quarta-feira, 2 de junho de 2010

o cANTOR dO bRASIL*



Dez anos sem Nelson Gonçalves, o mito sem medo e sem limites da música brasileira

POR CRISTIANO BASTOS


Rio de janeiro, 16 de abril de 1998, quinta-feira. No apartamento da filha e empresária, Margareth, o cantor Nelson Gonçalves atende ao telefonema do presidente da gravadora BMG (antiga RCA Victor), Luiz Oscar Niemeyer. A ligação trazia boas novas. Uma festa, em alto estilo, programada para dali alguns dias, celebraria os triunfantes 58 anos do astro na companhia.
Recorde inigualável da fonografia brasileira – quiçá, mundial. Em seguida, Nelson recebeu felicitações pelo álbum Ainda é Cedo que, editado havia três meses, já vendera mais de 150 mil cópias. Foi o último, porém, de uma odisséica carreira de sucessos. No sábado, dois dias após o telefonema de Niemeyer, nocaute. Aos 78 anos, o coração impávido do “Metralha” beijava a lona: a morte desferia seu golpe baixo contra o maior cantor do Brasil. “Fui à padaria, e quando voltei, meu pai não estava mais lá”, retrata a caçula Margareth.

O boêmio tinha jurado cantar até 2001. Dessa vez, porém, se fora para sempre. Os dez anos sem Nelson serão bem recordados com o lançamento de jóias revolvidas diretamente de sua majestosa arca de sons e histórias. Certamente, a peça de maior valor documental é o DVD Eternamente Nelson – Especial e Registros Raros da Carreira de Nelson Gonçalves, espetáculo de gala produzido pela Rede Globo cujo som e imagem (de 1981) foram remasterizados.

Os extras são "de verter lágrimas": clipes do Fantástico, aparições na TV e duetos com artistas como Martinho da Vila e Alcione – fora os francos (e divertidos) causos sobre vida e obra que ele desfia dentro de um ringue, seu habitat fora dos palcos. A Sony&BMG, detentora dos fonogramas do cantor, também prepara reedição especial de seu primeiro LP, Nelson interpreta Noel (1954).


Contudo, o regalo mais intimista do pacote é a publicação de O Canto que Me Embalou – Poemas para meu pai, Nelson Gonçalves, livro escrito por Marilene Gonçalves, sua filha com a primeira esposa, Elvira Molla, em que reparte detalhes subjetivos da sua intimidade paterna.


Da educação sexual à literária, o pai ensinou-lhe tudo, reverencia a filha mais velha: "Fomos morar juntos quando ele se divorciou de Lourdinha Bittencourt. Nos domingos, a gente ia à TV Rio, para ver as lutas de boxe. Íamos a pé, conversando. Papai me contava sobre os rendevouz da Avenida Atlântica e o que as meninas virgens faziam lá... Ele falava comigo como se fosse um amigo e não a filha de 17 anos".


Cantando para seis gerações, Nelson Gonçalves entrou, saiu e voltou à moda. Na vida, os ambivalentes arquétipos de "decaído" e "campeão" servem-lhe como luva de boxe: gozou sucessos, amargou ruínas e se redimiu na sarjeta.


"A morte do Nelson desfez a trindade dos artistas do rádio – soberania que ele tinha com Orlando Silva e Francisco Alves – e encerrou a era mais mítica da música brasileira", estima o produtor e amigo José Messias, hoje jurado do programa Raul Gil.


A estatura da obra de Nelson Gonçalves assombra: são 70 milhões de discos vendidos – média espetacular de mais de um milhão anuais. Nos cálculos do próprio cantor, da gravação de estréia, a valsa "Se Eu Pudesse Um Dia" (outubro de 1941), ao derradeiro Ainda Cedo (1997), são mais de dois mil registros fonográficos, sulcados em 183 discos de 78 rotações, 100 compactos, 200 fitas cassete e 127 LPs. Só o compacto de "A Volta do Boêmio" faturou dois milhões de exemplares.


