sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

gAULESES & rOMANOS

Antes de falar de rock, essa eterna festa que tecnologia, ideologia ou estética alguma jamais conseguirão dar fim, é melhor acautelar o leitor sobre o campo minado em que vai pisar nessa edição especial do blog [[DESORIENTAÇÃO]]: o Rio Grande do Sul – cenário de bravatas sangrentas & beligerâncias históricas.
Evocação forte e pomposa, mas que explica paixões que movem as peleias gauchescas. Parafraseando César Oliveira em "Milonga Maragata", o sangue farroupilha galopa até mesmo nas veias do rock gaúcho. Paralelo que, pro gaúcho, não é impossível:
Tenho sangue farroupilha
Galopando em minhas veias
Nos arrancos de trinta e cinco
Andei trilhando coxilhas
Enredado nas flexilhas
Tramando aço em peleias
Olha que rola um punk rock Oi! dessa letra. No rock, é melhor que seja assim - sangue beligerante correndo nas veias. Guerra é movimento. Paz é anemia. Um roqueiro não pode ter patchouli a circular nas veias. Glitter & purpurina é enfeite. E o vocabulário do Oliveira? Daria tudo pra saber o que são "flexilhas", mas estou com preguiça de ir ao dicionário. Aposto um churrasco de costela uruguaia que a maioria dos gaúchos não sabem o que, por Bento Gonçalves, significa isso.
A coisa é séria. A vocação beligerante do Rio Grande do Sul cruza as fronteiras do continente. De 1835 a 1845, a Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha, a maior guerra do país e o mais longo conflito armado das Américas, sangrou o Estado. Um título muito trash metal. Aliás, o Rio Grande do Sul é um celeiro de tipos mutcho lôcos: Elis Regina, Brizola, Vargas, Quorpo-Santo, Padre Landel de Moura, Tony da Gatorra... Cada qual com sua beleza, talento, inteligência e estranheza.
As contendas sempre tiveram dois lados bem definidos no Rio Grande do Sul. Chimangos (republicanos que apoiavam o governo central) enfrentaram os maragatos (partidários da revolução rio-grandense de 1893), e vice-versa, várias ocasiões durante a história. Avante no tempo, marcharam lado a lado na revolução que derrubou o presidente Washington Luiz e colocou Getúlio Vargas no poder.
Nos gramados, o duelo mortal entre gremistas e colorados, o Gre-Nal, divide torcidas em êxtase doentio. Até pra saber quais são as "cores bonitas" se discute: se o Claudiomiro, com a camisa vermelha, ou Baltazar, com os seus tons azulados?
O gaúcho foi criado na peleja. Vive à espreita da guerra até mesmo nas suas festividades. Vai à luta, mas isso não quer dizer que leva todas. Todos os anos comemora a Revolução Farroupilha, uma guerra perdida - mas não importa: é melhor comemorar um levante derrocado pampa abaixo do que se acovardar diante dos inimigos. Essa não é uma atitude de gaúcho - isso é espírito punk, pelo que sei.
Uma coisa é certa, no Rio Grande sempre está rolando alguma discussão importante: nas rodas de chimarrão, nas estâncias, nos ermos rincões, nos bolichos do interior, nos botecos fétidos de Porto Alegre, nas quebradas sujas do under, nas universidades, nos programas de rádio, nos porões & garagens onde se toca rock. Por todos os lados se discute alguma coisa a respeito da província. Não importa se presta, nem é isso o relevante. Importa é que sempre vai mudar os "rumos do Estado". Esse, para mim, é o significado mais preza de se "ser gaúcho", mesmo que não dê em nada.
Fazer rock no Rio Grande do Sul sempre foi uma grande batalha. Como todas as refregas travadas no Estado, essa guerra precisa ser pensada. A batalha continua, como a nossa história.
LEIA NESSA EDIÇÃO
♪ A saga dos gauleses
♪ Ricardo Alexandre, Flu &
Gustavo Mini analisam o mercado gaúcho
♪ Gauleses irredutíveis: velhos conhecidos dão sua opinião
♪ Bomba! Polêmica entrevista com o historiador Tau Golin: "o RS está ondenado pela maldição do civismo"
♪ Leonardo Bomfim: "Isso que é rock"

a sAGA dOS gAULESES

POR CRISTIANO BASTOS


Foi com o espírito gaudério, por assim dizer, que eu e meus amigos e jornalistas Alisson Avila e Eduardo Müller arregaçamos as mangas pra fazer o livro Gauleses Irredutíveis - Causos e Atitudes do Rock Gaúcho.

E lá se foram dez anos desde então. As coisas no mundo mudaram um pouco de lá pra cá. No Rio Grande do Sul, se depender de alguns setores, vão continuar as mesmas para sempre.
À maneira dos autores, muitas vezes arriscamos nossa amizade para fazer um livro sobre o "rock gaúcho".

O que vale mais: um livro de rock ou uma amizade?

Gauleses, na verdade, é imperfeito. Mas as amizades também o são.

Muitos artistas que, "obrigatoriamente", deveriam estar falando no livro não estão. Alguns simplesmente não quiseram abrir a boca, direito que deve ser respeitado. Quem leu sabe as peças-chave que faltaram no tabuleiro.

Casos, por exemplo, de Wander Wildner, Charles Master, que era do TNT, Jimi Joe e Hermes Aquino, compositor do hit "Nuvem Passageira". Uma pena!

O livro tem mais méritos que defeitos: apesar de realizado em apenas 5 meses - recorde que o exime de suas falhas. Quem tem a mínima ideia sobre pauta, apuração e edição jornalísticas sabe o trabalhão que dá fazer 167 entrevistas nesse tempinho de merda. Entrevistar é o mais afudê de tudo.

Complicado é o antes e o depois.

Lembro de ter me entortado de conhaque com o Nei Lisboa, na Lancheria do Parque (ponto de encontro de roqueiros e boêmios em Porto Alegre) porque a única maneira de conseguir uma entrevista com o lendário músico bonfiniano era interpelá-lo de assalto em seu quartel-general.

Após várias tentativas frustradas de tentar marcar um encontro com o autor do hit "Carecas da Jamaica", por telefone, eis que lá estava ele em pessoa solitariamente sentado à sua mesa predileta num fim de tarde qualquer.

Como carregava meu inseparável gravador (de fita K7), não tive dúvida: parti para cima da vítima.


Entortado na Lanchera - De talagada à talagada, acompanhei o Nei em seu conhaque e - tempo de vacas magras - ainda o ajudei a liquidar sua carteira de Hollywood vermelho. Nei Lisboa começou a entrevista tímido, meio desconfiado, mas logo passou a curtir verdadeira psicoterapia jornalística.

Fiquei para lá de Marrakesh e ele deu uma entrevista definitivamente maravilhosa. Está no livro.

Essa era a parte da curtição: mesmo bêbado, saber que se estava apurando a história que ainda não havia sido contada, pelo menos do jeito contado em Gauleses Irredutíveis. Uma das grandes dificuldades era definir no livro, muitas vezes por critérios absolutamente subjetivos, quem seriam as pessoas "importantes" que representariam o rock gaúcho nos Gauleses.

Livro que, na verdade, não relata, como muitos pensaram, a "história do rock gaúcho", embora a cronologia histórica dos acontecimentos da cena esteja contemplada nas temáticas estabelecidas.

Outros manifestaram sua mágoa conosco por não se encontrarem no livro.

Uns com razão, outros não, alguns se julgavam importantes no processo de formação da música jovem no Rio Grande do Sul. Mas como explicar que um livro não é a Bíblia?

Após definir as fontes (músicos, jornalistas, produtores e agregados da cena) a serem entrevistadas, novo desafio: encontrá-las. Muitas foram achadas andando pela rua. Eram sumariamente abordados, como o músico Zé do Trompete, interpelado em plena Oswaldo Aranha. Outros simplesmente sabíamos onde encontrar.

Colocávamos o gravador na cara do cara e praticamente ordenávamos: "Desembucha!"

Eu e o Eduardo, o Cocó, passamos cinco meses a fio vagando pela noite de Porto Alegre. Dois jornalistas estropiados no cumprimento do estreito deadline imposto pela editora Sagra Luzzatto, que queria fazer o lançamento na Feira do Livro daquele ano, em outubro.

Passamos noites rondando o circuito under no eixo Barros Cassal/Independência/Oswaldo Aranha/ Bonfim.

As alamedas de Porto Alegre.

Nosso prazinho ainda incluía a decupagem de uma centena de fitas K7 com mais ou menos uma hora de conversas gravadas. Traduzindo: milhares de horas de conversas gravadas. Nada foi apurado por e-mail, à época ainda não popular, o que deu bem mais trabalho, mas garantiu maior autenticidade aos depoimentos.


Plato, Vinho & açúcar - Algumas entrevistas foram marcantes. Fomos à casa do Plato Divorak e ele nos recebeu com uma lista de 11 histórias prévias que queria contar. Ofereceu-nos vinho misturado com açúcar e iniciou seus relatos, de rara franqueza, sobre suas peripécias sexuais, mentais e musicais.

São as partes mais picantes do capítulo Morte por Tesão. Plato é o legítimo exemplo de um cara que deveria ser melhor reconhecido pela criatividade e labuta na cena gaúcha e brasileira, editando discos e produzindo festivais, como o Montehey Popstock.

Quem nos salvou a pátria do inferno 'degravatório' foi a equipe por nós arregimentada na Famecos/PUC.

A idéia não poderia ter sido mais eficiente: cooptamos estudantes de jornalismo do primeiro semestre, uma gurizada louca pra botar a mão na massa. Qual calouro de jornalismo não ia querer trabalhar, logo no primeiro semestre, com um livro de rock?

