segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

cANINOS bRANCOS

Caninos Brancos tem um dos inícios mais tensos já escritos em uma história de aventura. Sua primeira parte inteira, que engloba os capítulos No Rastro da Caça, A Loba e O Uivo da Fome, transcende o sentido literário.
A narrativa construída por Jack London é verdadeira obra-prima que prenuncia a ação de cinema. O que prova que o escritor faria promissora carreira em Hollywoood, se para lá aportasse. História perfeita para a Disney filmar.
São capítulos com tanto movimento que, no início do século, para o público leitor, devem ter valido pela emoção provocada pelas cenas de perseguição de automóveis de Steve McQueen em Bullitt, décadas avante. Ou as lutas do valentão John Wayne para dizimar os povos indígenas ameríndios.
Mas a realidade do livro é bem outra. Alasca. Final do século 19. Corrida do ouro. Gelo. Escassez de caça. A fome ronda as florestas. Dois homens, que transportam um esquife funerário, e os seis cães, que puxam o trenó, são acossados por uma matilha de lobos famintos liderada por Kitch, astuciosa loba. London, com sua experiência de garimpeiro no Klondike, não apenas conta a história - faz com que a gente não queira estar na pele dos homens.
O talento de Jack London para contar histórias é inimitável: mantém o suspense do leitor cerzindo as informações como um novelo de lã que se transforma em pulôver. Sempre que apropriado, fornece o seu famoso ponto de vista social, sem ser chato. Suas narrativas, além de aventurescas e libertárias, têm sempre o caráter jornalístico.
O espírito aventureiro de London tocou diretamente outro Jack, o Kerouac; a investigação jornalística posta em prática pelo escritor em livros como O Povo do Abismo, no qual denuncia a situação dos moradores de rua de Londres, inspirou, mais tarde, o chamado "jornalismo participativo".
Na edição da Melhoramentos, os predicados jornalísticos originais do livro ganham força redobrada e as páginas, em papel couchê, beleza singular. Por ter ilustrado O Chamado Selvagem, outro livro de London que integra a série de obras universais da editora, Phillippe Munch foi chamado para criar o deleite visual de Caninos.
Munch optou por desenhos grandes e cheios de detalhes. Da orelha à contracapa, pinta impressionantes cenários que transportam o leitor para a atmosfera gelada do extremo norte e o faz participar da vida dos índios e dos garimpeiros. Philippe Jacquin, especialista em América do Norte, descreveu e comentou, em cada página e com bastante propriedade, documentos e objetos da época da corrida do ouro.
Caninos Brancos não é apenas a história de um cão-lobo que vê o mundo sob a ótica sórdida do Deus-Homem. No epílogo, há redenção. Em poucos parágrafos, Jack London descreve a regeneração moral do personagem Jim Hall, que pode ser facilmente interpretada, na verdade, como um apelo à regeneração social de todos os marginais humanos.
London acreditava na regeneração do homem, mas não pôde salvar a si próprio. Alcoólatra debilitado, morreu aos 40 anos, possivelmente por excesso de automedicação de morfina, não se sabe se intencional ou não. Deixou um legado único, como observa o escritor E. L. Doctorow:
"Nunca foi um pensador original, mas um grande devorador do mundo, física e intelectualmente. Era o tipo de escritor que, em qualquer lugar que estivesse, jogava os próprios sonhos na situação do momento. Era um esforçado gênio literário que sabia, por instinto, que a literatura era uma anfitriã generosa, que sempre tinha lugar para mais um à sua mesa". Sua obra permanece viva em dezenas de livros.
No próxima parada, aprecie o trecho inicial do primeiro capítulo de Caninos Brancos. Depois, prossiga na aventura conhecendo algumas das principais obras de Jack London. A imagem que ilustra o post seguinte foi feita por Phillipe Munch para a edição da Gallimard.

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