Gravou sambas-canções, marchinhas de carnaval, foxes, tangos, boleros, valsas, serestas, jazz, bossa nova. Interpretou Wilson Batista, Herivelto Martins, Mario Lago, Noel Rosa, Silvio Caldas, Cartola e, na maturidade, engatou fugaz romance com o pop. Teve discos lançados na Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, Alemanha e China. Mas, nem tudo foram só flores. "O início, como papai bem dizia, 'foi osso duro'", cita Marilene.


Os pais, imigrantes portugueses de Vizeu, na bagagem trouxeram apenas a tradição dos cantores ambulantes. Nasceu Antônio Gonçalves Sobral, das andanças do casal por Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, em 21 de junho de 1919. Quando a criança completou dois anos, a família seguiu para São Paulo e se instalou no bairro do Brás.


O pai, Seu Manoel, tirava o guri da cama cedo para cantar em feiras livres e praças da metrópole. O menino se apresentava do alto de um caixote de bacalhau – seu primeiro palco – companhado, ao violão, por um cego. Antes da consagração, o "Metralha" (apelido que ganhou por conta da gagueira) foi de tudo: jornaleiro, mecânico, engraxate, garçom, polidor, tamanqueiro, gigolô e boxeur.


Aos 17, após vencer 24 lutas por nocaute, se sagrou campeão paulista dos meio-médios. A carreira nos ringues terminava aí. Na temporada seguinte, perdeu do uruguaio Costa e pendurou as luvas: "Vou é cantar no rádio", anunciou. E foi.


Surfando nas ondas radiofônicas, Nelson iniciou uma gloriosa escalada de fama – é coroado "Rei do Rádio". Em 1943, vira crooner do Cassino do Hotel Copacabana Palace, mas, levado por Carlos Galhardo, logo assina com a Rádio Mayrink Veiga. Os sucessos abrolham: "Normalista", "Ciúme", "Espanhola", "Marina","Serpentina" e o foxtrote "Renúncia". Da Mayrink para o lendário Cassino da Urca foi um pulo.


O clima é totalmente de "A festa nunca termina". O cantor de boleros Roberto Luna foi parceiro de Nelson em farras na ponte aérea Rio/São Paulo. Jovens de vozes consagradas, os dois viviam assediados. Tanto que se estranharam por causa da mesma fêmea: a bailarina cubana Nancy Montez. "Ainda casado, Nelson a apresentava como sua 'namorada'", relembra o próprio Luna.


"Porém, ela não conhecia absolutamente ninguém no Brasil". Por força de uma turnê pelo Nordeste, sem ter com quem deixá-la, Nelson pediu ao amigo (único homem no qual confiava) que tomasse conta dela enquanto estivesse fora.


"Nancy sentia-se solitária e, seguidamente, me telefonava para jantarmos. Nas primeiras vezes, comemos 'respeitosamente'. Um uisquinho a mais, numa dessas noites, ela me convidou para subir". A notícia correu aos ouvidos de Nelson. E, ainda mais velozmente, às antenas da Revista do Rádio, poderosa central de fofocas daqueles tempos. Nelson comprou um revólver e espalhou que pegaria o traidor: "Fiquei muito assustado", admite Luna.


Até que Adelino Moreira, recorda, arranjou um encontro para resolvessem a contenda de "homem para homem". Resumo da ópera: num bar, após três brindes, restaurava-se a paz. Nelson terminou seu caso com a vedete dias depois. Mas não Luna. "É, voltamos a ter um 'romancinho': Nancy era um pecado", assume o cantor.


Diferente, no entanto, do final trágico que envolveu a história de Betty White, linda crooner que Nelson Gonçalves conheceu no golden room do Copacabana Palace. "Nunca a frase que ele cunhou b – para ser adorado por uma mulher convém amá-la pouco, prometer muito e fingir sempre' – fez tanto sentido", repara Marilene.


Betty morreu apaixonada por Nelson, que não dava a mínima para ela – a não ser quando estavam rolando na cama. No desenlace de uma noite de volúpias, a transtornada Betty ameaça tacar fogo em si mesma se o amante que a abandonara não retornasse aos seus braços.