Invadimos uma aula de "Introdução ao Jornalismo" e escrevemos na lousa: "Procuramos voluntários para trabalhar em livro de rock".

Esperamos a aula terminar e não deu outra: umas vinte pessoas se candidataram para o trabalho, murrinha e não-remunerado, de transcrever entrevistas. Sem eles, o trabalho jamais seria feito e o livro, provavelmente, não teria saído no tempo estipulado.

E eles adoravam.

Montamos uma verdadeira linha de produção e apuração.

Fazíamos as entrevistas e passávamos as fitas para os "decupadores", que transcreviam e nos mandavam o resultado por e-mail. No fim de semana, editávamos a montoeira de depoimentos e informações coletados durante a semana.

Essa foi uma das etapas mais complicadas, porque tínhamos que - perdidos no tiroteio da barafunda de falas e opiniões, anos, datas, vocabulários, dialetos, piadas internas e ajustes de linguagem - cruzar as novas informações com as dos outros entrevistados e inserir o depoimento em sua devida temática.

Um quebra-cabeça que deu a maior enxaqueca.

Depois, a definição do projeto gráfico do livro e a curadoria das fotos que entraram na edição. Por fim, o martírio da checagem final das informações com as fontes.

Gauleses Irredutíveis chegou à gráfica praticamente no último minuto do seu prazo. Como era de se esperar (ao menos por seus autores) foi um sucesso. Não apenas porque o livro é pop e divertido de ler, mas porque o rock gaúcho, cujo início remonta aos anos 50, carecia de "registro histórico".

A gurizada do interior, da cidade e de outros Estados do Brasil, adoraram.

Os "puta-velhas" também curtiram.

Em 2001, Gauleses Irredutíveis foi a obra de autores estreantes mais vendida da 47a Feira do Livro de Porto Alegre. Assim que lançada, esgotou rapidamente a primeira edição, tornando-se peça de colecionador disputada em sebos e na internet.

O livro também ficou conhecido fora do Brasil. Os autores do coletivo italiano Wu-Ming, do best-seller Q- O Caçador de Hereges, o usaram como referência para uma obra nos mesmos moldes, lançada pelo coletivo sobre o rock italiano.

As melhores histórias foram aquelas que, pela riqueza nas descrições dos fatos e detalhamento do momento em que foram protagonizadas, puderam fornecer ao leitor um painel histórico dos acontecimentos. Mas de modo diferente, porque o lúdico estava sempre em primeiro lugar nas edições dos autores:

"Quisemos traduzir um espírito de rock-n-roll, como este espírito funcionou no RS", disse Alisson à época.

Em termos de "hard news", os radialistas Glenio Reis e Júlio Fürst fizeram descrições muito ricas sobre o que acontecia na época, respectivamente, as décadas de 50/60 e 70. O mesmo se aplica a nomes como Ricardo Barão, Mauro Borba, Katia Suman, Mary Mezzari, Claudinho Pereira.

Todos radialistas e o último, disc-jockey das antigas e agitador da cena, foi o cara que fez detonar o "Rock Grande do Sul" em 1985.

Os músicos são um caso à parte, porque lidamos com subjetividades: tem coisas que os caras se eriçavam pra contar e achávamos que não valia de nada, e vice-versa.

E agora, como escreveu Carlos Gerbase no prefácio da reedição de Gauleses Irredutíveis, falando sério:

"Porto Alegre é um lugar do caralho pra se fazer rock, porque – ao contrário de Londres, Nova Iorque e outros lugares chinelos, em que músicos podem ficar famosos e milionários da noite pro dia - aqui o sujeito vai ralar a vida inteira, vai entrar num monte de roubadas, ser enganado por empresários calhordas, brigar com programadores de rádio que só tocam jabá, vomitar no colo da fã mucra demais, tocar em amplificadores queimados, escapar de fininho de muitos ataques da polícia e, finalmente, descobrir que não ganhou nada além de divertimento e histórias para contar depois. Graças aos gauleses irredutíveis, aqui estão as histórias. Divirtam-se!".

rICARDO: "mERCADO gAÚCHO é gRANDE o sUFICIENTE"

Ricardo Alexandre (ex-editor-chefe da BIZZ): Não acho que o rock gaúcho encontre resistência realmente. Veja Engenheiros, Nenhum de Nós, Cachorro Grande, Júpiter Maçã, Wander... Acho que os artistas gaúchos não se empenham o suficiente para avançar sobre o mercado nacional.
E nem deveriam: o mercado gaúcho já é grande o suficiente e muito mais profissional e interessante. Falei isso pro Julio Porto, da Ultramen, num show deles no Bar Opinião: "Tá vendo essa gatinha que veio te pedir autógrafo? Se a gente estivesse em São Paulo, ela estaria num show do Daniel".
E é verdade: por que a Ultramen deixaria de tocar num Opinião lotado para tocar para num Morrison Rock Bar vazio? Porque deixaria de prestigiar a Rádio Atlântida para ter de pagar jabá para NÃO tocar na Mix FM? Sem chance.
Gustavo Mini Bittencourt (Walverdes): Concordo plenamente com o Ricardo Alexandre, sem tirar nem pôr. É o que eu sempre pensei. Acredito que o "mainstream local" (uma rede de rádios de comunicação forte como a RBS e um circuito de shows consistente no interior) acaba segurando as bandas por aqui pois elas conseguem se estabelecer profissionalmente sem precisar ir pra São Paulo. Acredito que grande parte do sucesso do mangue beat se deu porque os caras precisavam vir pra cá pra cena não minguar em Recife.
Fora isso, sempre existem fatores mais macro, como o contexto pop da época. Por exemplo, além do talento e da competência da Cachorro Grande, eles ainda pegaram uma boa conjunção de fatores no qual o tipo de som deles "caiu bem" para o momento da música atual.
Parece que havia uma lacuna que eles preencheram. O mesmo aconteceu com o mangue beat: olhando pra trás você vê que havia uma latência de acontecer o surgimento de uma linguagem que trouxesse um pouco de cultura brasileira tradicional com cultura pop contemporânea.
Calhou que o pessoal de Recife cozinhou esse caldo na hora e na temperatura certa. O Júpiter fez isso com o rock dos anos 60 e, embora ele não tenha "estourado" (eita palavrinha....), o Sétima Efervescência foi um dos discos mais influentes na volta dessa estética sessentista no cenário musical brasileiro.
Se o Cachorro Grande está hoje onde está, em parte é porque o Júpiter abriu essa picada esteticamente. Esses movimentos são muito difíceis de serem previstos com exatidão, mas são freqüentes como fator de sucesso no mundo pop. Não adianta nada ser a banda certa na hora e local errados.
Flu (ex-DeFalla, artista solo): Tudo é uma questão de objetivos de vida. Se pensar que fazer música é ganhar dinheiro e umas fãs, pode se contentar com um mercado ou gestão da situação vigentes. Não existe uma só verdade. Pessoas vão atrás de sonhos, de aventuras, de confusão. A arte é isso. A busca de algo que não se sabe o quê. O mercado é sempre dirigido a te satisfazer.
Quanto a isso, o gaúcho é bem servido: tem uma ótima qualidade de vida, se comparado aos outros Estados. Mas e quanto a deixar uma marca forte na história? Não seria essa a maneira de um artista se satisfazer? Claro que não existe lugar marcado pra deixar essa marca. Mas só ganhar dinheiro e comer gatinhas é meio vazio. O lance é isso e muito mais. Sempre pensar que não acabou a nossa missão.
Não se sentar numa cadeira e dizer: "agora alcancei meu objetivo". Existem muitos objetivos. Na arte tudo está sempre evoluindo, mudando. Temos sempre que inventar e nos aventurar. Por isso não podemos dizer que uma situação é certa ou errada. Cada um escolhe seu caminho.

sEPARA ou nÃO sEPARA?

