunidade de provar que se preocupa um pouco mais do que com o tilintar da caixa-registradora. Paêbirú, que quer dizer "o caminho do sol" (para os incas), poderia ser o primeiro de uma série de raridades a ganhar a luz do dia, para ocupar uma fatia de mercado que, se pequena comercialmente, é fundamental para a preservação da cultura musical brasileira”.

MARCELO BIRCK (pesquisa musical)
Fundador da banda Graforréia Xilarmônica, Aristóteles de Ananias Júnior, produtor.

O que Birck percebeu: "Em especial, duas coisas me chamam a atenção: a precisão e riqueza das texturas tímbricas (com muitos improvisos), e a interação entre trechos instrumentais e cantados. Música e letra estão integradas de tal forma que chegam a ressoar um certo aspecto xamânico (o que também está presente no instrumental), sem cair em um nacionalismo panfletário, apesar do uso de temas e ritmos que poderiam ser (ou são) de temática folclórica".
www.marcelobirck.com


CONTATOS
Produção:
Talita Miotto -
(61) 9226.9001
Cristiano Bastos - (61) 3201-4532/9922-0130
Julia Claudino, em Recife - (81) 9949-7631



segunda-feira, 9 de junho de 2008

cHOVE nO rIO*

Noite de chuva, sábado à noite, Rio de Janeiro. Chove pra carvalho. Legítima praga bíblica de gafanhotos, poderia se dizer.

Eu e André, filho de Ivone Belem, esposa de João Donato, gastamos o tempo assistindo Devil's Rejected. Eu, pela segunda vez; André, pedia sua décima telentrega na videolocadora da Urca.

Lá, fica a casa de João Donato (vizinha a do Rei Roberto), com vista frontal para a Baía da Guanabara. O sobrado é alugado de uma colombiana amiga da família: lar tranqüilo que o mestre da MPB justamente merece.

André e eu nos deixamos tocar pela parte final do filme, com "Free Bird". Clichê, sim, mas e daí? Clichê legal vale. O filme é doente de tão divertido, todo mundo sabe.

Quem tem sensibilidade pra ouvir as melodias universais desse acreano de 73 anos, provavelmente veja magia nos litros de sangue de catchup que Robie Zombie desperdiçou no filme só pra nos "deitarmos' um pouco na cara da arte.

Devil's Rejected e João Donato, a um só tempo, não é tão bizarro quanto parece. Ver um filme desses na sua casa nem perde o sentido: lá pelas tantas já demos tantas rizadas que, na hora de falar com "the men", a diversão apenas muda de foco.

Aguardo João Donato para a entrevista. O mestre despacha na sala de ensaios com Ronaldo Bastos. Parente meu? Sei lá...

Quando Bastos vai embora, alojando-se embaixo no espaçoso guarda-chuva, o venerável criador de A Bad Donato comenta sem malícia, vestindo o pijama nipopsicodélico, uma de suas "favorit things": "Esse menino veio aqui ensaiar umas musiquinhas..."

Pedimos pizza pra acompanhar a conversa. Pizza no Rio de Janeiro, definitivamente, não é o canal. As garotas, essas são, com certeza. Disso não há dúvida.

Pouco chegado numa entrevista, a princípio, e preguiçoso para falar da própria carreira, na maior parte do tempo, aos poucos João Donato abriu seu coração para Rolling Stone na cozinha do seu lar, enquanto a chuva martelava o telhado da casa e a Cidade Maravilhosa.

Aproveite o papo.

*Extra que estará disponível no site da Rolling Stone. Nos próximos dias, o blog vai postar raridades do arquivo pessoal de João Donato, como a carta inédita - e nada convencional - enviada a João Gilberto, onde conta sobre o álbum Quem é Quem, de 1975.

Parte do perfil Dom Natural pode ser lido no site da RS Brasil.

eXTRA! nA cOZINHA do dONATO*

Você tocou em Cuba nos últimos dias de Fidel Castro como chefão da ilha...

João Donato – Coincidência... Eu estava lá e ia viajar pro Brasil na manhã do dia seguinte. Foi simbólico. Tocar com os cubanos é um prazer inacreditável, porque sempre fui admirador do seu estilo de música. Trabalhei com eles quando morei em Nova York e Los Angeles. Lá, fiz amizade e entendi o que era a música cubana. Tocar com na ilha foi realmente fantástico. Isso tudo foi gravado pela Tetê Moraes e vai virar CD e DVD da minha passagem por lá.

Rola uma historia que, por volta de 1964, você foi ajudado por um cubano numa roubada em Los Angeles, ficou na rua e não tinha direito de entrar no quarto que tinha alugado numa pensão.

Donato – A dona da pensão, que ficava na casa onde Tom Mix, o famoso personagem dos filmes de bang-bang, havia morado, disse que eu não podia mais entrar porque não tinha pago a semana. A mulher ralhou: “Olha aqui, o senhor não pode mais entrar aqui porque não pagou a semana!”. Fiquei na rua meditando o que ia acontecer, começou a fazer frio, ficou de madrugada e aí me deu sono e aquela irritação. Disse pra mim mesmo: “Vou dormir seja lá onde for e, amanhã, quando acordar resolvo essa parada”. Entrei no motel, daqueles chiques que tem em Hollywood. Quando acordei, lá pelo meio-dia, fui na portaria do motel pra dizer que estava sem dinheiro. Expliquei que era um músico brasileiro, que podia deixar um relógio de garantia, coisa e tal. Estava tentando me desculpar quando o atendente falou: “Ah, tem um compositor cubano morando aqui no hotel também”. Nisso, o músico veio se aproximando. Quando chegou, reconheci o congueiro Armando Perazzo. Já o conhecia dos discos que costumava ouvir junto com Tom Jobim e João Gilberto na casa do Mené Nunes. Então, quando ele se aproximou, o saudei, pra fazer uma media, e ele perguntou: “Que passa tchê ?!”. Eu: “Ué, tá passando que dormi aqui mas não tenho dinheiro pra pagar”. “Quanto é?”, perguntou Perazzo. Pagou e, simplesmente, ainda me convidou pra assistir o show dele, um quinteto, logo mais à noite. Ficamos amigos pra sempre.