Embora ela implore, ele dá as costas e se vai. Ela encharca as vestes com álcool e risca um fósforo. Já no leito de morte, quase sem voz, ela ainda balbuciou para Nelson: "Que bobagem eu fiz... Não é, amor?".


Na fase áurea, o cantor Paulo Rodrigues, hoje crooner na casa Bar do Nelson, em São Paulo, viu o histórico encontro entre Nelson Gonçalves e Frank Sinatra no Radio City Music Hall de Nova York. De passagem pelos Estados Unidos, em 1961, o Metralha assistia o "Old Blue Eyes" como convidado da RCA Victor.


Cantor juvenil da gravadora, Paulo também estava lá. "Alguém falou pro Sinatra que 'o terrível cantor brasileiro' se encontrava na platéia. No meio do show, ele o chamou ao palco e eles encararam o dueto de 'Girl From Ipanema'", relembra Rodrigues.


José Messias é outro que testificou o arrebatamento de Sinatra. No lobby do hotel Copacabana Palace, ele flagrou o "The Voice" perguntando à gerência sobre o paradeiro do "grave mais bonito do mundo". "Ele não conseguia dizer 'Nelson Gonçalves', mas queria escutar o famoso grave do Nelson", explica o produtor.


Um radialista ajudou a encontrá-lo no Rio de Janeiro. O boêmio ensaiava no Morro da Urca e de lá mesmo sacou o número perfeito para emitir o seu famoso "ré-gravíssimo": "Maria Bethânia", do recifense Capiba – grave do início ao fim.


Nos idos de 1950, o "furor uterino" era a latente bomba-relógio prestes a detonar na sociedade. De norte a sul, milhares de lares (e vestidos) adentro, a extensão máscula do timbre vocálico de Nelson Gonçalves penetrava na reprimida libido das brasileiras.


Em 1953, qual não foi o efeito surtido pelos versos sensualmente licenciosos de "Camisola do dia"? "A camisola do dia/ Tão transparente e macia/ Que eu dei de presente a ti/ Tinha rendas de Sevilha/ A pequena maravilha/ Que o teu corpinho abrigava/ E eu, eu era o dono de tudo/ Do divino conteúdo/ Que a camisola ocultava".


É nessa fase que Nelson é apresentado a Adelino Moreira, amigo e letrista em mais de 370 canções. "O Nelson tinha a vivência das ruas que ele botava nas suas músicas. A parceria rendeu composições de popularidade descomunal: "Negue", "Meu Vício é Você", "Fica Comigo Esta Noite" e "A Volta do Boêmio" – a mais emblemática.


Interpretações que desagrilhoaram Nelson das comparações com Orlando Silva. Reza a lenda que, ao ouvir a interpretação de Nelson para "Chora Cavaquinho", que também havia gravado, Orlando teria perguntado: "Sou eu?".


No prelúdio da fama, Nelson rodou o submundo carioca e ganhou o respeito da malandragem, após a surra histórica que deu no temido Miguelzinho, bandido que apavorava a Lapa. Miguelzinho está eternizado na música "História da Lapa", junto dos malandros Meia-Noite e Camisa Preta. Na época, contou o Metralha, para circular na área "tinha que ser ou malandro, ou valente, ou trouxa: eu apenas andava por ali".


Certa vez, ele comia (uma sardinha) e bebia (cachaça) acompanhado do ator Rodolfo Arena, no Bar Petisqueira. De repente, adentra o recinto um mulato forte que, com uma trombada, derruba-lhe o minguado aperitivo.


O boxeur vinha arisco de São Paulo: "Ô, crioulo, que negócio é esse?!", intimou. Viu nos olhos de Miguelzinho que ele iria atacá-lo e não esperou – lançou seu fulminante jab de direita e ele espatifou no chão.


"Apanhei o revólver que tinha caído e corri para os Arcos da Lapa. Dei de cara com o famoso travesti Madame Satã. Falei: 'Satã, dá um pulo na Petisqueira pois acho que apaguei alguém'". O travesti retornou dizendo: "Rapaz, sabe em quem você bateu? No Miguelzinho. O cancan, o bravo da Lapa, o matador!".