EduK (DeFalla): A arrogância dos gaúchos já nos delegou o separatismo. Se reclama que os cariocas e os paulistas são preconceituosos, mas fomos nós que começamos isso, que amarramos os cavalos no obelisco. Sempre tivemos uma cultura própria muito forte.
É como se a gente fosse os gauleses e o resto do mundo fosse os romanos. As bandas de rock gaúcho estão sempre dando a letra, estão sempre à frente e sempre com muito culhão. O gaúcho, por ser gaulês, tem uma espécie de medo de não funcionar fora do Rio Grande do Sul.
Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii): Não é função dos músicos criar uma escola. Por isso nunca quisemos carregar a bandeira do gauchismo. É muito babaca essa noção de “a escola impressionista, o grupo tal...”
Carlos Eduardo Miranda (Urubu Rei): Quantas bandas tentaram várias coisas por São Paulo, Rio de Janeiro e quebraram a cara...Tem banda que, na boa, o som é feito pra tocar no seu Estado. Não é só Rio Grande do Sul: todos os lugares têm seus “astros” (nota do autor: ou seriam "ídolos"?).
Gustavo x Aguirre (Justa Causa): Ir pra São Paulo foi necessário e bom pra Justa Causa. Depois do primeiro disco independente, gravamos Diversão do Fim do Mundo pela RGE. Só que a gravadora não quis fazer nada pra divulgar. Era um disco pra vender 30 mil e vendeu 10 mil. A gente tinha uma expectativa bem maior.
Raul Albornoz (Selo Antídoto): Hoje, não existe como transportar a nossa cena, por exemplo, pra São Paulo. Não tem lugar pra tocar em São Paulo. Lá acontece o contrário daqui. Ou a tua banda é enorme ou a tua banda não existe. Eu não chamaria mais o que está acontecendo aqui de underground, é uma outra coisa. Hoje parece que o rock gaúcho foi para o maisntream – não o mainstream da mídia.
Humberto Gessinger (Engenheiros do Hawaii): Temos um lance diferente na maneira de lidar com o humor, com a arte, com tudo... O que é um pouco difícil de entender em outros Estados: “esses gaúchos são tão arrogantes...”, é assim que eles entendem. A maioria do pessoal tem um pouco da cara do interior... Mas essa percepção nem tem a ver com uma questão estrutural ou conceitual: nos acham arrogantes por uma maneira de falar, por uma espécie de filigrana formal... Não tem nada a ver com a cultura gaúcha, nada a ver. E se já é difícil eles aceitarem a gaúcha, então a porto-alegrense vai demorar mais um pouco.
Marcelo Birck (Aristóteles de Ananias Júnior): Não é nada difícil perceber que, na maioria das músicas que circulam nas rádios gaudérias, a temática fala de alegria, companheirismo, hospitalidade, celebra a felicidade do amor, exalta as festanças...
O gaúcho não faz apenas questão de proclamar sua autonomia: ele considera este direito alienável - pense o que bem entender quem enxergar nisso qualquer presunção ou jactância. Não há problema algum em um povo ter uma imagem positiva de si mesmo. A satisfação de proclamá-la abertamente, então, nem se fala.
Mas, neste processo, há um fato curioso a ser percebido: as tradições e práticas gauchescas são coisas tão familiares quanto distantes para boa parte dos habitantes do Rio Grande do Sul - aqueles que vivem dentro dos centros urbanos.
Neste vácuo ente pólos antagônicos, algo como um vazio fértil, uma outra atitude musical, vai se impondo, naturalmente. E isso existe, por exemplo, desde o início do século passado: enquanto o país era tomado por discussões inflamadas entre dodecafônicos e nacionalistas, o compositor Armando Albuquerque criou uma obra indispensável, à margem da sombra de ambos. (...) Porto Alegre é a capital nacional da esquisitice". Sejam gauleses ou gaudérios, não vem ao caso: o essencial está no irredutível.

gOLIN: "o rS eSTÁ cONDENADO pELO cIVISMO pILCHADO"

[[DESORIENTAÇÃO]] – Bahia e Rio Grande do Sul são Estados cujas tradições culturais têm alta força em seus territórios. Ambos têm produção musical forte, particular, original – deve-se dizer.
Mas com a grande diferença: a música baiana também é nacional, ouvida e consumida como água no Brasil, enquanto a gaúcha, seja pop ou nativista, sempre encontrou algum tipo de resistência do público. O que explica a sina?
Tau Golin – No geral, o RS está condenado pela maldição do civismo pilchado, nucleado pelo Movimento de Tradições Gauchescas, porém bem mais espraiado. Existe um dirigismo, como se a estética fosse uma ilustração da história oficial, ainda muito de elogio à oligarquia, aos heróis, etc. Tudo deve estar “coerente” com o discurso oficial.
É incrível como a própria esquerda entrou nesta, mesmo sendo um fenômeno de apenas meio século, no âmbito do Estado, da mídia e da indústria cultural. Alguns dos seus inventores ainda estão vivos. Aos poucos, as manifestações regionais espontâneas foram sendo disciplinadas para um folclorismo artificial e de caserna.
Em diversos lugares do mundo, as manifestações espontâneas ou dos grupos sociais legaram os elementos para a cultura popular e, inclusive, erudita, se ainda usarmos essa divisão problemática. Conseqüência, o civismo não permitiu que surgisse uma cultura popular no RS, que se equalizasse com o Brasil, que tivesse pontos substanciais de diálogo, sentimentos, lúdicos.
Estou convencido de que essa cultura cívica de massa é invenção de intelectuais médios, que somente se sustenta nos rituais do Estado, nos programas ufanistas da mídia e pelo calendário de eventos das entidades, o qual se introduziu inclusive na educação. Sua linguagem é especializada, precisa de auxílio de vocabulário, ser iniciado; para dançar, precisa-se de professor. É a velha herança barroca da oligarquia regional transformada em método cultural. O meu livro A Expedição (Sulina) revela um pouco isso.
Ninguém agüenta exclusivamente essa música, nem mesmo os tradicionalistas... Tradicionalista é um ser fragmentado que se mostra como “unidade” somente nos eventos cívicos-gauchescos e para os outros...Eles estão interessados no controle cultural e não com a cultura; são os senhores dos sentidos, os arautos do RS heróico.
A danação toda é se tomarmos os ritmos e o estilo oligárquico, inventados recentemente, como “cultura gaúcha”. Não tem saída, pois seu nexo é cívico e identitário, não está preocupado com modo de vida, modo de existência, com a tragédia e o deslumbramento humano.
Acho que a ausência de uma cultura popular - de sentido, conteúdo popular -, não de massa, abre possibilidade de reflexão nessa comparação. Na Bahia, você entra na festa, partilha, vive junto; no RS, eles se apresentam, você assiste.
Fui em alguns festivais de folclores em que a festa comia solta, com representações de diversos países tocando e comandando; as delegações se alternando, sinergia total. Aí vinham os “gaúchos” - os malas. Parava tudo para eles se apresentarem, se exibirem... E terminar a festa... Ninguém agüenta.
[[DESORIENTAÇÃO]] – Se dependesse de certos gaúchos, o que é feito no Estado não deveria sair de lá. A cultura autofagista gaudéria parece bastar para alguns...
Tau Golin – Acho que no Manifesto tem um indicativo importante para isso, como no meu Identidades. Eles não estão interessados em se relacionar. Consideram-se uma força “aculturadora”, especialmente depois da hegemonia dos brigadianos e dos “italianos”.
[[DESORIENTAÇÃO]] – Porque o Brasil não se interessa pela música do Rio Grande do Sul? São os nossos códigos que são extremamente fechados?
Tau Golin – São códigos para o civismo e para a construção da identidade. Uma cultura popular tem o cotidiano e seu tempo como conteúdo. É algo além do tempo do verbo. A hegemonia cultural do RS está alicerçada no passado; digamos, um passado duvidoso, pois é uma interpretação dele, com recorte oficialista, chapa branca.
[[DESORIENTAÇÃO]] – Em 2006, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG)proibiu músicos da chamada Tchê Music de usarem pilcha (bota, bombacha, guaiaca), por não considerarem "a legítima música gaúcha". Alegaram que grupos como Tchê Garotos e Tchê Barbaridade, além de alterarem o ritmo da música tradicional, estavam ofendendo a vestimenta.
Para piorar, nas apresentações do gênero, ritmos como axé, lambada, frevo e até mesmo rock foram incorporados ao crossover da TM. Sem entrar no mérito musical: a atitude de um movimento forte como o MTG não tem o caráter negativamente conservador? A história da cultura mostra que, em nome da evolução, é preciso se passar por todas transformações possíveis...
Tau Golin – Em tese, a TM deriva do mesmo campo tradicionalista. É mais uma variação de estilo, não chega a ser um rompimento, uma estética de negação. São coisas de um mesmo universo. Tanto que nunca se apresentou como superação. Muitos retornaram ao tradicional como terneiros fujões, quietos, acovardados.
Somente artistas talentosos e com convicções firmes podem se posicionar contra algo que transparece bem mais forte que um pobre músico. Passar por “estrangeiro”, traidor, etc. é algo muito forte para eles. Precisaria de uma discussão estética, política, histórica, que os músicos não têm condições intelectuais de realizar. Exceto alguns, mas se se exporem vão perder mercado.
O Yamandu talvez seja um dos poucos. E, assim mesmo, fala mais no âmbito particular e não para sustentar debate público. É impressionante a covardia dos músicos. Tem muito a ver com limites culturais e intelectuais, falta de informação. A maioria deles são artistas menores, que existem inclusive porque estão sustentados em um “sistema capacitador” do mercado da indústria pilchada. O manifesto possui diversos apoios “particulares”.
De outro lado, o fato da música do sul não ter espaço nacional não significa que não tenhamos uma boa quantidade de compositores e artistas talentosos, com obras que fazem representações aceitáveis, complexas, do universo rio-grandense, etc. Apenas não conseguem espaço no domínio dos meios de massa da vulgata pilchada.
[[DESORIENTAÇÃO]] – No Rio Grande do Sul, tal qual a Argentina, o rock é a música jovem urbana por excelência. Não existe Estado brasileiro – isso ainda é fato – em que o rock seja mais presente. Não é como em Recife, por exemplo, onde o Mangue Beat pegou o Maracatu, algo local e popular e deu dimensões nacionais.
Hoje, o Brasil inteiro dança o maracatu por causa da influência que foi o som de Chico Science e Mundo Livre. A Graforréia Xilarmônica pode continuar misturando à sua fórmula pop perfeita a milonga e o vanerão, que a legião de fãs que a banda tem no Brasil vai continuar a amá-la – mas é provável que nunca se interessarão pelos nosso ritmos regionalistas. Complexo, não?
Tau Golin – Talvez porque depende de códigos especializados, no sentido de treinados, inseridos em rituais, etc. Não vejo muito o problema na música, no ritmo, e sim no temário e no uso de um vocabulário campeiro, que nem os homens do campo entendem. É preciso fazer curso e ter um vocabulário gauchesco à mão.
Como as palavras possuem historicidade, inserem-se em um meio e mundo da pecuária, possivelmente não tenha encanto, em especial na versão tradicionalista. Cultura musical popular se sustenta mais nas composições música-letras. Talvez esse paradigma possa auxiliar na explicação de que apenas os nossos músicos alcem vôos mais distantes e possuem maior reconhecimento – Boghetino, Yamandu, Borges, Tio Bilia.
[[DESORIENTAÇÃO]] – Qual é a "cultura e a estética correspondentes à memória e à história do Rio Grande do Sul" que o Manifesto contra o Tradicionalismo reinvindica?
Tau Golin – Em especial, condenamos o uso do passado como valor exclusivamente positivo, como faz o civismo gauchesco do MTG, criando um nexo de que eles próprios constituem sua herança legítima (essa é uma instrumentalização, uma armação muito eficiente). Defendemos representações estéticas que tomem o humano dentro de sua tragédia e complexidade.
Enfatizamos a multiculturalidade do Sul e nos colocamos contra a visão laudatória do passado, dos heróis sublimes, como se não tivessem interesses e causas. Indicamos uma força central do dirigismo cultural, o qual legitima uma legião de funcionários que usurpa os espaços públicos, domina as verbas do Estado e cria, inclusive, departamentos de governo de uso exclusivo.
Na nossa visão, a estética e a cultura precisam ter a liberdade de criação para darem conta, minimamente, da complexidade histórica e dos temas do cotidiano. Nos colocamos em um campo radicalmente republicano.

