terça-feira, 15 de junho de 2010

uM aSTRO cHAMADO rAULZITO*

A primeira vez que Ivan Cardoso topou com Raul Seixas foi nos corredores da recém-inaugurada gravadora WEA, em 1977. Cardoso era fotógrafo oficial das capas dos discos.

São de Cardoso as fotos usadas nas capas dos LP's Respire Fundo, de Walter Franco, e A Peleja do Diabo com o Dono do Céu, de Zé Ramalho.

Na WEA, Raul assinara contrato para gravar o álbum O Dia em Que a Terra Parou. Detentor de mais 70 mil negativos, que guarda em seu acervo, Cardoso considera Raul "o melhor modelo de rock que fotografou":

"Raul tinha vocação para ser ator. Tanto que dizia: 'Sou um ator representando o papel de cantor'. Era tão bom ator que enganava todo mundo".

Segundo o cineasta, frente a lente Raul imitava perfeitamente as poses dos astros de rock dos anos 1950, como Buddy Holly e Elvis Presley, dos quais era ardoroso fã.

"O que sempre resultava numa tremenda foto de cantor de rock. Ele metamorfoseava-se em Elvis e não media limites".

Cardoso lembra que, nessa fase, era impressionante como Raul voltara a comportar-se  do "jeito de antigamente". "Até no vestuário Raul estava novamente igualzinho ao Raulzito dos tempos de produtor na CBS", rememora.

O big boss André Midani, revela Cardoso, também ficara surpreso com o novo visual: terno branco, botas no mesmo tom e camisa de gola rolê azul.

"Estava ali o coringa do baralho, o lendário band leader dos Panteras".

Ivan Cardoso também traça outro perfil sobre Raul Seixas:

"Campeão de vendas. Ídolo das empregadas domésticas. Produtor de iê-iê-iê romântico. Cantor de rádio. Herói/marginal. Irresponsável. Drogado. Pirado. Anarquista. Ele era o artista que fazia o tipo de música que eu gostava de ouvir: rock-and-roll".

Outra coisa que deixava Cardoso era a ingenuidade do baiano.

"Raul se vestia de pop star e tinha um Ford Galaxie preto. Era quase um 'meta-cantor'. Ele dizia: 'Eu gosto mesmo é quando me chamam de Elvis!' E vivia intensamente essa realidade. Ou esse sonho...".

Nas sessões de fotos clicadas por Cardoso, Raul Seixas faz várias trocas de roupas e, na mais provocativa delas, fica só de cueca (estampada por coelhinhos da Playboy), meias pretas e vestindo um curtíssimo petit poá.

Poucos artistas "no mundo", grifa o cineasta, prestariam-se ao mesmo:

"Chico Buarque, por exemplo, nunca faria igual.

Raul estava há dez mil anos na vanguarda de qualquer cantor ou compositor brasileiro", afirma.


ESCORPIÃO ESCARLATE - Durante as filmagens de O Escorpião Escarlate, de 1990, Ivan Cardoso reencontrou Raul Seixas. Fez fotos da volta aos palcos do cantor e pediu a ele que ele compusesse a trilha-sonora do filme. Raulzito aceitou.

Mas o tempo passou, e nada. Um dia o cineasta encontrou Raul, já altamente debilitado pelo álcool que aniquilara sua saúde.

Ele murmurou para Cardoso: "Nego... tô sem inspiração".

Em agosto de 1989, após a morte de Raul sua viúva, Kika Seixas, entregou a Cardoso os versos de uma canção que Raul escrevera - "Escorpião Escarlate".

Versos que, chorando copiosamente,  Cardoso recita-me por telefone:

"Escorpião Escarlate/ Bandido do rádio/ Que não sai do rádio/ Pra vida real/ Bandido astuto/ Atrás de um capuz/ Maquina seus crimes / E o faz sem igual/ Escorpião Escarlate".


*Fotos de Ivan Cardoso

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