Nelson ficou aterrorizado e rogou-lhe que retornasse lá e pedisse desculpas ao bandido. Satã voltou com o sujeito à tira-colo, que falou: "ostei de você. Caí e você não me chutou a cara e nem as costelas. Você é homem. Toca aqui!".


O extra mais impressionante do DVD Eternamente Nelson é o depoimento tragicômico do astro sobre a ruína que atravessou nos anos em que ficou “na roda do pó”, entre 1958 e 1966. De todos os enredos "não-autorizados" já fantasiados sobre a história, possivelmente seja esta a versão mais definitiva e "romanesca" – justamente por tê-lo como protagonista-narrador.


"É mais fácil sustentar dez crianças a um vício", comparou. "Cheirei mais de 50 quilos." O eclipse total teve início em 5 de maio de 1966, quando ele foi preso, sob acusação de tráfico de cocaína. Na hora, não houve ajuda do meio musical: os maiores solidários foram os três mil presos da Casa de Detenção de São Paulo, que oferecem um dia a mais em suas penas “para que o cantor Nelson Gonçalves seja libertado".


Em sua primeira noite de cárcere, o famoso preso escutou as milhares de vozes que, emocionadas, ressoaram "A Volta do Boêmio" pelos corredores. Nelson comprou seu bilhete para o inferno no mictório do restaurante El Greco, em Copacabana.


Extenuado de uma longa turnê, o boêmio foi espairecer por lá e encontrou um velho conhecido. Vendo-o desanimado, o sujeito disse a mágica frase: "Até para o cansaço há remédio...". "Me envolvi a tal ponto que fiquei totalmente dependente da droga", relatou Nelson. Desquitado de Lourdinha, ele se devotou ao vício.


Literalmente, o dinheiro foi aspirado para sua narina: "Acabaram-se os apartamentos e os carrões. Show, eu não fazia. Disco, não queria gravar. Só pensava no tóxico. Minhas amizades eram apenas traficantes ou da patota que cheirava: os 'nariguetes'".


No auge do vício, o cantor mandava pelo menos dez gramas de cocaína por dia. "Muitas vezes cantei em troca de pó na casa de um malandro qualquer do subúrbio", confessou. "A coisa foi num crescendo tal que minha mulher apanhava de coronhada de 45, rezando." Em casa, ele guardava quase um quilo.


Farto daquela vida, um dia anunciou à Maria Luiza Ramos, a terceira esposa, sua decisão de "parar de estalo". Ordenou que ela despejasse o pó no vaso sanitário. Depois, ela o trancafiou no célebre quartíbulo (onde ficou por quatro meses sem ver a luz solar) por onde recebia "comida por debaixo da porta".


Marilene lembra do pai se recuperando no cômodo. "Um dia fui visitálo e ele estava bastante sedado. Compreendo o quão difícil sua abstinência deve ter sido, afinal, os atuais recursos médicos não existiam. O que torna a superação dele exemplo para todo mundo", enaltece.


Uma certa manhã, Nelson viu a cena prosaica que simbolizou sua liberdade: o padeiro entregando pão, o leiteiro deixando o leite e uma mulher varrendo a rua. "aí está a vida de verdade", soube às lágrimas. Havia se restaurado: "Sou o cantor que veio do inferno", asseverou a si mesmo.


A reentrada no mainstream, todavia, demorou mais um tempo. O público, que antes o assediara, agora o olvidava completamente. Quem de novo abriu-lhe as portas foi Silvio Santos, lembra Marilene. "Silvio, inclusive, o ajudou quando ainda estava querendo parar, pois ninguém mais o contratava. Drogado, numa dessas apresentações papai chegou a cair no palco. Mas, se levantou e continuou o show. Coisa de boxeur."


Ao saber que o boêmio renascera das trevas, o apresentador ordenou: "Se o Nelson voltou a cantar, contratem o homem!". O vigor físico, contudo, foi recobrado com a tenacidade de ex-pugilista. O boxeador Éder Jofre (campeão mundial dos pesos médios, em 1961) relembra que o artista, ainda em reabilitação, matriculou-se na academia na qual treinava.


