terça-feira, 29 de janeiro de 2008

eNCAIXOTANDO eLEKTRA*

Velharias inéditas de bandas como The Doors são jóias cada vez mais escassas. O box set Forever Changing: The Golden Age of Elektra Records-1963-1973, lançado pela Rhino, recupera raridades de artistas do cast da Elektra, que foi do purismo folk ao rock psicodélico e ajudou a fecundar as sementes do punk.
Os cinco discos que compõem a caixa são oportunidade única para se deliciar, entre outras pepitas, com a versão de "Moonlight Drive", em que a banda altera os arranjos para que um manhoso Jim Morrison recite seus vocais embriagados.
Antes dos Doors, nomes respeitados da cena folk foram lançados pela Elektra: Fred Neil, Juddy Collins, Phill Ochs e o mitológico Tim Buckley. A grande sacada da caixa, contudo, é a reedição de obscuridades piscodélicas como Holly Modal Rounders, Clear Light, Ars Nova, Plainsong, The Wackers e de uma camarilha de bandas dadas como esquecidas.
Forever Changes desenterra tesouros do período pré-fama dos The Byrds e Blue Oyster Cult, que antes se chamavam Beefeaters e Stalk-Forrest Group, respectivamente - nada mau para uma gravadora que começou a operar com capital inicial de 300 dólares, em 1950, e foi a casa do MC5 e dos Stooges.

O brilho da Elektra resplandece na produção do box set, que contém livro, postais e CD-ROM. Uma das curiosidades é a canção "World without End", do aspirante a herói glitter Jobriath, que morreu em 1983, não destronou Bowie e Bolan, e hoje é amado por gente sensível como Morrisey.

*Bizz, março de 2007.

domingo, 27 de janeiro de 2008

aTHOS bULCÃO: cRIAÇÃO sEM mISTÉRIO*

Parceiro de Oscar Niemeyer, artista fez da capital federal a grande obra da sua vida