iSSO é rOCK gAÚCHO

Quando ouvi pela primeira vez "Quarenta Anos", da Graforréia Xilarmônica, pensei: é o epitáfio perfeito para o Rock Gaúcho.
Coisa linda finalizar uma cena tão rica, criativa e anárquica sob versos como “impressionante ver que ainda toco esta guitarra, minha laringe com ternura ainda escarra, em prosa e verso, melodias e ruidos”.
É simbólica. Toda uma geração jovem (em todos os sentidos da palavra) que, ainda nos anos 80, cantou sobre mortes por tesão, bailarinas assassinadas, surfistas calhordas e amigos punks, está realmente com quarenta anos na cara e já perdeu espaço dentro do próprio Estado.
Alguns já deixaram a carreira um pouco de lado, muitos seguem estabilizados como mitos eternos do underground e outros tocam para meia dúzia de fãs saudosistas. De alguns anos para cá, as novidades roqueiras do estado apareceram muito preocupadas em negar as gerações anteriores; o que é absolutamente normal. O conflito de gerações acontece desde os primeiros passos do rock.
Há uma clara necessidade de derrubar o estigma de "rock sessentista". O curioso é que, apesar do discurso pomposo, a nova cena ainda parece muito travada. Em boa parte das rupturas da história do rock, o grande “problema” das novidades foi exatamente a obrigação em chutar o balde, ter que mandar o ídolo anterior para o inferno e assumir o trono do novo.
Essa necessidade de se afirmar como o autor trouxe obras ricas em personalidade, mas musicalmente irregulares. O que acontece na renovação da cena proto-alegrense é exatamente o contrário.
Falta coragem. Nos anos 90, por exemplo, a maioria das bandas soube lidar com a referência inevitável que eram Júpiter Maçã e Graforréia Xilarmônica. Tanto que a última geração realmente interessante do Rock Gaúcho surgiu ali, com Bidê ou Balde, Cachorro Grande, Vídeo Hits, entre outras.
O problema começou com uma das últimas bandas-referência da cena de Porto Alegre; a Cachorro Grande. Era aquele esquema do ame (daí vieram os chamados “mods genéricos” que ainda perambulam pela cidade um pouco envergonhados) ou odeie (a chamada cena jaquetinha, bastante influenciada pelos Strokes, que abraçava uma estética supostamente nova-iorquina e mais crua). Quando a Cachorro Grande estourou e foi de vez para São Paulo, deu-se início ao caos. Praticamente um Iraque logo após a prisão de Saddam Hussein.
A cena ficou desorientada. Enquanto vários contrabaixos viola eram doados a instituições de caridade, figuras antes ridicularizadas por todo mundo passaram a ganhar status... o comentário era comum: "poxa, agora eu ouvi a banda com atenção, até que são bons, tem bastante influência do Velvet". Nota-se que o Velvet Underground era uma saída fácil para abraçar bandas que anteriormente eram abomináveis por seguir uma cartilha meio indie-rock. Foi bem nessa época que o Superguidis começava a estourar na cena local e prometia ser a bola da vez.
E foi a bola da vez e a nova banda-referência. No início, o Superguidis fazia um som que mesclava diversas influências sixties com uma pegada moderna. Estava sugerido aí um caminho natural para a renovação do Rock Gaúcho. Afinal, atualizar as referências sessentistas, em poesia & música altamente contemporâneas, foi algo que as bandas sulistas sempre souberam fazer com muita classe.
Depois de certa badalação, o Superguidis começou a mudar. A banda se situava de forma magistral exatamente no meio da modiocridade que ainda não tinha conseguido sair da sombra da Cachorro Grande e da outra mediocridade que queria derrubar os anos 60 de qualquer maneira. Kinks e Pavement cabiam na mesma canção.
A mudança do Superguidis reduziu praticamente ao nada a influência dos anos 60, tanto que eles mudaram visual, trocaram de instrumentos, refizeram letras e até abandonaram algumas músicas festejadas. E foi bem nesse período que os caras se consolidaram como a banda-referência de Porto Alegre, algo que dura te hoje.
Há alguns anos pipocam grupos imitando praticamente tudo do Superguidis, as piadas, as letras, o jeito de cantar, as guitarras oitavadas, o baixo retão... Lógico que ainda há alguns resistentes sixties, mas são irrelevantes, algo que não tem nada a ver com a criatividade de outros tempos.
Na nova cena, há uma preocupação muito grande com o discurso, a pose e o release, mas falta essência. Assim como não preciso esperar 30 anos e bajulações do David-Byrne-da-vez para afirmar de boca cheia que Júlio Reny, Flávio Basso, Frank Jorge, Marcelo Birck, Edu K, Plato Divorak, entre outros, são gênios; não preciso de mais nenhum minuto para sacar que nenhuma das novas bandas vai fazer diferença.
O que dizer de uma cena que conseguiu movimentar os subterrâneos de um país inteiro sem ter praticamente nenhum apoio comercial? Pode ser um show antológico do Júpiter Maçã lá no Planetário do Rio de Janeiro, em 1997, assunto de bar até hoje entre figuras como Kassin, Gabriel Thomaz, integrantes dos Los Hermanos...
Ou um show catártico da Graforréia lá no festival Upload de Sampa, em 2001, que deixou muito marmanjo chorando... São obras-primas como o antológico disco solo de Marcelo Birck, Atonais Em Amplitude Modulada, Os Iluminados Monstros do Amor Frank & Plato, Júlio Reny & Seu Último Verão, TNT & Cascavelletes chupando os Stones quando o Brasil inteiro chupava o Police e U2, Replicantes, De Falla, os trabalhos magníficos dos irmãos Dreher na produção e por aí vai.
Passe no Museu do Rock Gaúco, situado em Chapecó, para ouvir o fino da bossa. E nasceram filhotes em todo o país. São candangos-gaúchos, niteroienses-gaúchos, recifenses-gaúchos, paulistas-gaúchos, curitibanos-gaúchos, chapecoenses-gaúchos, gaúchos-gaúchos...
Certa vez, conversando com o gaúcho-candango André Vasquez, citei o rock inglês como a grande fonte de inspiração para algumas bandas do Rock Gaúcho. Ele rebateu na hora: "que nada, ouve 'Eu e Minha Ex', isso não é rock inglês, é Rock Gaúcho!".
É verdade. Aquele jeito Flávio Basso de cantar, arranjos de Marcelo Birck, pelas alamedas de Poooorto Alegre, naipe de sopros altamente dissonante, do Mercadão até o Bom Fim, coro desengonçado, o refrão explodindo eu e minha eeeeeeeeeeeex... Realmente. Isso é Rock Gaúcho.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