"Ele lutava para fortalecer o corpo. Era um pugilista disciplinado. Tinha o braço direito pesado e batia forte! Até parece que o vejo agora, todo metido, brincando de luva e se esquivando das minhas investidas", descreve Jofre, quase num déjà vu. Com apoio do campeão mundial, para ratificar ao público que estava 100% recuperado, o cantor organiza uma luta-exibição no Ginásio do Ibirapuera: Nelson Gonçalves x Éder Jofre.


Lotação máxima para ver a "A Luta do Século no Brasil". Teimoso, o Metralha leva o certame – meramente promocional – a sério. Após bater insistentemente em Jofre, no sétimo round o lutador desfecha uma investida que faz o adversário tombar desfigurado no ringue. Catarse.


Cambaleante, Nelson se ergue heroicamente e – em êxtase – canta "Castigo", de Lupicínio Rodrigues: "Homem que é homem faz qual o cedro que perfuma o machado que o derrubou".


Nos anos 80, Lobão foi o músico que conviveu mais próximo do baluarte. Dele, Nelson interpretou "Deusa do amor" e "Me Chama". Os dois "foras-da-lei" se conheceram por causa da revista Manchete, que os unira em artigo sobre "artistas que tinham cheirado cocaína". Lobão saíra da prisão recentemente. Ficaram chapas um do outro.


Ele garante que jamais o boêmio afetou falsos moralismos com o pupilo. "Ele só dizia: 'Porra, na minha época, sim, a cocaína era boa. Não esse pó de maizena que vocês cafungam por aí!'. Ele ficava puto não por cheirararmos cocaína, mas, por cheirararmos da ruim", se diverte Lobão.


"O Nelson era uma figura passional. Homem boníssimo e, ao mesmo tempo, casca-grosíssima – punk total. Por outro lado, aquele ser da maior delicadeza e afetividade".


Nos seus "tempos de ventura", Lobão admite que "fazia muitas cagadas". "Eu chegava no estúdio bêbado com uma garrafa de uísque debaixo do braço. Daí, sim, ele me 'passava uns conselhos'":


– "Porra! Porque tu faz essa merda, rapaz?".
– "Pô...Nelson, passei uma semana fora de casa.
O que vou dizer à minha mulher?", Lobão lamentava.
– "Faz como eu" – ele sugeriu.
– "Na última vez, quando ela me ligou, avisei: '
Não venho porra nenhuma! Agora estou em Paris, casado.
Vá tomar no seu cu!' E desliguei na cara dela".


Margareth Gonçalves passou o último ano e meio da vida do pai ao lado dele. Nos últimos tempos, a filha desmistifica: Nelson não tinha nada de boêmio. "Ele deitava e acordava cedo. E, pontualmente, às oito já estava na [gravadora RCA] Victor, a postos para gravar". O avô era muito ligado ao neto, Pedro, ao qual deu o carinho que não teve dos pais na infância, ela lembra.


Aos 78, orgulhava-se da voz que não baixara um tom sequer. Até o final, Nelson cultivou opiniões controvertidas sobre tudo. Machão, dizia nunca livrar-se do "três-oitão" que levava à cintura, e que mantinha sua saliente prótese peniana guardada num coldre feito sob medida. Achava Michael Jackson "um tremendo viado". Óculos escuros, que jamais usou, também era "coisa de viado".


Não interessava a ele ser número 1 em Miami ou segundo em Veneza. "Para ser feliz, quero o quinto lugar nas paradas de Madureira ou o terceiro na periferia de São Paulo", ajuizava. O "Cantor do Brasil" nunca temeu nada: guerra, bomba, morte, bandido, revolução ou desaforo.
"Durmo como um anjo. Sou desassombrado. O último dos moicanos".


*Reportagem publicada originalmente na Rolling Stone 27. Em junho de 2011, Nelson Gonçalves faria 93 anos. Esse ano são 13 anos sem a voz mais destemida do Brasil de todos os tempos. Assista a reportagem histórica da Rede Globo que foi ao ar no dia de sua morte.

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