POR CRISTIANO BASTOS

"A criação é misteriosa". Assim, Athos Bulcão tenta definir sua arte. Mas não há mistério em se dizer que Bulcão é um dos grandes expoentes da cultura brasileira. Sua extensa produção, reconhecida internacionamente, pode ser vista em aproximadamente cem monumentos públicos de Brasília, em locais como Teatro Nacional, o Panteão da Pátria, o Palácio do Itamaraty e o Congresso Nacional.
Aos 88 anos, com dificuldades para falar por causa do Mal de Parkinson, ele recebeu a revista Bien'Art, no Hospital Sarah Kubistchek, em Brasília, onde estava internado desde fevereiro. Ironicamente, ali mesmo, o artista pôde ver sua obra, criada quando esbanjava saúde: painéis feitos nos anos 1960 para o projeto de João de Filgueiras Lima, o Lelé, arquiteto conhecido pelos inovadores projetos da Rede Sarah. A doença, que hoje impede Bulcão de andar e trabalhar integralmente, não esconde sua veia poética: "A vida, para mim, foi e continua a ser uma constante indagação. Com alegria pelo cerrado, à espera de alma e de beleza".
Juntamente com a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília, o artista carioca adotou o cerrado para o resto da vida quando recebeu o convite de Oscar Niemeyer para realizar uma série de obras de arte em prédios da cidade. Já havia sido colaborador do arquiteto na Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte.
Em 1958, travando verdadeira corrida contra o tempo, Bulcão desembarcou na futura capital - até então um enorme canteiro de obras no meio do planalto central - para integrar artes às concepções de Oscar Niemeyer. O arquiteto e artista trabalharam juntos nas ações de revestimentos, painéis, murais, divisórias e outros ofícios de integração de artes plásticas à arquitetura da cidade.
Atos costuma dizer que seu encontro com Niemeyer foi uma sorte. "Ele me ensinou a correr riscos. Com ele, aprendi a pensar arte e arquitetura, visualidade, espaços e distâncias". Outro privilégio na sua vida, afirma o artista, foi ter visto Brasília nascer praticamente do nada. E ter colaborado no custoso parto. "Artista eu era. Pioneiro eu fiz-me. Realmente um privilégio: ser um pioneiro".
O arquiteto oscar Niemeyer recorda com afeto os tempos de trabalho e camaradagem ao lado do colega. "Lembro como, atento, Athos tentava supor o que eu tinha em mente, para poucos dias depois surgir com o projeto realizado. O meu amigo decifrava como ninguém a nossa arquitetura e nela se inseria com sensibilidade invariável", conta destacando as pinturas que Bulcão fez para a Catedral de Brasília, a partir de composições equilibradas e muito coloridas. "Às vezes eu o procurava sem nenhum propósito profissional. Queria apenas vê-lo, saber se ia bem de saúde, se a vida lhe corria feliz, e lá ficávamos, a conversar, solidários. Ele, falando baixinho, como é seu hábito", relembra Niemeyer.
Obras de Bulcão dão cor ao concreto de Brasília - Para a professora do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UNB), Grace Maria Machado de Freitas, a porção mais conhecida da vasta obra do artista é a que está integrada à arquitetura. Mas Grace, também presidente da Fundação Athos Bulcão (que desenvolve programas voltados para a difusão de arte e ações sócio-educativas para jovens), destaca outros tipos de trabalho, como a série de relevos policromados, intitulada Máscaras, em que o artista adota a figuração e textura variadas. Grace também destaca as fotomontagens, que expressam um fino humor a partir de uma linguagem surrealista. "Mais adiante, a fase pictórica apresenta soluções de tonalidades cromáticas que traduzem o espaço e a luminosidade da paisagem", acrescenta.
Anos antes de instalar-se em Brasília, Bulcão foi auxiliar do pintor Cândido Poirtinari no painel de São Francisco de Assis, da Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte. Terminou sendo chamado para fazer um estágio no ateliê do mestre, no Rio de Janeiro. "Conheci Portinari em 1945. Ele era muito importante, enquanto eu era sempre muito cerimonioso. Com ele aprendi a entender os quadros e a analisar como eram feitos. Compreendi que trabalho é disciplina e passei a valorizar a importância de se pensar a arte. Até hoje, antes de pintar, escolho as cores que vou usar. Pré-determino o quadro que vou pintar e muito raramente acrescento alguma coisa nova", revela o artista.
Na década de 1960, vivendo a plenitude da sua produção artística, Bulcão foi convidado pelo antropólogo Darcy Ribeiro, então reitor da Universidade de Brasília (UnB), para lecionar no Instituto Central de Artes. "Foram tempos complicados", relembra Maciej Babinsk, pintor polonês naturalizado brasileiro, que na época ocupava o cargo de professor-assistente de Bulcão. A atmosfera era de repressão, inclusive na área cultural. Em 1965, ambos acompanharam, a contragosto, a demissão coletiva de mais de duzentos colegas, conseqüência do golpe militar.
Babinski lembra que Bulcão, assim como outros intelectuais da sua geração, estava envolvido no projeto de tornar a UnB uma universidade nova - antes, durante e depois do regime militar. "A UnB era muito pressionada pela ditadura para levar adiante as demissões. A intenção era que os professores mais 'transgressores' fossem substituídos por outros, inofensivos", recorda o velho colega. Foi um momento de grande desespero.
Na tentativa de fazer com que os professores que estavam na lista fossem poupados, e como forma de protesto, o grupo de acadêmicos fez uma assembléia. A solução acordada entre todos foi a demissão coletiva. Mas o resultado da ação não ocorreu como esperado e as exonerações, assim mesmo, foram realizadas. Em 1985, os professores remanescentes, entre os quais Bulcão e Babinski, foram reintegrados à UnB graças à Lei da Anistia e se envolveram, com a mesma forma do passado, no projeto do novo Instituto de Artes.
A integração da arte à arquitetura - Durante e após a ditadura, a amizade entre Bulcão e Babinski progrediu além da docência. O polonês tem o artista como o precursor, no Brasil dos anos 1940, da técnica de colagem com motivos surrealistas, que ele viria a utilizar na sua arte com azulejos. Essas peças, que podem ser vistas nas paredes do Palácio do Itamaraty ou até mesmo no Memorial da América Latina, em São Paulo, primam pela combinação das cores azul e branco, padrões nos azulejos do Brasil colonial. "É de inteira responsabilidade dele ter reintroduzido a forma de arte oriunda dos azulejos do Brasil colonial na arquitetura moderna".
Na opinião de Babinski, a integração entre arte e arquitetura que se observava em Brasília era mais harmoniosa do que a dos projetos atuais. Segundo ele, em outros tempos, a relação não parecia "simplesmente decorativa". Hoje, falta bom senso e as intervenções são excessivas. "Antes víamos os edifícios em meios às àrvores. Parecia que morávamos em um parque. Agora a quantidade de outdoors é tão grande que em alguns lugares não vemos mais nada. Nem o que eles dizem", reclama. "Eu sempre trabalhei ao lado do arquiteto procurando entender seu projeto para, nele, associar a minha arte", justifica.
Lucio Costa, oscar Niemeyer, Athos Bulcão. De todas as combinações de nomes e obras em Brasília, conforme Grace Maria Machado de Freitas, esta é a mais emblemática para a capital. "O legado de Athos Bulcão para a cidade, em especial, é indissociável do seu projeto urbanístico e arquitetônico", define a professora.
O crítico de arte e professor da Faculdade de Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Agnaldo Farias, enfatiza o fato de Bulcão ter como mérito trabalhar em espaços coletivos numa cidade com inúmeras dificuldades para agregar a convivência social, mas apta a acolher obras de arte e, por meio delas, mediar possíveis encontros. "A obra de Athos tornou-se expressão de um povo".
*Perfil publicado na revista Bien'Art (Fundação Bienal de São Paulo), março de 2006.