oS nÃO-lEITORES dE jACK lONDON

É duro ser categórico como um gol de placa e admitir que o hábito da leitura está perdendo grandes extensões territoriais para outras distrações mais "fáceis" no turbilhão agitado da vida das crianças, dos adolescentes e dos adultos modernos.
De fato, entre o povo brasileiro, a literatura nunca carregou um porta-estandarte da mesma estatura que o futebol, cuja predileção sempre será soberana.
O Brasil não é a França, onde os índices de leitura chegam a sete livros por habitante/ano. Nossa média é de 1,8 livro. Não é por essa razão, certamente, que nos orgulhamos do Brasil e o amamos. Nação banguela & cariada que, contudo, não deixa de sorrir à boca larga.
Em terras brasileiras, a bandeira da literatura é semelhante a do ensino público. Meio esfarrapada, em 500 anos, nunca foi prioridade nacional hasteá-la com louvor. No entanto, que se proclame a verdade. A "literatura", consegue, sim, aproximar-se das multidões, todas às noites, quando vai ao ar mais um eletrizante capítulo da interminável saga maniqueísta travada pelos seres humanos nos folhetins eletrônicos – scriptum post scriptum, ano após ano.
Consegue lembrar quando foi a última vez que você parou pra conversar com um adolescente pra falar sobre um livro? Eu não. Grande parte dos adolescentes, se não está se bolinando em frente ao playstation, prefere fazer isso no banheiro, e não há nada de errado nisso. Os mais avançadinhos investem ações no rentável mercado da pegação. Não há leitura nesse mundo que desbanque o binômio diversão virtual & fricção carnal.
Fiquei meio chocado, mas nem tanto, quando um amigo, homem crescido, jornalista, me confessou que naquele ano não havia sequer folheado um livro. Não fazia questão de esconder, o tremendo safado, uma ponta de orgulho em sua revelação. Estava provando a si mesmo que não precisava de leituras e, aparentemente, parecia que estava ganhando a aposta. Curtia mesmo eram umas cervas. Grande parceria, mas duvido muito que tivesse pego em armas, quero dizer, copos, digo, livros, há anos.
Diversões infernais - O mundo de hoje é um parque de diversões satânicas difícil de escapar. Um livro, perto desse inferno lúdico, é a expressão do monótono – a significação perfeita para a maioria das pessoas que não tem saco para ler ou acham isso pura perda de tempo.
Se um jovem ficar sábado à noite em casa lendo Dom Casmurro, ao invés de "cair na balada", provavelmente seus amigos vão dizer que ele é depressivo. Ou freak, e logo uma terrível fama se espalhará. Ele pode até virar um assassino em série, se viver nos Estados Unidos. No Brasil, corre o risco de ser chamado de mulherzinha, se o pegarem lendo O Reverso da Medalha, de Sidney Sheldon.
Podem te chamar do que bem entenderem, mesmo que leia Sidney Sheldon – o que eles nunca vão entender é que dedicação à leitura se paga com uma moeda às vezes cara, a solidão. O aspirante a grandes leituras, com preço muito maior: a misantropia. Ler é um destino ainda pior para as famílias que não têm dinheiro para as coisas mais básicas da vida, quanto mais para comprar - por tudo o que é mais sagrado - um livro. De estômago vazio não se passa da orelha do livro.
A reportagem "Um país de não-leitores", publicada pela revista The Economist em março de 2006, estapeava a cara de todos: "leitura no Brasil é a vergonha nacional". Segundo a matéria, que apresentou dados de 2000, muitos brasileiros não sabem ler. Até aqui, sem novidades.
Agora, o que mais impressiona: "Dos que sabem ler, muitos simplesmente não querem ler. Apenas um adulto alfabetizado em cada três lê livros. O brasileiro médio lê 1,8 livro não-acadêmico por ano – menos da metade do que se lê nos EUA ou na Europa", escancarava a reportagem.
A The Economist também citou uma pesquisa recente sobre hábitos de leitura, na qual os brasileiros ficaram em 27º em um ranking de 30 países. De acordo com as pesquisas, no geral, gastamos 5,2 horas por semana com um livro, basicamente. Os argentinos, vizinhos, ficaram em 18º lugar na lista.
A revista ainda lembrou, alfinetando o monopólio dos meios de comunicação no país, que a Rede Globo, maior emissora de TV, também edita livros, jornais e revistas. Como se não bastasse.
A explicação para o descaso com a leitura, afirma a matéria da The Economist, fazendo a apuração jornalística que deixamos passar batido, é que séculos de escravidão levaram os líderes da nação a negligenciar a educação.
No Brasil, a escola primária só se tornou universal na década de 90: "O rádio era presença constante já nos anos 30; as bibliotecas e as livrarias ainda não conseguiram emplacar. A experiência eletrônica chegou antes da experiência escrita", explicou à The Economist o representante da Câmara Brasileira do Livro, Marino Lobello.
Se examinada com lente de aumento (e nem precisa colocar muito perto), a tal "experiência eletrônica" mencionada por Lobello delata, nas entrelinhas, muito sobre a precocidade que acomete atitudes dos jovens contemporâneos em várias áreas do comportamento.
De todo bom livro, mesmo o relato sobre a mais sórdida violência, exige-se um prefácio. Já a experiência eletrônica não exige prefácio qualquer – "passa-se logo ao prepúcio", parafraseando a zombaria de um amigo, literato, óbvio. A malandragem de hoje é puramente prepucial.
Desprefaciados - A mesma malandragem desprefaciada que não necessariamente ouve funk ou rock, mas engole mais drogas do que Hunter Thompson e os caras do Grateful Dead juntos, tudo numa noite só, como se tomar drogas fosse algum torneio disputado nas raves.
Perto das letras machistas do funk que estão na boca das multidões, o sexismo estereotipado da linguagem rock'n'rol, muitas vezes letrado, já ficou até meio démodé, embora o rock sempre retorne para cobrar seu dízimo de chauvinismo.
Ou o que se dirá dos pleaybas de alta que bancam de traficante só pra tirar umas P.I.M.P? Duvido que tenham lido a autobiografia do 50Cent. Se lessem os relatos de Bill Burroughs em Junkie, na década de 40, se envergonhariam em saber que toda degradação merece o mínimo de classe & embasamento.
Eles nem desconfiam, em sua ingenuidade literária, que poderiam encontrar rastros de prosa malandra e poética subversiva em Kerouac, Ginsberg, Burroughs, Hemingway e no cronista carioca João do Rio – pra não me acusarem, justamente, de norte-americanista. E nunca vão desconfiar. É muito romântico. Muito fora de moda.
Mas todos os fenômenos produzidos em nossa sociedade, é preciso admitir, são culturalmente importantes - da escalada da violência ao blá-blá-blá antropológico do Big Brother, do BOP ao conteúdo das letras do funk.
O problema é quando, na grande cabeça ventricular da sociedade, esses fenômenos passam a ser códigos quase imperativos a serem compartilhados por todos. Indício claro de que alguma coisa vai muito errada. Não há dúvida de que alguma coisa vai muito errada. Faz tempo!
Na obra A Importância do Ato de Ler, o educador Paulo Freire, com seu estilo dialogante, narra os diferentes momentos em que a leitura aconteceu na sua vida. Ele diz que a leitura do "seu mundo" foi sempre fundamental, e não fez dele um menino antecipado em homem, "um racionalista de calças curtas".
Freire conta que foi alfabetizado no chão do quintal de casa, à sombra das mangueiras, com palavras do "seu mundo" e não do mundo maior dos seus pais. O chão foi o seu quadro-negro; gravetos, o seu giz: "A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em certo momento dessa rica experiência de compreensão do meu mundo imediato, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra".
Aos leitores cabe a experiência na "leitura da palavra". O importante é começar de algum ponto. Comigo, um desses momentos importantes aconteceu já adulto, com a leitura do clássico de aventura Caninos Brancos (White Fang), do escritor norte-americano Jack London (1876-1916).
Livro que li pela primeira vez numa velha edição da Editora Globo, traduzida pelo introdutor de London no Brasil, Monteiro Lobato - arrematada por cinco reais num sebo de Porto Alegre.
Na "página" seguinte, não mais falo sobre essa relíquia (avariada pelas traças e caninos afiados do meu cão salsicha, o Guri), mas sobre o maravilhoso volume lançado pela Companhia Melhoramentos. Preparada originalmente pelas Éditions Gallimard, traz ilustrações de Phillippe Munch e comentários do professor de antropologia da Universidade Louis Lumière, de Lyon, e especialista em América do Norte, Philippe Jacquin.
Caninos Brancos é a história de um lobo mestiço de cão que abandona a solidão gelada do extremo norte-canadense, o temível Wild, para ganhar a civilização. Não tire o olho. A aventura está apenas começando.

cANINOS bRANCOS

Caninos Brancos tem um dos inícios mais tensos já escritos em uma história de aventura. Sua primeira parte inteira, que engloba os capítulos No Rastro da Caça, A Loba e O Uivo da Fome, transcende o sentido literário.
A narrativa construída por Jack London é verdadeira obra-prima que prenuncia a ação de cinema. O que prova que o escritor faria promissora carreira em Hollywoood, se para lá aportasse. História perfeita para a Disney filmar.
São capítulos com tanto movimento que, no início do século, para o público leitor, devem ter valido pela emoção provocada pelas cenas de perseguição de automóveis de Steve McQueen em Bullitt, décadas avante. Ou as lutas do valentão John Wayne para dizimar os povos indígenas ameríndios.
Mas a realidade do livro é bem outra. Alasca. Final do século 19. Corrida do ouro. Gelo. Escassez de caça. A fome ronda as florestas. Dois homens, que transportam um esquife funerário, e os seis cães, que puxam o trenó, são acossados por uma matilha de lobos famintos liderada por Kitch, astuciosa loba. London, com sua experiência de garimpeiro no Klondike, não apenas conta a história - faz com que a gente não queira estar na pele dos homens.
O talento de Jack London para contar histórias é inimitável: mantém o suspense do leitor cerzindo as informações como um novelo de lã que se transforma em pulôver. Sempre que apropriado, fornece o seu famoso ponto de vista social, sem ser chato. Suas narrativas, além de aventurescas e libertárias, têm sempre o caráter jornalístico.
O espírito aventureiro de London tocou diretamente outro Jack, o Kerouac; a investigação jornalística posta em prática pelo escritor em livros como O Povo do Abismo, no qual denuncia a situação dos moradores de rua de Londres, inspirou, mais tarde, o chamado "jornalismo participativo".
Na edição da Melhoramentos, os predicados jornalísticos originais do livro ganham força redobrada e as páginas, em papel couchê, beleza singular. Por ter ilustrado O Chamado Selvagem, outro livro de London que integra a série de obras universais da editora, Phillippe Munch foi chamado para criar o deleite visual de Caninos.
Munch optou por desenhos grandes e cheios de detalhes. Da orelha à contracapa, pinta impressionantes cenários que transportam o leitor para a atmosfera gelada do extremo norte e o faz participar da vida dos índios e dos garimpeiros. Philippe Jacquin, especialista em América do Norte, descreveu e comentou, em cada página e com bastante propriedade, documentos e objetos da época da corrida do ouro.
Caninos Brancos não é apenas a história de um cão-lobo que vê o mundo sob a ótica sórdida do Deus-Homem. No epílogo, há redenção. Em poucos parágrafos, Jack London descreve a regeneração moral do personagem Jim Hall, que pode ser facilmente interpretada, na verdade, como um apelo à regeneração social de todos os marginais humanos.
London acreditava na regeneração do homem, mas não pôde salvar a si próprio. Alcoólatra debilitado, morreu aos 40 anos, possivelmente por excesso de automedicação de morfina, não se sabe se intencional ou não. Deixou um legado único, como observa o escritor E. L. Doctorow:
"Nunca foi um pensador original, mas um grande devorador do mundo, física e intelectualmente. Era o tipo de escritor que, em qualquer lugar que estivesse, jogava os próprios sonhos na situação do momento. Era um esforçado gênio literário que sabia, por instinto, que a literatura era uma anfitriã generosa, que sempre tinha lugar para mais um à sua mesa". Sua obra permanece viva em dezenas de livros.
No próxima parada, aprecie o trecho inicial do primeiro capítulo de Caninos Brancos. Depois, prossiga na aventura conhecendo algumas das principais obras de Jack London. A imagem que ilustra o post seguinte foi feita por Phillipe Munch para a edição da Gallimard.