Depois de 15 anos, você está concluindo um projeto que conseguiu amadurecer quando conheceu um teclado no estúdio do Ritchie. O que tem de especial nesse instrumento?

Donato – O negócio é que tenho admiração por Debussy e Ravel e músicas clássicas francesas. Comecei a estudar as partituras para orquestra com muita facilidade nesse teclado, que imita diversos instrumentos, e acabei fazendo umas experiências em casa.

Sampler?

Donato – É um tipo sampler: imita flauta, violino, piano. Transferi pro teclado toda a escrita que seria dedicada à uma orquestra sinfônica e acrescentei um ritmo ampliado. O resultado ficou muito bom. Pretendo lançar em disco essas experiências com Debussy e Ravel, com um pouquinho de música popular brasileira misturada à receita.

Os demais instrumentos são tocados por uma banda?

Donato – Não, tocados por uma orquestra!

E esse lance de ter um público fiel no Japão. Não é louco pra sua cabeça, que veio do Acre, ir tão longe?

Donato – Não...

Às vezes você não pára pra pensar nisso?

Donato – Já perguntei porque gostam tanto da música brasileira, e me falaram que traz alegria pra eles, os deixa contentes. É das qualidades que talvez eu tenha na minha música que admirem tanto e os fazem felizes.

Nas vezes que vai lá sente que rola um “frisson” japonês?

Donato – É, os japoneses são entusiastas e carinhosos, e demonstram isso publicamente com presentes e aplausos cada vez mais intensos. É surpreendente.

Na Rússia acontece a mesma coisa?

Donato – A mesma coisa. As apresentações foram melhorando com o tempo, e o público também melhorou. O público vai crescendo a cada temporada de shows.

Deu muito trabalho ensinar o calopsita Elvis a assoviar “Bananeira”?

Donato – O Elvis aprendeu naturalmente. O André passa o dia cantando isso, eu também, a Ivone. Existe um complô nessa casa pra fazer com que o passarinho aprenda essa música, e ele já está cantando bastante bem. (risos gerais)

Já teve outras experiências ensinando passarinhos a cantar?

Donato –
Não, primeira vez.

O André disse que você aprendeu a gostar de cães por causa do Bambam, o cachorro que ele tinha. É verdade?

Donato – Sim. No início eu achava o Bambam antipático, mas depois me apaixonei por pelo bambam de tal maneira que, hoje, do pessoal da casa, quem sente mais falta dele, agora que morreu atropelado, sou eu.

Me fala um pouco sobre a tua rotina. Dá pra notar que seus horários são completamente distintos...

Donato – Gosto de trabalhar à noite e ficar estudando até cansar e dar sono, até enjoar. Principalmente as partituras de Debussy; esse é o feijão com arroz, o alimento diário.

E a tua criação própria?

Donato – Termina sendo relativa a isso. Estou tão influenciado por Debussy e Ravel que já acho que minha música tem uma parte deles na irrealidade que ela possa ter. Já vem com esse efeito. É como se fosse vírus, o negócio. Acho que peguei o vírus do Debussy e do Ravel.

Como pegou esse vírus?

Donato – Na minha música...Primeiro, de tanto gostar de ler e de comprar tudo quanto é livro de partitura deles, os arranjos das grandes orquestras. Com esse estudo, passei a saber tudo o que acontece dentro de uma orquestra.

Qual a lembrança mais longínqua com a música?

Donato – Um nativo e sua canoa passando na beira do Rio Branco, alguém assobiando uma melodia (assobia “Lugar Comum”)...Depois o Gilberto Gil botou letra. É a lembrança mais remota que tenho, a música que “passou pela minha infância”. Devia ter 6 ou 7 anos. Na época fiz uma música para minha namorada, a Nininha. Eu tinha 7 anos, ela tinha 8.

Foi aí que viu que música era seu negócio?

Donato – Nem sabia! Apenas tinha mania de música, não sabia que viria a ser minha profissão. Profissão mesmo, só depois dos 18, quando fui reprovado pra ser piloto da aeronáutica, como meu pai. Tenho problema de daltonismo e disse pra mim mesmo: “Se não dá pra ser piloto, vou ser músico. Mas não foi decisão tomada...Foi a reprovação de um sonho que eu tinha de ser aviador.

Qual o primeiro instrumento que você tocou?

Donato Acordeom, que eu ganhei de Papai Noel, ainda aqueles de papelão.

Quem primeiro te ensinou as notas?

Donato – Bom, primeiro foi de ouvido, depois minha irmã, Eneyda, que já tocava piano. Logo após um sargento da banda militar da polícia me deu aulas de “como é que se tocava uma música”: ele lendo a partitura e me ensinando a tocar, decorado de ouvido. Aí passei a tocar músicas da época, “Rosa de Maio”, “La Comparsita”, “Serenata de Amor”. Ouvíamos músicas pelo rádio. E também as músicas das bandas militares e os discos de 78 rotações que precisavam dar corda na vitrola.

*As fotos da reportagem foram produzidas pelo fotógrafo Maurício Valladares, o cara que foi lente dos Paralamas do Sucesso e da Legião Urbana nos 80/90. No Rio, apresenta o radiofônico RoNca RoNca. Publicou o livro Paralamas do Sucesso com o jornalista Arthur Dapieve.

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