pESO e lEVEZA

Para realizar uma das suas mais reconhecidas obras, o relevo da fachada lateral do Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília, Athos Bulcão conta que o objetivo inicial da proposta que Niemayer lhe fez era imprimir um pouco de leveza à imensa fómula sólida e piramidal do prédio.
Ele lembra que Niemayer pediu sua colaboração, no que primeiramente deveria ser apenas um painel de azulejos, mas o arquiteto terminou concluindo que, pra complementar o exterior do teatro, o ideal era criar algo, ao mesmo tempo, leve e pesado: "Fui à casa de um amigo que tinha uma serra mecânica e tive a idéia de fazer aqueles cubos que se multiplicam em diferentes tamanhos. Ficou pronto em uma semana e é uma das obras que me deu maior satisfação, por ser grande, complexa e exposta. É um trabalho muito bem aceito pelas pessoas. As crianças sobem e se divertem - o que é sinal de aprovação".
VENDO ATHOS:
Na Fundação Athos Bulcão há uma grande coleção de gravuras, pinturas, fotomontagens, máscaras, bichos e desenhos do artista em exposição. No site, você pode conhecer os pontos de Brasília em que ele fez a integração entre arte e arquitetura e tem acesso a artigos, biografias e aos projetos desenvolvidos pela fundação. Não deixe de visitar a seção de produtos, onde a arte de Bulcão vem estampada em artigos como sombrinhas, pratos, canecas e camisetas.

domingo, 20 de janeiro de 2008

o hIPERESPETÁCULO

“E sem dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... O que é sagrado para ele, não é senão a ilusão, mas o que é profano é a verdade.
Melhor, o sagrado cresce a seus olhos à medida que decresce a verdade e que a ilusão aumenta, de modo que para ele o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado”. (Ludwig Feuerbach, prefácio da segunda edição de A Essência do Cristianismo)

