Conta sobre a época em que a Ave Sangria surgiu.
Marco Pólo - Estávamos em plena ditadura militar. Uma parte dos jovens se engajou na luta armada. Outra, como era o meu caso, na arte. Uma arte comprometida com a ruptura, a afronta ao moralismo vigente, ao cerceamento à liberdade.
Eu morava no Rio e quando cheguei no Recife, no final de 1972, encontrei a cena musical fervendo.
Havia as bandas Nuvem 33, muito boa, Flaviola e o Bando do Sol, também excelente, Phetus, Licar, Marconi Notaro e outros. Logo depois houve um festival em Fazenda Nova, que ficou conhecido como o "Woodstock pernambucano".
Foi nossa primeira apresentação com o nome de Tamarineira Village, uma referência ao Hospital Psiquiátrico da Tamarineira e à Vila dos Comerciários, perto de onde a maioria dos membros da banda morava.
Depois, nos apresentamos no Beco do Barato e no Teatro do Parque, com shows que tinham por nome Fora da Paisagem e Corpo em Chamas. Fomos contratados pela Continental pra gravar um LP. Enxugamos o grupo, deixando só os músicos profissionais. Antes participava, informalmente, todo mundo. Cerca de umas 15 pessoas. E mudamos o nome da banda para Ave Sangria.
Gravamos e o disco começou a tocar nas rádios. Veio a Censura e recolheu das lojas e proibiu de tocar. Fizemos o show Perfumes & Baratchos no Teatro de Santa Isabel e encerramos a banda.
E o lance glitter?
Marco Pólo - Não nos vestíamos de mulher. Apenas eu usava batom, durantes as apresentações, e depois os outros membros da banda passaram a usar também, mas só durante os shows. Queríamos chocar os burgueses, o machismo, o moralismo da tradicional família pernambucana.
Israel Semente, nosso baterista, tinha mania de me dar uma bitoca (encostava os lábios nos meus), como se fosse um beijo, em pleno palco, era um escândalo. Depois de me ver cantar "Seu Waldir" (canção que, em tom de deboche, falava do amor de um homem por outro), um amigo meu deixou de falar comigo.
Mas as menininhas burguesas sabiam qual era nosso verdadeiro interesse sexual.
De que forma a Ave Sangria coloca-se no chamado "udigrudi nordestino"?
Marco Pólo - Éramos, fundamentalmente, uma banda de rock, do rockão pesado. Mas, também tocávamos baião, maracatu e samba (a música "Seu Waldir", que provocou a proibição do disco, na época, é um samba de breque). Tocávamos baião e maracatu com a mesma fúria guitarreira como quando tocávamos nossos rocks.
Nossas influências eram os Beatles, os Stones, Hendrix e Jackson do Pandeiro. Ou seja, como na música dele, o Jackson, misturávamos o chiclete americano com a banana brasileira. Fazíamos uma fusão, o que era visto como heresia por grupos musicais tradicionalistas e seus defensores.
*Na foto, Marco Pólo está à direita da ninfa (pobre menor 30 anos atrás...) prestes a ser "imolada" pelo bando de cabeludos.
Os demais são Ivson Wanderley (guitarra solo e violão), Paulo Rafael (guitarra base, sintetizador, violão, vocal), Almir de Oliveira (baixo), Israel Semente (bateria) e Juliano (percussão).
Não, necessariamente, nessa ordem.
Play the Ave:
"Seu Waldir"
"Corpo em Chamas"
"Geórgia, a Carniceira"