nO rASTRO dA cAÇA

Uma densa floresta de abetos margeava sombria o rio congelado. Há pouco, um vento despira as árvores de seu manto alvo e nevoso; pareciam curvar-se, hostis e agourentas, uma diante da outra à luz que definhava. Um silêncio profundo reiriava sobre a terra. Desolação, estupor, estagnação, extrema solidão e frieza era a terra que nem mesmo a tristeza era maior no seu espírito.
Havia nele uma insinuação de riso, mas de um mais terrível do que qualquer tristeza - um riso tão melancólico quanto o da esfinge, um riso tão cortante quanto a geada que comungava com o lúgubre da infalibilidade. Era a sabedoria despótica e inefável da eternidade escarnecendo da futilidade da vida e de seus esforços.
Era o Wild, o selvagem, o Norte de coração gélido. Mas havia, sim, vida por toda a parte, desafiadora. Uma fileira de cães-lobos descia lentamente o rio petrificado. Tinham os pêlos eriçados cobertos de neve. 0 hálito que subia de suas bocas congelava-se no ar, fundia-se em jorros de vapor que iam depositar-se sobre a pelagem de seus corpos transmutados em cristais de gelo. Os cães tinham coalheiras de couro, e de couro também eram os tirantes que os prendiam ao trenó que arrastavam atrás de si.
Era um trenó sem patins, com sarrafos de casca de vidoeira maciça cuja superfície repousava na neve. A proa dobrava-se como um pergaminho, permitindo-lhe pressionar e transpor por debaixo a massa de neve que se insurgia como ondas à sua frente. Dentro do trenó, firmemente amarrada, havia uma caixa comprida, estreita e oblonga.
Havia outras coisas no trenó: cobertores, um machado, um bule de café e uma frigideira; todavia, o que mais chamava a atenção, ocupando quase todo o trenó, era a caixa comprida, estreita e oblonga.
À frente dos cães, um homem com largas raquetes nos pés caminhava penosamente. Atrás do trenó seguia também com esforço segundo homem. No trenó, dentro da caixa, jazia um terceiro homem cuja lida havia se se encerrado - um homem a que o Wild subjugara e abatera de tal maneira que jamais se levantaria e nem lutaria outra vez. Não é próprio do Wild a afeição pelo movimento. A vida constitui-lhe um insulto, pois que se move; e o Wild tem como meta a destruição.
Ele congela a água pra que não corra para o mar; suga a seiva das árvores até emperdernir-lhes o coração com sua frialidade. Nada, no entanto, é mais feroz e terrível do que o modo esmagador com que sujeita o homem - o homem, a mais desassossegada das formas de vida, sempre em revolta com a máxima de que todo movimento, por fim, cessará.

7 oBRAS dE jACK lONDON

O Tacão de Ferro (Boitempo)
Romance visionário de Jack London escrito em 1907. Admirado por nomes como Anatole France e Leon Trotski, O Tacão de Ferro descreve uma insurreição a qual teria ocorrido entre 1914 e 1918, nos Estados Unidos, e que previa um confronto colossal entre capitalistas e a classe trabalhadora.
Nas edições lançadas anteriormente em português, o prólogo era normalmente omitido, o que tornava incompreensível a profusão de notas. Ciente da lacuna, a editora Boitempo não apenas recuperou o formato original como acrescentou um prefácio de Anatole France, escrito em 1923, e um posfácio assinado por Leon Trotski, em 1937.
O livro ganhou importância com o tempo, quando nomes consagrados reconheceram seu valor. O autor de 1984, George Orwell, contava que a leitura, nos anos 1940, de O Tacão de Ferro deixou-o profundamente impressionado.
O Povo do Abismo: Fome e Miséria no Coração do Império Britânico (Perseu Abramo)
Jack London também foi jornalista e destacado militante socialista nos Estados Unidos no começo do século 20, além de defensor ardoroso de mudanças na sociedade. Em 1902 foi à Londres, então principal metrópole do capitalismo mundial, para ver como viviam as pessoas degredadas pela máquina industrial do Império Britânico. Desempregados, doentes, idosos e pobres em geral. Foi viver entre eles no East End londrino, região da cidade onde a pobreza se concentrava. É esse relato sincero, contundente e revelador que deu origem a O Povo do Abismo, retrato sem retoques da injustiça social e da miséria no centro do império mais poderoso da época.
Lobo do Mar (Martin Claret)
Em 1904, quando lançou O Lobo do Mar, um de seus maiores sucessos, London consagrou um estilo em que explorava sua desolada infância e adolescência e as experiências que viveu tanto no mar como em terra firme. Em 1894, jurou encontrar meios para sair da pobreza, da servidão do trabalho braçal e da degradação social.
A Praga Escarlate (Conrad)
A Praga Escarlate foi escrito no conturbado período da vida de London que precedeu seu suicídio, cometido em 1916. Demonstra toda a aflição do escritor diante do destino da humanidade mergulhada na Primeira Guerra Mundial. London aprofunda uma tendência primitivista em sua literatura e cria um espetacular romance sobre o fim dos tempos: a história de uma praga súbita que dizima os seres humanos em minutos faz do auge da civilização industrial o terreno para um princípio de devastação. Partindo de uma reflexão sobre as condições de vida na sociedade moderna, passando pela crítica sobre a cidade urbana, o livro é contado segundo a vivência de um sobrevivente da praga escarlate. Até o Brasil está na história.
Antes de Adão (Lp&M)
Neste impressionante ensaio, Antes de Adão, o escritor fala do que chama de "personalidade dissociada": o "Dentuço", ser pré-histórico pertencente ao povo das cavernas, que teria vivido há milhões de anos e transmitido intactas suas impressões e vivências ao cérebro de Jack. A descrição exata e a emoção permanente fazem deste livro um fantástico relato de aventuras.
Memórias Alcoólicas de Jon Barleycorn (Paulicéia)
Jack London foi uma personalidade fantástica — corporificou a aventura, o destemor, a obstinação, a resistência física, o orgulho & inteligência. Mas Memórias Alcoólicas (não originalmente publicado como um apanhado de memórias e, sim, no formato de periódico, em fascículos) é o relato de todas as etapas que conduziram um ser não-alcoólico, London, a submeter-se a John Barleycorn, a personificação etílica de seu alcoolismo. A obra narra suas experiências com o álcool desde criança.
É seu livro mais triste, por causa da tremenda honestidade com a qual foi escrito, sem, no entanto, trazer um pingo sequer de auto-comiseração. Durante muito tempo, London confessa: "Beber não foi um ato voluntário, mas imposição, prova de masculinidade e único ponto de encontro de solidariedade humana". E mais:
"Todos bebem; bebe-se por tudo; as lembranças das grandes bebedeiras dão mais prazer que as de todos os demais feitos, verdadeiramente heroicos. John Barleycorn está em todo o lado e obriga os homens mais valorosos (porque os medíocres ele não ataca) a fazerem cenas ridículas, selváticas, assassinas, suicidárias. Entretanto, os sentimentos gloriosos, o brilhantismo das idéias, os poderes ilimitados — tudo isso John Barleycorn vai dando e é por aí que ele é mais condenável".
Curiosamente, até muito tarde na vida, quando London não precisava beber, não bebia. Até o dia em que, revela o o escritor revela, teve o apelo cerebral para embebedar-se — e foi aí que deixou de recear John Barleycorn. Seu trajeto final estava traçado: beber sozinho, todos os dias, cada vez mais e por razão nenhuma, simplesmente pela longa convivência com o álcool:
"Eu estava carregando um belo fogo alcoólico comigo. A coisa era alimentada por seu próprio calor e queimou 'the fiercer'. Não houve nenhum momento, enquanto estive acordado, que eu não quisesse uma bebida. Comecei a antecipar o término de minhas mil palavras diárias bebendo um drink quando apenas quinhentas haviam sido escritas. Isso não durou muito. Chegou o momento em que eu prefaciava as mil palavras com uma bebida".
De Vagões e Vagabundos (LP&M)
"Deixando de lado os possíveis imprevistos, um bom vagabundo, jovem e ágil, pode resistir até o fim num trem, apesar de todos os esforços da tripulação para 'despejá-lo' - dado, é claro, a noite como condição essencial. Quando tal vagabundo, sob tais circunstâncias, decide firmemente que irá resistir até o fim, não há modo legal pelo qual os tripulantes do trem possam desalojá-lo. A menos que apelem para o assassinato. Por isso, muitas vezes, os restos mortais de vagabundos são recolhidos à beira das linhas férreas e uma nota nos jornais menciona que um desconhecido - vagabundo, sem dúvida; embriagado, com certeza - provavelmente adormeceu nos trilhos."
Trecho foi extraído do livro Vagões e Vagabundos, que traz o emocionante ensaio O que a vida significa para mim e o relato Como me tornei um socialista.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