Considerações como essa, que o filósofo alemão Ludwig Feuerbach (1804/1872) escreveu em sua obra definitiva, A Essência do Cristianismo, custaram-lhe a carreira acadêmica e o condenaram ao ostracismo pelo resto da vida. Feuerbach viu sua inteligência amargar a vitória do ilusionismo, mas acabou provando quão perigosas podem ser as tentativas de desvendar noções coletivas consagradas pela sociedade.
Todavia, cerca de século e meio depois, as ponderações de Feuerbach ainda são lúcidas para explicar a ilusão mágica exercida pelos reality-shows sobre rebanhos de milhões de telespectadores. No Brasil, eles se acomodam em frente ao televisor para "decidir" sobre o futuro dos participantes do programa Big Brother.
A exemplo do catolicismo e do futebol, duas heranças estrangeiras, o Big Brother, cuja franquia pertence a empresa holandesa Endemol, só vingou mesmo é no Brasil. Por essas bandas, alimentar a ilusão de poder aparecer na Rede Globo em horário nobre é uma aspiração além de unânime. Istoé, sagrada, como postulou Feuerbach.
Se fosse organizada uma temporada de plebiscitos mediados pela televisão, para determinar o destino do dinheiro público, por exemplo, não haveria o mesmo envolvimento dos telespectadores. No entanto, quando o tema é um entretenimento em massa, como o Big Brother, ou o final da novela, todo mundo tem a sua opinião. Detalhe: os telespectadores ligam (e pagam) para a emissora para participar dos chamados "paredões" do programa. Cidadania e política não é o que importa, alienação vouyerística, sim, é o que há.
Vivo, o teórico Guy Debord teria presenciado, nem um pouco abismado, nos reality-shows, a materialização das teorias da sua obra A Sociedade do Espetáculo (Editora Contraponto, 1997), escrita em 1967. Segundo Debord, o espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível.
Debord chamou o espetáculo de "o sonho da sociedade", que encontra nele sua vontade de fugir da realidade e se entregar à ilusão: "A alienação do espectador mediante o objeto de contemplação, resultado de sua atividade inconsciente, exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que se apresenta".
A ironia maior é que a mídia, que ignorou Debord por toda a vida, promoveu, quando ele morreu, um "espetáculo na Sociedade do Espetáculo". A televisão exibiu o documentário Guy Debord, Sua Arte e Seu Tempo e o filme-documentário A Sociedade do Espetáculo. Os jornais lhe deram a primeira página, seu suicídio estampado com a manchete: "Morre um dos grandes pensadores do século 20".
Hiperespetáculo − Na opinião do sociólogo Juremir Machado da Silva, Debord é um homem do século passado. O espetáculo debordiano, para Juremir, chegou ao fim. A era que vivemos é outra − a era do hiperespetáculo. O espetáculo, elucida Juremir no texto Depois do Espetáculo (reflexões sobre a tese 4 de Guy Debord), era um fenômeno ligado à contemplação. O hiperespetáculo é a contemplação de si mesmo num outro:
"No espetáculo, cada indivíduo abdicava do seu papel de protagonista para tornar-se espectador. Mas era uma contemplação do outro, um outro idealizado, a estrela, a vedete, os 'olimpianos'. Um outro radicalmente diferente e inalcançável, cuja fama era ou deveria ser a expressão de uma realização extraordinária. No espetáculo, o contemplador aceitava viver por procuração. Delegava aos 'superiores' a vivência de emoções e de sentimentos que se julgava incapaz de atingir. No hiperespetáculo, a contemplação continua. Mas é uma contemplação de si mesmo num outro, em princípio, plenamente alcançável, semelhante ou igual ao contemplador. (...) O outro é 'eu' que deu certo graças às circunstâncias. O preço da fama parece estar ao alcance de qualquer um".
E o escritor George Orwell, que pensaria ao ver a expressão Big Brother furtada do livro 1984, e que diria dos reality-shows de hoje? Foi mais ou menos essa a pergunta feita ao apresentador Pedro Bial em uma entrevista à Revista Trip. O jornalista não deixa de tirar uma onda do povão que assiste ao Big Brother Brasil, que nunca ouviu falar de 1984 e que, se o lesse, saberia que o tal Grande Irmão é um vilão de primeira.
Bial, que pode se prestar ao papel de jornalista-animador de TV, mas não é nenhum idiota, tergiversou diplomaticamente: "Acho que ele ia ficar meio possesso com a apropriação do título. Depois, inteligente como era, ia falar: 'Puxa, o danado do capitalismo conseguiu subverter até isso!'. Até o que era sinônimo de totalitarismo e controle absoluto do cidadão vira programa de entretenimento. No Brasil é mais engraçado ainda porque o povo não sabe a origem da expressão. Acham que o 'brother' é de irmão, amigo [risos]".
Sombrio é confundir 1984 com entretenimento, quando a obra é puramente sobre totalitarismo. De qualquer forma, a analogia do BBB com o mundo profetizado por Orwell, de fato, existe. A única liberdade no Big Brother é a liberdade vigiada e contratualmente monitorada. Que um dos participantes ouse falar mal do funcionamento do programa ou do governo que o rege (a Globo)... A punição seria a pior imaginável: defenestração pública em rede nacional e a saída do programa transmitida para todos os lares. Com direito a lição de moral do Bial. Humilhação pior que o soldado deserdor poderia receber por abandonar a guerra do seu país.
Nesse ponto, o Big Brother é muito semelhante ao livro que o inspira: o controle absoluto pelos olhos que tudo vêem, sabem e controlam. Medo, sentimentos de inquietação, castração sexual e liberdade − mas só até certo ponto. Em outras palavras, uma forma de escravidão que pode ser muito bem remunerada. Ou não. A maioria esmagadora sai de lá com as mãos abanando.
E as analogias vão muito mais além do que supúnhamos. Tal qual a obra de Orwell, no Big Brother as classes são bem determinadas. Alguma punjança para os líderes e, para todos os demais, obediência, medo e solidão. O público, o olho tentacular do Big Brother, analisa as personalidade, faz os julgamentos e dá o seu veredito. E não há chance para se redimir. Se o jogador causar má impressão ao sair da casa, assim será para toda a sociedade, a brasileira, essa que legitima muitos dos seus valores com um controle remoto em punho.
Do ponto de vista sociológico, o mais intrigante é que os "brotheres" se mostram extremamente felizes na condição de confinados. Tão exultantes que as lágrimas rolam lépidas e inconseqüentes. Nem o santo nome de Deus tem descanso. É dito em vão a todo momento pelos participantes, agradecendo por estarem ali, encarcerados, ou suplicando à sensibilidade superior para que se dêem bem no jogo. Logo Deus, que já tem o Big Brother Mundo pra vigiar, além das guerras, da fome, da violência e da corrupção no Brasil.
Apesar de tudo, o fetiche é grande. Tanto por parte dos participantes como do público. Até as formas mais suaves de pornografia são beneficiadas pelo BBB. É a lógica de funcionamento do programa, que já prevê destino editorial certo para os saradas e sarados do programa no observatório erótico das revistas. Todos, sem sombra de dúvida, bombados e musculosos. Pedaços de carne bem cotados no mercado.
Autencidade premiada O BBB é o território no qual a dissimulação vem fantasiada de "autenticidade", palavra-chave no glossário dos reality-shows. Certa vez, uma pessoa que conheci revelou que torcia por fulano de tal na edição passada do programa. Para uma confessa telespectadora do Big Brother, nada de anormal, se identificar com algum participante do jogo. Mas, ao me dizer isso, fiquei naturalmente curioso para saber porque ela estava torcendo por aquela pessoa: "Porque ele é autêntico", respondeu-me, como se tivesse aprendido a palavra "autêntico" assistindo à televisão.
A grande questão era saber se ela torcia pelo candidato em questão porque o Brasil inteiro estava torcendo pela mesma pessoa − e então este é um jogo de cartas marcadas em que o ganhador é definido antes do final − ou, simplesmente, porque o jogador seria realmente autêntico. Autêntico até o ponto em que a liberdade do programa permite. Pelo que sei, autenticidade tem a ver exclusivamente com liberdade. Sobretudo, liberdade de expressão e de pensamento.
Porém, como pode se ter autencidade ao participar de um programa que limita a liberdade de seus jogadores em um código de conduta que não pode ameaçar, nem de longe, os interesses da empresa que o produz? No BBB, autenticidade só seria possível se houvesse a mínima chance de crítica contra o stablishment do programa. Como não há, qualquer tentativa de ser autêntico, portanto, é meramente simulada. É como achar que existe liberdade escrevendo para um jornal. A liberdade só vai até onde começam os interesses da empresa.
A noção de autenticidade também se dilui nas edições do BBB. Confinamento após confinamento, fica visível que os participantes do jogo partilham de uma mesma linguagem padrão. Por já terem sido espectadores dos números anteriores, eles estão cada vez mais profissionais na construção de uma autenticidade auto-elaborada e na criação, com a palavra final da edição, de “kits-de-perfis-padão” identitários.
Edição após edição, "espie": a ritualização é sempre a mesma − dos gestuais ensaiados aos modelitos de banho, do exibicionismo fashion aos cortes de cabelo da hora, do sentimentalismo que se apodera de todos as amizades verdadeiras, da troca generosa de elogios à sinceridade fingida. Até a franqueza é fingida. Na casa do Big Brother todo mundo age segundo a mesma cartilha dissimulatória e, nos lares, todos dizem amém.
No Brasil, a usina do entretrenimento barato avança a todo o vapor. O número de pessoas que aspira a um posto de popstar, para gozar de cinco minutos de fama televisiva, é muito maior do que se imaginava. Culpa dos reality-shows, que retroalimentam os sonhos daqueles que não possuem talento para estrelar no restrito universo artístico. A oitava edição do Big Brother Brasil foi um record, superando os 200 mil inscritos.
Nos Estados Unidos, a lógica dos reality shows com "pessoas comuns" foi por água abaixo e não chama mais atenção do grande público. Por lá, o lance é explorar aspectos ainda mais bizarros da condição humana. A nova aposta da televisão norte-americana é manter sob vigilância celebridades decadentes em uma clínica de reabilitação para drogados e alcóolatras. É o Celebrity Rehab With Dr. Drew, que estreou nos EUA essa semana.
O desafio é largar o vício e ficar sóbrio em rede nacional. O programa começa mostrando os participantes no pleno exercício de seu vício, antes de ir para clínica. Um deles é a atriz Brigitte Nielsen (ex-senhora Silvester Stalone), que mamou uma garrafa de vodca no gut-gut antes de entrar na casa. Outro é o ator Jeff Conaway (da sitcom Taxi, dos anos 70), que está tão emboletado por ter ingerido uma mistura de álcool e comprimidos que sua fala precisa ser traduzida com legendas para o telespectador. Só estão esperando Amy Winehouse parar de vender discos pra mandá-la ao Celebrity Rehab.
Ratos de laboratório − Sabe como nasceu a idéia do Big Brother? Tudo começou quando o empresário John Demol, lendo um artigo na revista Biosphère, teve a idéia de filmar, dia e noite, cobaias humanas em condições similares à de ratos de laboratório. Batizado de Big Brother, o conceito virou show televisivo em setembro de 1999, atraindo 55 % da audiência.
Após sua explosão na Holanda, o programa foi transmitido para 27 países. Hoje, Demol produz em sua empresa, a Endemol, cerca de trezentos programas para o mundo inteiro. Relendo o velho Guy Debord, o esperto John Demol descobriu o grande trunfo teórico que viabilizou a criação do seu programa: "quem fica sempre olhando, para saber o que vem depois, nunca age: assim deve ser o bom espectador".
Os objetivos comerciais do empresário também se espelham em outra justificativa formulada na teoria espetacular de Debord: "O espetáculo é o capital elevado a um tal grau de acumulação que se torna imagem". No caso do Big Brother Brasil, botar sua imagem à venda equivale concorrer a R$ 1 milhão. Mas não é garantido que você vai ganhar. Mesmo assim, vai querer?