lOLLIPOP, cALCINHAS & cOLEÇÕES

a farra gratuita dos downloads romantiza as clássicas dificuldades que o colecionador de discos da velha estirpe dos analógicos tinha que passar, até que um dos bons pousasse em seu "aparelho de som".
Os que restaram desse tipo colecionador, virtualmente extinto, seguem a perscrutar o globo terrestre, entre sebos de & ultramegastores, no encalço do Grande Álbum Perdido.
Sua memória deve ser preservada para as novas gerações, já que seus dias estão mesmo contados. Logo essa busca de fé ficará sob o domínio especializado das confrarias.
Grupos que não vou ajudar a fundar, mas para os quais dou minha total simpatia. É bonito, mas o compartilhamento de arquivos sonoros pela internet é mais lindo ainda. O maior milagre realizado no século passado.
O que o obcecado colecionador fazia outrora não era tão-somente comprar um disco numa loja. Ele, na verdade, empreendia sua destemida caça ao tesouro, com direito a transporte naval ou aéreo até a porta de casa. Encomenda que variava da mais fina pirataria a mais rebuscada edição oficial catalogada - epopéia grega, se comparada às sedutoras facilidades oferecidas por zilhões de enclaves que, de lambuja, entregam o mapa da mina musical nos vastos e navegados mares da rede de computadores.
Há uma década, nem tanto assim (mas um século na senda do progresso tecnológico), conseguir aquele disco raro daquela sua banda favorita que nunca-foi-lançado-no-Brasil-e-nunca-o-seria significava a eternidade. Eternidade com elevado custo para bolsos juvenis vazios, só compensada pelo inigualável deleite místico que vinha como garantia total do produto. Afinal, o fetiche acalentado por meses se materializava com a chegada da sonhada encomenda.
Entregue a mercadoria, o ritual fetichista. Primeiro, a fase da excitação: o desembalar do disco, despido do seu invólucro como a calcinha que, gentilmente, liberta-se das pernas da fêmea pelo controle ávido de suas mãos. A seguir, o aguardado momento de abrir a delicada caixinha: olhos fechados para sentir a flagrância evolada pela sedutora química erótico-serigráfica. Que somente as delicadas circunferências têm – que os discos rígidos nunca terão.
O mínimo a fazer era o amor com a música, como se a mulher amada. Você esperou aquela música cruzar oceanos revoltos de tempo, imensidões e profundezas abissais, para finalmente estar com você, na intimidade, sussurrando melodias ao pé da cama. Entregue-se. Se fuma, siga em frente, acenda um cigarro. Se eu ainda fumasse, acenderia um Marlboro. Deve ser apenas pra isso, sexo & música, que inventaram os cigarros.
Veneno de luxo - O colecionador que se criou chafurdando nas lojinhas de discos do bairro ou do centro da cidade - e de todos os lugares onde botasse os pés -, ainda demorará pra ser extinto. Nas colônias de férias dos colecionadores das antigas nunca faltará uma nova reedição do In-a-Gadda-da-Vida ou uma versão mono remasterizada do The Piper at the Gates of Dawn. Já os colecionadores modernos, terão acesso à praticamente tudo o produzido na música mundial. A lógica, no entanto, é que sem mais ter o que colecionar, a raça dos analógicos finalmente seria consumada.
Os downloaders convictos nunca vão sentir o prazer inigualável que é pagar do próprio bolso por uma obra, seus direitos autorais e impostos embutidos - isto é: prazer livre de culpas. Por outro lado, também nunca saberão o que é ter o bolso ardendo em cerca de R$ 100 a menos por um disco importado. Com tanta dor, o prazer da compra é facilmente sublimável.
Jamais vou esquecer as inúmeras fases de encomenda & esperas pelos discos da minha vida. Em Porto Alegre, entre outras lojinhas, os comprava na acolhedora Toca dos Discos, que até hoje resiste na Rua Garibaldi. Numa ensolarada manhã que brilhava sobre o bairo BonFim, lembro direitinho, arrebatei uma edição poderosa do Slade, a coletânea Sladest!, que ouço muito até hoje.
Na Toca comprei Too Much Too Soon, dos New York Dolls, que ouvi umas duzentas mil vezes para ver se percebia qualquer detalhe novo de alguma guitarra do Johnny Thunders que ainda não havia notado. Mesmo sabendo que grandes detalhes não eram o que se podia esperar daquele disco. O que se podia esperar era uma dose de energia sonora capaz de te fazer levantar, se estivesse sentado, e pular, se estivesse de pé.
Too Much Too Soon era uma encomenda dos festejados tempos em que o dólar valia um por um com o real, por volta de 1992, quando muitos colecionadores obstinados aproveitaram para completar suas intermináveis coleções. Foi a época do regozijo, da maior e mais efêmera glória dos antigos colecionadores de discos de rock, fenômeno que jamais se repetiu no Brasil. Quando a moeda americana voltou a estabilizar-se, foi como se o Crack da Bolsa de Valores tivesse naufragado o negócio dos colecionadores.
Outra loja que ainda está no ramo dos "venenos" - nem sempre baratos -, em Porto Alegre, é a Boca do Disco. A loja pertence ao lendário Getúlio, cuja irmã é casada com Cid Moreira (de onde, vejam só, saiu o capital inicial para o negócio). Até hoje Getúlio vende o seu peixe, ou melhor, o seu churrasco de "raridades", sem abandonar o famoso bordão pelo qual é conhecido: "Leva que esse é costela gorda, magrão!", dispara sempre que fareja uma possível venda.
Não era fácil montar uma coleção de respeito. Houve o tempo em que eu consultava, por telefone (!), catálogos de lojas paulistanas como a London Calling. Com a ressalva de ter que suportar o atendimento ultra-blasé do cara do outro lado da linha – um sujeitinho que, contrariando todos os preceitos universais da mais-valia, não dissimulava o ciúme pela perda de suas "mercadorias". Ressalte-se que a London Calling vendia as edições mais especializadas do ramo. Com preço & antipatia idem.
Os venenos eram trazidos diretamente de quebradas londrinas pra lá de confirmadas. O compartilhamento em massa de arquivos em MP3 deve ter melhorado a educação daquele comerciante com os seus clientes. Ou não - vai saber? Com o tempo, comportamentos ruins só tendem a piorar. De qualquer jeito, o preço por suportar sua soberba afetada foi conseguir um bootleg raro do T.Rex – Rock’n’Roll Satyricon. O som idem: afetado, mas divertidíssimo.
Esses ainda eram os tempos nos quais, se um amigo tivesse um disco e você o queria muito, ele gravava numa fita K7 e te dava. Se fosse gente boa, te emprestava o disco original; e você, por sua vez, sendo colecionador honrado, não se faria de louco, o devolveria. As K7 quebravam o puta dum galho, mas tinham o insuperável problema: eram muito espaçosas. Quando se possuía muitas viravam uma tralha empoeirada. Acho que não serão criadas confrarias para os cassete-maníacos. Desfiz-me de uma mala com umas cem fitinhas e nem senti pena - achava que o mojo um dia gravado nos sulcos magnéticos já havia sido inteiramente absorvido por meus ouvidos & cérebro.
Só em Alvorada - Nos tempos pré-download, só fui ouvir um disco dos Dead Boys por causa de um amigo que tinha uma banda punk, a Unidos pelo Ódio. O nome dele era Julinho. Um cara que morava em Alvorada, lugar tipo New Jersey, na região Metropolitana de Porto Alegre. Espaço perfeito para a proliferação de um status quo legitimamente punk.
O Julinho calçava sapatos que comprava no varejo popular do centro de Porto Alegre, modelagens que ficavam penduradas em fieiras entre jaquetas de plástico e calças de moletom. Pra fazer a cabeça do Julinho, trago de cachaça, cigarros Derby e a parceria com William Caveman pra arrebentar com Heartbreakers, Clash e Sham 69. Fanta Uva, só com pinga. Antes do Julinho aparecer com Young, Loud and Snotty, os Dead Boys eram pra mim apenas um mistério do rock. Podia-se ler tudo sobre eles em Please Kill Me, mas era praticamente impossível ouvir alguma coisa deles em qualquer lugar. Só em Alvorada.
Na faculdade de jornalismo da PUC teve um cara que quase ficou famoso. Tão quase famoso que até hoje é conhecido como "O Cara das Fitas". Nunca ninguém soube seu verdadeiro nome. Certa feita, sua fama lhe precedeu, e virou personagem de tira de história em quadrinhos criada pelo Nik Neves na revista ZE. Chegou a ser personagem do livro Gauleses Irredutíveis. Hoje, pra quem o conheceu, "O Cara das Fitas" representa um paradigma tecnológico.
Nos corredores da Famecos, o tipo fazia suas vítimas como um velociraptor, em grupos ou individualmente, com a persuasiva pergunta, jamais esquecida: "Querem dar uma olhada na minha lista de fitas?". Sua lista de fitas, dita seja a verdade, tinha um monte de coisas legais. O Carlinhos Carneiro comprou uma Basf 90 com os dois Kinks psicodélicos, um de cada lado, Village Green e Arthur. Ficou impressionado como o Blur lembrava os Kinks. Todos queriam piratear sua fitinha.
Por volta de 99, o "Cara das Fitas" foi obrigado a adaptar seu negócio aos novos tempos: "Querem dar uma olhada na minha lista de fitas? Agora também com CDs gravados", reformulava, sem mudar, é claro, o velho e famoso bordão-base.
Para os colecionadores de rock à antiga, convertidos em colecionadores adaptados aos novos tempos, e também para bolsos & ouvidos sensíveis, a internet é o Jardim do Éden. Um presente do Deus do Rock (Elvis?) para os seus súditos.
É bom aproveitar, pois a mamata dos downloads, como tudo o que é bom, não deve durar para sempre. Nunca se sabe, nunca se saberá. Muita grana está em jogo, pra variar. Contudo, levando em conta a lama na qual a indústria fonográfica está afundada até os ossos atualmente, só descendo nas pesquisas, o orgasmo promete ser ainda prolongado: ♪ Let's get it on ♪ Let's get it on!
Um dos álbuns que ficaram pra trás na minha coleção particular dos que "algum dia ainda tenho que ouvir" (coleção que todos devem ter), é Psychedelic Lollipop, dos The Blues Magoos. Apenas efemérides para tentar definir o disco, de 1966, perfeitamente pop e complexo desse quinteto de Nova Iorque - acid pop, rock & blues.
Dessa vez, sem preliminares, só dois pontos: Psychedelic Lollipop abre com a fenomenal "(We ain't got) Nothin' Yet", que entrou no top ten norte-americano e por lá permaneceu de dezembro de 66 a fevereiro de 67. O single da música vendeu um milhão de cópias. A tensão pop-experimental de "Tobacco Road" termina em ruídos sinuosos, enquanto a batida contagiante de "Gotta Get Away" e de "One by One" explica porque estouraram nas paradas de sucesso. "Love Seems Doomed" (a-t-e-n-ç-ã-o para as iniciais!) é uma viagem de amor em paragens lisérgicas.
Não se acanhe e baixe Psychedelic Lollipop. Não é como baixar as calcinhas da garota que você ama, mas a diversão é garantida. Vai por mim.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