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

sÓ nÃO vALE qUEIMAR*

Idade Média, peste negra, cadáveres de duas cabeças, lobisomens, naves espaciais movidas por partículas psíquicas, planetas remotos, rock. A aparente algazarra de alusões é chave para entender a reputação que escritor italiano Valerio Evangelisti conquistou entre leitores europeus.
Em O Inquisidor, segundo romance dele traduzido pela Conrad Editora, Evangelisti (na foto) engendra uma trama sobre conspirações, heresias e mistérios investigados pelo padre dominicano Nicolau Eymerich.
Em sua obra, o ponto em comum é o claro pendor para gêneros brutais e velozes do rock. Volumes de energia punk e heavy metal pontuam o ritmo dos enredos fantásticos criados pelo autor, que também colabora com a edição italiana da Rolling Stone. (Cristiano Bastos)
Na trilogia O Ciclo do Metal há citações que vão do punk ao heavy metal. Como o rock afeta sua obra?
Alguns momentos fortes saem direto do rock. Às vezes, um trecho de uma música sugere uma visão: góotica, se estou ouvindo heavy metal, ou de ação, no caso do punk rock.
Porque a escolha de Chaos A.D., do Sepultura para estrear sua coluna na Rolling Stone italiana?
Por muito tempo as bandas de metal imitaram os modelos anglo-saxões, incluindo o Sepultura. Mas o álbum Chaos A.D. é muito diferente, com canções inspiradas em por danças tribais e pela realidade social do Brasil. Foi algo novo no metal. A obra-prima veio depois, com Roots, mas Chaos A.D foi o verdadeiro marco que influenciou o metal em todo o mundo.

O heavy metal ainda está vivo e atuante? Qual é seu futuro?
Se velho heavy metal está um pouco cansado, o gênero é grande o suficiente para se renovar. Existem muitas bandas experimentando novos estilos. Na Europa, a mais popular é o Rammstein, da Alemanha, com seu bizarro "dance metal". Mas, em todos os lugares, há músicos trabalhando. Não acho que o metal morrerá tão cedo!
*Entrevista publicada na Revista Bizz, edição de fevereiro de 2006.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

iPOD'S 20

As mais pedidas no iPod:

“Yea Yeah Yeah Song” – Flaming Lips (At War Whit the Mistics)
“Next Big Thing” – Dictators (Go Girl Crazy!)
“I Love Rock’n’Roll” - Jesus & Mary Chain (Munki)
“I Hat Rock’n’Roll” – Jesus & Mary Chain (Munki)
“Baby Snakes” – Frank Zappa (Sheik Yerbouti)
“Folsom Prison Blues” – Johnny Cash (Live At Folsom Prison)
“Magical Colors” – Jon Spencer Blues Explosion (Acme)
“I Beg your Pardon” – Kon Kan (Kon Kan)
“Happy Together” – Turtles (The Turtles)
“Special” – Violent Femmes (Blind Leading The Naked)
“Venus” – Television (Marque Moon)
“Último Verão” – Julio Reny (Último Verão)
“Sexx Laws” – Beck - (Midnite Vultures)
“Casino Royale Theme” – Burt Bacharach (Original Soundtrack)
“The Thrill is Gone” – Chet Baker (Deep in a Dream)
“Resolution” – John Coltrane (A Love Supreme)
“Place to Be” – Nick Drake (Pink Moon)
“Caravan” – Van Morrison (Moondance)
“Rocks” – Primal Scream (Dirty Hits)
Hard Luck” – Undertones (The Best Of Undertones)

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

fRUIT tREE

A Island Records lançou uma nova edição da caixa Fruit Tree, de Nick Drake. Mais do que previsível, essa deliciosa luxúria não vai ser lançada no Brasil. As embalagens dos três únicos àlbuns oficiais de Drake, Five Leaves Left, Bryter Layter e Pink Moon ganharam o formato de réplicas das edições dos discos em vinil.
O box é acompanhado do DVD do filme A Skin Too Few - The Days of Nick Drake, um documentário sobre a vida e a obra do atormentado músico. Não espere por imagens raras ou registros de apresentações ao vivo de Nick Drake. Como se sabe, ele não deixou nenhuma. Fruit Tree também não traz o volume de raridades Time of No Reply. No entanto, todas os bootlegs possíveis de Drake, como Tanworth-in-Arden, The Complete Home Recordings e Second Gracem estão disponíveis para download no blog Time Has Told Me.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

kINDA kINKS

Toda vez que um gigante do rock manda recado que vai despertar de uma sonolenta temporada de hibernação, não é a emoção que fala mais alto – é o pé-atrás. Depois do ostracismo, a volta dos dinossauros aos palcos e aos estúdios cheira a golpe ou recende à naftalina. A reação alérgica de abrir o guarda-roupa da casa de praia que ficou fechado por uns verões.
Muita gente vibrou com a volta dos Stooges, mas nem os mais fanáticos sabem o nome de uma música do novo The Weirdness. Eu sei: “My Idea for Fun”, que tem jeito de "No Fun” recauchutada. Os New York Dolls lançaram One Day it Will Please Us to Remember Even This, mas não tem muita graça sem Johnny Thunders e Arthur Kane Killer.
A imortal empolgação com as músicas do The Who não justifica desembolsar algumas pratas pra ver Pete Townshend e Roger Daltrey se aturando pra dar uma última carga de energia em “My Generation” e “Can’t Explain”. São os velhos álbuns que vão preservar a perenidade da banda para as futuras gerações de roqueiros que vão se suceder no inexorável hype de amanhã. É difícil imaginar onde e como Townshend arrumaria forças pra novamente sacrificar uma guitarra como nos áureos tempos. No Who, outra parte do mojo perdeu-se há bastante tempo, quando Keith Moon, a força motriz da banda, se foi entre boletas e baquetas.
A mesma expectativa em relação ao retorno do Led Zeppelin previsto pra esse ano. Sabe-se que Robert Plant detonou sua voz abusando de tantos agudos e que Jimmy Page e sua cabeleira branca, revelada em fotos recentes, é o retorno da múmia em pessoa. Pelo menos no imaginário dos fãs, o gogó de Plant ainda conserva a forma dos anos 70, assim como Page nunca deixou de ser o guitarrista incendiário de “Black Dog”. Mas que ele deve estar tocando melhor do que nunca, isso sim. A verdade é que sempre tem uma multidão saudosista disposta a financiar a volta de todos os mortos-vivos do rock – então, who cares? Viva a necrologia do pop!
Na volta de um sobrevivente como o MC5 – show que vi com os próprio olhos em 2005 – a expectativa latente era de se reviver a emoção genuína que se tem ao ouvir o disco Kick out The Jams: virulência punk em alta octanagem, duelos sônicos de guitarra e deleite noise. A banda, ainda que desfalcada de Fred Sonic Smith e Robin Tyner, claro, fez de tudo para concretizar o sonho coletivo presenteando a todos com um simulacro quase perfeito dessas nossas expectativas. Saí de lá enganado e feliz. Se faz uma ressalva pro MC5: a banda não fazia apresentações desde que se separou, há 35 anos atrás.
Se você não concorda com nada escrito até aqui, tudo bem – foi só um nariz de cera pra justificar que também tenho defuntos que gostaria de ressuscitar enquanto a morte não ceifa as almas que restaram no panteão de heróis clássicos do rock. Se eu tivesse chancela divina (ou financeira) pra isso, não resta dúvida de que a primeira banda pra qual daria o meu "sopro de vida" seria The Kinks. Eles estão no topo da minha lista além-túmulo.
Something Else By The Kinks – Fãs como eu, que passaram a adolescência – e ainda na idade adulta – sonhando ver os Kinks tocando “Waterloo Sunset”, “Till the End of the Day”, “All Day All Night”, “Set me Free”, “Picture Book”, “Lola”, podem soluçar à vontade. Ray Davies, o homem a frente dos Kinks, anunciou que a banda vai se reunir em 2008. Davies é um dos maiores cronistas do Império Britânico e, antes de assumir esse papel, foi o grande hitmaker da Britsh Invasion. Ele é o cara.