o cETRO gLITTER*

O fim dos Beatles levou Marc Bolan a liderar na Europa um fenômeno juvenil de proporções colossais: a t.rexmania. Nos anos 70, o frisson em torno da banda T.Rex foi arrasador, a ponto de Paul McCartney comentar que somente ela poderia repetir o histerismo dos fãs do Fab Four.
A reverência a Bolan sobreviveu. Recentemente, o guru do glitter foi capa de uma edição da Mojo Magazine, concorrendo numa eleição das personalidades que tiveram "espetacular carreira em escala global".
O sucesso do T.Rex também chamou a atenção de Ringo Starr, que topou dirigir um filme sobre o grupo pela produtora dos Beatles, a Apple Films. Rodado no Wembley Empire Pool de Londres, Born to Boogie, de 1972, é registro fundamental para compreender o glitter rock. Para o prazer dos beatlemaníacos, algumas locações do filme foram feitas nos jardins da mansão de John Lennon.
O ponto máximo da elegância é Ringo e Elton John tocando juntos na versão incendiária de "Children of the Revolution". Os extras jogam ainda mais purpurina sobre o T.Rex: dois documentários que recuperam cenas excluídas do original, jam sessions raras e depoimentos do produtor Tony Visconti. Deleite certo para os súditos de Marc Bolan.
Born to Boogie - The Ultimate T.Rex Experience (Sanctuary)
*Bizz, abril de 2006.
EXTRAS DE BORN TO BOOGIE
Teenage Dream: Hot Love
Bolan & Ringo: acertando o ritmo no take 2 de Tutti-Frutti
Spaceball Ricochet: nova tomada de uma grande canção
Children of the Revolution: Diversão - revolução só depois
Nonsense remasterizado: na trilha de Death Proof

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

dO oUTRO lADO dO rIO

Uma integração extremamente profissional se afirma a cada dia na cena do rock independente sulamericano. A música latina, enfim, se movimenta para transpor a fissura geocultural que aparta os países da América do Sul.
Brisas continentais sopram a favor do rock. É a política da boa vizinhança entre as bandas, que vem ajudando a estreitar relações.
Cambiando experiências e sonoridades, roqueiros argentinos, uruguaios, brasileiros, colombianos e de outras nacionalidades ganharam o trânsito sulamericano.
É possível que, em nenhum outro momento da história, as fronteiras dos países de língua espanhola tenham ficado tão receptivas ao livre ingresso da música jovem como hoje estão.
O filão é festa garantida para o rock independente. Passaporte na mão (talento e um mínimo de estratégia) e as bandas brasileiras podem sonhar, inclusive, com a viabilidade de uma carreira internacional. Para não dizer continental - essa é a palavra. A junção bilateral de esforços em prol do rock já deixou de ser um projeto, em curso nas décadas passadas, para se tornar prática com alto grau de profissionalismo no século 21.
O intercâmbio entre as bandas funciona e, por sua conta e risco, os grandes festivais independentes, em especial os brasileiros, têm se mostrado os maiores interessados na abertura cultural. Na última edição do Goiânia Noise, um dos maiores festivais do país, duas atrações sulamericanas foram escaladas: Rubin & Subtitulados (Argentina) e Perrosky (Chile). Na verdade, o rock latino vai bem - mas, como Cuba, tem de conviver com os embargos culturais de sempre.
Ser ignorado pela mídia e passar batido pelo gosto seriado do grande público são apenas os desafios mais prosaicos. No Brasil, o desafio dos artistas latinos com interesse no nosso mercado musical não é apenas grande - tem proporções monstruosas. Fora toda sorte de peculiaridades da nossa indústria.
Para vingar por aqui, antes, os artistas hermanos vão ser obrigados a solucionar a velha charada, aquela que ainda faz sua troça dissimulada pelos Pampas: como, em nome de Che Guevara e de todos os heróis revolucionários, seria possível cativar a audiência brasileira (numerosa, mesmo nas comarcas indies), pouco familiarizada com os enlevos lingüísticos do castelhaño?! Enquanto não aparece a fórmula perfeita para resolver a equação pop, a solução mais sensata também seria a mais justa. É simples, mas teria que partir de nós: parar e ouvir a música dos nossos vizinhos.
O jornalista e proprietário do selo SenhorF Discos, Fernando Rosa, é um estudioso da história do rock da América do Sul. Ele também não tem a chave para o enigma, mas faz muitas apostas no rock latino-americano – mesmo com o cenário adverso, embora promissor, que caracteriza o mercado das bandas independentes. Uma das suas cartadas será dada com o projeto SenhorF Festival – El Mapa de Todos, que vai reunir artistas de diversos países da América do Sul para tocar no Brasil esse ano, ainda sem data marcada.
Para Fernando, El Mapa de Todos traduz para o rock independente o sentimento, cada vez maior, de integração que está rolando entre países e culturas da América do Sul. Em outros segmentos da sociedade esse sentimento, inclusive, já deu frutos. Rosa cita a recente criação do Parlamento do Mercosul e do Banco do Sul, e emenda: "A integração, para ser duradoura e verdadeira, tem de ocorrer no terreno social e cultural. A música é um dos principais caminhos", aponta.
A integração da América do Sul, explica o jornalista, acontece por várias rotas. Vai desde a criação do Parlamento do Mercosul até o projeto de uma rodovia de ligação com o Pacífico, via Peru, e outras iniciativas fundamentais no terreno da infra-estrutura. "A integração para a qual ninguém dá muita bola avança pelo terreno cultural, onde a música possui grande força pela sua natureza imediata de comunicação", observa.
É nesse espírito que, no rock, as iniciativas proliferam. A plataforma de festivais independentes organizada e estimulada pela Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) e pelo Núcleo Fora do Eixo vem promovendo a vinda regular de bandas sulamericanas ao Brasil. A política integracionista dos festivais independentes já levou aos palcos brasileiros bandas como Los Natas e Satan Dealers (Argentina) e Supersónicos (Uruguai).
Na edição passada, uma das grandes atrações do festival acreano Varadouro foi a peruana Turbopótamos. Em 2007, Brasília recebeu Rubin & Subtitulados (Argentina), Motosierra (Uruguai) e Perrosky (Chile).
A mesma força é dada do outro lado da fronteira. No ano passado, a gaúcha Superguidis realizou uma mini-turnê pela Argentina e pelo Uruguai. Na Argentina, o selo Scatter Records, da brasileira Sylvie Picolloto, organiza o ciclo Music is My Girlfriend, onde integração é a força- motora do movimento. Sylvie leva bandas nacionais para tocar na Argentina, e vice-versa, e lança discos de independentes brasileiros no país como fez com Autoramas, Superguidis e MQN.
Al otro lado del río – Toda a movimentação de bandas e artistas nas fronteiras atraiu a atenção da Petrobras. Em recente edital de apoio aos festivais independentes, a empresa estipulou, entre as exigências contratuais, a inclusão de bandas independentes do Mercosul na escalação dos festivais aprovados.
Com isso, a partir desse ano, grande número de artistas e bandas dos países sulamericanos circulará pelos festivais independentes do Brasil. "Em contrapartida, os brasileiros também cruzarão as fronteiras dos países vizinhos", coloca Rosa.
Criada no final dos anos 90, desde que entrou no ar, a Agência SenhorF divulga o rock da América do Sul nas suas páginas eletrônicas com biografias, resenhas de álbuns e textos históricos sobre as bandas. O site também edita split-singles virtuais binacionais por meio da iniciativa SenhorF Sem Fronteira.
A última dobradinha foi o lançamento do EP Los Porongas/Turbopótamos, com duas canções de cada banda. Turbopótamos é de Lima, Peru, e Los Porongas é a uma das grandes revelações nacionais surgida do Acre.
Em outros momentos da história, Roberto Carlos, Charly Garcia, Paralamas do Sucesso e Soda Stereo abriram as fronteiras dentro da velha lógica do mercado das majors. Só que agora o intercâmbio é mais profundo: envolve troca de informações, de tecnologias e contribui para a construção de um novo tipo de mercado. "Um processo que artistas pioneiros como os gaúchos Vitor Ramil e Arthur de Faria, por exemplo, conhecem bem, mas que precisa se tornar uma prática comum na região", lembra o jornalista.
Fique por dentro de todo o contexto do rock latino-americano na entrevista exclusiva de Fernando Rosa para o [[DESORIENTAÇÃO]]. Siga o post abaixo.

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