Na obra dos Kinks estão os melhores álbuns de rock já gravados nos anos 60 e 70. A banda nunca alcançou dimensões gigantescas de público, de estrutura ou de fama e sempre foi mais cultuada do que popular, então, nunca se desgastaram em espetáculos megalomaníacos. Quem já ouviu sabe que a maioria das canções dos Kinks são à prova de envelhecimento. Se você é neófito e se interessou, fácil, vá na internet e ache um the best of da banda. Depois deixe por conta da sensibilidade. Catequizado, siga para o resto, atacando nas principais fases da banda.
A fase guitar band (The Kinks, Kinda Kinks, The Kinks Kontroversy, Face to Face); psicodélica (Something Else By The Kinks, The Kinks Are the Village Green Preservation Society, Arthur – Or the Decline and Fall of the British Empire); hard caipira (Lola versus Powerman and the Moneygoround Part One, Muswell Hillbillies); conceitual (Preservation Act 1, Preservation Act 2, Soap Opera); e até glitter (Sleepwalker).
Agora, o melhor de tudo nos Kinks: eles não gozam da importância e da seriedade canônica dos contemporâneos Beatles. Essa coisa de insuperabilidade que é imperativa e chega a ser irritante. Estabelecer o posto de “Melhores de Todos os Tempos” para o Fab Four é adimitir importância menor para todo o que surgiu antes e depois deles. Ser mais mortal preservou nos Kinks boa parte da mística que, nos Beatles, perdeu-se por causa da massificação. O quarteto de Liverpool já teve o DNA inteiramente desvendado, graças a exegese exagerada da sua obra e aos lançamentos oportunistas que chegam no mercado todos os anos.
Ray Davies fez o anúncio da volta durante o lançamento do box set Retrospective e aproveitou pra desabafar sobre a sua carreira solo. Davies disse que gostaria de voltar a tocar com os Kinks: “Você sente falta da interação. Com outros músicos é diferente, não tem a mesma paixão”. Vejo essa sanha de tocar como “a” diferença no vôo de regresso de qualquer desses pterodátilos do rock. Imagine (mas não faça trocadilhos) Lennon e McCartney se reunindo pra reativar os Beatles. Se já naquela época eles não tocavam...
Como as letras de Davies, os Kinks tiveram uma trajetória peculiar. Colocaram inteligência e literatura no psicodelismo, foram venerados pelos punks no final dos anos 70, presenciaram e usufruíram do nascimento da MTV nos anos 80 e terminaram sem gravadora e com discos de baixa vendagem no começo dos 90, convivendo lado a lado com bandas que influenciava, como The Fall, Blur e Pretenders (Chrissie Hynde foi a ex-senhora Davies). Deixaram um legado de mais de 30 discos, entre álbuns, coletâneas, trilhas sonoras e dezenas de singles que ainda inspiram o rock alternativo mundo afora.
♪ Girl, you really got me goin ♪ - Em 2007, o hit “You Really Got Me” (número 1 em todo o Reino Unido) completou 42 anos. Pra sacar a importância dessa música, é bom lembrar que Ozzy Osbourn disse mais de uma vez que, se não fosse ela, provavelmente, o Black Sabbath não teria existido. É fácil imaginar Ozzy e Ritchie Blackmore dando cabeçadas no balanço contagiante de “You Really Got Me”. Depois dela, os riffs powerchord, ou seja, baseados em acordes fortes e poderosos, foram a base de clássicos do hard rock pesado como “Smoke On The Water”, do Deep Purple, "Heartbreaker", do Led Zeppelin e "Paranoid", do Black Sabbath.
O som inflamado de guitarra de “You Really Got Me” é mérito do irmão de Ray, o guitarrista Dave Davies, um dos membros originais dos Kinks. Dave conseguiu o timbre único dessa música com uma Harmony Meteor de segunda mão ligada a um amplificador Vox AC-30. O guitarrista furou o alto-falante com um lápis e espetou algumas agulhas de costura. Assim, fez com que o som da guitarra soasse especialmente rachado e distorcido. Resultado: nenhum guitarrista da época (1964) jamais conseguiu reproduzir o efeito de Dave e do seu destruidor experimento. Em termos de barulho, os Kinks foram a vanguarda. O páreo continua duro até hoje.

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